31 julho 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 13: "Eu Sou o que Sou"


































_______________________________ 


CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16

_______________________________



Por Jorge F. Isah


Vimos que Deus é autosuficiente em si mesmo, de forma que ele não depende de nada nem ninguém para existir, pois sua independência é absoluta. Também vimos que ele se autointitula o "Eu sou", jamais podendo, portanto, ser o não-ser. E o não-ser é não ser Deus. Ele também se define como o ser essencialmente espiritual, pois é Espírito [Jo 4.24]. Há uma infinidade de atributos de Deus, assim como ele é infinito, mas a Bíblia não nos revela todos, porém, ainda assim, eles nos surpreendem por sua diversidade, plenitude, perfeição, excedendo a nossa compreensão; "porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos", diz o Senhor [Is 55.9]. Deus revela que há uma distância enorme entre ele e nós, de que por mais que se manifeste ao homem, este ainda permanecerá distante e impossibilitado de conhecê-lo e entendê-lo completamente [Jó 26.14]. A disparidade entre quem é Deus e quem é o homem, entre o ser infinito e o finito, entre o eterno e o temporal, o perfeito e o imperfeito [com um ingrediente ainda mais danoso ao conhecimento da verdade, o pecado], faz com que os caminhos divinos sejam muitas vezes incompreensíveis para nós.

Porém, isso não quer dizer que Deus não seja cognoscível, de que não se deu a conhecer, de que haja apenas a sua transcendência e não haja a imanescência, de que ele seja incompreensível e não se relacione com sua Criação. Por isso, a CFB diz que a sua "essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo", visto sê-lo infinito, eterno, absoluto, perfeito, santo,  somente pode ser conhecido plenamente por alguém que tenha esses atributos, de forma que o homem somente o conhecerá no que ele lhe capacitou e deu-se conhecer. Assim, apenas Deus tem o autoconhecimento de si mesmo; somente ele detém o conhecimento pleno e completo de si, e nada nem ninguém exterior a ele pode compreendê-lo totalmente. A possibilidade de conhecimento pleno de Deus, mesmo na eternidade, quando o salvo será transformado à imagem e semelhança de Cristo, não poderá acontecer; a plenitude do conhecimento divino é tão majestosa, gloriosa, magnificente, que nos esmagaria, como se fôssemos uma formiga sob o peso de um elefante. Creio ser, mais ou menos, o que Paulo diz: "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!" [Rm 11.33].

Por isso, ainda assim, o Deus revelado, continuará encoberto como que por uma densa escuridão, fora do alcance do homem, se o Espírito não o mostrar, transformando-o no ser real, verdadeiro e vivo que ele mesmo diz de si. O que nos leva à reconhecer a importância deste capítulo da C.F.B., porque ele diz ser possível conhecer a Deus através dos seus atributos; ao descrevê-los, ela nos revela facetas do seu caráter, ainda que a tentativa de separá-las seja impossível, visto Deus ser uma unidade pessoal, integral, ao contrário de nós, criaturas.
  
Antes, e ainda hoje, o homem procura descrever Deus através de figuras, imagens, pintura, e por formas verbais ou escritas, no que tem falhado miseravelmente. Por mais que se queira defini-lo, Deus é indefinível, a não ser por si mesmo. Quando Moisés perguntou em nome de quem falaria aos egípcios e judeus, o Senhor disse: "Eu Sou o que Sou. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou a vós outros" [Ex 3.14]. A afirmação divina representa uma imensidão impossível de se imaginar. Deus se define como sendo, ele é, sem nunca não-ser, de forma que a definição revela a sua autoconsciência, autossuficiência, o Ser absoluto e imutável.  Porém, para nós, ainda persiste a pergunta: quem é Deus? 

