25 maio 2010

Deus não tem escolhas















Por Jorge Fernandes Isah

Algo complexo e de difícil definição é o conceito de liberdade. Ela pode representar várias perspectivas, de vários pontos de vista diferentes, e serem completamente antagônicos entre si. Daremos uma olhada em como o Priberam define-a:

liberdade
(latim libertas, -atis)
s. f.1. Direito de proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o direito de outrem.2. Condição do homem ou da nação que goza de liberdade.3. Conjunto das ideias liberais ou dos direitos garantidos ao cidadão.4. Fig. Ousadia.5. Franqueza.6. Licença.7. Desassombro.8. Demasiada familiaridade.

A definição parece restringir-se ao relacionamento entre homens, seja individual ou coletivamente, mas afeita exclusivamente a eles. É basicamente sociológica, menos filosófica, não-metafísica, pouco abrangente.

Uma definição mais ampla é encontrada no Michaelis:

liberdade
li.ber.da.de
sf (lat libertate) 1. Estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral. 2. Poder de exercer livremente a sua vontade. 3. Condição de não ser sujeito, como indivíduo ou comunidade, a controle ou arbitrariedades políticas estrangeiras. 4. Condição do ser que não vive em cativeiro. 5. Condição de pessoa não sujeita a escravidão ou servidão. 6. Dir Isenção de todas as restrições, exceto as prescritas pelos direitos legais de outrem. 7. Independência, autonomia. 8 Ousadia. 9 Permissão. 10 Imunidade.

Aqui há uma gama de descrições que se aplicam diretamente ao homem, mas que têm também conotações filosóficas como a definir, por exemplo, o livre-arbítrio, o qual é, entre outras coisas, o “estado de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral”; e, ainda que seja apenas uma proposição improvável, “exercer livremente a sua vontade”. Porém, o assunto deste texto não é discutir o famigerado livre-arbítrio e sua impossibilidade de garantir a liberdade da indiferença ou o indeterminismo, mas apenas demonstrar a dificuldade e o campo minado em que se entra quando a questão é demarcar e, especialmente, aplicar o conceito de liberdade.

Se definir liberdade é algo complexo, em se tratando da condição humana, o que se poderá dizer de Deus? Os cristãos bíblicos concordarão que Ele é livre; e a Criação resultou de Sua decisão livre, ao decretar que tudo criado, seja material e espiritual, viesse a existir a partir do nada. É o relato bíblico: “No princípio criou Deus o céu e a terra” [Gn 1.1]. Mas isso significa dizer que Deus teve escolhas? Que num leque de possibilidades escolheu uma delas? Ou até mesmo a hipótese de não escolher criar absolutamente nada era provável? Seria possível para Ele pensar em modelos ineficazes e falhos? Para, então, descartá-los? E ficar com o mais aceitável ou perfeito? Pode Deus cogitar algo imperfeito? E o que garante a escolha certa? Em quais bases, escolheu? Quais foram os critérios que o levaram à Criação? Era-lhe possível não criar? E qual a certeza de que o plano daria certo? E efetivamente escolhera o correto? Não parecem variáveis de um pensamento imperfeito, e não provindos de uma mente perfeita?

Talvez o grande problema aqui não sejam as respostas nem as perguntas, mas o fundamento através do qual elas são formuladas. Em linhas gerais, tentamos entender Deus a partir do padrão humano, como se fosse um de nós, e estivesse sujeito à mesma imperfeição que resultará na maioria das vezes em distorções, em inadequações da realidade. Se acredito que o Senhor é capaz de ter escolhas, no sentido de dar a Si mesmo opções do que escolher, havendo em princípio boas e más opções, ao descartar-se uma em detrimento de outra resultará na deficiência do conjunto daquela, como uma obra “menos perfeita”, não-ideal, enquanto esta demonstrará ser “mais perfeita”. Mesmo que todas as opções fossem “integralmente” perfeitas, o ato de escolha indicaria que, em algum aspecto, haveria imperfeição em um ou mais modelos. E se há imperfeição, pode provir de Deus? A mente absoluta, incomparável, única, e que reúne todas as qualidades concebíveis, um padrão irrepreensível, impecável e insuperável em sua própria essência, poderia imaginar o mais remoto e inverossímil plano? Pode-se imaginá-lo a arquitetar o inacreditável? Algo que contradiz a Sua natureza? O ser eterno, infinito, perfeito e santo cogitaria [como a mais improvável conjectura] o que não estivesse em conformidade com a Sua divindade?

