23 maio 2024

A etérea e translúcida cara-de-pau!





Jorge F. Isah
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Um dos ícones revolucionários do sec. XX foi, certamente, Che Guevara, sim, aquele que a torcida mais fanática e delinquente estampa em suas bandeiras. Aquele das camisetas de dândis e almofadinhas, e do pôster na parede do quarto, à cabeceira da cama, o anjo das trevas. Che que matou índios, negros, homossexuais, trabalhadores, estudantes e mais quem se opunha ao seu pensamento hermético, tornou-se símbolo de defesa da vida. O homem que ordenou a prisão, a tortura e morte de centenas de outros homens, disposto a insuflar uma guerra onde estivesse, hoje é o símbolo da paz. O homem que elaborou frases de amor, solidariedade e sonhos, era diametralmente oposto em seus atos beligerantes, intransigentes, excludentes e torturantes. Falava do que não conhecia, e iludiu muitos com o seu falso conhecimento, pura lábia de uma mente vingativa e diabólica. Mas haverá sempre os desejosos em seguir o próprio capeta, desde que ele seja convincente e descolado, ou aparente piedade quando é peçonhento e desumano.

Esse Che (stalinista empedernido e defensor ferrenho de Josep) está nos códigos e marcadores de livros de qualquer um que renunciou à própria consciência para salvaguardar o barbarismo e a hipocrisia revolucionária. E esse é o mote de Ernesto e inúmeros dos seus seguidores: fazer do embuste e do vício uma virtude.

Com palavreado adocicado a fel, frases açodadas, slogans e uma propaganda intensa do mito a negar o homem, diga-se, mau e perverso, gerações e gerações serão acalentadas com a balela ideológica de que os fins justificam os meios, seja lá qual meio for, para construir um mundo melhor que em nada melhora, em tudo piora, restando então o progresso para a fortuna e fartura de alguns poucos, a casta ou elite a substituir outra casta e elite por si mesmos.

Deixo-vos, portanto, com as melhores frases (sic) do mito Che, que soube muito bem ludibriar os ouvidos moucos e espíritos pacóvios de a “revolução” ser o melhor antídoto para o mundo injusto, desigual e miserável; e caso não desse certo, como efetivamente não deu, qualquer outra forma de rebelião seria combatida com as mais altas doses de injustiça, desigualdade e miserabilidade. Sem contar o pensamento tacanho, indigente e miserável do “nobre” frasista...

E o “rei” somente não ficou completamente nu porque o vestiram da mais tênue, etérea e translúcida cara-de-pau!
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FRASES¹:

. “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.

· Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética.

· Se eu andar me siga, se eu parar me empurre, se eu voltar me mate.

· Não há experiência mais profunda para o revolucionário que o ato da guerra.

· Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário.

· Fuzilamentos? Sim, fuzilamos e continuaremos fuzilando sempre que necessário. Nossa luta é uma luta (dedicada) à morte.

· O importante não é justificar o erro, mas impedir que ele se repita.

· A farda modela o corpo e atrofia a mente.

· Deixe-me dizer-lhe, correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor.

· Na verdade, se o próprio Cristo estivesse no meu caminho eu, como Nietzsche, não hesitaria em esmagá-lo como um verme.

· O verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de generosidade; é impossível imaginar um revolucionário autêntico sem esta qualidade.

· Que culpa tenho eu, se meu sangue é Vermelho e meu coração é de Esquerda?

· Que importa onde a morte nos irá surpreender! Que ela seja bem-vinda, desde que nosso grito de guerra seja ouvido, que uma outra mão se estenda para empunhar nossas armas e que outros homens se levantem para entoar cantos fúnebres em meio ao crepitar das metralhadoras e novos gritos de guerra e de vitória!

· A culpa de muito dos nossos intelectuais e artistas reside em seu pecado original; não são autenticamente revolucionários.

· Eu não sou o Cristo ou um filantropo, velha senhora, eu sou totalmente o contrário de um Cristo… eu luto pelas coisas em que acredito, com todas as armas à minha disposição e tento deixar o outro homem morto, de modo que eu não seja pregado numa cruz ou qualquer outro lugar.

· O ódio intransigente ao inimigo, que impulsiona o revolucionário para além das limitações naturais do ser humano e o converte em uma efetiva, seletiva e fria máquina de matar: nossos soldados têm de ser assim.

· Louco de fúria, mancharei de vermelho meu rifle estraçalhando qualquer inimigo que caia em minhas mãos! Com a morte de meus inimigos preparo meu ser para a sagrada luta, e juntar-me-ei ao proletariado triunfante com um berro bestial!

· Um revolucionário deve se tornar uma fria máquina de matar motivado pelo puro ódio. Nós temos que criar a pedagogia do Paredão!”
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Notas: 1- Tente não rir e não chorar, não sentir náuseas e vomitar, não ter urticárias e coçar, beliscar-se e acordar; se puder, em meio a tanta contradição e barbarismo (intelectual, semântico, moral e psicológico).
2- Texto publicado originalmente na Revista Bulunga


19 maio 2024

O pavio curto das “Tochas da Liberdade”

 



Jorge F. Isah

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Feministas, junto com o movimento gay, são as grandes forças revolucionárias da atualidade. Nem os sindicatos, antes os motores das convulsões sociais, estão mais em moda. Perderam força com o passar do tempo, superados por seios à mostra, defecações públicas e muito pompom e lantejoula. Não estou a generalizar, muito menos dizer que toda feminista e todo gay fazem ou defendem essas táticas de, mais do que reivindicar, buscar a convulsão, o tumulto, a sublevação da ordem e da tradição. Não é isso, que fique bem claro! Contudo, a face visível das manifestações, além da arrogância, intolerância e provocação gratuitas, não foge a esse escopo, o de substituir o debate sério por meios bárbaros e inurbanos... E o politicamente correto revela-se dia a dia, e cada vez mais, hipócrita, falso e desleal, pois, convenhamos, as mesmas exigências feitas aos antagonistas ou “inimigos” não vale para os pares e correligionários; agremiações e grupos que se manifestam, do ponto de vista da ação e do ativismo militante (sic), contrariam exatamente o que professam (ao menos em relação aos seus desafetos). Em outras palavras, o truculento, o violento é sempre o adversário, mesmo que ele nunca tenha desferido um soco, cuspe ou tapa em alguém, enquanto o “amigo” pode não somente realizar tais coisas, mas outras ainda piores, com a justificativa de “resistência” às injustiças. O que em um é condenado, no outro é absolvido. E o discurso toma ares de incongruência, desatino e absurdo, com laivos de agressividade desnecessária, seja pela histeria, pela ameaça, pela mentira, ou algum distúrbio hormonal e psíquico. A questão é de força, e não de argumentação, e ela se transforma na arma imprescindível ao sucesso.