Somente ele pode dizer quem é, pois ele tem o autoconhecimento de si; já que ele conhece todas as coisas, e ninguém pode alcançá-lo nesse conhecimento. O conhecimento de Deus depende de si mesmo, e de mais nada ou ninguém; de nenhuma fonte exterior a ele, porque é eterno. E será através dos seus atributos que se revelará, mostrando-nos a sua personalidade. Por isso, jamais devemos nos esquecer de que Deus é o Deus pessoal, onde habita toda a consciência, inteligência, sabedoria e conhecimento. Ao contrário de nós, Deus não é limitado, e sua personalidade é perfeita, eterna. E é possível perceber a sua Pessoa através da Revelação Natural, como parte dos seus atributos incomunicáveis; porém, somente é possível entender a essência divina a partir da relação paternal que ele tem com o seu Filho eterno, Jesus Cristo; por quem fomos feitos filhos adotivos e, portanto, termos um relacionamento filial com Deus, tornando-nos capazes de conhecê-lo, como ele é, como se revelou, pois sendo Deus, não pode jamais deixar de sê-lo; e não podemos conhecê-lo, mesmo imperfeitamente, sem nos conscientizar da nossa limitação e impossibilidade e incapacidade de fazê-lo plenamente. Pois, assim como os anjos eleitos, gastaremos a eternidade para entender, por exemplo, o amor de Deus por nós. Sendo o amor divino o atributo mais evidente na Escritura, e ainda assim, como Paulo disse, ele excede todo o entendimento [Ef 3.19], o que dirá quanto aos demais? O que dirá quanto ao próprio Deus, o qual é único, e não pode ser distinguido tanto do que é como do que faz, sob pena de se erigir um outro "Deus"? Ainda que ele se apresente de muitas formas diferentes, permanece indissolúvel, indivisível, no seu caráter incomparável e perfeito [Is 40.18,25].

Deus é Deus, e resta-nos humilhar diante dele; glorificá-lo pelo que é, e tem-nos revelado ser; admirá-lo por sua grandeza e majestade; e amá-lo porque ele nos amou primeiro.

______________

Notas: [1] Aula realizada na E.D.B. do Tabernáculo Batista Bíblico em 18.12.2011 

_____________________

ÁUDIO DA AULA 13:

24 julho 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 12: A religião verdadeira










Jorge F. Isah


_________________________________ 

CAPÍTULO 2: DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, 6 imenso, 7 eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, 10 sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, 11 que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; 12 amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; 13 contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, 14 odiando todo pecado, 15 e que de modo nenhum inocentará o culpado. 16

___________________________________


HÁ UM SÓ DEUS!

