22 setembro 2024

Os Demônios, de Fiódor Dostoievski




 


Jorge F. Isah

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Antes de entrar propriamente na narrativa, algo a me incomodar sobremaneira na leitura (e-book) foi o trabalho de produção e diagramação da Sétimo Selo, algo deplorável e irritante. Além de pequenos erros ortográficos, havia uma constante “unificação” das palavras, ligadas umas às outras, a acontecer mais de uma vez em cada página; não me recordo se houve ao menos uma a não conter o erro e tornar a leitura desagradável, truncada, como se fosse um “caça-palavras”. Ademais, ultimamente, tenho percebido um trabalho desleixado e sofrível quanto à produção de vários e-books na Amazon. Talvez por haver necessidade de corte de gastos ou mesmo autores independentes não se prestarem a contratar um profissional e fazerem eles mesmos a revisão, a verdade é que os trabalhos editorais têm perdido muita qualidade. Esse certamente é o senão da obra.


Gostei bastante da tradução direta do russo para o português de Nina e Felipe Guerra; comparando alguns trechos com a tradução do Oleg de Almeida, não percebi diferenças em sentido e intensões deixados pelo autor. Enfim, o problema não é a tradução, mas revisão e diagramação relapsas.

Quanto ao livro, como já devem saber, fui leitor assíduo do russo em minha adolescência e juventude. É verdade não ter sido capaz de absorver a centésima parte dos sentidos. Na medida do possível, tenho relido as suas principais obras, e agregado novas e inéditas traduções.

O que dizer de “Os Demônios”? Talvez seja o livro mais profético de Dostoiévski. Com a precisão de um “oráculo” ele descreve não somente os primórdios mas os desdobramentos do que se viria a conhecer como a Revolução Russa e as demais a seguirem-na no universo marxista. O que para a maioria, ainda hoje, era inconcebível e improvável, para alguém capaz de penetrar na alma, sabedor de haver um estado de “depravação total”, colher as informações do passado (desde o Éden à Revolução Francesa), e os seminais passos dos revolucionários utópicos e “científicos” ou messiânicos, era de se esperar coisa que não prestasse. Na mesma toada, se você tem o “privilégio” de ouvir um funk carioca, crianças do maternal em poses e gestos dignos de “escorts”, a malandragem geral, censuras, perseguições, o fim da ordem, dos valores como família e igreja; a divinização do homem e a “morte” de Deus, todos esses elementos e muitos outros eram propostos e defendidos nos insurgentes do “Círculo”, o grupo com ímpetos de incendiar a Rússia.


Engana-se quem espera um livro apenas político, pois Dostoiévski é, sobretudo, o leitor da humanidade, o observador das relações interpessoais e movimentos sociais, o crítico dos fúteis e vaidosos e também dos orgulhosos e irritadiços, descrentes em Deus e crentes em si mesmos. Seja para o bem quanto o mal, ele os disseca, sob a ação de Cristo, dos apóstolos e da igreja. Para ele, a verdadeira redenção é individual, a partir do arrependimento (vide Vierkhoviénski, pai, saído do ateísmo místico e ativista para a verdade do Evangelho), jamais coletiva, e nela reside a verdadeira salvação ou solução para os dilemas da vida. Com isso, não insinua a extinção dos impasses; ao menos se terá o norte correto e absoluto ao qual se deve guiar e buscar. Perguntas que muitos de nós ainda fazemos, e gerações futuras farão, respondeu-nas Dostoiévski, não a partir de sistemas ideológicos e teóricos, mas pela realidade, a vivência, inclusive quando tais sistemas se perpetravam. Há quem não queira ver mas, para ele, não existe solução além de Cristo e o Cristianismo. Ao não reconhecer a própria fragilidade, os próprios erros e pecados, e buscá-los no outro, o homem se torna invariavelmente no pior dos animais.

Para situar o leitor, sem entrar nos pormenores da história, ela se baseia em um fato ocorrido na Rússia, em 1868, quando um grupo de revolucionários marxistas (no livro, “o círculo”) trama e executa a morte de um dos seus dissidentes. Este é o start de Dostoiévski para construir o romance, e a partir do destrinchar dos fatos, descobrir-se-á o envolvimento da quadrilha em outros crimes tão ou mais bárbaros.

