28 julho 2011

Defesa da Fé: uma perspectiva cheunguiana












Por Jorge Fernandes Isah

Há coisas na apologética que não consegui ainda entender; estou-me esforçando, mas parece ir muito além do que eu mesmo seja capaz de compreender. Uma das questões é o fato de Cheung estabelecer que um incrédulo ou seja, um não-cristão, pode ser demolido em sua cosmovisão, racionalmente, pelo Cristianismo.

Ao meu ver, um não-cristão somente pode ser convencido racionalmente pela verdade, o Cristianismo, se for regenerado. Não consigo imaginar um não-cristão crendo nos princípios cristãos sem o novo-nascimento, sem que os seus pressupostos sejam ordenados pelo Espírito Santo.
 
Por isso, fiz algumas perguntas a um irmão [cujo nome manterei em sigilo, pois não lhe pedi autorização para transcrever a sua resposta], as quais me respondeu:

Eu: O Cristianismo é superior às outras cosmovisões. Ponto. Agora, um cristão tem de reconhecer isso naturalmente, pelo pressuposto de que a Bíblia é a palavra de Deus.

Ele: Não meramente por crer que a Bíblia é a Palavra de Deus. Isto, por si só, não leva à conclusão lógica que o cristianismo é superior às outras cosmovisões. A Bíblia diz ser a Palavra de Deus, e o cristão defende a superioridade (ou melhor, exclusividade, monopólio da verdade) do cristianismo porque o próprio cristianismo ensina isso: Ef 4.4-6; Is 37.20; 42.8; 43.10-13; 44.6,8,24; 45.5-6,18,20-24; 46.5,9; 1 Ts 1.9-10; 1 Tm 1.17; 2.5; Jr 10.10-13; Dn 3.29; Jd 1.24-25; Jl 2.27; Gn 28.13-14; Ex 34.14 etc.
- 'Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus' (1 Tm 2.5);
- 'Não há absolutamente ninguém comparável a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é o poder do teu nome' (Jr 10.6);
- 'Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir' (Tg 4.12);
- 'Quem entre os deuses é semelhante a ti, Senhor? Quem é semelhante a ti? Majestoso em santidade, terrível em feitos gloriosos, autor de maravilhas?' (Ex 15.11; tbém 34.10)
- Moisés disse a Deus: 'Como se saberá que eu e o teu povo podemos contar com o teu favor, se não nos acompanhares? Que mais poderá distinguir a mim e a teu povo de todos os demais povos da face da terra?' (Ex 33.16)
- 'Não há outro Deus além de mim, um Deus justo e salvador; não há outro além de mim' (Is 45.21)
- 'Todo o que nega o Filho também não tem o Pai; quem confessa publicamente o Filho tem também o Pai' (1 Jo 2.23);
- 'Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho [Jesus Cristo]. Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida' (1 Jo 5.11-12; tbém Jd 1.21);
- 'Todo aquele que não permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem permanece no ensino tem o Pai e também o Filho' (2 Jo 1.9);
- 'Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar' (Mt 11.27);
- 'Aquele que não está comigo, está contra mim; e aquele que comigo não ajunta, espalha' (Mt 12.30)
- 'Sabemos também que o Filho de Deus veio e nos deu entendimento, para que conheçamos aquele que é o Verdadeiro. E nós estamos naquele que é o Verdadeiro, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna' (1 Jo 5.20)
- 'Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios crêem e tremem!' (Tg 2.19).

Eu: Mas e no caso de um incrédulo que não crê na veracidade da Escritura?

Ele: O cristão deve mostrar:
(1) que o sistema filosófico do incrédulo é irracional, e;
(2) que o sistema filosófico do cristão é logicamente sustentável, consistente.Também, o incrédulo deve entender que as reivindicações da Bíblia não podem ser tomadas isoladamente de tudo o mais que está pressuposto na metafísica cristã (por ex., o fato de a Bíblia ser fidedigna no conteúdo porque é revelação de um Deus soberano). O sistema filosófico cristão, como qualquer cosmovisão, é um esquema conceitual com partes mutuamente dependentes, e assim devemos analisar a cosmovisão de maneira sistemática.
Da mesma forma, tendo demonstrado (1), o cristão terá mostrado ao incrédulo que este não tem qualquer garantia ou critério racional para rejeitar de antemão o cristianismo.

Eu: O ateu, por exemplo, não reconhecerá a Bíblia. Então, pergunto: por que seria mais racional para um incrédulo crer em Deus do que não crer em Deus?

Ele: A menos que o ateu mostre e justifique um critério infalível não-bíblico para reconhecer ou não a autoridade de Deus (cf. a Bíblia), sua rejeição desse Deus será arbitrária. Agora, como ele não tem a opção racional de rejeitar Deus a priori, o cristão só precisará mostrar a consistência interna do sistema cristão (cf. ensino bíblico), sempre lembrando que a mesma Bíblia que nos fala de Deus, também fala que esse Deus (1) revelou a Bíblia para nós e (2) preservou seu conteúdo porque é um Deus soberano.

No fim das contas, o Deus cristão não ficará demonstrado apenas por expor que não há base racional para efetivamente rejeitá-lo. Mas aí é que entram a fé e o testemunho interno do Espírito Santo.O ateu não pode racionalmente rejeitar o Deus cristão, nem pode rejeitar a racionalidade do sistema cristão. Mas só aceitará a fé cristã por ação sobrenatural de Deus. [Fim do diálogo].

No frigir dos ovos, pude entender que a Bíblia autentica o Cristianismo e vice-versa [o que ainda me parece um esquema circular para um não-cristão, mas a própria descrença do não-cristão é um movimento circular em que ele sempre partirá da descrença e sempre voltará a ela]; e de que somente pelo poder regenerador de Deus o homem se convencerá e reconhecerá a verdade, operada através da revelação especial, a Escritura. E fico pensando, o que adiantaria convencer um incrédulo da lógica e validade do Cristianismo sem que ele se convertesse? Bem, entendo que ela poderá levá-lo ao entendimento, e o Espírito agindo em conformidade com a Palavra operará a regeneração, suficiente para transformar-lhe a vida. Do contrário, ele poderá até mesmo entender e validar o Cristianismo como a única verdade, mas o fará segundo outros propósitos de Deus [p.ex., servir de instrumento para a conversão de outros], sem que, contudo, ele se beneficie da verdade além da vida terrena.


Espero que os esclarecimentos daquele irmão sejam de auxílio.

21 julho 2011

Mistério, Paradoxo e Contradições aparentes - Parte 2

"O NÃO-DOGMÁTISMO DOGMÁTICO!"













