Jorge F. Isah
Em um mundo no qual diariamente ouvimos falar de
crimes, catástrofes, imoralidades e desprezo aos fundamentos mais caros à vida
humana, perguntamo-nos: por que, e de quem é a culpa?
Nos últimos séculos, tem-se difundido uma culpa
coletiva por algo que o indivíduo pratica, como se todos aqueles que nunca
cometeram algum crime tornassem-se responsáveis ou coautores daquele que o
cometeu uma, duas ou mais vezes. Essa é uma maneira do homem esquivar-se da
responsabilidade que cabe, exclusivamente, a si mesmo. Conceitos sociológicos,
antropológicos e psicológicos, cada vez mais tiram do indivíduo a culpa por
algo somente cometido por ele, e do qual é o único responsável, transferindo-o a um
"ente" coletivo, a uma criação teórica, fruto apenas e tão somente da
imaginação deficiente de quem a propõe. E esta não pode ser uma verdade, não
pode ser comprovada pela realidade; mas há uma insistência quase psicótica em
se designar um culpado sem culpa (pode ser a sociedade, o capitalismo, a
igreja, etc) tirando-a do verdadeiro artífice, o indivíduo.
O homem tem a possibilidade de escolher entre o bem
e o mal, entre o certo e o errado, e se opta pelo delito ou crime, qualquer que
seja o seu motivo, ninguém o fez por ele, mas ele decidiu fazê-lo por si mesmo.
A fraqueza, ignorância, ou a coação, não são argumentos para isentá-lo, quanto
mais alegar uma indução coletiva sobre a pessoa, como se um ser metafísico
simbolizasse a mente e a razão de multidões sobre a ação e vontade de uma única alma. Ninguém é
obrigado a nada, ainda que forçado, ainda que sem aparente saída, pois sempre a
recusa é uma opção em qualquer situação, e ninguém está autorizado a não
aceitá-la como legítima. De forma que o objetivo central é a prevalência da suposta
inocência sobre a responsabilidade, sendo que alguém somente pode se considerar
inocente quando usa o predicado de ser responsável; o leviano não pode apelar à
ingenuidade por defesa. Não há ausência de culpa sem o exercício da sensatez;
pelo contrário, a ilicitude do ato praticado é que o torna em crime, e
quem o realiza em condenado. Se até mesmo os animais sabem quando incorrem em
um erro...
Por exemplo, a minha cachorra, uma labradora, quando apronta alguma traquinagem, ao ouvir os meus
passos, coloca-se em uma posição submissa, na defensiva, preparando-se para
receber uma repreensão, olhando-me como se estivesse a pedir desculpas. Se até
mesmo os débeis mentais têm noção dos seus erros, e muitos deles têm sincero
arrependimento por tê-los cometido, por que o homem saudável não o pode ter?
Quanto ao impenitente, aquele que comete um crime
com a cara mais limpa do mundo, o arrependimento não é uma palavra a se
considerar em seu dicionário, mas está ausente, porque é-lhe mais conveniente praticar livremente o desejo mais íntimo do seu coração: o mal
como o anseio máximo da alma, o delito por ofício. Ele certamente dirá que fez e fará de novo, se a
oportunidade surgir, e não tem de se arrepender por nada. Porque o pensamento
"humanista" absolve-o, ao diz-lhe não haver motivos para arrependimento, pois a
culpa não é dele, mas da sociedade, que em sua maioria desconhece-o, mas foi
capaz de levá-lo, induzi-lo, a cometer o pecado contra si mesma. Em linhas gerais, a sociedade ou um grupo (como os cristãos, por exemplo) é capaz de fomentar criminosos para o seu próprio prejuízo e dano; e, convenhamos, é uma ideia insana e absurda. A mensagem passada é a pior
possível: indivíduos não são responsáveis por seus atos, mas sim um ente
coletivo que sequer o desejava, e em nada colaborou para a sua prática. O
humanismo moderno resume-se ao ódio ao homem e ao amor a uma ideia deficiente e
postiça, travestida com uma roupagem de bondade e piedade, surrupiadas do Cristianismo.