Em Romanos, Paulo nos diz que o homem, "tendo conhecido a Deus, não o glorificou como Deus... antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu" [1.21]. O que temos aqui, e que foi dito em outras aulas, é que o homem rejeita a ideia do Deus Vivo e Verdadeiro e, por isso, cria para si outro "Deus" ou deuses, de forma que o seu estado natural é de desobediência, de rebelião, de pecado. Sua mente e coração foram obscurecidos pelo pecado, levando-o a cogitar e afirmar insanamente que não há Deus ou que há muitos deuses, ou ainda que há outro deus e, assim, o conhecimento inato e inerente ao homem é anulado, com o objetivo de não glorificá-lo. Por isso, a Bíblia chama o homem que vive à margem e à parte de Deus de ímpio. A palavra ímpio origina-se do latim "impius", significando que esse homem é herege, incrédulo, que não respeita nem teme a Deus. Certamente o termo pode ser usado por qualquer religião, para designar aquele que não a segue, que não se submete a determinada fé ou a professa. Mas como o nosso interesse é o bíblico, ela nos remete àquela pessoa que rejeita, despreza, e peca contra o Deus santo, o Deus bíblico. Todo aquele que tem o seu prazer em si mesmo, não busca a Deus, nem a sua justiça e o seu reino, é um ímpio; como o salmista diz: "Pela altivez do seu rosto o ímpio não busca a Deus; todas as suas cogitações são que não há Deus" [Sl 10.4]. O ímpio é todo ateu prático, ainda que ele creia na existência de um ser supremo, e até mesmo o cultue acreditando fazê-lo em nome de Deus. Para o ímpio, incrédulo, ou ateu prático, não há o Deus bíblico, há múltiplos e diferentes deuses; porém, cada um, em si mesmo, é o reflexo do próprio homem, o que, em suma, configura uma autoidolatria, o adorar-se e ser autoridade de si próprio.
A Escritura nos revela uma galeria de ímpios: os que cobiçam, mentem, roubam, e matam, aqueles que maquinam o mal, por exemplo [Pv 6.14]. Mas nenhum crime é pior do que o de rejeitar a Deus, desobedecê-lo, e rejeitar a sua palavra. Na verdade, todos os outros crimes, pensados e praticados, originam-se destes; os quais são reflexos do afastamento do homem de Deus, da sua recusa em reconhecer que há somente o Deus bíblico, e de que ele é o Senhor ao qual todos os homens devem glorificar e honrar. O pecado é o que aparta o homem de Deus, e o afastar-se dele é mantido pelo mesmo pecado. Há um círculo vicioso em que um compele ao outro, e o outro mantém aquele. O homem está afastado de Deus por causa do pecado, da sua transgressão, e é ele que o conserva no mesmo estado, sem mudança. Por si mesmo é-lhe impossível achegar-se; é necessário que Deus se apiede, tenha misericórdia, e, então, somente então, ele aproxima-se do homem, trazendo-o à sua comunhão. Novamente, com isso, não estou dizendo que não somos responsáveis pelo nosso afastamento, pelo distanciamento, por nos manter desligados dele. Em nossa natureza caída, nós queremos, ansiamos, e buscamos manter a distância, e andar vagueando à procura de um outro deus, um impostor que satisfaça o desejo veemente de nosso ser, pois, ao contrário de Deus, não é possível ao homem se satisfazer em si mesmo: ele precisa de Deus. Acontece que esse deus jamais será suficiente e capaz de fazê-lo.
Há um ditado que diz: nem tudo que reluz é ouro. Existem muitos metais que reluzem: prata, cobre, aço, etc, mas suas características são distintivas do ouro, o qual é particular em seus atributos, nos elementos que o constituem. Guardadas as devidas proporções, pois se trata de uma analogia, e nenhuma analogia pode descrever fielmente a natureza divina, que é única, perfeita e incomparável, Deus não pode ser distintivo e múltiplo na variedade de deuses e cultos, da forma como os seus adoradores pressupõem. Ele não pode, ao mesmo tempo, ser um e outro, e ainda outro, assim como o ouro não pode ser nem prata nem cobre [ainda que eles estejam na categoria dos metais]. Por isso, a mente humana sempre optou em criar vários deuses, a fim de que a inconstância e incoerência humana sejam satisfeitas em todos os detalhes. Mas pouquíssimos deles revelam algo verdadeiro de Deus; tornando-o cada vez mais desconhecido do homem, e este cada vez mais ignorante de Deus. E, no que resta, há muito pouco dos atributos divinos, ou não há nada; e o que há é o culto, a adoração ao homem pelo homem  [ainda que mascarado, subliminado]. Toda religião que não professa a adoração ao Deus bíblico, ao único Deus, aquele que se autorrevela, e através do qual unicamente o homem pode conhecê-lo, não é religião. Ela não tem qualquer poder de religar o homem ao Ser Supremo. Pelo contrário, como o pr. Luiz Carlos Tibúrcio disse em uma aula passada, ela é a antirreligião, é abominação, é afronta a ele.
Aqui temos um importante elemento, o do Ser Supremo. Não "seres supremos", o que é impossível, mas apenas um. O próprio Senhor nos diz, repetindo o verso de Dt 6.4: "O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor" [Mc 12.29]; e, complementou em sua oração: "E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" [Jo 17.3]. Cristo não abre precedentes para que qualquer forma de adoração seja possível, nem para a possibilidade de que todas as crenças sejam abarcadas em um único significado e propósito. Não há como não rejeitar toda e qualquer adoração e culto que não seja dispensado ao Deus bíblico. Todo Deus fora da Escritura é falso; e uma imagem distorcida daquilo que o próprio homem traz em si mesmo. Esse "Deus", nada mais é do que o reflexo do homem; é ele olhando para si e, ao mesmo tempo, objetando usurpar o trono celeste, e assumi-lo. Em seu delírio, ele presume que o ser finito, limitado e temporal possa ocupar o posto do Ser infinito, perfeito, pleno, e eterno. Se Deus é suficiente em si mesmo, autoexistente em si mesmo, livre e independente, não havendo a chance de existir dois iguais, pois se um Deus existe desde a eternidade, não há lugar para outro, logo, o que pensa estar fazendo o homem? Se não há como existir dois seres perfeitos, eternos e suficientes no universo, como pode o homem almejar tal condição, sendo ele mesmo o oposto daquele que pensa combater?
Deus é um, único; ele é real. Dizer que há muitos deuses é dizer que não há Deus nenhum. Dizer que existe um outro Deus, não revelado sobrenaturalmente, e que se deu a conhecer sobrenaturalmente, também é não crer nele. Dizer que todos os caminhos levam a Deus, é dizer que o errado é o certo, e o certo, errado; de que a verdade não está nele mas naquilo que pensamos dele. Mais uma vez, o homem quer-se fazer autoridade, inclusive sobre Deus, e a ideia do ecumenismo e do universalismo nada mais é do que o estratagema maligno de acomodar todos os homens e seus pecados numa única cumbuca e, assim levar todos à destruição. Mas mais do que isso é pretender que Deus seja igualmente tolo, como tolo é aquele que se aventura a uma crença genérica e difusa, em que o Senhor não passa de um Deus lamuriante, a buscar ser aceito de qualquer maneira pelo homem. Transferimos a ele a nossa doença, a nossa psicopatia, e não há mais como distingui-lo de nós; como se fôssemos quem lhe dá a vida, quem o sustenta e alimenta, e não o contrário; significando que todos os deuses ou, mesmo o não ter nenhum deus, não passam de projeção humana, revelando o que o homem é, e suas limitações. Com isso, estou a dizer que todas as crenças e religiões, todos os deuses e não-deuses, todas as formar humanas de cultuar partem do conhecimento que o homem tem de si mesmo, ou a expectativa de quem ele seja para formatar um ídolo. Parte-se sempre do homem para Deus, da autorrevelação humana para se definir o Ser de Deus, o que é um gravíssimo erro, visto ele ser conhecido somente pelo que revela, de si mesmo. O que não se torna em capricho o homem buscar definir Deus, nos aspectos em que nos é possível fazê-lo à luz da Escritura, com o risco de, ao não fazê-lo, adorar um Deus desconhecido, no qual não há uma personalidade ou, quando muito, adorar um deus que se pareça tanto com o homem que acabe se confundindo com ele. Por isso, resta-nos perguntar: quem é Deus? Sabendo que apenas o espírito regenerado em união com o Espírito regenerador poderá ter a resposta correta. Ver Dt 4.35,39; 1 Sm 2.2; Is 44.6-8.