  
Se as campanhas publicitárias, filmes, séries e novelas (pasmem! Até desenhos infantis) glamorizam a desobediência, o sexo irresponsável e desenfreado (parece uma maratona para ver quem fica com mais parceiros na reta final), o egoísmo e o pensamento linear, onde não existe lugar para debates, altercação; o monopólio dos temas e disputas se torna exclusividade, e a alienação mental nessa única ideia absorve todas as faculdades mentais do indivíduo, ao ponto dele não ser capaz de arrazoar nada além daquilo que lhe foi dito e prontamente aceito, sem questionamentos e dúvidas; na medida em que os fiascos e desgraças transmutam-se em vitórias, dominados pelo sofisma de labutar uma luta inglória e corrosiva.

Quando um grupo de mulheres saiu às ruas, no fim da década de 1920, na Quinta Avenida, em New York, o Easter Sunday Parade, em pleno domingo de Páscoa, ostentando cartazes onde os cigarros eram identificados como “tochas da liberdade”, a apelar para o direito inalienável de fumar (algo imoral na época), a fim de pôr de vez o “machismo” e o “patriarcado” em maus lençóis, a ideia era colocar homens e mulheres no mesmo pé de igualdade, ou seja, fazer da vaidade, do orgulho, uma bandeira (tenho para comigo que a vaidade/orgulho é apenas sinal mais “nobre” do fútil e presunçoso). Afinal, nada mais “empoderador” do que riscar um fósforo em público para todos verem quão “independente” pode ser a vontade mulíebre.


   
Por trás de tudo isso estava o gênio publicitário de Edward Bernays (austríaco e sobrinho de Freud que, incompreensivelmente, é desprezado pelas alas libertárias), contratado pela American Tabacoo Corporation, a fim de dobrar o consumo dos cigarros da marca. Nada melhor do que estimular as mulheres a quebrar o tabu, via luta social, e garantir-lhes o direito de consumo a algo estritamente masculino. Diga-se de passagem, as mulheres fumavam cigarros e charutos, mascavam fumo e bebiam, em reservado, em reuniões privadas, lares, etc., algo restrito e até mesmo combatido por várias ligas femininas (notem a diferença, por favor!) no decorrer da história, mas nada melhor para alavancar a demanda do que popularizar o consumo de tabaco em público.

Assim, naquele domingo de Páscoa, quando o Cristo veio para verdadeiramente libertar o homem (aos incautos, estou a falar do ser humano, no qual as mulheres estão inseridas), ironicamente o E.S.P. queria libertar as mulheres da liberdade e prendê-las ao vício. Nada mais incoerente; mas assim funciona o discurso ideológico.

Por fim, a marca “Lucky Strike” vendeu muitos milhões a mais de maços de cigarros, e as “tochas da liberdade” queimaram, mais uma vez, o paviozinho salubre de homens e mulheres.

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

13 maio 2024

Tribunal do Caos





Jorge F. Isah
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Li, certa vez, alhures, que durante muitos séculos havia leis para animais que cometiam crimes. Eles eram acusados formalmente, tinham direito ao advogado de defesa, a um tribunal regular com júri e todo o aparato legal. Podiam ser absolvidos ou não. Cumpriam penas de trabalhos forçados, exílio, ou eram sumariamente condenados à morte, caso não fossem abatidos antes de indiciados, para o almoço dominical ou aquela festa de noivado na vila. Isto acontecia pelo fato de se acreditar que eram seres moralmente responsáveis por seus atos. A base seria, supostamente, um versículo bíblico: “E se algum boi escornear homem ou mulher, que morra, o boi será apedrejado certamente, e a sua carne não se comerá; mas o dono do boi será absolvido.” (Êxodos, 21:28).

Ora, o versículo não endossa qualquer responsabilidade moral dos animais, mas pune, de maneira menos severa, o proprietário do animal, na forma de prejuízo financeiro. Se observarmos que a sociedade judaica àquela época era essencialmente agrícola e pecuária, e de que não eram muitas as famílias que dispunham de gado, a perda de um animal, cuja carne sequer seria comida, muito menos comercializada, era uma significativa punição ou sanção... Pesava no bolso de qualquer um. Em outras palavras, a pena era ao proprietário, que haveria de sofrer o dano financeiro, ao perder parte dos seus bens. A comprovação a esse argumento reside no verso seguinte, 29, que diz: “Mas se o boi dantes era escorneador, e o seu dono foi conhecedor disso, e não o guardou, matando homem ou mulher, o boi será apedrejado, e também o seu dono morrerá.”.

No primeiro caso, o dono do animal foi penalizado de forma proporcional a sua responsabilidade, mas ainda assim culpado do dano acarretado pelo animal, por isso, perderia o seu bem. No segundo, o grau de responsabilidade é muito maior, já que sabia dos antecedentes da besta, e mesmo assim não tomou providências capaz de impedi-la de matar alguém. Por isso, tornava-se responsável direto pelo assassínio e deveria pagar com a própria vida. Em nenhum desses pontos existe qualquer indicação bíblica sobre responsabilidade moral dos animais; a responsabilidade era, e é, sempre humana. Houve, sim, uma deturpação, uma má interpretação do texto sagrado, provavelmente a fim de eximir os donos de eventuais penas decorrentes de suas negligências (culpa) ou de incitação, ou provocação à violência (dolo). Neste caso, o proprietário assumiria o risco de matar, ao não criar meios de impedir o animal (em último caso, a “arma” ou objeto mortal) de provocá-la; o agente sempre seria o dono, e o animal o instrumento de execução. O mesmo se dá quando um motorista bêbado atropela um pedestre ou colide com outro carro. Ou o dono de cães ferozes, ao permitir que andem soltos, sem qualquer tipo de contenção.

Em 1386, um inofensivo porquinho foi condenado à forca por infanticídio. Deixou de ser assado, e fatias suculentas de bacon não deliciaram os paladares, por conta dos exageros da lei, a fim de encobrir as mutretas e artimanhas dos verdadeiros culpados. Provavelmente, estava chafurdando a lama em lugar e hora errados, quando esbarrou, por acidente, em um bebê negligenciado pelos pais. E tornou-se o “bode expiatório” da indiligência parental e da trapaça jurídica.

Hoje, milhões de bebês são sumariamente executados, mundo afora, pelo egoísmo, arrogância e barbaridade de pais, mães, legisladores e juristas. Abortos são praticados tão futilmente quanto mulheres (e alguns homens) vão à pedicure tirar cutículas. Filhos são lançados à rua, mendigando e se prostituindo, porque não têm quem os proteja e sustente. Enquanto isso, as autoridades, ong’s, associações e fundações (não me esqueci de algumas igrejas, mas isto será assunto para uma próxima vez) gastam seus recursos em propaganda e doutrinação supérflua, fomentando ainda mais a desestruturação, o caos normativo e o proselitismo social; tudo para que o controle das massas esteja cada vez mais centralizado em poucas mãos. Se ainda fossem os porcos do séc. XIV...



Sem falar no sem-número de criminosos absolvidos por tribunais, por algum erro de processo ou simplesmente a deturpação interpretativa da lei. Não raros são os casos em que as provas contra esses bandidos se avolumam até o teto de galpões e salas. Com isso, tornou-se desnecessário o bode expiatório, de alguém que assuma a culpa. Basta tão somente que o til da lei seja trocado de lugar para a avalanche de delitos ser jogada debaixo do tapete, e os réus não sejam julgados. Na verdade, eles não são absolvidos, não se tornam inocentes, são criminosos sem penas, cujas lides não vão adiante, não chegam às vias finais do juízo, por meros artifícios, gerados sabe-se lá por qual motivo, mas sempre a beneficiar o transgressor, através do “monstro” gigantescamente criado pelos “cientistas loucos” do congresso, assembleias e câmaras espalhadas pelo país e tribunais afora.