A própria noção de culpa encontra-se destituída de significado, pois ela
repousa sobre um entidade presumível, contudo, não tem uma mente, um corpo ou alma,
a sintetizá-la, incorporá-la ou defini-la. Em uma sociedade, encontraremos
indivíduos díspares, ainda que seja possível alguns, ou muitos deles,
envolverem-se em projetos e grupos com objetivos comuns. A igreja, por exemplo,
é um ajuntamento de crentes com o intuito de glorificar a Deus e realizar a
obra que lhe foi dada a fazer. Ainda que retratada na Escritura como
"Corpo", não se quer anuir com a exclusão das individualidades em
prol de um coletivismo bovino, mas de que cada indivíduo, motivado pelo
Espírito e pensando de per si, trabalhará e laborará para um intento comum.
Nesse percurso, podem haver divergências, contrariedades, erros, confrontações,
e uma série de eventos distintos a fortalecerem ou enfraquecerem o resultado
final, implicando mesmo na saída de um ou outro daquele grupo específico de
trabalho. E isso acontece exatamente por conta da individualidade e da
responsabilidade assumida, pessoal e única.
Assim, cada vez mais é difícil encontrar, na igreja,
pessoas comprometidas com a responsabilidade, seja dos seus líderes ou dos
demais membros, negando, em muitos casos, qualquer possibilidade de se aplicar
a disciplina eclesiástica, como uma afronta ao indivíduo, já que ele se
considera imune a qualquer sentido de organização, com o discurso enganoso de
dever apenas satisfação a Deus, um Deus que ele não vê nem conhece ou obedece,
a quem subjaz apenas como artifício para se manter em rebeldia e insubmissão à
autoridade do "Corpo". Em sua mente, acredita possível viver nele
estando amputado ou extirpado, como se uma mão conservada em um vidro de formol
na prateleira de um museu de anatomia ainda estivesse ligada ao organismo
original.
Segue-se, também, o não reconhecimento do conceito de
"pecado" e "arrependimento", levando o homem inicialmente à
estagnação e, posteriormente à degradação do seu ser e do próximo. Quando não
se reconhece os erros, e sua existência passa a ser algo meramente relativa,
sem um caráter absoluto, o homem não somente não se corrige a si mesmo, mas
torna-se incapaz de aperfeiçoar-se, de aprender com suas falhas. Há pessoas
convictas afirmando não se arrependerem de nada, pois o arrependimento não
existe, ao que as interrogo, dizendo: como, então, você aprende?
Na maioria das vezes, elas dizem não se
arrependerem, mas são as mais exigentes e impiedosas com os erros alheios, e as mais
prontamente dispostas a cobrar uma retratação e uma punição por crimes muito
menores do que o cometido por elas mesmas. O que vale para elas não vale
igualmente para o próximo e vice-versa. Na mesma linha de pensamento e aplicação
dos fariseus, elas, em sua hipocrisia, não conseguem perceber a incoerência de
suas vidas, obstinadas em punir qualquer um que se levante contra o seu senso
particular de justiça. O que se vê, com maior frequência, são pessoas com o seu
senso privado de justiça impondo-a a outras sem que haja a contrapartida. Para
ela e seu diminuto grupo, tudo; para os outros, nada. Se a ideia de democracia
indica um governo da maioria sobre a minoria (uma minoria ainda que
numericamente significativa), temos hoje a supremacia de um governo da minoria
(esta significativamente diminuta) sobre a maioria, e ainda querem apregoá-la
como a "verdadeira" democracia, quando, em seu bojo, constitui-se em
autoritarismo ditatorial. Para isso, a supressão da verdade, a transgressão da
linguagem e do seu sentido, a propagação da mentira, o discurso farsesco, e o
fingimento, são implementados com ardis, sutilezas, um apelo à piedade e
ao bem-comum ignorados, ridicularizando a ordem para salvaguardar o caos. E o
caos é benéfico para a manutenção ou a tomada do poder, mantendo pessoas ignorantes e alienadas a circundá-lo.