Veja bem, estamos falando do decreto eterno, o qual é santo e perfeito, e não das contingências e particularidades dele. Não há como negar que, por exemplo, o mal seja mal, o pecado seja pecado, a Queda seja a Queda, a corrupção seja corrupção, o imoral seja imoral, mas eles são partes de um todo que não pode ser superado em seu aspecto determinado como a expressão da vontade santa, excelente, completa e irretocável de Deus. Como conseqüência e resultado de Sua mente absoluta.

O que estou a dizer é que escolhas pressupõem a superioridade de uma em relação à outra, ou a superioridade do nosso conhecimento ou perspectiva em relação a elas. Para que Deus escolhesse entre algumas ou muitas opções seria necessário não deterem o mesmo nível de perfeição. Em maior ou menor grau, haveria variáveis, e variáveis levarão inevitavelmente à mutabilidade. O próprio fato de Deus cogitar principiar duas ou mais coisas, ainda que no campo imaginário, apontaria para sua mutabilidade ao exercer o seu direito de escolha, e ao fazê-lo, não se terá a certeza do decreto acabado, mas sujeito às transformações durante o seu desenvolvimento no tempo.

Entendo que há muitos atributos divinos ligados à questão, e caso decida-se pelas “possibilidades de Deus”, estar-se-á comprometendo cada um deles, ao ponto em que, tanto a imutabilidade, a onisciência, a sabedoria, a perfeição, especialmente, estarão prejudicados.

Hipóteses existem para nós, seres corrompidos. Ainda que escolhamos aquela decretada por Deus. Essa forma de pensamento define muito bem a nossa imperfeição, conjecturamos o que Deus poderia fazer [do ponto de vista racional e lógico], mas Ele não teve escolhas, senão o eterno decreto poderia não ter sido a melhor delas, e nem seria eterno. O próprio fato das escolhas em si mesmas revelará uma mente insegura, instável, mutável, não-perfeita. Deus não se ateve a opções, nem as analisou, nem as estudou, nem as cogitou. Isso daria margem para a hipótese de haver algo que não pensasse, e que pudesse ser melhor do que o pensado. Quantas opções a sua mente infinita teria? Porém a infinitude da mente divina não implicaria na infinitude de proposições, em múltiplos planos, em possibilidades de contradição, de se cogitar algo que contrariaria a Sua própria natureza, de implicar na mínima chance de que Ele pudesse errar, ou seja, levá-lo a enganar-se.

Alguém pode dizer que a santidade e a perfeição o conduziriam a optar pelo melhor plano sempre, mas a própria idéia de um plano A, B, C ou D, resultará na inadequação de ao menos três deles. E tanto a santidade como a perfeição seriam postas de lado por não se enquadrarem ao padrão do Seu pensamento. Se levarmos esse conceito de hipóteses para Deus, ele representará que Deus é capaz de pensar imperfeitamente, e até mesmo de criar imperfeitamente, pois o cogitá-los, por si só, já preanunciaria um estado não-perfeito e não-santo. E, convenhamos, o que a Bíblia afirma é a exata e inquestionável perfeição e santidade divinas. Quanto a isso, não há sombra de dúvidas. O problema nunca está em Deus, mas em nós que não assumimos nossa porção de equívocos e distorções diante de Sua majestade e glória refletidas na revelação especial [e perceptíveis na Criação].

Deus, como o Ser, como o Absoluto, não teve escolhas. Ele pensou uma única vez, um único plano, perfeito, acabado, irretocável, infalível, imutável, assim como Ele é. Este plano já era antes da fundação do mundo, assim como Deus é. O que me leva a concluir que Ele é livre, mas não de uma espécie de sub-liberdade que o condicionaria a equívocos possíveis nas escolhas, ou mesmo a exigüidade delas.

Deus pensou o certo desde o princípio. Pensou o perfeito desde sempre. O imutável. Determinou todas as coisas uma única vez, sem a chance de errar. O que está diante dos nossos olhos e o que não está, o que ouvimos e não ouvimos, o que sentimos e não sentimos, o que existe e o não existe, simplesmente é e não pode deixar de ser. O que não é não veio a existência porque Deus não quis, mas porque não poderia vir [como algo insofismável]; já que não há nEle o cogitar, mas o inapelável, o determinado, o absoluto, não o indeterminado, o provável, o dedutível.