QUEM É DEUS?
O Cristianismo declara a fé no Deus eterno, todo-poderoso, ilimitado, imutável, e infinito, ao contrário do panteão de deuses criados pelo homem fora da revelação especial; os quais são invariavelmente imperfeitos, limitados, muitas vezes não passando de réplicas do próprio homem, ou assumindo formas da criação. O Deus bíblico não se compara nem pode ser comparado com nada. Como já foi dito, ele é único [Dt 4.35,39; 1Sm 2.2; Is 44.6.8]. Mas também é quem, em sua perfeição e santidade, se relaciona com os seus filhos, os quais são filhos por adoção, através do Filho eterno, Jesus Cristo. E isso se dá exatamente por não ser nós a defini-lo, mas ele é quem se autodefine para nós. Mesmo sendo a linguagem humana limitada, ele se utiliza dela para levar à nossa mente limitada o entendimento de quem é, um entendimento parcial, pois não nos é dado conhecê-lo além do que se revelou e deixou-se revelar, sob pena de se construir um ídolo. Deus é o que é. Ele nos diz: "Eu sou o que sou" [Ex 3.14]. E o que ele quis dizer? Ora, de que ele era o que sempre foi e sempre será: Deus. E de que não pode ser nem nunca será o que não é. Deus se apresenta como autossuficiente em si mesmo. E temos aqui um outro aspecto muito interessante que é o da singularidade divina, o fato dele ser único, incomparável, de que não há nada igual a ele, de forma que ele é a origem de tudo o que foi criado, sendo ele o mantenedor de todas as coisas, o princípio e o fim delas, mas o Ser eterno, não tendo ele mesmo princípio, nem sendo gerado por outro. Deus é absoluto, o único absoluto, independente, e sua identidade está no caráter impar que o distingue de tudo, de todas as coisas. E quais são essas coisas, as quais definem Deus?

Primeiro, é necessário dizer que, antes de tudo, Deus é um Ser pessoal. Ele tem uma personalidade, e características que o definem como Deus. A Bíblia nos revela exatamente aquilo que ele quis nos fazer conhecer, de forma que é possível não apenas conjeturar mas ter certeza, afirmar quem é Deus. E isso é definido por sua pessoa, a qual, sendo Espírito, invisível, ainda assim se relaciona com as suas criaturas e filhos. Com os primeiros, como Criador, com os segundos, como Pai. Em ambos, age como Senhor; sobre os quais ele está, e sob quem todos estão. Por isso, ele também é chamado de Soberano, aquele que está revestido da autoridade suprema, que governa com absoluto poder. Mas a questão é, como saber quem é Deus?