Entretanto, a mídia se tornou no mais ilustre dos tribunais. Sem precisar de toga, diploma, títulos ou indicações. Sistematicamente editores, jornalistas e redatores absolvem ou condenam publicamente esse ou aquele indivíduo segundo critérios ainda menos legais (não no sentido da legislação, mas extrajudicial, à base de conveniências e interesses de ordem pessoal ou orgânica, partidária ou ideológica). Sem generalizações, boa parte assumiu a tietagem, ao ignorar evidências e fatos sobejamente comprovados, para divagarem sobre o sexo dos anjos, a respeito de seus ícones, quase um fetiche. Para os desafetos, os fatos também nada significam, apenas o espantalho dos seus mais obscuros pesadelos; e haja reputações a se assassinar...

Se olhamos para o sec. XIV, achamos esquisito e absurdo o tribunal de animais; no futuro, alguém a olhar para o sec. XXI se deparará com algo ainda mais insólito: o incontável faz-de-contas, onde uns e outros se misturam em suas loucuras particulares e diatribes coletivas.

Quanto ao cadafalso e aquele porquinho prestes a debater-se na corda esticada, é apenas mais uma história dos diletantes e seus blindados, enquanto dizem querer paz, entre pétalas brancas de rosas soltas no ar, e os planos de guerra bem presos debaixo dos braços.
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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga 




09 maio 2024

Oscarito: O sotaque espanhol do "malandro" carioca

 



Jorge F. Isah

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Em nome do humor apelativo, vulgar e lascivo dos tempos atuais, a maioria sequer ouviu falar, quanto mais assistiu às performances histriônicas, debochadas e ingênuas (jamais inocentes, diga-se) do gênio da comédia brasileira, Oscarito. Comparado a Chaplin e Cantinflas, tinha um pouco de Harpo Marx, Danny Kaye e Stan Laurel. Segundo ele, suas maiores influências foram o tio Juan Cardona, Pablo Palitos, e o comediante Mesquitinha, que, apesar do estilo “cool”, ensinou-lhe muito do que viria a usar nos tablados. Juntamente com Mazzaropi e Grande Otelo, formou a tríade dos maiores humoristas do cinema brasileiro de todos os tempos.

Nasceu em 16/08/1906, em Málaga, Espanha, e se chamava Oscar Lorenzo Jacinto de la Inmaculada Concepción Teresa Díaz, filho de um alemão e uma portuguesa. Os pais vinham de linhagens tradicionais da arte circense, cuja origem datava-se havia mais de 400 anos, e foi no circo que Oscarito aprendeu praticamente todos os “segredos” do palco. Ator, palhaço, cantor, trapezista, músico, malabarista, comediante, entre outras coisas, aprendeu e aperfeiçoou-se nessas várias formas de ofício, sendo inclusive ótimo violinista. A família mudou-se para o Brasil quando ele tinha pouco mais de um ano de vida; por isso, ele nunca se considerou espanhol, mas um verdadeiro e típico “malandro carioca”. Naturalizou-se brasileiro em 1949.

O auge da carreira se deu nas décadas de 1930 e 1940, quando rivalizava nos cinemas com Chaplin, O Gordo e o Magro, Cantinflas e Os Três Patetas, ícones mundiais da comédia. Seus filmes atraiam multidões, e levou diversão e entretenimento por mais de 40 anos.

Começou no circo aos 5 anos, e migrou para o teatro de revista no início dos anos 1930, com a peça “Calma, Gegê” (sátira a Getúlio Vargas, que viria a se tornar seu amigo), alcançando estrondoso sucesso de público e crítica. Em 1933 excursionou em Portugal com a companhia de Jardel Jércolis, e o êxito foi imediato. A cada espetáculo, sua fama aumentava, e não chegou a surpreender o seu ingresso no cinema, onde fez sua primeira figuração em “A Voz do Carnaval”, da Cinédia, com direção de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro; um ano depois, em outubro, casou-se com a atriz Margot Louro, que além de esposa, tornou-se sua parceira artística. Ele fazia o cômico, ela a ingênua e, mais tarde, a esposa repressiva. Tiveram um casal de filhos, Myrian e José Carlos.

O primeiro papel de destaque, longe das figurações e rápidas aparições na tela, deu-se em 1939, como chefe da campanha publicitária a favor da banana, na paródia “Banana da Terra”, da Sonofilmes, onde o Brasil é retratado como a “ilha de Bananolândia”, com argumento de João de Barro e Mário Lago, e direção de Rui Costa. Nesse filme, consagrou-se o samba “O Que é Que a Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi, com a interpretação característica de Carmem Miranda: efusiva e pitoresca. Foi na Atlântida que teve o seu “boom” cinematográfico, sendo o carro-chefe da companhia, e lá firmou-se a parceria “Oscarito e Grande Otelo”, imortalizada em dezenas de filmes seminais. É desse período algumas das cenas mais hilariantes e inestimáveis de Oscarito, quando, por exemplo, imita Elvis Presley, ao lado de Sonia Mamede, em “De Vento em Popa”, de 1957, e a cena incrível e memorável do espelho com Eva Todor, em “Os Dois Ladrões”, de 1960, ambas dirigidas por Carlos Manga.

Algo notável, e até certo ponto inexplicável, foi recusar-se a trabalhar em Hollywood, e rejeitar várias propostas, muitas delas intermediadas pela amiga Carmen Miranda, que era celebridade e detinha muito prestígio em terras americanas.

Em 1968 aposentou-se do cinema, mas fazia excursões pelo país, alcançando sucesso de público, prêmios, e manteve intocada a fama de “o mestre do humor”, mesmo com a concorrência de novos comediantes: Ronald Golias, Jô Soares, Agildo Ribeiro, Chico Anízio, Brandão Filho, entre outros.

Faleceu em 1970, aos 64 anos, vítima de AVC, no Rio de Janeiro, cidade que amou tanto quanto a sua carreira. Meses antes, em entrevista, disse a respeito das suas conquistas: “Eu realmente trabalhei muito. Eu dormia no estúdio para poder às 6 da manhã estar de pé, para dar tempo de tomar banho, tomar café. De uma fita para outra eu fazia teatro e, quando eu não fazia cinema, eu viajava por aí, fazendo show.”

Sobre ele, o poeta Carlos Drummond de Andrade disse:

“O cômico, um enigma. Oscarito era sério e agora faz chorar

seus amigos diletos. Se vive acaso numa estrela, está rindo

dessa combinação de contrastes secretos.”

Com ele, certamente, morreu boa parte do humor e graça espontâneos, que seriam substituídos pela megalomania ou a ambição desmedida dos “cômicos” de hoje. E assim, morreu, também, um pouco de nós.


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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga.