Por isso, Ele é Deus. O Criador. Porque Ele simplesmente é o “eu sou” [Ex 3.14, Jo 8.58].

15 maio 2010

Contorcionismo Mental & Malabarismo Retórico




Por Jorge Fernandes Isah

“Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó, e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas. Faraó, pois, não vos ouvirá; e eu porei minha mão sobre o Egito, e tirarei meus exércitos, meu povo, os filhos de Israel, da terra do Egito, com grandes juízos. Então os egípcios saberão que eu sou o Senhor, quando estender a minha mão sobre o Egito, e tirar os filhos de Israel do meio deles” [Ex 7.3-5].

Ouvi muitas explicações sobre estes versículos. Algumas, patéticas. Outras, nem tanto. Mas, de certa forma, há sempre uma disposição em não imputar a Deus o endurecimento do coração de Faraó. Como se isso fosse uma afronta ou algo impossível. Mas não é o que os versos revelam, nem o que a Bíblia revela. Ater-me-ei aos dois conceitos mais aceitos entre os cristãos, que se apresentam inofensivos, mas são altamente danosos para o conhecimento divino, sugerindo um “deus” não apenas alheio às Escrituras, mas que se opõe flagrantemente a ela.

CONCEITO UM:
Há os que não afirmam o endurecimento, mas o pré-conhecimento divino de que Faraó se endureceria, num ato livre. Mas, nesse caso, Deus é mentiroso, porque suas palavras são: “Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó”. O agente aqui não é o monarca egípcio, mas Deus. O verbo é transitivo direto, demonstrando uma ação objetiva e deliberada do sujeito. O coração de Faraó sofre a ação de endurecimento, não há nada referindo-se a autoendurecimento, logo, Faraó é passivo, sem escolhas, nem opções, diante do agir divino. Ocorre que para defender o famigerado livre-arbítrio ou algum conceito de liberdade humana, o endurecimento tem de ser pela vontade livre de Faraó. Mas como aconteceria nos termos em que Deus nos apresenta o fato? Estaria Ele escondendo algo? Ou estar-se-ia a  ler além do que escreveu e que nos foi revelado?

Pesquei essa pérola da ilogicidade e irracionalidade bíblicas: “Deus nos vê ontem, hoje e amanhã; logo, ele sabe que caminhos tomará. Contudo, ele se autolimita para que nós exerçamos integralmente nosso livre-arbítrio. Nós nos predestinamos, quando aceitamos ou recusamos seu convite”[1] [grifos meus].

Não há muito o que comentar, a não se que o autor exprimiu-se com uma sucessão de conceitos antibíblicos, e como tais, incoerentes e contraditórios. E, o mais engraçado é que ele está a explicar exatamente o trecho de Ex 7.3-5. Porém, em algum momento, o texto aponta para a autolimitação divina? Para o livre-arbítrio humano? Para um convite divino? Para aceitação ou recusa do homem? Deus por acaso disse: “como vi que Faraó endurecerá o seu coração, vou endurecê-lo (sic), e assim multiplicarei os meus sinais e as minhas maravilhas sobre a terra do Egito”? Afinal de contas, os sinais e as maravilhas são de Deus ou das obras humanas que Ele vê? E, como crer que o Deus bíblico pode, diante do que vê, escolher seus caminhos? Quem afinal manda no pedaço? A criatura ou o Criador? Deus não é dono do seu nariz? Ou as atitudes humanas implicarão na decisão divina? Uma decisão subserviente e limitada à própria limitação humana? O que, em última instância, indica a fragilidade, vulnerabilidade, inconsistência e servilismo de Deus, que mantém, sabe-se lá por quê, sua vontade completamente subjugada à vontade do homem. E, esse homem, é que se faz poderoso, pela debilidade divina, numa nítida inversão de papeis. O resumo da tragédia é: Deus deixou ser Deus. Mas, onde lemos que isso aconteceu? É possível Deus não ser Deus? Ainda que queira? E, por que quereria? Para que fóssemos livres? Mas livres de quê? De Deus? Pode alguém ser livre de Deus? Se pode, esse alguém é maior do que Deus. E, então, Deus finalmente deixará de ser o que é, para ser o que não é, o que nunca foi. Contudo, todas essas possibilidades são nada mais nada menos do que a mais estúpida e vergonhosa mentira. Uma corrupção da mente, uma afronta,  que leva mesmo a cogitar-se na incredulidade dos seus propositores. No mínimo, é prova de ignorância escriturística.