Por Jorge Fernandes Isah

Abordarei um assunto que não agradará talvez a muitos. Sou acusado, as vezes, de dogmatismo. Na verdade, para mim, não é uma acusação, é mesmo um elogio, pois me considero realmente um dogmático. E por que gosto tanto do rótulo? Simples, porque, para se ter um princípio, ele tem de ser estabelecido dogmaticamente. Por exemplo, o "Sola Scriptura" é um princípio estabelecido pelo axioma de que a Escritura é a verdade, e nada mais além da verdade. Quando alguém defende este princípio, não pode defendê-lo sem aplicá-lo. Se o faz, ele está demolindo o princípio, não o princípio em si mesmo, mas a sua certeza nele. Ainda que um ou dois digam que a Escritura é a verdade, mas ao se deparar com o texto bíblico considera-o com falhas, incongruências ou contradições, ele não tem o princípio do "Sola Scriptura" como absoluto. O que ele diz defender não está em harmonia com o seu pensamento. E ele então tem dois dogmas: o primeiro, diz crer que a Escritura é a verdade; o segundo, reconhece e defende intelectualmente que a Escritura não é infalível e santa. Na prática, ele se contradiz. Mas a qual tipo de verdade ele crê, então? Ele não crê na verdade, mas numa possibilidade de verdade, de que, como leitor ou ouvinte, pode ou não perceber algum aspecto da verdade, e de que a verdade não é objetiva. É algo intuitivo, experiencial, sensitivo, e que guarda em si um grande problema: como o indivíduo poderá se aperceber de que o que leu ou ouviu é verdadeiro ou não? 

Quem diz que a Escritura é a verdade, mas crê que há nela paradoxos ou antinomias [1], desenvolve um conflito de interesses, pois acreditará em um dos pontos, jamais em ambos, visto serem antagônicos. Para se afirmar que a Bíblia é a verdade, terá também de afirmar que nela não há paradoxos. Para se acreditar em paradoxos, não se poderá acreditar que a Bíblia é a verdade. Ou seja, uma das afirmações tem de ser verdadeira e a outra falsa. Ambas não podem ser verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. O Senhor Jesus aplicou muito bem este conceito quando do Sermão do Monte: "Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna" [Mt 5.37].

O paradoxo ou a antinomia confunde, ainda que muitos utilizem-no com o intuito de se elucidar determinado problema, que consideram insolúvel, incompreensivo. De fato, ele não traz esclarecimento algum, antes permite que as dúvidas se estabeleçam e, através delas, o engano seja alçado ao mesmo nível da verdade, e veja mesmo a superá-la. Não foi o que a serpente fez com Eva? Fazendo-a acreditar que a verdade era mentira, e de que a mentira era a verdade? Eva considerou inapropriadamente que Deus não era santo, perfeito e infalível. Para a perdição dela, e a nossa, cogitou que a ordem divina era incoerente com a afirmação da serpente, o que era de fato, mas descartou o primeiro princípio pelo qual deveria se nortear: de que Deus é verdadeiro e não pode mentir [Tt 1.2], para se fiar no princípio de que a serpente era verdadeira e não poderia mentir. Num dado momento, ela ficou talvez em dúvida; ela pensou na contradição entre as duas afirmações; considerou que as duas poderiam estar certas, mas o fato é que, em seguida, seu pensamento se direcionou e desviou-se da verdade para a opção errada, a mentira, e ela escolheu o que não deveria escolher, porque creu no que não deveria crer.

Assim também acontece com o homem que se diz a-dogmático; ele simplesmente escolhe defender um princípio falso e descartar o princípio verdadeiro. Ele permanece um dogmático; contudo, seus fundamentos partem de princípios não verdadeiros, já que a negação de um princípio é um princípio em si mesmo. O que vale dizer que ninguém pode recusar um dogma sem ser dogmático. A negação parte da afirmação de se negar, de dizer não, de não reconhecer ou admitir aquilo que se nega. Logo a negação está fundada no enunciado de que o objeto negado deve ser renunciado voluntariamente.

O dogmatismo, historicamente, se contrapôs ao ceticismo, que afirmava ser impossível se conhecer a verdade. O dogmático reconhece a capacidade humana de se conhecer a verdade absoluta, insofismável, indiscutível. Mas quando um cético [seria um pós-moderno, um relativista, ou mesmo um liberal, nos termos de hoje] afirma que a verdade não pode ser conhecida, ele está a afirmar uma verdade. O que o torna em um dogmático, dentro de um conceito falacioso e contraditório, pois ele mesmo diz haver algo que não acredita existir. Então, chego à conclusão de que todos são dogmáticos, no sentido de que a ideia de alguém não-dogmático é uma contradição, algo incompreensível e irracional.

Assistindo aos Três Patetas [The Three Stooges], em dado momento, Moe e Larry conversavam à mesa:
Moe: Só imbecis têm certeza absoluta!
Larry, curioso: Tem certeza?
Moe respondeu, convicto: Claro!

É impossível não rir... A piada da dupla [genial, ao meu ver], delineia perfeitamente o erro daqueles que afirmam categoricamente não haver "verdade", mas consideram a afirmação uma verdade absoluta. Moe confirmou, ao mesmo tempo, duas coisas:
1) De que estava a afirmar algo quando a sua afirmação dizia não haver algo afirmável ou conhecível. Ao se sustentar a impossibilidade de se ter uma certeza absoluta, a própria declaração contradiz o teor do que se é afirmado. Há uma contradição que inviabiliza completamente todo o fundamento da afirmação, reconhecendo a sua própria ininteligibilidade, como um conceito autoinsustentável. 
2) Quando diz ter certeza de que somente imbecis têm certeza, Moe se considera ao mesmo tempo imbecil e contraditório, visto ser impossível ele manter a sua declaração "absoluta" sem dar um tiro no próprio pé.

Esse é princípio autocontraditório, que destrói a si mesmo ao sustentar e reconhecer algo que não crê possível, que considera falso. Uma afirmação pode ser falsa, mas será uma afirmação, baseada em uma certeza, ainda que essa certeza seja enganosa e falha.

Da mesma forma, quando se diz que a Bíblia é a verdade e de que ela contém paradoxos, temos uma afirmação contraditória [não aparentemente contraditória como querem alguns; mas, como já disse, essa expressão é ilógica e não quer dizer absolutamente nada]; pois ou há de se crer em uma ou em outra coisa; ambas são simplesmente impossíveis e irreconciliáveis, ao impugnarem-se mutuamente, por contrastarem-se como antíteses; duas proposições inteiramente contrárias.