É impossível saber quem é determinada pessoa sem conhecê-la. Quando alguém me pergunta: Quem é Pedro? Para que eu responda exatamente é necessário conhecê-lo para, então, descrevê-lo, e identificá-lo ao meu interlocutor. Caso isso não aconteça, responderei: Não faço a menor ideia de quem ele seja! Ainda há a possibilidade de eu inventar um Pedro fictício [e poderei criá-lo por vários motivos, desde uma pilhéria para com o interlocutor, ou algum outro interesse], mas ele não será nada além daquilo que é: uma simulação, um personagem imaginário, irreal. Mas ainda que eu conheça o Pedro, e ele exista, e tenhamos uma relação pessoal, não quer dizer que eu conheça todos que se chamam Pedro. Da mesma forma, o meu interlocutor, ainda que ouça atentamente a minha descrição dele, uma descrição analítico-descritiva, e saiba de detalhes da sua vida pessoal, não terá uma relação pessoal com ele, pois ela se estabelece pela reciprocidade, pela correspondente mutualidade. 

Concluí-se então que ninguém poderá responder à pergunta, “quem é Deus?”, sem conhecê-lo. O máximo que ele poderá é especular, no sentido de defini-lo teoricamente, como objeto de estudo, sem que haja um relacionamento pessoal mútuo. Por isso a importância da Escritura, a forma em que ele quis se revelar, fazer-se conhecer ao homem. Qualquer um pode ter esse conhecimento especulativo, bastando para tanto ler a Bíblia, como qualquer teórico pode fazer e faz com a matéria do seu estudo; uma vez que ela não o descreve como um ser abstrato, vago, indefinido, mas como o Deus vivo, sábio e perfeito. Mas isso não é suficiente para se conhecê-lo. Guardadas as devidas proporções, seria o mesmo que alguém dizer conhecer o Monte Fuji sem jamais ter ido ao Japão. Sei da existência do monte; sei o que ele é; onde fica; mas não o conheço verdadeiramente. Seria necessário eu viajar até ele para ter o conhecimento completo. Há quem diga que isso não é necessário. Eu não acredito. Alguém pode descrever uma paella, em seus mínimos detalhes, quanto à forma, composição, sabor, aroma, mas enquanto eu não cheirá-la, comê-la, terei apenas o conhecimento teórico, e não-prático. Com isso não quero dizer que a experiência é suficiente para se conhecer as coisas, mas sem ela o homem poderá facilmente viver no "mundo da Lua", e ter uma vida irreal. Ao contrário do que os empiristas afirmam, não concordo que a verdade possa ser conhecida pelos sentidos, pois eles são enganosos, assim como tudo o que o homem é, pois, caído, contaminado pelo pecado, teve a sua natureza pervertida, o que o tornou incapaz de se aproximar da verdade 
[1]. Porém, contudo, não estou a dizer que o homem não possa conhecê-la. Contradição?

Sem entrar nos pormenores da regeneração [que veremos mais à frente], o fato é que a ação do Espírito Santo é a única forma de o homem, impedido em si mesmo e por si mesmo, conhecê-lo. Quando a mente obliterada pelo pecado é transformada, esse homem passa a ter a mente de Cristo, tornando-se capaz de admitir como verdadeiro o Deus bíblico. A experiência pessoal, sempre uma iniciativa divina, em primeiro lugar, capacitará esse homem ao conhecimento. Sem isso, o que ele terá é uma "sombra" do conhecimento, um espectro embaciado, sem que a imagem se forme, e mantenha-se encoberta. 

Em tudo isso, o que importa, no fim-das-contas, é que Deus quis se relacionar com os seus filhos, porque ele é o Deus pessoal; de outra forma, se essa não fosse a sua vontade, não haveria como os homens conhecê-lo, já que, por si mesmos, é-lhes impossível. Temos então o seguinte:

1) Deus somente pode ser conhecido pela Bíblia, pois ele se deu a conhecer através dela, que é a sua palavra. Nela ele descreve-se como quis se manifestar, e tornou-se patentemente o Deus conhecido. De forma que o homem natural pode ter algum conhecimento de Deus, um conhecimento teórico, mas insuficiente para conhecê-lo como o Deus vivo e verdadeiro. Seria o mesmo que um surdo diante de uma orquestra; ele veria os movimentos, os instrumentos, os concertistas, o maestro... Veria a platéia, as palmas, e tudo o mais que envolveria o concerto. Mas estaria impossibilitado de ouvir a peça musical. Entenderia o que se está passando, o que está acontecendo, mas não apreenderia a mensagem; a comunicação entre o autor e o ouvinte não se completaria, mantendo-se obscura. 