No final, para concluir seus delírios, ele afirma: “Não devemos endurecer o coração para Deus. O convite bíblico é outro: você, que hoje está ouvindo a voz de Deus, não endureça o seu coração (Hb 3.8)”. Não que ele esteja errado em dizê-lo. A Bíblia nos exorta a não endurecer o coração, mas o verso 7 de Hebreus 3 diz: “Se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais os vossos corações, como na provação, no dia da tentação no deserto”. Ora, é preciso, primeiro, ouvir a voz de Deus. Então, pergunto, quem está apto a ouvi-la? O incrédulo ou o crente? O homem natural ou o homem espiritual? O eleito ou o réprobo? O santo ou o ímpio? Como ficam passagens que diz que Deus cegou o homem? Que Ele impediu que esses homens vendo, não vejam, ouvindo, não ouçam, para não terem o entendimento? O que dizer da afirmação do Senhor de que se Tiro e Sidom vissem os milagres que fizera em Betsaída e Corazim, se converteriam, e, portanto, não houve pregação em Tiro e Sidom? [Lc 10.13-15]. Cristo não fez milagres por lá, e assim, eles não "puderam" se converter. Cristo não fez milagres nelas, mesmo sabendo que, caso vissem, se converteriam; ao passo que preferiu pregar e operar milagres nas outras, sabendo que não se converteriam. Isso não pode ser somente presciência [parece que sim, mas não é; pois Cristo "viu" que em Tiro e Sidom eles se converteriam caso fizesse milagres, mas não os fez, a despeito da presciência], mas o poder de Deus de condenar tanto uma como outra cidade. Naquelas, por não operar ali os milagres que os levariam à conversão, mesmo considerando que eles teriam olhos para ver; e, nestas, por operar milagres e cegar os olhos a fim de que não vejam e não se convertam. Os réprobos irão ao inferno porque Deus estabeleceu que eles iriam; da mesma forma, os eleitos não irão porque Deus determinou que não fossem.

Novamente, a idéia a que tentam favorecer, o livre-arbítrio, está acorrentada aos desígnios divinos, não sendo, portanto, livre em nenhum aspecto.

CONCEITO DOIS
Muitos calvinistas, comumente, respondem à questão da seguinte forma: pela graça comum, Deus restringe o homem de tal forma que ele não agirá segundo a sua natureza, não dando vazão completa à sua pecaminosidade. No caso do Faraó, aconteceu que Deus “retirou” a sua restrição, expondo-o inteiramente à sua condição miserável de endurecer o próprio coração. Desta forma, Faraó se viu livre para agir como queria, na máxima capacidade de  iniquidade.

Não vejo muita diferença no conceito de Deus determinar o fato e Deus retirar aquilo que Ele mesmo restringiu para que o fato ocorra. De qualquer maneira, o fato ocorrerá segundo o plano de Deus[2]. No final das contas, é o que importa. E em qualquer situação, seja na natureza de Faraó, seja na restrição a Faraó, seja na não restrição a Faraó, Deus está agindo ativa e positivamente para que o monarca realize efetiva e infalivelmente aquilo que Ele estabeleceu na eternidade. 

A idéia da retirada da restrição a Faraó apenas favorece a idéia do agente-livre, mas que, contudo, está preso e acorrentado ao final que Deus planejou. Em linhas gerais, dizer que Faraó agiu segundo a sua natureza, de que Deus suspendeu a barreira que o impedia de pecar, em nada ajuda na questão. Ela é apenas um malabarismo com a tola premissa de que Deus precisa ser isentado de endurecer-lhe o coração, quando Ele mesmo afirma, por mais de dez vezes, que endureceu o coração de Faraó para que através dele o Seu nome fosse glorificado, e tudo o que havia determinado se cumprisse. Ao retirar a restrição [se é que havia restrição, segundo o critério de graça comum], Deus impeliu-o a agir segundo a Sua vontade; e o próprio ato de restringir não seria uma forma de Deus demonstrar a Sua soberania? Afinal, Deus não restringiu a liberdade de Faraó? O que implicaria em dizer que os pecados cometidos por Faraó foram controlados por Ele de uma forma ou de outra, seja na restrição, seja na não-restrição, para que o monarca realizasse exatamente aquilo que Deus havia estabelecido que fizesse. 