Então se chegará facilmente à conclusão de que não é a Escritura que tem paradoxos, mas o homem é quem os cria ao não reconhecer os claros e definitivos objetivos de Deus em proclamar a verdade absoluta na revelação, pois Deus não pode não revela-los, já que os revelou.

De certa forma, todos somos meio burros diante da grandeza da revelação divina. Algo evidente é a sua perfeição, possível de se reconhecer até mesmo por seres imperfeitos como nós. Porém, como a palavra fiel de Deus, ela é santa e perfeita, e em si mesmo garante-nos a sua santidade e perfeição porque proveniente do Deus santo e perfeito; logo, objetivamente, não é uma questão subjetiva, ainda que seja de fé. Nesse caso, é a fé objetiva na palavra objetiva que garante a objetiva perfeição e santidade do texto sagrado. Não há espaço para antinomias, e é isso o que ela diz.

Quando sou acusado de ser dogmático e de estar à caça de "chifres em cabeça de cavalo", poderia facilmente responder com a acusação de que o acusador não passa de um cético, pois a forma de não se ser dogmático é sendo cético. Mas até mesmo o cético crê em alguma coisa, ainda que essa coisa não seja verdadeira, seja um embuste intelectual no qual ele se aprisiona a si mesmo para não crer na verdade. Mas ele a conhece, ainda que não seja nos termos corretos de conhecê-la, e por isso, e somente por isso, ele a rejeita. É interessante como a negação da verdade nada mais é do que o reconhecimento de que ela existe, visto não ser possível negá-la sem antes admiti-la como legítima. A negação se baseia em algum conceito de verdade, sem o qual não haveria a possibilidade de negação. E quem se autodenomina a-dogmático, nada mais é do que um dogmático que não se aceita com tal; ele rejeita a ideia de ser dogmático, considerando-se não dogmático, mas sem deixar de sê-lo.

O que muitos estão fazendo é negando a realidade como se vivessem num mundo de faz-de-contas; contudo, o que está à sua volta, definido e conceituado muito antes de gerações de seus antepassados existirem, e que ele aceita como sendo verdade, não lhe é inconveniente vivê-lo como algo real, sendo ele mesmo parte da realidade, do mundo real que é impossível negar efetivamente. O que há é um delírio intelectual a negar o que seus olhos vêem, o tato sente e os ouvidos ouvem. Com isso não estou dizendo que toda experiência sensorial é real e verdadeira. Os sentidos podem nos enganar. Mas, por exemplo, quando toco uma mesa, na maioria das vezes estarei tocando um objeto cuja superfície é plana e horizontal, sustentada por um ou mais pés, confeccionada em madeira, metal, pedra, plástico, etc. É impossível que todas as mesas não sejam mesas. E a própria concepção de mesa, mesmo para alguém que nunca viu uma [como o cego, p. ex.] é um conceito tão claro que não se tem como fugir dele. Portanto, quando alguém alega que dogmas não existem, ou que a verdade não existe, do ponto de vista real terá de negar a si mesmo. E, negar a si mesmo, representa negar o próprio ato de pensar e aquilo que se está pensando. Logo, é melhor dar as costas e deixar o tolo com a sua tolice.

Por isso, custa-me tanto compreender porque os cristãos empenham-se em sustentar que existem contradições e antinomias na Bíblia, já que ao fazê-lo, questiona-se aquilo que ela é, a inferir-se como sendo aquilo que nunca foi.

Mas, e quanto ao mistério? A Bíblia possui mistérios?

[Continua...]

13 julho 2011

Mistério, Paradoxo e Contradições aparentes - Parte 1

"QUANDO SE PERDE ATÉ O QUE NÃO SE TEM!"




















Por Jorge Fernandes Isah

Existe um senso quase comum entre os crentes, mesmo entre calvinistas, de que a Bíblia é um livro de paradoxos ou antinomias. O termo mais comum e popularmente usado é o de “mistério”. Mas sendo a Escritura inerrante, infalível e divinamente inspirada há possibilidade de que ela contenha paradoxos?

Primeiro, definamos os termos, segundo o Michaeles:
a)Paradoxo - (cs) sm (gr parádoxos) 1.Opinião contrária à comum. 2.Afirmação, na mesma frase, de um conceito mediante aparentes contradições ou termos incompatíveis.
b)Antinomia - sf (gr antinomía) 1.Contradição entre leis ou princípios. 2.Filos Reunião de um par de proposições que simultaneamente parecem contradizer-se e serem provadas, sendo em realidade a contradição apenas aparente ou a prova, no mínimo, de uma das proposições, não concludente. Kant define-a como uma contradição inevitável, em que a razão incorre, ao aplicar as concepções a priori ao transcendente e absoluto: "O mundo teve começo no tempo". "O mundo é eterno" (isto é, sempre existiu). 3.Filos Contradição entre duas leis, quando são aplicadas.
c)Mistério sm (gr mystérion) 1.Arcano ou segredo religioso. 2.Cada uma das verdades da religião cristã, impenetráveis à razão humana e impostas como artigo de fé... 5.Tudo quanto a razão não pode explicar ou compreender; tudo quanto tem causa oculta ou parece inexplicável. 6.Coisa oculta, de que ninguém tem conhecimento. 7.Reserva, segredo. 8.Proposição difícil de compreender; enigma. 9.Ato inexplicável.

Partindo-se da idéia comumente utilizada pela teologia cristã, a Bíblia tem alguns [ou muitos, dependendo do entendimento] paradoxos ou antinomias. Isso quer dizer que o texto nos revela tanto um princípio como outro, que se opõe àquele, ou seja, seriam duas verdades que coexistem conflituosamente dentro de um mesmo conceito de verdade. Apelar para o termo “contradições aparentes” em nada alivia a situação, pois não se sabe onde as contradições são aparentes, além de contradições, naturalmente, serem incoerências em qualquer lugar do mundo, seja aqui ou na Conchinchina.

Por exemplo, quando os calvinistas afirmam que Deus é soberano e o homem é livre em suas escolhas, a fim de se garantir a sua responsabilidade, fica impossível compreender como o Deus soberano, todo-poderoso, que predestinou e determinou todas as coisas, até mesmo as mínimas e mais inexpressivas dentre elas, pode coexistir com o homem livre desse mesmo Deus. 

O sentido de liberdade que se propõe não é outro senão ser livre de Deus. Pois como o homem pode escolher livremente alheio à vontade divina? É o que muitos dizem quando afirmam que Deus é soberano mas a sua soberania para ou é freada quando da decisão humana. Ele determinou e é a causa primeira e última de tudo, mas o homem ainda permanece livre para se decidir, para fazer escolhas livres de Deus, como um livre-agente, sem se compreender adequadamente o que isso representaria. Guardadas as devidas proporções [e todos sabem que analogias são falhas quando se referem a Deus], seria o mesmo que um canário-belga, aprisionado em uma gaiola desde o seu nascimento, declarasse a pleno pulmões que é livre. Mas livre em qual aspecto e condições? Livre do quê e de quem? A qual sentido de liberdade pode apelar?