2) O Espírito Santo, ao regenerar a mente e o espírito do homem natural, torna-o capaz de conhecer a Deus pela revelação especial; de forma que ela terá um significado humano, mas também sobrenatural; e, assim, a voz sobrenatural de Deus é comunicada inteligivelmente, sendo possível ao homem conhecer a verdade, a qual é o próprio Deus, revelado na Escritura.


E, então, poderemos, finalmente, responder, quem é Deus? Mas, primeiro, precisamos saber o que ele diz de si mesmo.

_______________________________

NOTAS: [1] Da mesma forma, não acredito que o conhecimento seja possível exclusivamente pela razão, como os racionalistas afirmam. Penso que a razão humana está contaminada pelo mesmo "vírus" que contaminou os sentidos: o pecado. Assim, o homem necessita de Deus para, como um todo, um ser completo, racional e experiencial, poder conhecer a verdade. 
[2] Aula realizada na E.D.B. do Tabernáculo Batista Bíblico em 11.12.2011.

_______________________________________ 

ÁUDIO DA AULA 12

21 julho 2023

Anônimos Famosos

 






Jorge F. Isah



             As crianças são, via de regra, desprezadas pela maioria dos adultos, como se não houvesse nada a se aprender, a se copiar, ou mesmo refletir. É claro que se um adulto resolve replicar parte ou a totalidade da sua vida aos moldes infantes, certamente não passará de  meninão crescido e mimado, nada além de um “maioral” de cueiros. Exemplos há aos montes:  quando se vê homens e mulheres se contorcendo como uma enguia que tomou uma descarga de 100.000 Watts, alguma coisa está errada. Quando anciões se portam e agem como adolescentes, a falta de autocrítica e o ridículo se institucionalizaram. Quando as pessoas discutem e se apegam às suas opiniões (interessante como todo mundo se sente obrigado e no direito de dar pitacos em tudo) como um garotinho se agarra ao presente do último Natal, afastando-o do coleguinha, ah! sim, alguma coisa está muito errada.

           Com isso, não quero dizer que as crianças devam ser parâmetros absolutos mas, de forma equilibrada, compreendidas em sua importância. E muita coisa somente foi possível, do ponto de vista tecnológico e científico, porque mentes privilegiadas não rejeitaram a singeleza das mais triviais e ingênuas brincadeiras. Existe algo magnífico, sublime, na simplicidade, e ela muitas vezes é a resposta às questões complexas e insolúveis da vida. Mais exemplos:

1)      Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, imaginou a possibilidade de comunicação entre pessoas a longa distância, por meio da voz (sim, já existia o telégrafo), ao ver dois garotos (ilustres desconhecidos) esticarem um fio encerado, contendo uma caixa de ressonância, simulando um fone nas extremidades, e conversavam através da engenhoca. Algo que a maioria das crianças desconhece atualmente, e muitos de nós brincamos na infância, foi o estímulo para o gênio do pai das telecomunicações. Pense nisso.

2)      Benjamim Franklin criou o para-raios a partir da observação do seu filho (ninguém se lembra do seu nome) soltando pipas. Em uma tempestade, estendeu uma pipa adaptada, a flutuar fixada por finas hastes metálicas, e pode observar o efeito catalisador do raio ao percorrer o dispositivo; de quebra, foi este lazer trivial a estabelecer o padrão de transmissão das correntes elétricas, um século depois. Pense nisso.

3)      Frei Gusmão, um dos primeiros homens a subir à atmosfera em um balão, teve o vislumbre do artefato a partir de uma festa de aniversário de um sobrinho (quem se lembra?), que fez questão de decorar a sua casa com “bexigas” cheias de ar. Ao perceber algumas delas soltarem-se e subir aos céus, disse: “Eureka”, como Arquimedes, e foi à sua oficina conceber algo mais divertido.

Existem outros infinitos experimentos e descobertas realizadas a partir da observação de simples brincadeiras e engenhocas reconhecidamente afeitas à diversão pueril.