No caso de Faraó, a não-restrição foi específica para que ele resistisse em não libertar o povo de Israel. Ela não teve nenhum outro efeito, apenas o de dirigir e "forçar" Faraó a resistir cada vez mais aos sinais que Deus realizou. Do ponto de vista prático, a não-restrição nada mais é do que Deus conduzindo Faraó a se rebelar, pecar, e realizar exatamente o que Deus traçou, em obediência mesmo na insurreição. Pouco importa dizer que Deus levou-o a pecar e praticar o mal, ou que Deus retirou a Sua mão e "liberou-o" para resistir, pecar e praticar o mal. O resultado é sempre o mesmo: Deus no controle de todas as coisas, mesmo do pecado e do mal. Deus no controle de todas as coisas, quer sejam pensamentos ou ações. Deus no controle de todas as coisas, quer seja no endurecimento do coração ou não; quer seja em mantê-lo como pedra ou transformá-lo em carne. A síntese é a de que Deus ordena tudo no universo soberanamente, e o homem obedece-o, inapelável e inexoravelmente. Como está escrito: "Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido" [Jó 42.2]

CONCLUSÃO
O que ocorre são contorcionismos mentais, malabarismos retóricos, uma maneira de turvar a água límpida através de subjetivismos, quando a Escritura é objetiva ao afirmar, reafirmar e confirmar que Deus não muda [Tg 1.17], é perfeito [Dt 18.13], santo [1Pe 1.16], soberano [Cl 1.16-17], e Senhor de todas as coisas [Sl 10.16]

Quer o homem aceite ou não.

Nota:[1] Por questões óbvias, não vou indicar a fonte da transcrição. Mas uma rápida pesquisa no Google poderá satisfazer os interessados.
[2] A idéia de graça comum é outra coisa que vem me quebrando a cabeça. Em vários aspectos, considero-a nociva ao entendimento da vontade de Deus. Começo a crer que há apenas um tipo de graça: a graça eletiva de Deus para com os eleitos. O restante, tanto as criaturas, como o universo, funcionam para que o amor de Deus pelos eleitos se manifeste. De outra forma, como explicar Deus derramando a Sua graça sobre os ímpios, os quais estão debaixo da Sua ira? Me parece ilógico e antibíblico.
[3] Hoje, depois de meditar muito sobre a questão, não entendo que o homem seja uma marionete nas mãos de Deus, mas que, ao ter o coração endurecido por Deus, Faraó também queria endurecê-lo ou, ao menos, viu no endurecimento uma acolhida para a sua atitude pecaminosa, como se ele deitasse em uma cama de pregos e refestelasse-se. Ainda não entendo muito bem como a coisa funciona, nem sei se entenderei, mas de alguma maneira inexplicável (ao menos no momento) Deus endureceu ativamente o coração de Faraó que, contudo, ansiou (a sua vontade; nada a ver com livre-arbítrio, não façam confusão) endurecer-se também. Ao pecar, como consequência do endurecimento divino, ele alegrou-se e sentiu o prazer que todo pecado traz ao pecador, ainda que momentâneo, sem nenhum arrependimento ou revisão do seu pecado. Por experiência própria, sei que ao pecar sinto-me alegre, ainda que por raros segundos; logo, não há como eu não me alegrar, nem pecar, se eu não quisesse o pecado. Desculpe aos amigos deterministas se pareço compatibilista, mas acredito que estou distante do compatibilismo; e não há como não reconhecer a realidade do pecado, como algo desejado e desejável, na vida do pecador, no caso acima, de Faraó.

06 maio 2010

Apêndice















Por Jorge Fernandes Isah

De certa forma, o mesmo sectarismo que Paulo apontou entre os coríntios, vemo-lo hoje. A Igreja está tão dividida, inclusive pelos que pregam unidade, pelos sem "placas" nem "nomes", pelos que se julgam filhos "exclusivos" de Deus, pelos que se consideram "libertos" mas estão presos ao pior farisaísmo existente ou ao liberalismo impossível, pela incredulidade, pelo abandono da fé, pela irracionalidade, pelo orgulho, pelo mundanismo, que já não se lembram mais do objetivo principal em meio a tantas outras finalidades secundárias e extrabíblicas: pregar o Evangelho de Cristo crucificado [1Co 2.2].