O líder, Vierkhoviénski, filho, (alusão ao próprio diabo) em sua inveja, perfídia, manipulação e inflexível crueldade, revela o quanto sistemas “messiânicos”, com o fim de resolver todos os problemas do mundo a fórceps, pela violência, se valendo da presunção e arrogância das pessoas, independente da classe social, tornou-o em um dos mais malignos personagens da literatura. Ele seduz e, melifluamente, induz aristocratas (Varvara e Yúlia), assim como populares (Lipútin, Virguinski), ou idólatras (Erkel e Tolkatchenko), enquanto nutre um sentimento ambíguo pelo seu ídolo, Stavróguin.

Em um momento crítico, quando havia dúvidas em relação à execução da tarefa, Vierkhoviénski, filho, ordena:

“Ai daquele, entre os senhores, que tente agora fugir! Nenhum dos senhores tem o direito de abandonar a causa! Podem dar-lhe os beijinhos que quiserem, mas não têm o direito de trair a causa comum pela garantia de uma palavra de honra! Isso é o que fazem os porcos subornados pelo governo!... Subornados, meus senhores, são todos os que se acovardam no momento do perigo. Por medo, encontra-se sempre um imbecil que, no último momento, correrá gritando: ‘Ah, perdoai-me, mas vou trair toda a gente!’... Além disso, não poderiam fugir da outra espada. Ora, a outra espada é mais afiada do que a do governo.”

Neste trecho, a coação é uma arma poderosa de manipulação. Contudo, nenhum dos envolvidos é inocente, todos são culpados: fúteis e esnobes fidalgos quanto trabalhadores, pobres e utilitários. Todos, via de regra, se viram emaranhados na própria teia. Foram presas fáceis do próprio ufanismo, ao não perceber o quanto eram vulneráveis e suscetíveis aos apelos falsos e controladores. Não havia inocência, mas soberba e empáfia, na esperança de serem o “novo homem”, construído à força pelo delírio ideológico acrítico, e assim alcançar o paraíso terreno. Para isso, era fundamental a dessacralização, a extinção do divino, a negação do absoluto, do Messias, e, sem os rejeitar, como pavimentar o caminho sangrento e tortuoso e disruptivo? Fazer da utopia outro desastre humano? O Éden a se repetir novamente; uma coleta onde a sacola não tem fundo.

Tal qual hoje em dia, a rotulação do certo e errado é “relativa”, a depender dos interesses e o quão benéfico pode ser negar ou desvirtuá-los, era fundamental, um samba do crioulo-doido. Da mesma forma, tornar moral em imoral e vice-versa conferia e garantiria a lealdade cega e a consciência mantida em coma. Tudo a fim de garantir uma “fé” indubitável no movimento, e tornar os sectários em eficientes e dóceis guerrilheiros adestrados. Na maioria das vezes, os iludidos são tão somente aqueles a não ver o que lhes está posto diante dos olhos, e se empenham em enxergar além do horizonte, em um futuro a repetir em hipérboles o presente não sentido, não reconhecido, ou simplesmente vislumbrado, ao imaginar não haver o bem, logo, o mal também inexistirá. Como Santo Agostinho disse, o mal é a ausência do bem, e alimentar um é enfraquecer o outro. Portanto, prescindir do bem não excluí o mal, antes o emancipa e robustece, e a consequente desumanização nada mais é do que a tentação de fraudar, aniquilar o direito natural. Com isso, se criam tantas aberrações e distorções quanto a consciência produz ao distanciar-se da verdade. Dostoiévski cria na pessoa de Cristo, no seu Evangelho, como a suprema expressão da moral e da ética no mundo.

Muitos leem “Os Demônios” apenas pelo viés político, quando vai além desse escopo. Sobretudo, fala das relações a degringolar e lançar caos, angústia e dores aos personagens, e quais deveriam ser os seus papéis no mundo, se não fosse controlado por “anjos caídos”. Mas o diabo, assim como Piotr Stepánovitch, fugiu de cena e deixou o trabalho sujo nas mãos dos asseclas.

E a história expandiu-se, e virou ela mesma muitas outras histórias... e tragédias.