           

   

 


29 abril 2024

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 38: A prova da Trindade - parte 1

 




Jorge F. Isah
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Algo que os inimigos de Deus insistem em desprezar são as evidências bíblicas. Tenho por evidências o seu significado principal: aquilo que é incontestável, que todos veem ou podem ver e verificar; mas esclareço também: por inimigo de Deus reputo aquele que considera bastar à amizade ser simpatizante ou pessoa que reconhece a existência divina. Qualquer um, seja qual o seu grau de tolice, pode fazê-lo. É claro que haverá sempre os tolos excessivos em sua soberba e que acreditam em sua autonomia para negá-la. Esses são os tipicamente acometidos pela tolice extrema, um caso grave de obstinação teimosa ou obstinada teimosia que, em último caso, acreditam-se eles próprios o seu único deus. Há variações em que eles são acompanhados por outros deuses, seja a ciência, a natureza ou delírios quase patológicos em que as criaturas, numa tentativa sempre frustrada, são entronizadas no trono que não lhes pertence. Conheço pessoas que desconsideram a existência de Deus, mas não se furtam a lançar a sua fé sobre et's e duendes. Para eles, é mais fácil crer em um et com uma mente iluminada que atravessou milhares e mesmo milhões de anos-luz para nos conhecer ou viver entre nós. Talvez, por isso, canais como o Discovery ou History não se casam de produzir programas sobre as muitas visitas alienígenas à Terra, numa prova inconteste da incredulidade no verdadeiro e a crença no falso. E tudo isso para eles tem um caráter científico e historiográfico, ainda que não passem de investigações teóricas, mas que, para muitos, vão além disso e se tornam em fatos, em realidade. Portanto, não basta dizer que se ama a Deus, porque o amor, por mais nobre sentimento que seja, se for em relação ao objeto inexistente é um amor fictício e fantasioso, que significará apenas uma espécie de autoamor, de um amor que tem como fim último a si mesmo e não ao outrem. Posto que não passará de nada além de uma ideia acalentada e mantida pela própria mente que a criou. Insisto que inimigos são todos aqueles que rejeitam, em maior ou menor grau, o Deus bíblico. E nesse rol é possível enquadrar uma ampla gama de crentes que dizem conhecer o que não conhecem, entender o que não entendem ou pôr a fé em nada além de si mesmo e suas opiniões. Não há um aprofundamento e investigação honesta, sincera, na busca da verdade. Apenas o querer satisfazer-se mais rápida e prontamente, e gasta-se o restante do tempo em aperfeiçoar algo sem fundamento, ou melhor, fundamentado na incerteza. A esse o Senhor chamou-o insensato, pois ao invés de ouvir e cumprir as suas palavras, como o construtor que ergue a sua casa na rocha, ele as descumpri, como aquele que constrói a casa na areia [Mt 7.24-29].

Digo isso porque, em linhas gerais, os inimigos de Deus são reducionistas em suas mentes racionalistas. Eles se queixam de que nós, "fundamentalistas", somos ignorantes e obtusos em nossas proposições, mas esquecem-se de olhar no espelho. Pensando-se superiores e racionais, acabam por assumir a própria inferioridade e irracionalidade. No fim-das-contas são como meninos mimados de quem se tirou o pirulito. Repetem os mesmos chavões e inconsistências; para eles, o branco da luz é apenas o branco e nada mais. Mas esquecem-se de que o branco da luz é a combinação de muitas outras cores. Na verdade, eles sabem, mas fingem não saber. O mesmo se dá em relação ao Deus bíblico, eles o ignoram não porque não haja evidências, mas por não as aceitar. O não reconhecimento passa a ser uma obstinação insensata, fruto da tolice, mas essa é proveniente da soberba de não ter a quem responder, nem ter de responder. No fundo, há o interesse de não se ser responsável por si mesmo, ainda que aceitem, em menor grau, a responsabilidade social, em relação ao outro; o que, cada vez mais, vem sendo relativizado, onde a responsabilidade pessoal é transferida ao grupo ou coletivo.

Mas o que isso tudo tem a ver com a doutrina da Triunidade?, perguntaria alguém.

O fato é que os antitrinitarianos são o exemplo de mentalidade reducionista, fruto do racionalismo. Assim como o ateísmo rejeita a Deus, e o homem, em sua condição de criatura divina, postula uma fórmula estupidificante e antinatural como o materialismo, os antitrinitarianos rejeitam a revelação do Deus Triuno para se embrenharem num simplismo bem ao estilo pagão do unitarismo. O mesmo problema acontece quando nos acusam de triteísmo, temos o reducionismo novamente. Quando dizem que o termo "Trindade" não se encontra na Bíblia, olha ele lá novamente. E se atentarmos para toda a argumentação deles, por mais elaborada que seja, por mais sofisticada que pareça, sempre estará evidente o reducionismo e o simplismo e, invariavelmente, uma boa dose de desonestidade intelectual [e muitos sequer imaginam-se assim, o que é pior]. Mas para não ficar apenas nas palavras vãs, como alguns podem sugestionar, vamos ao que interessa, a irrefutabilidade bíblica da Triunidade.

Não vou repetir aqui o que já disse outras vezes, especialmente neste estudo sobre o ser de Deus, que é o capítulo dois da CFB de 1689, mas analisar biblicamente a doutrina da Trinunidade. Pois bem, dias desses, assisti ao vídeo do pr. Paulo Romeiro no site Internautas Cristãos, do amigo Incendiário, como uma prova incontestável da doutrina da Trindade. À primeira vista, fiquei realmente embasbacado com a prova. Primeiro, assista o vídeo, e depois continuamos, na próxima aula.

 
   Pr. Paulo Romeiro fala a Trindade em Isaías 6:
 


Notas: 1- O áudio desta aula trata dos seguintes assuntos não abordados no texto: Revelação progressiva; a Trindade no Antigo Testamento [os nomes de Deus no plural, o anjo do Senhor, etc] e no Novo Testamento [A fórmula batismal, a bênção apostólica, etc], entre outros.
2- Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico 
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24 abril 2024

Os Mímicos - V. S. Naipaul

 






Jorge F. Isah
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Muitas vezes, pergunto-me o porquê de ler livros acadêmicos, exclusivamente políticos ou de ciências políticas, a esmerilhar algo um tanto tenebroso, outro tanto ilusório e quase nada ou nenhuma esperança real e factível, cheias de silogismos e teorias impraticáveis ou, se colocadas em prática, aniquilaria qualquer possibilidade de dias melhores e uma sociedade, digamos, menos capenga. Ah, alguém dirá: que raios está este escrevinhador a dizer com esta linguagem amorfa, ingênua e nada formal?... A bem da verdade, estou a dizer que a política, tal qual formulada pelos estudiosos, é o mesmo que acender velas para defunto.

Aprendi mais sobre ideologias e políticas, de maneira geral e, na prática, lendo Tolstoi, Dostoiévski, Mann e Naipaul do que em qualquer manual ou tratado. “Os Mímicos”, assim como “Uma Curva no Rio”, descreve em pormenores o desastre ou catástrofe de governos e suas plataformas, de revolucionários e seus delírios, assim como a realidade os mostra, sem os floreios, malícia e despudor de ideólogos e pensadores artificiais.