Perdemos tempo com "outros" evangelhos, e negligenciamos o que realmente importa. Com isso, não quero jogar para "debaixo do tapete" os problemas da igreja, muito menos pregar o ecumenismo. Longe de mim cometer estes pecados. Mas se ao invés de gastar o precioso tempo de que dispomos tentando "corrigir" os erros de outras igrejas e denominações, preocupássemos conosco e o corpo local, certamente estaríamos "salvando" a nós mesmos e aos nossos queridos... Um minuto! Não confunda uma frase hiperbólica com salvação de verdade, a qual apenas o nosso Senhor Jesus Cristo é capaz de realizar. Estou a dizer é que nos preocupamos em "salvar" os outros [pelo menos nos enganamos com essa idéia] quando, na verdade, o nosso objetivo é "revelar" o quanto estão errados e desviados do caminho; e assim nós mesmos acabamos nos desviando do caminho, substituindo o amor à proclamação do Reino pela acusação, pela denúncia improdutiva, mas que garante a autoexaltação e uma publicidade extra.

Em muitos casos, buscamos apropriar-nos da glória que não é nossa, mas de Cristo. E, por favor, não confundam essa declaração com a condenação à disciplina bíblica, pois a disciplina é atributo da igreja, do corpo local, e não de irmãos isolados que falam por si só, como se fossem a própria voz de Deus [estes, se forem eleitos, são alvos da disciplina divina].

Deus levantará, segundo a Sua santa vontade, irmãos que farão o trabalho apologético, defendendo a fé bíblica apontando o erro daqueles que são antievangelho, e mesmo dos cristãos que "deslizaram" em um princípio ou outro. Mas, infelizmente, o que acontece é que, de uma hora para a outra, a maioria se arrogou e arvorou apologista, e saiu "atirando" para todos os lados, como uma metralhadora descontrolada. No fundo, parece até que sentem um prazer mórbido quando se deparam com os desvios e heresias, quando deveriam chorar por ver o estado em que distos cristãos se encontram afastados e dissociados da verdade. Há porém um tom zombeteiro, cínico, perverso e doentio no ar, em que a mentira alcançou status superior à verdade, numa clara inversão de valores, mesmo por aqueles que se dizem guardiões da verdade. É que ela quase ou nunca aparece, como se apenas o revelar os erros fosse suficiente para corrigi-los.

Enquanto isso, sorrateiramente, o diabo planta dentro do corpo local suas heresias, mas como nossos olhos estão voltados para os erros alheios [de outras denominações e outros irmãos denominacionais, cuja disciplina não está ao nosso alcance, nem nos cabe exercê-la], permitimos que a nossa omissão e desleixo corrompa-nos também.

O pior é que muitos nem sequer participam do corpo local, acreditando num cristianismo solitário e individualista, numa clara rebeldia aos princípios bíblicos que dizem defender. No fundo se consideram superiores e melhores do que Cristo e a Igreja; e sentam-se confortavelmente em suas torres de vigilância, desprezando-os, ridicularizando-os, pois sequer passa-lhes pela cabeça submeter-se à autoridade do Senhor, mas agarrar-se a uma graça barata onde o único compromisso é consigo mesmo.

São "livres" para bater à vontade, contudo, esquecem-se de que, caso sejam eleitos, a mão disciplinadora de Deus está sobre eles. Se não forem, não há disciplina, mas a condenação eterna os aguarda.

A melhor forma de se pregar o Evangelho de Cristo é pregando o Evangelho de Cristo, e não combatendo o antievangelho. Qualquer um pode combater [pois nem mesmo argumentos precisa-se ter, apenas vontade, disposição], mas poucos são capacitados a viver o Evangelho, pois para isso é preciso ser convertido, regenerado e lavado no sangue de Cristo; ter o conhecimento, e sujeitar-se a Deus; andar na verdade, e não à cata desenfreada da mentira.
É mais fácil cuidar do mato do que do trigo.

A melhor forma de se lutar contra a fraude e a heresia é expondo a verdade: a sagrada Escritura. De nada adianta refutar a heresia se não se obedece aos mandamentos do Senhor, e assim fazendo, demonstrar não amá-lo [Jo 14.15] e,"em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens" [Mc 7.7].