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Avaliação: (*****)

Título: Os Demônios

Autor: Fiódor Dostoiévski

Editora: Sétimo Selo

Páginas: 1.150

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga


18 setembro 2024

Malemolência Tupiniquim

  




Jorge F. Isah

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Tem coisas que somente os brasileiros fazem, dizem por aí. Existem hábitos (para alguns, manias) típicos e quase exclusivos nossos, tupiniquins. Um deles, e talvez o mais difícil de se entender, é o de comer pizza com talheres. Normalmente, mundo afora, come-se essa iguaria com as próprias mãos, aos moldes alimentares dos nossos queridos “hermanos” silvícolas. Para os “gringos” é abominável degustar tão saboroso (e gorduroso) alimento sem apalpá-lo, afagá-lo e apertá-lo entre os dedos. Chega a ser um fetiche. De nossa parte, esse negócio de comer pizza com as mãos deveria ser proibido e constar no código penal, com sentenças de 15 a 20 anos de prisão, sem direito a fiança e atenuação de pena. Deveria incluir trabalhos forçados; mas isso é sonhar demais, né!

Onde já se viu comer com as mãos? Ainda mais pizza? Já imaginou quantos micróbios e bactérias poderíamos ingerir?... E, depois, são esses “selvagens” a obrigar-nos ao uso de máscaras. Gente sem noção...




Outro particular, é a existência de cesto de lixo nos banheiros. Lá fora, eles simplesmente jogam no vaso sanitário o papel higiênico junto com os seus dejetos. Parece lógico, já que conservar restos fecais em cestinhos não tem nada de civilizatório e higiênico. Seria o mesmo que manter o seu Título de Eleitor em um cofre forte enquanto espalha dinheiro e joias pelas mesas e cômodas da casa. Dizem que as eleições, mais do que um dever é um direito. Ah, se fosse assim, veríamos filas semanas adentro, verdadeiros acampamentos, nos portões das seções eleitorais. Mas essa atitude é típica dos fãs de estrelas do rock, dos consumidores loucos por promoções, ou dos psicóticos usuários de iPhone. Ninguém monta barraca, literalmente, traz travesseiro, cobertor, cadeira de praia, garrafa térmica e biscoito amanteigado para votar. Nada mais justo do que abolir os cestinhos dos banheiros e qualquer esperança nos eleitores.




Brasileiro gosta de banho. Ao contrário de boa parte do mundo, é costume nacional lavar-se diariamente. Há aqueles que não se limitam a um, mas tomam dois ou três. E veem depois falar em ecologia. Querem prender a senhorinha que esfrega o passeio uma vez por semana, e o moleque que lava o carro quinzenalmente. Mas aqueles intermináveis 40 minutos de ducha, três vezes por dia, não causam qualquer impacto na natureza. É o típico cara a tirar o cisco do olho alheio enquanto mantém a trave no seu.

Aqui as coisas são tão estranhas que se criou o termostato de chuveiro, para impedir o excesso de tempo entre um enxague nos cabelos e outro nos pelos pubianos.

Essa mania se espalha a quase tudo, até mesmo nos altos escalões. Houve um tempo, não muito distante, onde se criou a “Operação Lava-Jato”, cujos efeitos foram tão rápidos e inócuos (graças a artifícios interpretativos de certa Corte) que todos os "sujões” estão a emporcalhar o país de novo. Nem uma fonte de água sanitária molhando-os ininterruptamente daria cabo desta bodega. Ou seja, não adiantam banhos, pois jamais seremos devidamente “limpinhos”.




Talvez, por sermos tão “sui generis”, o mundo desconhece que “hablamos” português, e acreditam piamente que o Brasil é um país de língua espanhola. Não sei o que os lusitanos esperam e fariam, mas, se fosse eu, ficaria quietinho e deixaria toda a culpa para os hispanos.




Se você conhece outra mania, e quer “expô-la” publicamente, mande-nos o seu e-mail com a sugestão, e um PIX para conta do editor.