Em suas mais de trezentas páginas, o romance aborda aspectos da vida do personagem principal, Ralph Singh, nativo na ilha fictícia Isabella, no Caribe, de ascendência indiana, a interagir com descendentes africanos e ingleses, as principais etnias da região. É uma ex-colônia britânica, pobre, miserável, sem DNA cultural, afeita à corrupção e embuste governamental. Ralph escreve uma biografia de sua vida, a começar pelo momento em que parte a Londres, para estudar, casa-se com uma inglesa (Sandra), retorna à ilha, e exila-se, por fim, na capital bretã.

É um emaranhado diastásico, onde o estranhamento e mal-estar parecem aflorar nas escolhas, decisões e aptidões das personagens. Quase sempre ninguém se configura convicto ou certo do que fazer. Essencialmente, a humanidade é confusa, a oscilar entre o sim e o não como se estivesse a jogar dados; mas, especialmente nas figuras criadas ou copiadas de Naipaul, esta característica afirma-se radical.

Singh é um homem, depois um menino, novamente homem e, por fim, às portas da velhice, sem rumo, sem lugar, sem motivação. As coisas acontecem instintivamente: o sexo fortuito, a beleza apoderada, padrões duplicados... como um cão, incapaz de distinguir o certo e o errado (há controvérsias, pois muitos deles parecem mais racionais e lógicos que seus donos), ele é um tanto ingênuo e simplório em suas volições. Está disposto a construir-se a partir de estímulos, influxos, sem a devida consciência do que seja e o porquê de fazê-lo; outra vez, a indiferença da vontade, aleatória, a medir-se sem parâmetro, incondicional e espontânea, porém, infestada de artificialismo. E provém do exterior, a tomar-lhe a alma, a força contra a qual não se pode ou não se quer disputar. Já, no início, pode-se notar o teor de parte da narrativa: “Ainda não conhecia as normas sociais de Londres, nem conhecia as fisionomias e cútis das terras setentrionais; assim, o Sr. Shylock me parecia um homem distinto, como um advogado, empresário ou político. Ele tinha o hábito de pegar no lóbulo da orelha e inclinar a cabeça quando escutava alguém. Achei aquele gesto atraente e o imitei”. Não sem razão, o título é apropriado, em sua simplicidade, mas também na verdade avassaladora dos homens, e Singh é um deles, sem identidade, a não ser a do grupo, coletiva. Óbvia a influência social, afinal, ao “homo sapiens” é natural o ajuntamento, participação, conluios, seja para o bem ou mal, a união de personalidades na organização e disposição para fins comuns. Em proporções muito menores, Naipaul vislumbrava não apenas os gestos e ações sem palavras, mas o embuste e a farsa contidos nos discursos e atos, algo rotineiro e habitual de onde não se podia fugir ou desvencilhar-se.

Desde a infância, era tomado pelos eventos, pelas pessoas, sem conseguir guiar-se, deslocar aonde não fosse levado, mesmo que não cogitasse ir, e ir era tão somente não ficar parado, a necessidade de não refletir e, então, caso o fizesse, tomar as rédeas da própria vida. Algo semelhante aconteceu ao pai, ao ver-se repentinamente alçado ao status de líder rebelde por alguns, salvador da pátria para outros, e lunático ao ver da maioria. Sem entender as razões a levá-lo a abandonar a família (não havia força suficiente para tanto a não ser medo e atonia), criar uma espécie de “culto”, às vezes confundido com movimentação política, outras vezes apenas com seita ou delírio coletivo; constituir nova família e cortar os laços em definitivo.

Aparentando ser apenas um livro político, a contar as relações entre Império e Colônia, entre reinos e súditos, entre ricos e pobres, e os escalões burocráticos dos “terceiro mundistas”, com as mais prosaicas e escancaradas “mutretas”, dissimulações, conchavos e traições, Naipaul está muito mais a falar da inevitabilidade da vida, construída a partir do acaso, das indecisões, ou simplesmente das escolhas irremediáveis mas também descabidas, numa espécie de fatalismo social e, por que não, existencial. Como se o caos gerasse apenas caos e dele não houvesse formas de escapulir; como um buraco negro, se é atraído para uma queda vertiginosa e sem fim. A despeito do sucesso aparente, da fortuna evidente, da ostentação desmedida, ele costurava a teia do fracasso, e nela se viu capturado... quanto mais se movia, mais se enrodilhava: “Eu tentava construir uma personalidade para mim mesmo. Era algo que eu já tinha tentado fazer mais de uma vez, e eu esperava ver a resposta nos olhos dos outros. Agora, no entanto, não sabia mais quem eu era; a ambição tornou-se confusa e depois murchou”.

O tempo ia e vinha, independente das conquistas sexuais, financeiras, profissionais, políticas, tudo se voltava, novamente, ao ponto de partida. Por mais que se esforçasse, a resposta sempre parecia ser determinada pelo absurdo, o sem sentido, o ceticismo e o relativismo das verdades e valores tradicionais. Nada funcionou, nada funciona, nada funcionará; não existe saída além da barreira intransponível ao final do beco. A esperança não passa de conquistas, do sucesso em mantê-las o máximo possível, pois o fim é a única mola absoluta... sempre a impulsionar ao vazio, ao nada. Este também é absoluto, para onde convergem todas as demais coisas relativas. A fuga do caos, e a caça à ordem sempre o fazia retornar à desordem.

No fim das contas, resta apenas a solidão, aquela máxima popular: nasce-se sozinho, morre-se sozinho. O passado se afasta, confiscado pelas próprias lembranças; o presente vive dos restos de imagens (o que sobra ao biógrafo?), e a frouxidão, a escassez no iminente futuro. Singh não tinha nada e acabou por perder o que tinha. Não existe amargura, arrependimento, redenção, tão somente o homem a andar na roda como o rato, enquanto a exaustão não chega e os favores se dissolvem. Até quando se repetem, repetem, em sucessão de equívocos e indefinições?... “Mas certas sensações saltam por cima dos anos. Foi justamente esse tipo de inquietação que senti quando comecei a escrever este livro. Naquele momento, eu não tinha medo algum de que desabasse o hotel ou o bar, os dois únicos lugares que eu frequentava – e ainda frequento -, pude identificar, no entanto, com repulsa, aquela sensação de estar preso, ameaçado por perigos externos, aquela dor de sentir que todo um mundo foi destruído e anulado. Talvez fosse consequência do esforço de escrever”.

Por mais que ele se sentisse liberto das amarras do passado, da colônia e das tramoias políticas, dos surtos psicóticos socialistas, da vida panfletária no último terço do livro, Singh tinha por certo a vida ser algo propositalmente ilusório, espúrio. Não existe saída a não ser continuar esse “modus vivendi”, e mesmo nas batalhas encontrar a paz apócrifa, ilegítima. Qualquer outra prerrogativa era inadmissível; só existe liberdade dentro do ciclo, ao qual não se quer cair, mas é melhor se acostumar à queda.