Ao contrário de toda a lenga-lenga modernosa de não
culpabilidade do homem, a Bíblia afirma ser ele responsável por seus atos, e
por eles será julgado. Quando a humanidade se considera a si mesma detentora da
verdade, da sabedoria e da justiça, temos um mundo cada vez mais eivado na
mentira, na estultice e na injustiça. A soberba levou-nos ao rompante de
cogitarmos um mundo sem Deus, mas ainda mais, um coração onde Deus não pode
habitar, pois é prescindível. A ideia da descartabilidade divina somente ganhou
contornos de veracidade a partir do momento em que o homem considerou-se
superior ao ponto de negá-lo, odiá-lo com todas as forças, e, em um acesso
tresloucado, considerou-se autossuficiente e autônomo, rejeitando tanto a sua
bondade como a sua santidade, de onde deriva a moral e justiça.
Coincidentemente, foi a mesma pretensão de Satanás; em sua vaidade e orgulho,
considerou-se "livre" de Deus, querendo usurpar-lhe o trono celeste e
tomá-lo para si. Ele, ao menos, sabia o que desejava, enquanto o homem busca
apenas satisfazer-se a si mesmo em sua natureza caída, sem almejar trono ou
coroa, muitas vezes apenas chafurdando na lama como um porco.
Por isso a tradição judaico-cristã é vista como
inimiga da humanidade, ao colocar freios e coibir a vazão dos instintos mais
vis e sórdidos ansiados pela alma enferma e fraca do homem sem Deus. Acontece,
contudo, não haver homem sem Deus, no sentindo do simples fato do homem não o
reconhecê-lo e abandoná-lo significar não estar sujeito à sua autoridade e
juízo. Esta é a tolice máxima, pois eu posso, por exemplo, não acreditar
na Lua como um satélite terrestre, e pensar ser uma miragem, fruto talvez de
uma psicopatia coletiva e sugestiva infundida por um gene defeituoso a levar
todas as pessoas e, inclusive, eu, a acreditarem na existência lunar. A verdade é: independente
do que eu pense, a Lua continuará existindo, mesmo se a humanidade decidir ou optar,
sabe-se lá por qual motivo, por sua inexistência.
Isto posto, não há como duvidar do lugar onde esse
caminho, trilhado pelo homem moderno, descambará: injustiça, mortes, desolação,
e um poder ainda mais concentrado nas mãos de poucos a decidirem o destino de
muitos. Parece-me que Satanás e seus servos estão ganhando a batalha, iniciada
no Éden, contra o homem. Ao insuflá-lo à autonomia, a desordem interior, como
consequência da rebelião, tornou-se evidente, e a motriz de uma existência
desgraçada e permeada pela autodestruição, pelo aniquilamento do supremo bem, a
solidificação da ofensa e das feridas a permear-lhe a alma, a abater a
consciência, a afastá-lo da verdade. Enquanto tem a corda em volta do pescoço,
espera paciente a árvore crescer para servir-lhe de forca.
Ao afastar-se de Deus, o homem entregou-se a si
mesmo, como o pior dos inimigos com o qual se mantém uma amizade descuidada, suicida.
Especialmente por considerar-se autossuficiente, quando não o é; bondoso,
quando não o é; generoso e fraternal, quando não o é; ainda que manifestações
gerais dessas virtudes se deem exclusivamente pela "imago dei"
existente no homem, mesmo no pior espécime. Se há resquícios de benignidade e
de longanimidade no homem, existe somente pelo que ainda lhe resta de Deus no
coração, e não pelo que é, a partir da negação de Deus, mas pelo que ainda não
pode ou não conseguiu rejeitar dele.
Até o dia em que a rejeição o levará à morte
definitiva; a eterna separação de Deus. E cada um será justamente condenado por
seu pecado.
Nota: Este é apenas um esboço, de uma introdução para um futuro estudo sobre a doutrina da depravação total do homem.