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

12 setembro 2024

O infante das pernas tortas

 




Jorge F. Isah




O que você imaginaria de uma pessoa que tivesse estrabismo (desvio de um olho em relação ao outro), obliquidade pélvica (desequilíbrio na bacia), seis centímetros de diferença de comprimento entre as pernas, o joelho direito tinha valgismo (desvio do joelho para dentro em relação ao eixo central) e o esquerdo varismo (desvio do joelho para fora em relação ao eixo central)? Provavelmente você diria: está de muletas ou numa cadeira de rodas. Ledo engano, camarada! Pois estamos a falar de um dos maiores jogadores de todos os tempos, que superou esses e muitos outros problemas para se tornar em um ícone do futebol mundial: Garrincha.

Em meio aos salários astronômicos dos astros do esporte na atualidade, e mesmo os menos votados acumulam fortunas, Garrincha ganhava o equivalente a um 3º reserva se ainda jogasse. É verdade que o futebol não era a máquina de cifrões que se tornou, mas era, à sua época, o esporte a mover céus e terra entre torcedores, imprensa, atletas e dirigentes. Meio amador, meio profissional, ainda que fosse um grande espetáculo, não movimentava as quantias como veio a se tornar. E para os jogadores menos organizados e incapazes de planejar o futuro, como Mané, a curta profissão e a má administração resultariam em dívidas ao invés de dividendos.



Nascido em 1933, em Magé, Manoel Francisco dos Santos pertencia a uma família de 15 irmãos, e ele mesmo quase alcançou esse número (14), tendo filhos em dois casamentos e em vários casos extraconjugais, inclusive com uma sueca. Era boêmio inveterado, mulherengo e nem sempre tomava as melhores decisões. Muitas delas resultariam em acidentes, como o que vitimou a sua primeira sogra, em 1969, no qual foi condenado por homicídio culposo.

No dizer de muitos, era um misto de apedeuta (estudara até o segundo ano do ensino fundamental) e ingênuo, um meninão crescido e de mentalidade infantil, mesmo em meio a uma avalanche de tragédias: perdeu o pai muito cedo, vítima de cirrose. A irmã Tereza morreu aos 14 anos de barriga d’água. Outra, em um dia de festa, caiu do caminhão e também faleceu. O filho dessa perdeu a perna em acidente de trem. No dizer de outros, um gênio inigualável no gramado e com a bola nos pés... Para muitos, o maior de todos os tempos, maior até que Pelé... Difícil separar o homem do mito; e o que as gerações guardarão será muito mais a figura do mito.

Campeão mundial pela Seleção Brasileira em 1958 e 1962, chegou a ganhar muito dinheiro, mas esbanjava a maior parte pagando dívidas de amigos e conterrâneos, esquecia cheques jogados entre os brinquedos das filhas e, como sempre, era assediado por supostos amigos que lhe roubavam e exploravam o quanto podiam e ele permitia, para depois simplesmente o abandonarem; mas ele, em momento algum, parecia ou demonstrava estar ressentido, fosse com quem fosse, nem mesmo os que o ridicularizavam recebiam troco. Como o jornalista Geraldo Mayrink escreveu: “Era um louco, deliciosamente irresponsável. Quando perdeu a forma, passou a ser apenas irresponsável.”

Abandonou a primeira esposa, Nair, com quem teve oito filhas, e foi morar com Elza Soares, com quem teve um filho.


Nos últimos tempos, após a separação com Elza, a quem ele traiu, humilhou e agrediu, vivia uma série intermitente de problemas financeiros e pessoais. Morreu aos 49 anos, de cirrose hepática, em 1983. No seu féretro, milhões de pessoas o acompanharam, rendendo-lhe homenagem. O homem partia, derrotado em seu último desafio, enquanto o mito continuaria a desfilar nos gramados imaginários mundo afora, nos playgrounds de corações definitivamente encantados.


Hoje, mesmo sendo lembrado, e existem aqueles a desconhecê-lo completamente, Garrincha, ou simplesmente Mané, ainda aguça a curiosidade, de como um homem cheio de limitações conquistou o mundo, ou parte dele, com a magia das pernas tortas e dribles perfeitos.

Em sua passagem pela Itália, nos anos 1970, jogando por um time amador de açougueiros, em Torvaianica, alguns repórteres perguntaram-lhe, surpresos, por que participava de um torneio de operários? Ao que respondeu: “Eu faço isso para me divertir e me manter em forma.” O time dele perdeu por 5x4.