“Ficava a me perguntar o que aconteceria se, de repente, um belo dia, de minha mesa atrás da coluna, eu visse Sandra entrar sozinha na sala. Sei perfeitamente o que faria naquela época; a pergunta não passava da manifestação de um desejo. Agora, porém, constato que estou mais próximo de minha posição original. Mais uma vez encaro meu casamento como um episódio entre parênteses; todas as emoções por ele provocadas me parecem profundamente fraudulentas. Assim, a atividade de escrever, apesar das distorções iniciais, termina por esclarecer, e chega mesmo a ser um processo de vida”.

E a vida parece, cada vez mais, o esconderijo da morte.

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Avaliação: (***)

Título: Os Mímicos

Autor: V. S. Naipaul

Editora: Cia. Das Letras

Páginas: 320

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Notas: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga



19 abril 2024

Conta-gotas: 1 - Ao mal chamam bem


Jorge F. Isah


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          Como nós, os holandeses primeiramente liberaram a maconha e outras drogas. Agora eles praticam o extermínio assistido ou eutanásia de idosos e doentes. E tudo isso porque, negar o Cristianismo e o Deus bíblico, é uma batalha interminável.
         Tudo começa com a falsa ideia de se garantir direitos individuais a partir do direito coletivo, para depois negar que o indivíduo tenha direitos. E como caminhamos para a legalização das drogas, do aborto, do homossexualismo, da pedofilia, zoofilia, etc, preparemo-nos para a eutanásia ou eugenia estatal. 
         Se Deus não tiver misericórdia, será apenas questão de tempo, como em outros países. Pois o mal é persistente, reinventa-se, e ilude muitos com uma “aparência “ de bem. Como disse o profeta: "Ai daquele que chama o bem de mal e mal de bem" (Isaías 5:20).


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16 abril 2024

Turista Incidental

 




Jorge F. Isah

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Durante as férias, aconteceu dois incidentes deveras estranhos. Não citarei o local para não mexer com a suscetibilidade provinciana e os defensores, seja lá do que for, mais preocupados em aparecer a qualquer custo e fazer carreira no mainstream político ou midiático; vulgarmente apelidados de “lacradores”. Fui visitar uma “picota” e, já na entrada, alguém me abordou. Sem cerimônias, pegou-me o punho e foi amarrando uma fitinha de certo santo.  Agradeci, educadamente, me recusei a usá-la, e tomei de volta o meu braço. Ele insistiu, e puxou-me com mais vigor; eu disse:

- Amigo, não quero usar a fitinha... – Pensei em explicar-lhe os reais motivos, mas não me senti obrigado a fazê-lo

- Por quê? – Falou com uma agressividade incompreensível e quase psicótica.

- Ora, porque não quero... – Fui o mais gentil possível, dentro das circunstâncias; sem arroubos e melindres.

- Isso é um absurdo! – Ele disse; com a fisionomia tão neurastênica, que imaginei tratar-se de uma “pegadinha” – É o maior insulto que já recebi na vida!

Entreolhamo-nos; eu sem entender a reação destemperada e abusada do homem, e ele sem aceitar a minha decisão. Então, para acabar com o mal-estar, peguei a fitinha, agradeci, coloquei-a no bolso, e virei-me para descer a ladeira. Ao notar que não a usaria, puxou-me bruscamente o braço, pela terceira vez:

- Não vai usar a fitinha?

- Não, vou levá-la de lembrança.

- Vai nada!

Arrancou-a dos meus dedos, virou-se para as pessoas ao redor (a rua e calçadas estavam apinhadas de turistas), e disse, a plenos pulmões:

- Veja bem, é isso que dá ser educado e gentil com pessoas que mereciam umas boas porradas!

Deixei-o falar, segui à frente e, mesmo alguns metros depois, podia ouvi-lo imprecar e maldiçoar o monstro perverso que eu era.

Mas ainda não havia terminado.

Logo à frente, avistei um vendedor de chapéus; havia algum tempo que desejava um. Aproximei-me e apontei o modelo.

- Quanto é esse?

- 90 reais! – Pegou o artigo para colocá-lo em minha cabeça.

- Não, eu não vou querer... – O valor era mais do dobro de outros quiosques.

- Dá pra fazer por 70... – E, de todas as formas, quis colocá-lo em minha cabeça.

- Amigo, não tem tamanho maior?

- Não, mas ele serve! – E insistia, a despeito da minha cabeçorra, em ajustar o apetrecho com o maior dispêndio de força, puxando-o para baixo pelas abas.

 - Calma, não está vendo que o chapéu é pequeno demais para a minha cabeça?

- Faço por 50...

- Amigo, nem se for de graça! Definitivamente, ele não entra!

E quanto mais eu argumentava, mais ele se impacientava e queria, a todo custo, adequar o atavio ao meu crânio avantajado, dando descontos a cada 5 reais... Ainda fiz um esforço, com as próprias mãos, para ele ver a inadequação de se colocar uma melancia em um vidro de azeitonas.

- Viu! Não tem como! – Devolvi-lhe o chapéu. Novamente, quis botá-lo; dei um passo atrás e mantive a distância.

- A menos que tenha uns três ou quatro números maiores, esse aí não serve... – Rumei para o meu caminho, quando ele me peitou, e disse:

- É por essas e outras que não gosto de gente folgada!

- Ah?! – Lembrei-me do personagem humorístico (não me recordo o nome), que ao ser confrontado repetia: “Ah, é, é!... Ah, é, é!...” para dias depois sair com uma resposta matadora, mas que de nada lhe serviria.

- É isso mesmo, você é um folgado! – Quase fez uma linha no concreto, cuspiu no chão, e me chamou a atravessá-la, se fosse homem.

Nisto, minha esposa puxou-me o braço de um lado e minha filha do outro, e arrastaram-me pela rua.

Na pousada, contei a história para um funcionário, e ele segredou:

- Você fez bem em não usar a fitinha, ela é uma espécie de senha para os trombadinhas e larápios saberem quem é turista e o enganar...

- E quanto ao vendedor de chapéus? O que tem a dizer?

- Aqui os vendedores são loucos, e esse deve ser, com certeza, o dono do hospício.

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga


12 abril 2024

A Estrada, de Cormac McCarthy: Luz em meio as trevas






Jorge F. Isah
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Este é um daqueles livros que, após terminá-lo, gastamos um bom tempo ruminando...

Tenho a mania de tentar resumi-los, ao final, em, no máximo, uma palavra ou frase. Pode ser interpretado como uma heresia para muitos, mas, no meu caso, a síntese demonstra o quanto compreendi ou não deles... Quanto mais palavras, mais distante do entendimento. 

Quebrei a cabeça com A "Estrada", e ao estilo de McCarthy, suscito, não pude desvencilhar-me do termo "esperança". Mesmo nas situações mais dramáticas (e o livro é um grande drama a perpassar por cada uma das páginas) há um sussurro, quase inaudível, a lembrar personagens e leitores de que nem tudo está perdido. 