A melhor forma de se lutar contra a fraude e a heresia é não tentar reformar o irreformável, a espécie mais visível de um "cristianismo" acristão, onde o Senhor não está presente; sua palavra não é desfraldada mas fraudada; onde os interesses carnais são revestidos de uma espiritualidade falsa e oca. Temos de entender que a maior parte das igrejas não participa do Reino de Deus, mas são terrenos dominados pelo inimigo; e muitos que se arvoram a defensores da verdade querem distrair incautos e levá-los ao afastamento de Deus, com a proposta de se buscar desenfreadamente a mentira, expondo-se a mentira como a verdade automaticamente revelada, sem se aperceber de que outra mentira tomou o lugar da primeira, num círculo vicioso onde a verdade não tem lugar.

Portanto, é urgente que antes de se entrar numa "caça às bruxas", que se viva o Evangelho, testemunhando a Cristo nosso Senhor. E corrigindo individualmente, e no corpo local, tudo aquilo que não vai de encontro à Palavra, pela Palavra, ao invés da não-palavra.

Ou será possível conhecer algo pelo que ele não é? Como procurar destino num beco sem saída?

Antes, conhece-se a verdade pela verdade, e não pela não-verdade.

Cada um examine-se primeiro a si mesmo, para depois examinar o outro.

Nota: Este trecho é um excerto do artigo "Sustento Pastoral & O Corpo Local" publicado em 24.04.09, o qual reli, revisei, e considerei apropriado reproduzi-lo.

01 maio 2010

Preso na própria armadilha





















Por Jorge Fernandes Isah

Estou a ler “Confissões” de Agostinho de Hipona [1], e, vez ou outra, me deparo com algumas afirmações contraditórias do autor. Com isso não quero desqualificar a obra, nem sou louco para tanto. O livro é mais do que bom, é ótimo! Porém contaminado pela idéia extrabíblica do livre-arbítrio; ou a tentativa de defender Deus dos ataques inimigos, daqueles que querem desacreditá-lo por causa da existência do mal; ou ainda pelos que insistem em manter seus “esquemas” conceituais e doutrinários a todo custo; ele diz: "Pois eu não sabia que o mal é apenas privação do bem, privação esta que chega ao nada absoluto"[2].

Esta última afirmação não me convenceu. O mal não pode ser o nada absoluto, nem o nada absoluto resultar num mal absoluto. O "nada" nada pode criar, nem dele resultar efeito algum, sendo causa de qualquer coisa, mesmo que um “nada” maior ou menor do que nada. Ele é o que é: nada; e mais nada.

Da mesma forma, dizer que o mal é a privação do bem, implica em que ele, assim como o bem, pode ser autocriado e existir fortuitamente. Acontece que se o bem é proveniente de Deus, o mal é proveniente do quê? Da ausência de Deus? Mas estaria Deus ausente de algum lugar? Poderia haver algum espaço onde Ele não esteja presente? Onde o Seu conhecimento não alcance? Haveria algo possível de existir contrário à mente divina? Uma espécie de "energia" ou "força" que subsista alheia a Ele? Pode haver algum recôndito na criação onde Deus deixou-o à própria sorte, abandonando a pessoalidade com que não somente criou mas sustenta todas as coisas, para a impessoalidade de negligenciá-la ou omitir-se [deísmo]? É possível haver algo que se sustente por vontade própria? 

A Bíblia afirma que tudo, absolutamente tudo, é sustentado pelo poder da palavra, a qual é Cristo. Por Ele tudo foi criado, existe e subsiste [Cl 1.15-17; Hb 11.3]. Portanto, parece-me ilógica essa assertiva, a menos que ela tenha um cunho simbólico, figurado, seja uma metáfora; mas para que isso acontecesse, não se poderia usar os termos “mal” e “bem” como Agostinho os usa. Os termos utilizados são os que conhecemos como definidos semanticamente.

Os ímpios foram criados para o mal, a fim de exercê-lo e praticá-lo, e por isso, e por desempenhá-lo com especial veneração, serão irremediavelmente condenados [Pv 16.4]. Se foram criados com esse propósito, o mal, que eles praticam, também. Logo Deus criou-os objetiva e determinadamente, cumprindo os Seus santos e perfeitos desígnios.