Senão, vejamos: ele não conhece outro lugar, nem pode sair do seu habitáculo; o máximo que pode é ver o mundo à distância, através das grades, e pode haver alguém que considere o fato dele ter uma visão abrangente do que está a sua volta como liberdade. Nesse sentido, o canário seria livre. Mas se fosse cego, não seria. Se sua mente o levasse a passear pela rua, ou a voar de árvore em árvore,  muitos considerarão que ele seria livre. Mas o fato é que ele pode, quando muito, pular de um poleiro para outro dentro da gaiola; comer, tomar água ou morrer de fome e sede se o dono não providenciar os suprimentos necessários. Dentro da gaiola, o canário é livre para ir e vir, mas o mundo exterior a ela não lhe é permitido. Podemos dizer que ele é um agente-livre, por sempre estar ali e poder mover-se ali? Ele é livre para comer quando quiser, mas não pode escolher o tipo de comida, a menos que lhe sejam dadas opções, que elas sejam colocadas ao seu alcance. Da mesma forma, ele não poderá beber o que quiser, e nem mesmo quando quiser, pois se o dono se esquecer de abastecer-lhe de água e comida, morrerá à míngua. É a esse tipo de liberdade que os compatibilistas se referem quando dizem que o homem é um livre-agente? Mas ele é livre em qual aspecto? O canário é um livre-agente, também? Creio que ambos são livres, mas com uma liberdade que os faz cumprir exatamente aquilo que os seus senhores desejarem ou quiserem que ele faça.

Sei que há objeções, pois o canário, a despeito do controle que o seu dono tem, não pode latir, caçar ratos ou fazer a contabilidade da casa. O dono terá de compreender que ele agirá conforme a sua natureza [e o canário não pode mudar a si mesmo, tornando-se um cão, gato ou contador], mas ainda assim essa natureza encontrar-se-á presa a condições preestabelecidas, e das quais todos os canários participam sem que possam ser identificados como outra espécie, não deixando de ser canários. Eles sempre serão canários, e não podem deixar de sê-los. 

Estando certos de que as Escrituras não mentem, sabemos que Deus é aquele que estabeleceu a natureza do canário, dando a ele todas as características peculiares à sua espécie, de tal forma que ele permanecerá canário sem a menor chance de ser outra coisa. Ele pode se encontrar em vários estados e estágios, mas sempre será um canário, mesmo que seja um canário morto. 

Vamos tentar um exemplo ainda mais prático: Deus determinou que no dia tal, na hora tal, eu entrasse em uma certa lanchonete e pedisse um “Beirute”. É fato e infalível que eu naquele exato momento e dia entrasse exatamente naquela lanchonete e pedisse exatamente aquele sanduíche. Deus me colocou ali, de tal forma que eu não poderia estar em outro lugar ou fazendo outra coisa. Então, onde está a minha liberdade de escolha? Os proponentes do “mistério” dizem que Deus estabeleceu isso, mas eu escolhi livremente isso. O fato é que houve uma escolha, entre tantos sanduíches, decidi-me por um, mas como essa escolha poderia ser “livre” se Deus já havia decretado o que eu iria fazer? É como tentar colocar a chave que abrirá certa fechadura em uma outra fechadura que precisará de outra chave para ser aberta.

Placidamente, e acho que com algum peso na consciência, dirão: isso é um mistério, um paradoxo, pois são duas verdades que a Bíblia afirma, mas que não entendemos nem compreendemos e que apenas Deus sabe. Aí é que se encontra a tal “contradição aparente”. Por aparente, querem dizer que ela parece uma contradição, mas na verdade não é. Mas, afinal, é ou não é uma contradição? Como é possível conciliar uma decisão estabelecida por Deus eternamente com uma decisão humana livre? Só se pode chegar a uma conclusão: o homem é livre para escolher aquilo que Deus sabiamente determinou que escolhesse. O homem é livre para fazer o que Deus quer que ele faça.

Um dos mais sérios problemas envolvidos nessa questão da "contradição aparente", a qual é ilógica em si mesma, ainda que se tente fazê-la racional e inteligivel é que a fé cristã parece baseada em contradições, em afirmações autorefutáveis. Pois se A é A, e B é B, não sendo A igual a B, como compreender que A possa ser A e B ao mesmo tempo? Seria o Cristianismo um conjunto de doutrinas absurdas, que vão além do entendimento humano? E mais, seria Deus um deus de absurdos? E que nos quisesse confundir ao dizer coisas que jamais poderemos compreender? Tudo isso tem de ser levado em consideração quando se procura respaldar uma fé na irracionalidade. 

Por isso, o que mais temos hoje são cristãos alegando "experiências" para confirmarem a sua fé. Desde as mais simples às mais bizarras. O que aconteceu? Em algum momento, o homem abandonou-se à falsa premissa de que a fé não pode ser compreendida, antes tem de ser sentida. Em algum momento, os homens deram mais valor à experiência, ao empirismo, à subjetividade de suas sensações, do que à objetividade do texto bíblico. Em algum momento,  abandonou-se os princípios revelados por Deus, os quais nos dão o entendimento e a compreensão corretas de quem ele é, para entregar-se à uma fé mascarada de piedade mas que, no fundo, não passa de futilidade, do apelo carnal à irracionalidade, a rejeição da verdade. 

Quando cada um pode ter a sua "verdade", ninguém a tem. Quando cada um pode se apropriar de parte dela, transformando-a em algo parecido com ela, mas que não é, ninguém a tem. Quando elementos incompreensíveis são colocados em pé de igualdade com os compreensíveis, e até superando-os, a incompreensividade anula a compreensibilidade. Com isso a mensagem que se está levando é de que tudo pode ser relevante para o conhecimento de Deus e para a prática da fé cristã, sem precisar seguir princípios e normas estabelecidos pelo próprio Deus. Desde que eu "sinta" e o sentimento seja sincero, as coisas mais tolas e ridículas não somente devem ser toleradas, mas disseminadas e seguidas [e o movimento gospel está repleto de esquisitices como que saídas do maior de todos os hospícios]. 