Como vocês sabem, não sou de contar a história, senão alguns poucos detalhes, para não tirar o gosto e o prazer do futuro leitor; no caso deste livro, posso dizer que pai e filho, os personagens centrais da história (os quais não são nominados, e cujo passado é minimamente revelado nas lembranças do "homem"), vivem em um mundo apocalíptico, onde a vida foi praticamente extinta... Não há animais, plantações, as instituições se desfizeram, o canibalismo está em voga, a barbárie se apresenta como o único estilo de vida, onde a moral não passa de um entrave à sobrevivência, tão dependente da destruição alheia e do próximo (se o mundo pós-moderno fosse uma construção real, os relativistas se vergariam, no primeiro instante, diante da realidade; associando-se, ou sendo posto fora dela pelo extermínio). 

O mundo é um campo minado; e as pessoas, inimigos terríveis, dos quais se deve afastar e temer. O homem se encontra despido de qualquer sentimento que não seja o de não sucumbir, pouco importando os meios pelos quais isso aconteça. É o mundo do vale-tudo; onde o mal não tem freios nem pode ser freado. 



Neste contexto, encontramos no "filho" um coração ingênuo, puro, amoroso e fraterno (uma referência de Cormac ao Cristo, o Filho Unigênito do Pai?), o qual é o "freio" do homem (a sua consciência perdida; o imago dei a lembrá-lo de quem é), disposto a tudo para salvaguardar a própria vida e a do seu rebento. O garoto, diante de um universo frio, cruel, egoísta e sanguinário, não se adapta as consequências naturais do "novo mundo", por não entender ser necessário abrir mão, por completo, da compaixão, da piedade. Ele vai na contramão, no caminho inverso em que todos os demais parecem se dirigir; e, nesse aspecto, apresenta uma força interior muito maior do que a do Pai, o qual reage como o protetor, disposto a fazer o preciso para sobreviverem, mas como uma reação natural da própria debilidade. 

Talvez, por isso, o menino seja descrito como uma alma agoniada, inconformada com a perversidade, sempre a questionar (respeitosamente, diga-se de passagem) as atitudes dos outros e, mesmo, do seu pai. Em muitos momentos, as respostas lacônicas e pouco interessadas do homem não o satisfazem, mas ele se resigna as vezes, ou reage através do choro e da tristeza para fazer o pai ver, mesmo minimamente, a beleza quase impossível das relações humanas. O desejo arraigado de conhecer os "homens bons", de acreditar na existência deles, se encontrado, seria o bálsamo a provar ao pai que nem tudo precisa ser do jeito que é. 

Não há como não se emocionar ao vê-lo conduzir o homem a mudanças de atitudes, quebrando-lhe a rudeza e deixando-lhe brotar sentimentos de fraternidade; ainda que se perceba um certo agastamento nele, em algumas situações. 

O mundo está cheio de almas aflitas, perdidas, deslocadas em meio à selvageria, mas dispostas a tudo para manterem-se livres dela. Não há providência, nem algo a se construir; sobram apenas os movimentos repetitivos como os de uma aranha tecendo a sua teia. 

Podemos chamá-lo de um "livro de emoções"; e elas brotam a cada página, numa simplicidade nada reducionista, mas enxuta, onde não há lugar para o supérfluo, o verborrágico, mas a concisão. 

A descrição do novo mundo é como assistir a "Mad Max", mas, de alguma maneira, a realidade entre pai e filho está mais próxima do "Senhor dos Anéis", onde há uma luta pelo bem, a fim de fazer o homem ressurgir das cinzas. 

Há redenção. Há esperança. Há solidariedade. Há uma força conduzindo o caos para a ordem, assim como em José do Egito, o mal se tornará em bem, pelas mãos de Deus. 

A morte do homem não está decretada, nem ele sucumbirá à própria depravação; e o filho, assim como o verdadeiro Filho, é o único capaz de juntar os pedaços, emanando bondade, e tornando zumbis em homens de verdade; fazê-los voltar à vida. 

E essa me parece a conclusão de McCarthy, a despeito de sua ligação com as trevas; uma vítima da Síndrome de Estocolmo, na qual o ofendido nutre um afeto doentio pelo ofensor. Mas entendo McCarthy, e o admiro por isso, pois ele é capaz de ver a luz em meio a mais densa escuridão. 

Leitura altamente recomendada

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Avaliação: (****)
Livro: A Estrada
Autor: Cormac McCarthy
Editora Alfaguara
240 Páginas

07 abril 2024

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 37 - Martírio: o testemunho cristão





 Jorge F. Isah
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Façamos a leitura de alguns textos bíblicos:

- Mt 5.10-16;

- Filipenses 1.27-30

- 2Tm 2.8-13

- Rm 8.17

- 2Co 1.7

Na última aula, se não me engano, eu disse que a única certeza do crente era de que ele padeceria e sofreria neste mundo. Por isso selecionei alguns trechos que espero os irmãos leiam e meditem neles durante a semana.

1) Gostaria que os irmãos pensassem no que lemos. Qual a primeira coisa que lhes veio à mente?

2) Vivemos tempos de perseguição?

3) Algum dos irmãos pode dar um exemplo prático de como é ser perseguido neste mundo?

Vejam bem, o Cristianismo bíblico sempre foi atacado e perseguido em todos os tempos. Os primeiros quatro séculos da era cristã foram de perseguição e morte para a igreja. Muitos perderam a própria vida por amor a Cristo, pois era-lhes impossível negar aquele que os amou eternamente e entregou-se a si mesmo por eles na cruz. Era-lhes preferível a morte física do que rejeitar o Salvador e Senhor e a fé. Por isso, muitos foram sacrificados, e mesmo colocados como objeto de diversão nas arenas romanas. Famílias inteiras eram presas, perdiam seus bens e eram lançadas às feras: leões e gladiadores.

Há exemplos na Bíblia, desde o sacrifício do próprio Senhor Jesus, crucificado e morto injustamente, passando por:

- Estevão [At 7.54-60] [2],

- pela dispersão da igreja [At 8.1-4],

- por Tiago, irmão de João o evangelista, morto pelas mãos de Herodes Agripa [AT 12.2],

- a prisão de Pedro pelo mesmo Herodes Agripa [At 12.3-11].

O significado da palavra martírio [cujo sentido desconhecia, e surpreendi-me ao descobri-lo] vem do grego martýrion, que remete-nos ao testemunho.

Comumente se usa o termo martírio para explicar, em forma figurada, uma aflição, tortura, tribulação, dor. Quando vemos alguém sofrendo muito, seja por uma doença ou por problemas pessoais com filhos ou parentes, dizemos que a vida dele é um martírio. Mas o sentido original do termo não era este.

Na cruz, Cristo nos deu o seu testemunho. Sendo santo e justo, morreu pelos injustos e pecadores, apagando os nossos pecados e nos reconciliando com Deus. Então, tem o significado de alguém que, por sua morte, testemunha o amor por outrem ou é capaz de morrer no lugar de outro, a substituição vicária. Um adendo: é importante ressaltar que Cristo foi um homem sem pecados ou máculas, o homem perfeito que, como Filho, em tudo agradou e serviu ao Pai. Portanto, ele não levou sobre si nada além dos pecados daqueles que o Pai entregou em suas mãos, ele nos substituiu, tomou o nosso lugar, pagando o preço que nos era impossível pagar. Ali, ele testemunhou o amor pelo Pai e por aqueles que o Pai entregou em suas mãos, pagando o preço com o seu sangue; testificando também o amor e a fidelidade do Pai para com o seu povo, a aliança eterna que realizou conosco por intermédio do seu Filho Amado. Ele, em todos os sentidos, é um mártir, ao nos unir completa e eternamente ao Pai, uma união indissolúvel e perfeita.

No aspecto moderno do termo, todo homem é um mártir em potencial, pois a vida, em decorrência do pecado, trará mais aflições e tribulações ao homem quanto maior o seu  distanciamento de Deus, e, quanto mais distante mais o sofrimento se acentua... A separação de Deus testemunha o sofrimento e a angústia que a vida rebelde projeta na alma do homem, refletindo nele a realidade da qual tenta desesperadamente evitar, revelando a impotência que insiste em não ver mas que se revela evidente.


Porém, nós, que somos filhos de Deus, podemos experimentar a dor e o sofrimento e a angustia de maneira diferente, pois, ainda que sejamos tão humanos como os rebeldes, temos o refrigério e o consolo divinos através dos seu Espírito, que nos consola e conforta com maravilhosas promessas, mas também pelo martírio dos santos que, a despeito de toda a perseguição e sofrimento, foram capacitados a rejeitarem a si mesmos em favor da obediência ao Senhor, na certeza de que Deus, nos momentos mais difíceis, cuida e jamais abandona os seus filhos... O que nos remete, invariavelmente, à ordem de Cristo de segui-lo, tomando a nossa cruz e negando-nos a nós mesmos. 


Um exemplo, que sempre me chamou a atenção, foi o de Pedro. No livro de Atos, após a morte de Tiago, ele foi preso pelo rei Agripa, que pretendia martirizá-lo para satisfazer ao desejo homicida do povo de Israel. Contudo, maravilhosamente, sabendo que morreria no dia seguinte, Pedro, algemado entre dois soldados e com guardas à porta para escoltá-lo até o local da execução, dormiu tranquilamente, de forma que foi necessário o anjo do Senhor tocar na sua ilharga para acordá-lo.

Podemos imaginar o que Pedro pensava da sua condição?

E nós, como portaríamos em seu lugar?

Pedro estava disposto a se sacrificar, a testemunhar com a própria vida a vida que Cristo lhe dera. Interessante que no A.T. as ovelhas eram sacrificadas para anular os pecados do povo de Israel. O sacrifício de Cristo veio livrar-nos e apagar definitivamente os nossos pecados, trazendo para si um povo. E agora Pedro estava disposto a seguir o exemplo do Senhor e morrer em nome daquele que lhe dera perdão e vida. O martírio era um testemunho de que nada neste mundo poderia impedi-lo de servir ao seu Senhor.

Pedro deu-nos uma demonstração de fé, de que mesmo na morte é possível perder a vida para louvar e bendizer o nome do Senhor. Não foi isso o que o Senhor disse? Aquele que guardar a sua vida  perde-la-á, o que perdê-la ganha-la-á [Mt 16.25]. Pedro se importava com a sua vida apenas se ela servisse para a obra do Senhor, usá-la para louvor do seu nome santo; não havia outro motivo pelo qual guardá-la, e mesmo na morte ele não a perderia.

No ano 391 da era cristã, um monge chamado Telêmaco foi a Roma, após ter ouvido o chamado de Deus para ir até lá. Entrando na cidade, em dado momento, ele se viu cercado por uma turba de pessoas alvoroçadas, e impelido por elas, entrou no Coliseu onde se reiniciariam os jogos dos gladiadores. Constantino havia proibido a morte nas arenas setenta anos antes, mas o novo imperador, por pressão popular, decidiu legalizá-los novamente. Ao ver a fúria dos gladiadores lutando e matando-se mutuamente, o velho monge desceu as escadarias e entrou na arena se colocando entre os lutadores, dizendo: "Em nome de Cristo, parem!". A turba se enfureceu com ele e incitou os gladiadores a hostilizá-lo. Colocado de lado por um deles, ao ver a luta se reiniciar, colocou-se novamente entre os dois, e foi atingido mortalmente por um golpe de espada. A turba, até então ruidosa, calou-se. Em meio ao silêncio das 80.000 pessoas pode-se ainda ouvir o moribundo dizer: "Em nome de Cristo, parem!". Um a um os espectadores sairam em silêncio. Com a morte de Telêmaco, definitivamente os jogos de gladiadores foram extintos no Império Romano.

Hoje os testemunhos, com raras exceções, são meros discursos ou palavreado vazio e sem sentido, onde, na maioria das vezes, o que se diz é diametralmente oposto ao que se faz. Cristo viu isso em seu tempo entre os fariseus, os mestres de Israel. Ele disse ao povo para segui-los no que diziam, que era a própria revelação de Deus, mas jamais fazer ou agir como eles faziam e agiam. Utilizavam-se da retórica para, erroneamente, proclamar algo que vai muito além das palavras. Sabemos que sem a linguagem humana o Evangelho não seria proclamado. Mas, muitas vezes, o testemunho [e lembre-se que testemunho é sinônimo de martírio] falará muito mais do que um milhão de palavras. O testemunho de Cristo falou por si mesmo. Assim como os já citados.

Na teologia há um termo que se chama "ortopraxia", o qual refere-se à prática correta. É preciso aliar a teologia correta ou a crença correta [ortodoxia] com a prática correta. Penso que Tiago [Tg 2.18], ao se referir às obras mortas, falava exatamente disso, do discurso vazio que se acomoda intelectualmente mas não produz resultado prático ou os frutos aos quais o Senhor Jesus se referiu. E como toda a árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada no fogo eterno, assim será para os que têm o correto na mente mas não o aplicam no seu dia-a-dia. Eles enganam a si mesmos [Mt 7.15-20].

Então, gostaria de finalizar com um trecho da biografia do pr. William Carey. Em uma carta, de 17.08.1831, escrita a Jabez Carey, quando estava em Serampore, Índia, ele disse:

"Hoje estou fazendo setenta anos, o que é um monumento à misericórdia e bondade divina, apesar de, numa revista de minha vida, eu encontrar muitas coisas pelas quais devia ser humilhado no pó. Meus pecados ostensivos e concretos são inumeráveis, minha negligência no trabalho do Senhor foi grande, não promovi sua causa nem busquei sua glória e honra como deveria. Apesar de tudo isso fui poupado até agora e ainda sou mantido em sua obra, queria ser mais consagrado ao seu serviço, mais santificado, praticando as virtudes cristãs e produzindo frutos de justiça, para louvor e honra do Salvador que deu sua vida em sacrifício pelo pecado".


Que cada um de nós seja capaz de testemunhar, até o sangue se preciso, a gratidão a Deus pelo amor infinito com que nos amou.
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ÁUDIO DA AULA 37: 
 
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Notas: 1- Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico;
2- Este trecho, e algumas passagens não citadas no presente texto, encontra-se melhor explicado no áudio da aula.