Dizer que o mal é a ausência absoluta do bem, e de que isso seja o nada absoluto, representa dizer que ele não existe, nem é praticado, nem produz os efeitos pelos quais o Senhor o criou. Seria apenas uma ilusão, o produto da mente, como algumas religiões garantem? Ou, de alguma forma, Deus foi impedido ou incapaz de manter o bem na esfera em que o mal atua? O que levaria à perigosa e maligna idéia de que Deus pode ter sido pego de surpresa, ou não ser o Todo-Poderoso como a Escritura assevera. Em muitos aspectos, vejo sérios problemas à manutenção da doutrina da soberania, onisciência, onipotência, perfeição e santidade divinas quando o mal parece ser colocado em uma categoria “extra” Deus. Por mais que os argumentos sejam bem construídos, agradáveis, e revestidos de certa nobreza metafísica, ainda assim, se não estiverem em harmonia com o texto bíblico, são reprováveis.

Agostinho, em sua doxologia e amor a Deus [há de se entender que o nosso amor ainda é imperfeito, e somente será perfeito no glorioso dia do Senhor], costura uma doutrina que fica aquém da Escritura, com o nítido objetivo de salvaguardar Deus da criação do mal e, para isso, utilizou-se de um raciocínio falacioso. Entenda, não estou a anular nem inabilitar a sua obra. Reconheço-o como instrumento divino na construção dos fundamentos teológicos cristãos, em sua sistematização, na proclamação do Evangelho e defesa da fé. Por ele, Deus operou na Igreja revelando verdades que estavam enevoadas ou esquecidas; porém, em relação ao mal, a despeito da inspiração e sublimidade dos versos, não passa de incompreensão e interpretação deturpada da Bíblia.

Quer dizer que estou a rejeitar a sua obra? Longe disso. Ao contrário. Quero apenas garantir que em meio a todos os seus acertos, o erro não seja confundido com eles; não seja de alguma forma diluído na verdade, passando-se por ela.

À medida que a leitura avança, percebemos que a vida de Agostinho está tão intrinsecamente ligada a Deus que não é possível discorrer sobre qualquer ponto sem reportá-la ao senhorio divino.

Por exemplo, quanto à natureza caída do homem, que se inclina, almeja, deseja e se deleita na prática do mal, do pecado; em relação à depravação do homem e sua responsabilidade perante Deus, concordo em gênero e número com o que diz, estando plenamente em conformidade com a revelação especial.

Para falar do Senhor como o Ser infinito e eterno, ele diz; “'Tu, porém, és o mesmo eternamente', e todas as coisas de amanhã e do futuro, de ontem e do passado, hoje as farás, hoje as fizeste!"[3], ecoando o ensino do Salmo 102.27 e Hebreus 1.12.

Ou ainda: "Alguém pode ser autor de sua própria criação?"[4]; ao referir-se à criatura, mostrando a impossibilidade de qualquer coisa existir aparte de Deus, o qual sendo não-criado é o único autor de tudo o que foi criado.

São fragmentos que espelham posições bíblicas, e das quais nenhum ortodoxo rejeitará.

Mas, voltando à questão do bem e do mal, parece-me que a idéia agostiniana  se resume à presença e ausência de Deus, da ação de Deus e da ação do "não-Deus" para que o bem e o mal existam, respectivamente. Contudo, ele mesmo afirma que não há universo possível para contê-lo [Deus], mostrando a sua infinitude. Então, como o mal surgiu a partir da não-presença do Deus infinito na criação finita?

Ao distinguir entre tudo e o pecado, como este não estando incluído na categoria "tudo" [o que considero um grave erro doutrinário e lógico], Agostinho mostra-se contraditório ao dizer: "Senhor, meu Deus, ordenador e criador de tudo o que existe na natureza, com exceção do pecado, de que és apenas regularizador"[5].

Ao assumir que Deus não criou o pecado [e por conseguinte o mal], sendo apenas seu regulador, coordenador, estaria agindo sobre quais leis? As Suas ou de outrem? E como ficaria a citação de que Deus criou "tudo o que existe na natureza", mas o "tudo" pode significar alguma coisa rotulada de "não-tudo", mesmo que seja o pecado? Implicando, na verdade, que Deus não é o único Criador perfeito e santo, havendo a possibilidade de outro agente criativo? Estaríamos diante da idéia de um "não-Deus" em alguma parte da criação?

De várias formas, Agostinho tenta, inexplicavelmente, não-explicar o explicável, como um caçador preso em sua própria armadilha.

Nota: 1-"Confissões", de Santo Agostinho - Editora Paulus
2-Idem - pg 75
3-   "    - pg 26-27
4-   "    - pg 26
5-   "    - pg 32