A paixão e um "amor autônomo", que não deve satisfação a ninguém mas apenas a si mesmo, significando que esse amor nada mais é do que o narcisismo, o autoamor que possibilita se fazer tudo sem regras, apenas pelo prazer de fazê-las, tem sido a explicação para que se defenda o disparate e tudo o que é contrário à razão. Quando as pessoas encontram-se nesse estágio, elas estão aquém da realidade bíblica, num mundo de faz-de-contas religioso,  como o das fábulas infantis.  E, nesse caso, a adoração não é a Deus, mas ao ídolo criado pelo próprio homem, que pode ser qualquer deus,  e ele sempre será o próprio homem, ainda que esteja na mente de vários deles ao mesmo tempo; ainda que o objeto de culto seja exterior a ele, mas o culto seja interior, procedendo do coração, e isso contamina o homem [Mt 15.18].

Entendo que o argumento do “mistério” tem um pouco de fé, mas uma fé irracional, e que a Bíblia nos diz não ser a fé bíblica. Na verdade não há na Escritura nenhuma afirmação de que o homem precisa ser livre para ser responsável. A Bíblia não afirma que o homem é dependente de qualquer conceito de liberdade para ser responsável, mas da autoridade divina que o faz responsável. No Éden foi dito: “E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás [Gn 2.16-17]. E ainda: “A alma que pecar, essa morrerá” [Ez 18.20]. Não há alusão à liberdade, a um tipo de liberdade em que o homem está livre de Deus. O que se lê é tão somente uma ordem que deve ser cumprida, e se não cumprida, ocasionará uma penalidade. O princípio da obediência é a própria autoridade divina, não a liberdade do homem de fazer alguma coisa que seja alheio ou contra os preceitos de Deus. Por isso, o desobediente pagará, porque Deus estabeleceu o castigo e punição. Por isso a Lei é para todos, e ninguém pode alegar que não conhece a Lei para se fazer inocente. O princípio do conhecimento legal existe mesmo em nossos códigos humanos, para que ninguém fique inescusável.

Mas alguém pode dizer: a lei humana é falha nesse princípio, e Deus, sendo justo, não falharia nele. O mais interessante é que normalmente essa afirmação não é proferida por quem desconhece a Lei, mas exatamente por quem a conhece muito bem. E é ele quem quer definir o tipo de “justiça” que Deus deve ter, ao invés de reconhecer a única Justiça que provém de Deus. Senão, por que Paulo afirmaria que todos nascem condenados? “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram” [Rm 5.12]. Alguém escolheu nascer? Mas, ao nascer, já está condenado. O próprio Senhor diz ao incrédulo: “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” [Jo 3.18]. O fato é que todos os homens nascem condenados. Ainda que a eleição e salvação foram decretadas na eternidade, do ponto de vista humano, nascemos incrédulos em Cristo. No decorrer da história, Deus chamará, regenerará e justificará aquele que escolheu eternamente, capacitando-o a crer em Jesus como Senhor e Salvador [Rm 8.28-30].

Se entendemos que Deus é o Senhor da história, e de que todos os fatos não escapam à sua vontade; se a história de nações e povos foi estabelecida por ele; por que a minha história pessoal e individual não será? É possível Deus controlar multidões de pessoas, muitos milhões e bilhões delas, sem controlar o indivíduo? Ou Deus controla o indivíduo ou não controla absolutamente nada: “E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?” [Dn 4.35]. Como é possível o Deus que estabelece todas as coisas em seus mínimos e mais inexpressivos detalhes, segundo a sua vontade, coexistir com a “liberdade humana” de, até mesmo, se contrapor a ele?

Sei que calvinistas dirão que esse esquema é arminiano. E de que afirmam a soberania de Deus, de que o homem não pode fazer nada alheio ao decreto eterno, contudo, também afirmam que nas causas secundárias, nas causas circunstanciais, o homem é livre em sua escolha segundo a sua natureza. Se para o pecado, irá escolher pecar; se redimido, pode não pecar ou, em último caso, vir a pecar. Como isso se dá, um homem livre escolher livremente segundo a vontade divina, eles não têm respostas. Alegam a antinomia. De que são duas verdades que correm paralelas. Mas seria isso mesmo? Ou esse não é um esquema nitidamente construído pela mente humana para não reconhecer que Deus é o Criador de todas as coisas, e de que controla todas as coisas? E de que mesmo o mal e o pecado não podem existir sem que Deus os tivesse criado e os sustentasse para a sua glória? Se Deus tem poder sobre os vasos de honra e vasos para a desonra [Rm 9.21], originalmente eles foram criados com propósitos nítidos e definidos, por ninguém menos que o próprio Deus. E de que os vasos para desonra, preparados para a perdição, cumprirão exatamente toda a vontade decretiva de Deus, de viverem ímpia e pecaminosamente, praticando o mal e o pecado livremente, mas numa liberdade somente possível de se cumprir “ipsis litteris” a plena vontade de Deus... O homem, seja quem for, é livre para fazer somente a vontade de Deus.

É claro que estou-me referindo à relação Criador-criatura; entre as criaturas temos uma "aparente liberdade" [esse é um senso de autonomia que acredito originário da própria Queda do homem. Uma ilusão de que é possível ser livre de Deus, e assim, enganá-lo em sua vontade] , e, de fato, escolhemos e nos decidimos por muitas coisas durante a vida, porém, sabendo que mesmo as escolhas mais simples estarão “amarradas” às contingências anteriores [sejam objetivas ou subjetivas] as quais nos levarão a escolher por alguma coisa em detrimento de outra. 

Quando o homem acredita que existe uma compatibilidade entre ele e Deus, de maneira que o homem colabora livremente para que aquilo que o Criador determinou soberana e livremente na eternidade se cumpra, temos um dilema sem respostas. É isso que a maioria dos calvinistas afirmam no final das contas: não há respostas. Acontece que Pedro alertou-nos para estarmos sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que pedir a razão da esperança que há em nós [1Pe 3.15]. Mas como poderemos responder se não temos respostas? Ou se nossas respostas são vazias em si mesmas? Ou se revelam uma fé claudicante e contraditória? Ou, ainda,  se ela se opõe ao que foi revelado pelo próprio Deus? Seria Deus perfeito ao ponto de nos apresentar conceitos imperfeitos e incompletos? Penso que não. Penso que há uma espécie de negligência travestida de piedade e humildade em que as pessoas são conformadas à mentalidade do presente século;  de forma que os apelos existenciais do homem moderno sobrepujam à verdade escrituristica. Sei de muitos que não podem ver, mas sei de muitos mais que não querem ver. Recusam-se terminantemente a encarar a verdade, preferindo o conforto de manterem seus corações e mentes presos à mentira, ao engano. 

Alguém dirá que isso é irrelevante. Desde que se seja eleito. O importante, no final, é a salvação, somente possível por Deus. Isso é verdade, mas usá-la para justificar uma infinidade de erros, em que muitos são usados como pedras de tropeço para seus semelhantes está distante daquilo que é-nos exigido fazer.  

É inadimissível a ideia de que Deus nos preparou "pegadinhas" ou orientou desleixadamente os seus autores. Para o Deus sábio, santo e perfeito, isso é impossível. Mesmo que eu não entenda e compreenda certas questões descritas na Bíblia [e posso não entender muitas coisas por simples  incapacidade intelectual, mas a minha incapacidade intelectual não a tornará em um livro de paradoxos],  jamais poderia apelar para o "mistério".  O que há, em muitos casos, é má-vontade, é não querer a explicação e contentar-se com a não-explicação.  E a Escritura exprime-se inteligivelmente, desenvolve-se em seu escopo de maneira autoexplicável, a fim de que o homem entenda a verdade e afaste-se do engano.  Afirmar a sua contradição aparente [e o que vem a ser isso, logicamente?] significa dizer que não há verdade, pois não existe oposição na verdade, de tal forma que duas proposições que se contrapõem não podem ter a mesma origem, elas se excluem, e uma será verdadeira, enquanto a outra será falsa. Procurar um entendimento de qualquer conceito bíblico com a premissa de que a Bíblia tem contradições, significa dizer que ela é falsa, não é infalível, nem divinamente inspirada. 

Ainda alguém poderá dizer: "Cara, você é arrogante demais! Desprezar séculos e séculos de história em que  homens piedosos humildemente se curvaram ao paradoxo, sabendo que não teriam todas as respostas, é colocar-se numa posição superior e orgulhosa".

Eu diria que o fato, em si mesmo, é irrelevante, pois se homens erraram [e muitos erraram], e outros seguiram os erros daqueles, e gerações posteriores os propagaram, não quer dizer que eu deva negar a verdade pela quantidade de testemunhos que se opõem a ela. O número de pessoas que se identificam com determinada posição não garante a veracidade dessa posição.  Pode, quando muito, dizer que ela é bem aceita, que há muitos defensores. Mas o que resta a essas pessoas é responder o seguinte: como se é possível crer em algo que se contradiz? Você poderia confiar em uma placa de "Perigo! Não  entre!" se houver ao lado dela uma outra dizendo "Benvindo! Entre!"? Como saberá qual placa é a verdadeira? Se afastará ou prosseguirá? Esse é o problema quando os princípios absolutos são negados. E se pensa que se tem algo, quando não se tem nada!

02 julho 2011

Bate-papo com Esli Soares: direito de pecar e a secularização da igreja



Por Jorge Fernandes Isah

Novamente, postarei outro bate-papo por aqui. Desta vez, a "vítima" foi o Rev. Esli Soares, do blog "A cruz on-line!", com quem tenho sempre boas e edificantes conversas, a despeito de, ultimamente, estarmos ambos com falta de tempo, o que tem reduzido esse privilégio.

Nossa conversa se deu rapidamente, e muito do que foi conversado pode parecer "solto", precisando de mais explicações, as quais estamos dispostos a dar. Mas as conversas informais são assim mesmo, vamos falando e mudando de assunto sem muita cerimônia.

Como considerei os vários pontos do bate-papo importantes, decidi publicá-lo, não sem antes pedir autorização ao meu interlocutor, que gentilmente cedeu-me todos os direitos de publicação, inclusive o eventual lucro financeiro que advenha dela [rsrs].

Agradeço ao Esli, primeiramente, pela amizade, e pela gentileza em permitir a reprodução da nossa conversa.

Então, sem mais delongas, vamos ao que interessa! 

BATE-PAPO COM ESLI SOARES

Esli: Oi!
Eu: Dom Esli, tudo bem?
Esli: Graças a Deus! Ainda mais com a suspensão do kit gay.
Eu: É... mas vamos aguardar os próximos capítulos...
Esli: Sim,  claro! Tenho noção de que foi só uma suspensão, mas é o caso de agradecer ainda assim. Parece até que vivemos numa democracia...
Eu: É... O motivo é que não foi muito legal... Por causa do caso Palocci... Foi uma troca com o PT; uma barganha nada moral e ética.
Esli: Sim. Mas devemos fazer bons amigos das riquezas de origem iníquas... hehehhe.
Eu: Sei lá... Estava lendo 1Co 10, e Paulo diz que não se pode comer na mesa do Senhor e na mesa de Satanás. Então... Foi uma medida certa por um lado, e errada por outro. Mas ao menos os meninos não serão expostos a tanta imoralidade em tão tenra idade, ainda mais do que já são bombardeados pelas mídias.
Esli: Veja, devemos ir com calma, pois vivemos num tempo de grande tribulação. Estamos na antesala do trono de satanás.
Eu: Mais do que os apóstolos? Duvido!
Esli: Sem a menor dúvida! Eles tinham apenas a perseguição das espadas. Nós temos a espiritual. O inferno do tempo deles era mais imaturo, mais ingênuo, não sabiam o que estavam enfrentando... A luz dos apóstolos era firme e direta.
Eu: Não vejo dessa forma. Paulo sempre disse que a nossa luta não era contra a carne, mas contra as potestades, e ele entendia muito bem do que estava falando, muito mais do que nós entendemos.
Esli: Mas, lembre-se de que tudo isso era profético também. Enfim, cada tempo enfrenta a sua luta, e comparar não é lá muito sábio. Fiz isso para mostrar que temos de procurar as respostas na Bíblia, mas temos de ler bem mais do que na simplicidade do texto. É preciso conhecer a história, a geografia, a política, e a filosofia por traz de cada trecho; e desenterrar 2000 anos de tradições para, então, de posse da Verdade, termos a relevância que será natural.
Eu: Creio que o texto bíblico é mais simples do que isso... Senão apenas os acadêmicos a entenderiam.
Esli: Jorge, o texto nunca é simples. Ele nem pode ser simples, porque fala das grandezas de Deus.
Eu: Eu não disse que é; disse que não é tão complexo como você aponta, é mais simples do que isso...
Esli: Mas ele é eficiente, e na medida de que quem dele se aproxima, e o faz com devoção e humildade e zelo, encontrará as respostas. Não é preciso muita coisa, somente fé; e a verdadeira fé o fará buscar todos os recursos disponíveis.
Eu: Sabe, quando a gente “inflaciona” o texto bíblico com ciências humanas é que ele fica complicado, na verdade, ininteligível... É o mesmo que alguém querer caminhar sem dar um passo... não tem jeito.
Esli: Isso é verdade; mas lembre-se de que Deus escolheu nos falar assim, digo, especificamente para nós, que somos os filhos do tempo "Sola Scripturae”; não podemos desprezar tudo o q Deus nos deu... hummm... Acho que está na hora de começar a publicar textos sobre a Bíblia...
Eu: Sim. Claro. Eu mesmo gosto bastante de filosofia, mas evito misturar os conceitos filosóficos ao texto bíblico, na verdade, o texto bíblico me ajuda a entender filosofia.
Esli: Correto. Entendo você, mas o texto bíblico é filosófico.
Eu: Por isso fica mais fácil entender filosofia. E acho que assim contamino o mínimo possível a Escritura... [penso ser impossível não contaminá-la com nossos pressupostos].
Esli: Sim. Por isso devemos lutar para desenvolver uma cosmovisão redimida.
Eu: É verdade... Sim, mas como você vê a questão secular? De defender princípios seculares que não são bíblicos? O crente pode, ao mesmo tempo, defender o princípio bíblico na igreja e defender princípios seculares no mundo que se contrapõem à Bíblia? Isso seria uma cosmovisão redimida ou contemporizada?
Esli: Não, não pode haver mistura...
Eu: Mas, como você vê o crente, por exemplo, que considera o furto pecado, mas defende o direito do homem furtar? Vale para a prostituição, a mentira, a fraude, e tudo o mais que seja pecado. Pode um crente, em sã consciência, defender o direito ao pecado? Quem peca tem direito de pecar? Ou ele está cometendo uma exceção?... Uma distorção?... Uma rebelião à ordem natural?
Esli: Com muita tristeza eu li sobre tudo isso nessas últimas semanas...
Eu: Não quero nem entrar na questão de quem escreveu. Estou falando da ideia, do princípio. Provavelmente não é dele, deve ter lido isso em sites estrangeiros, liberais... Mas o que você pensa a respeito?
Esli: Sim, é provável... Veja, eu ainda continuo afirmando a verdade da Bíblia, e a falsidade do homem.
Eu: Sei. Mas eu queria algo mais prático. Por exemplo, eu sou juiz, e há uma lei que permite o aborto. Como cristão, sou contra o aborto, mas como representante da lei devo aprovar o aborto que aquela mulher quer cometer; o que valerá mais? A minha condição de cristão ou juiz? Se eu autorizar o aborto, não estarei negando os princípios cristãos? A Bíblia? E Cristo?
Esli: Sim,  estará! Como cristão você estará disposto a perder o cargo de juiz, e Deus o honrará nisso.
Eu: É assim que eu penso, também.
Esli: Mas se você tiver modos de evitar tomar essa decisão ou subterfúgios para não ter de desobedecer a lei humana, deve usá-los.
Eu: Não entendi. Como assim, não desobedecer as leis humanas? Se elas ferem o Evangelho, e se voltam contra ele, devo desobedecê-las.
Esli: Sim, a desobediência civil é moralmente correta. O que digo é que existem subterfúgios, por exemplo, não aceitar o cargo que trata dessas questões. Se declarar incapaz de julgar o caso, ou usar de ferramentas para resolver a questão a favor da lei de Deus. Sabe, precisamos usar a tesoura e não só a pedra.
Eu: É, mas há casos em que isso será difícil, quando não, impossível, então, creio que renunciar ao cargo é o dever do crente; se essa for a situação.
Esli: Não antes de tomar a decisão correta... hehehe... Impedir o aborto, e deixar que o inimigo se levante; isso é, não saia da posição, afinal a nossa luta não é contra a carne e nem o sangue.
Eu: Ah, sim! Resistir até o fim. Como está em Hebreus: não resististe até o sangue.
Esli: Isso! Olha, Deus usa até um ímpio para nos proteger.
Eu: É verdade. Mas não consigo entender como um cristão pode defender o direito do homem pecar. Isso está me incomodando... E me parece algo muito perigoso. Pois podemos ter atitudes cristãos e atitudes anticristãs que originalmente se conflitam com a consciência tranqüila de que estamos fazendo o certo mesmo agindo erradamente. É aí que entra a ética cristã, mas parece que muitos estão mais interessados em resguardar os seus próprios interesses do que em preservar a moral e a ética estabelecidas por Deus.
Esli: É um erro horroroso, e está apoiado em uma falácia gigantesca!
Eu: Até pensei em escrever algo sobre isso, mas achei que tenho coisas mais importantes para escrever... E, sinceramente, não quero polemizar. Mas alguém disse no Facebook que os gays devem ter os seus direitos assegurados, inclusive o de pecar, baseado em Rm 1, deixá-los à própria sorte e iniqüidade... Agora, me diga, esse é o outro lado, o lado extremo da questão, mas é justo que nós, cristãos, deixemos os outros pecarem, e até estimulemo-os ao pecado,  para a própria destruição deles? Enquanto se minimiza a questão, esse irmão [que é pastor nos EUA] defendeu que devemos deixar os ímpios pecarem, sofrerem na carne por seus desejos ilícitos... E veio com a desculpa de que se dois gays moram juntos, vivem juntos, etc, eles devem ter o mesmo direito de um casal, pois se alguém morrer ou ficar impossibilitado de administrar seus bens, o outro o fará por ele, em seu nome... Mas já há leis que dizem, por exemplo, que se eu quiser fazer uma procuração para alguém administrar os meus bens, caso eu me torne incapacitado ou morra... Não é preciso ser gay e estar "casado" para se ter esse direito. Qualquer um pode fazer em vida... Por que eles não fazem? Mas aí entra outra questão, a da imitação do natural, querendo que algo antinatural seja natural, seja visto naturalmente pela sociedade, ao desejarem se equiparar a um casal. Não é questão legal, é a rebelião contra a vontade de Deus, contra o natural, contra tudo que grita diante dos olhos deles que o estilo de suas vidas é antinatural...
Esli: Sim; só lembrando que aqui a pessoa em vida não pode legislar sobre os seus bens depois da morte.
Eu: Há testamento, para isso.
Esli: No mínimo 50% deve seguir as leis de sucessão. Testamento é coisa de americano, aqui não rola desse jeito.
Eu: Mas muitos gays não têm herdeiros, logo, podem destinar seus bens para quem quiser. Nem pais ou irmãos poderão ingerir em suas decisões em vida.  O problema é não se fazer um testamento e o suposto beneficiário quiser reivindicar a herança depois da morte do parceiro.
Esli: É. Concordo.
Eu: Mas falo é de lá mesmo, dos EUA, pois esse pastor mora lá.
Esli: Outra questão é que ninguém tem direito de pecar. Existe a possibilidade de perdão, mas direito de pecar não existe. Como o Estado é laico, ele apenas deve legislar para que a liberdade de cada um não interfira na do outro. Em se tratando dos gays, ele deve aplicar a lei com rigor a favor ou contra eles, sem considerá-los mais ou menos privilegiados que os demais mortais... Não criar leis especiais.
Eu: Outro problema é: Qual o critério para se saber a qual pecado o homem tem direito? Qual pecado deve-se defender e qual não se deve defender? E por qual critério?
Esli: Cria exeções... Nenhum pecado é legítimo para o homem; nenhum homem tem direito ao pecado.
Eu: Por que um gay pode e um pedófilo, não?
Esli: Por uma questão simples...
Eu: Ou um mentiroso, ou um ladrão?
Esli: Os gays têm liberdade, e se sua liberdade não interferir na vida de ninguém eles podem fazer o que quiserem, afinal o Estado é laico. O pedófilo, o mentiroso, ou o ladrão, sempre cometem um crime contra alguém e, por isso, e somente por isso, devem ser punidos pelo Estado.
Eu: Mas laicidade não é isenção nem neutralidade... O sexo está nas ruas, nos outdoors, e é algo que deveria ser privativo, ser mantido entre 4 paredes... Falo isso tanto para “héteros” como para “homos”; mas se defendo a postura homossexual de esfregar o pecado deles na minha cara, por que uma prostituta não pode? Por que um pedófilo não pode? Por que um ladrão não pode? Essa é a questão. Quando defendo o direito ao pecado, defendo o direito de qual pecado? Se de um, de todos, visto todos serem pecados diante de Deus? Logo, terei de reconhecer os outros, se reconheço apenas um deles. E isso não cabe ao cristão. Usar a justificativa de que existe o pecado para defendê-lo. A questão é que se os cristãos não defendem a moral e a relativizam, o que podemos esperar do mundo?
Esli: Sim, mas não mistura as coisas. Volto a dizer que o homossexualismo é errado moralmente, em se tratando o que a Bíblia diz, porém, nas relações particulares o Estado admite sua incapacidade de julgá-los sob o aspecto moral; então, não podemos misturar as coisas.
Eu: Não estou misturando as coisas. Veja bem, a questão é: um crente, mesmo vivendo num Estado secular ou laico, como queira [ainda que não exista Estado laico, o que existe é Estado anticristão ou antireligioso], deve defender o direito ao pecado? E quais os critérios para tal defesa? Até quando eu posso vestir-me de laicista para defender um princípio antibíblico? É essa a questão.
Esli: Não deve. Não deve nem mencionar tal idéia.
Eu: Ou seja, até que ponto um pecado pode me levar a defender outro pecado? Ou um estado de pecaminosidade pode me levar a defender o direito ao pecado? Não seria o nítido conflito entre luz e trevas, ao qual Paulo se refere em Coríntios? De que qual comunhão é possível entre o bem e o mal? Ao ponto que um cristão possa defender o direito ao mal? Mesmo que seja o mal para quem o pratica?
Esli: Está errado defender um Estado laico; está errado defender uma democracia; porém, o cristão tem de viver o hoje. Se o Estado é laico temos de saber como defender a nossa causa nessa situação. Se vivemos numa democracia temos de nos defender nos moldes possíveis dentro de um regime democrático.
Eu: Mas se os próprios cristãos defendem o direito ao pecado, e não é somente um, mas li opiniões favoráveis de vários [alguns faziam defesas apaixonadas] que esperar do Cristianismo? Nesses moldes, como cumprir o ide de ser sal e luz neste mundo caído?
Esli: É, ai é mau. Sempre tenho falado que não posso defender essa ordem natural do mundo capitalista e democrático, mas sempre me confundem, dizem que eu estou defendendo o comunismo... O Estado livre é o estado que permite e incentiva o pior pecado, o qual é  o homem se achar Deus; e em assim sendo, Deus mesmo os entregará a praticas repugnantes e torpes, em contra partida.
Eu: Os regimes de governo humanos são assim mesmo, uns piores dos que os outros. Por isso, penso que o dirigir-se pela Lei de Deus tornaria justa a sociedade; seria bom para todos, menos para os criminosos contumazes. O fato é que, no mundo atual, não há lugar para arrependimento, apenas para a ostentação degradante do pecado. E é isso que alguns de nós defendem por aí, ainda que digam que não. Mas se não estão defendendo esse direito, estão defendendo o quê? Penso que a pior torpeza não é a de quem a pratica, mas a daquele que vê o outro praticando e se cala ou bate palmas.
Esli: Quanto à aplicação da Lei de Deus, creio que isso não vai acontecer. É ai é que divergimos...
Eu: Mas posso defendê-la... O acontecer pertence ao Senhor.
Esli: Eu acho que devemos como Igreja, e não como força política. Nossa ação é na sociedade e a sociedade redimida vai pressionar o governo e esse vai fazer algumas coisas por pura pressão dos homens redimidos.
Eu: De certa maneira, foi o que aconteceu com o Kit Gay... São as regras do jogo político.
Esli: Devemos ser gratos, pois Deus nos protegerá nesses tempos de angústia.
Eu: Certamente. Mas outra questão é: se defendemos o direito ao pecado, é sinal de que não amamos o pecador. Pelo contrário, está nítido o nosso desprezo por ele.
Esli: Sim; como tenho sempre dito, se proibirem falar contra o homossexualismo, serei preso toda semana, se bem que eu raramente fale desse assunto.
Eu: Não precisa falar, mas não tem porque não falar. O fato é que, mesmo se não falar, alguém pode acusá-lo de homofóbico, de perseguidor de gays, e irá preso do mesmo jeito.
Esli: Por isso disse que serei preso toda semana. Será bom, pois os presos ouvirão o Evangelho e se converterão; sabendo que a população carcerária é cada vez maior, vamos tomar o Brasil para Cristo.
Eu: Por que a lei contempla o pecado, infelizmente! E a sociedade estimula os pecadores; estimula o conceito de pecado, para depois, quando é prejudicado por eles alegar injustiça e frouxidão do Estado. Mas se esquecem de que são os primeiros a defender a impiedade, como um salvoconduto para pecar livremente. Isso é comum entre os homens naturais, só faltava os cristãos defenderem-no também, agora, não falta mais [rsrs].
Esli: Hehehe... Sim, mas há 7.000 que não se dobraram a Baal.
Eu: Amém!... Meu irmão, terei de sair. Foi muito bom o papo!
Cristo o abençoe! 
EsliAmém!
Nota: Indico o texto do pr. Josafá Vasconcelos, "Decisão do STF: Direito de pecar?!"