Era o fim do jogo.




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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

04 setembro 2024

Ouro de Tolo

 




Jorge F. Isah



Muito se tem falado nas últimas décadas de poluição do meio-ambiente e a necessidade de preservá-lo para o bem da humanidade. Há até mesmo aqueles, mais radicais e insanos, que defendem o fim da humanidade para que o meio-ambiente seja conservado. Eu só gostaria de saber se os idealizadores dessa ideia “genial” seriam os primeiros da fila de extermínio; ou estão apenas em busca de holofotes ou de tratamento psiquiátrico gratuito? A verdade não é outra senão o fato do homem ser o mordomo deste mundo, a quem Deus (quer você queira ou não) designou como administrador. A natureza é uma criação, assim como o homem, e não algo autogerado e, sendo o homem capaz de modificá-la, é necessário fazê-lo com sabedoria, conhecimento e bom senso. As intervenções devem acontecer de forma prudente, organizada e com o menor impacto justificável. Nem sempre é possível, mas aconselhável... Não colocaria esta responsabilidade nas mãos apenas do governo, da iniciativa privada, de ONGs ou exército de mercenários. Nem tão pouco nas mãos de plantadores de coca, marijuana ou ópio, ou a cargo de índios ou grileiros. Muito menos na massa de palpiteiros que assumem a preservação como um modismo, assim como se usava polainas no passado e agora usam-se havaianas. Não sobrou muita gente, é verdade, e esse pessoal, incapaz de conciliar-se, atira um no outro e no próprio pé.

Não quero me ater a esse tópico, mas falar de outro que não ganha, aos olhos do Ibope, dos povos e organismos, a mesma relevância, e está muito mais ligado ao ambiente do que se possa imaginar, ao menos para os insanos padrões do establishment: a poluição anímica. Senão, vejamos:

1) Qual foi a última vez em que você estava lendo, ouvindo sua banda ou cantor predileto, ou assistindo aquele melodrama na TV, ou simplesmente tirando aquela soneca depois do almoço, e não se viu sacudido pelo terremoto sonoro do “mano” e seu funk morbo a perambular na rua ou estacionando o seu Corsa duas portas de primeira geração bem debaixo da sua janela?



2) Ao flanar pela cidade, não teve o desagradável vislumbre de paredes e muros pichados, garatujas do mais péssimo gosto, a emporcalhar a visão?

3) Prédios e monumentos assimétricos, construídos sabe-se lá por qual alma penada, mais parecidos com cubos empilhados por um prematuro?



4) E o que dizer de homens e mulheres dispostos à inconveniência e descortesia, a fazer dos seus dias o suplício dos outros? Entre berros, grosseria e má-educação?

5) Sem falar nos ferretes epidérmicos (vulgo tatuagens e afins) que, para o bem dos higienistas mentais, deveriam se resumir às partes mais íntimas, longe dos olhares perturbáveis (do jeito que as coisas andam, nem estas partes são garantias de exposição dispensável)?



6) Ah, mas ainda não chegamos ao pior: naquele vizinho que faz um “gato” na luz, água ou TV a cabo, e você é quem paga a conta. Naquele político que desvia a verba do SUS e você acaba mandado de volta para casa, com uma costela quebrada ou o apêndice supurando, e ainda paga a conta. Ou as várias e múltiplas formas de existir uma casta privilegiada, muito além do que produz ou seja capaz de produzir, regalias adquiridas por meios ditos legais mas antiéticos; e a conta é sua. E outras ilegais e ainda mais antiéticas, com o ônus para você...



Portanto, antes de se preocupar com a extinção do pau-brasil (muitos acreditam ser a madeira verde e amarela) ou da arara-vermelha (tem a maior parte do corpo em azul), olhe-se no espelho ou faça um exame de consciência e veja se este mundo não é simplesmente o reflexo do que você e eu somos, e, neste caso, não há lei ou protesto que o despolua. Como está escrito: “Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão.” (Mateus 7:5)

Pois o pecado não é de mais ninguém, a não ser seu... E não adianta dizer que é meu, senão vou escrever outro artigo impugnando-o!

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga