Jorge F. Isah
Escrevi uma postagem, "O pecado que Cristo não levou", há alguns anos, que causou um certa discussão quanto à natureza humana de Cristo, se ela é eterna ou temporal. Muitos atribuíram, ao que vos escreve, a pecha de herege por defender uma natureza humana eterna em Cristo. Deixarei o link, abaixo, para o caro leitor inteirar-se do assunto e dos comentários a respeito da "querela".
Em minha defesa, gostaria de destacar o entendimento de um "grande": João Calvino. Explico: quando escrevi o texto não havia começado a leitura das Institutas, o que aconteceu alguns meses depois. O trecho que transcreverei, li-o mais alguns meses depois, e qual a minha surpresa quando, ao ler o Reformador, deparei-me com o mesmo pensamento que delineei em meu texto? Evidente que não o faço com a maestria, o gênio e a capacidade de Calvino, mas, em linhas gerais, o que disse está em conformidade com o que ele escreveu.
Pois, se não é idêntica à que defendi na postagem: "O pecado que Cristo não levou", publicado no Kálamos, parece, em princípio, confirmar o que eu digo e que causou a rejeição da maioria dos comentários. Até agora, por mais que eu leia e releia o que eu e os comentadores escrevemos, não consigo entender a dificuldade em se reconhecer a singularidade da humanidade de Cristo. Mas vamos ao que Calvino tem a dizer, ou melhor, disse:
"Pois se temos fé nas Escrituras que eloqüentemente proclamam que por fim em Cristo se revelou plenamente a graça e a humanidade do Senhor [Tt 2.13], derramada a opulência de sua misericórdia [2Tm 1.9; Tt 3.4], consumada a reconciliação de Deus e dos homens [2Co 5.18], não nutramos dúvida de que muito mais benigna se exibe diante de nós a clemência do Pai celestial, a qual não foi cortadanem apoucada" (Institutas, Livro IV, pg. 4).
Fui acusado, em vários comentários, de ser dualista e de defender uma separação forte entre corpo e alma. Como sou um "pé-rapado" teológico ou um "João-ninguém" se preferirem, acabei de ler a posição de um "grande", João Calvino, a qual transcrevo. Antes, deixo a pergunta: alguém se atreveria a chamar o Reformador de dualista?
"Contudo, entre leitores piedosos será bastante um simples lembrete. Ora, se a alma não fosse algo essenciado, distinto do corpo, a Escritura não ensinaria que habitamos casas de barro e que na morte migramos do tabernáculo da carne, despojamo-nos do que é corruptível para que, por fim, no último dia recebamos a recompensa, em conformidade com o que, enquanto no corpo, cada um praticou. Ora, por certo que essas referências, e semelhantes a essas, que ocorrem com freqüência, não só distinguem claramente a alma do corpo, mas ainda lhe transfere o designativo homem, indicando ser ela a parte principal. Ora, quando Paulo exorta os fiéis [2Co 7.1] a que se purifiquem de toda impureza da carne e do espírito, ele enuncia duas partes nas quais reside a sordidez do pecado. Também Pedro, chamando a Cristo “pastor e bispo das almas” [1Pe 2.25], teria falado improcedentemente, se não existissem almas em relação às quais desempenhasse este ofício. Nem seria procedente, a não ser que as almas tivessem essência própria, o fato de que fala acerca da eterna salvação das almas, e que ordena purificar as almas, e que desejos depravados militam contra a alma [1Pe 1.9; 2.11]; de igual modo, o autor da Epístola aos Hebreus [13.17] declara que os pastores velam para que prestem conta de nossas almas. Com o mesmo propósito é o fato de Paulo [2Co 1.23] invocar a Deus por testemunha contra sua própria alma, porquanto ela não se faria ré diante de Deus, se não fosse susceptível à penalidade. Isto expressa-se ainda mais claramente nas palavras de Cristo, quando ele manda que se tema àquele que, após haver matado o corpo, pode lançar a alma na Gehena de fogo [Mt 10.28; Lc 12.5]. Ora, quando o autor da Epístola aos Hebreus distingue Deus dos pais de nossa carne, como sendo o Pai dos espíritos, não poderia ele afirmar de modo mais claro a essência das almas." (Intitutas, Livro I, pg 178)
Deixo, novamente, o texto original para a apreciação dos interessados em lê-lo. E indico fortemente a leitura das Institutas da Religião Cristã, de João Calvino.
Nota: 1- É óbvio a brincadeira com o título. Calvino jamais leu o meu texto; e mesmo que o tivesse, não há garantia de aprovação. Então, por favor, não entendam como presunção, mas somente uma "graça" com o famoso reformador.