Então, da próxima vez, quando um dos seus filhos ou sobrinhos apresentar-lhe algo que ninguém é capaz de dar a mínima importância, tome-o (mesmo diante do esperneio e choro do pequeno)! Quem sabe, não estará diante de um novo achado a levar a civilização a patamares jamais conhecidos? E torná-lo não apenas famoso, mas milionário?...

Pense nisso...

______________________________ 

Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga No. 2


17 julho 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 11: O ateísmo secreto








Jorge F. Isah



O ateísmo não é algo novo e que surgiu nos últimos séculos. O salmista já o denunciava a seu tempo [Sl 14.1]. Acontece que temos os ateus professos ou dogmáticos, aqueles que declaram e defendem uma fé ateísta, a fé na descrença em Deus. Ela se baseia na ideia central do movimento iluminista nos sec. XVII e XVIII de que tudo o que não pode ser explicado pela razão humana, sendo essa razão superior e final para se estabelecer todo o conhecimento humano, simplesmente não existe. Parte-se do princípio de que se deve "provar", através da razão, se tal coisa ou objeto existe ou não. A esse racionalismo segue-se o empirismo, que resumidamente advoga para si o único poder de guiar seguramente o homem ao conhecimento. Como não é possível provar experiencialmente a existência de Deus, sendo ele quem é, segue-se que ele não existe. Há uma frase célebre de Descartes, um filósofo francês, que disse: "Penso, logo, existo!". Mas ela falha preliminarmente ao não considerar que o Sol existe a despeito de eu pensar ou não. De que outras pessoas existem, também a despeito de eu pensar ou não. E que o mundo continuará existindo, mesmo que eu esteja morto e não pense mais [seguindo o padrão ateísta de que não há vida depois da morte]. Esses são os ateístas clássicos, possíveis de se encontrar em vários círculos, mesmo cristãos, e o perigo está em se retirar toda a sobrenaturalidade da existência, como se tudo fosse algo meramente natural e possível de ser explicado naturalmente.

Ouve-se muito, em discussões entre teístas e ateístas, estes dizerem que as coisas que o homem ainda não conseguiu explicar serão conhecidas um dia, bastando para isso que se decorra o tempo e o homem continue a sua evolução intelectual e científica. Para eles, tudo é sempre uma questão de tempo, principalmente para que toda a vida e o universo sejam desvendados e conhecidos. Temos aqui um "endeusamento" do homem, que em algum estágio da sua suposta evolução deterá o conhecimento total tornando-se em um "deus". Mas esse pensamento é falacioso pois, como vimos, a razão é um elemento da humanidade, portanto, finita, falha, imprecisa, e como poderia explicar um universo infinito e complexo? É a presunção e arrogância novamente se travestindo de sabedoria e superioridade, quando prova exatamente o contrário, torna o seu proponente em tolo e inferior em todos os sentidos, pois sua visão estará contaminada pela tolice e pretensão.

Mas o objetivo central desta aula não é discutir um ateísmo teórico, filosófico. Reconhecemos que esses homens têm em si o "Imago Dei" e o "Sensus Divinitatis", mas em sua rebelião deliberada, num desejo de exaltar a si mesmo e criar um ídolo à sua imagem e semelhança, rejeitaram o conhecimento de Deus que há neles, como Paulo nos diz em Romanos 1, e que pudemos abordar na aula passada. Quero falar é do ateísta prático, aquele que, mesmo não negando a Deus verbalmente o nega em seu coração. Pois, vou-lhes dizer irmãos, nesse sentido, todos fomos ateus. Surpresos? Leiamos o que Paulo tem a nos dizer: "Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo" [Ef 2.12].

No verso anterior, o apóstolo diz que os efésios eram, em outro tempo, gentios na carne, ou seja, em dado momento de nossas vidas, antes da conversão, do chamado de Deus para vivermos a glória da regeneração em Cristo, éramos ateus, pois vivíamos sem Deus. Lembram-se que a palavra ateu quer dizer "sem Deus"? Pois bem, todos nós, sem exceção, ainda que tendo o conhecimento inato de Deus, o qual o próprio Deus colocou em nosso coração, vivemos sem ele, até que sejamos por ele transformados. De criaturas em filhos. Pois há a falsa ideia de que todos os homens, sem exceção, são filhos de Deus. Mas não é o que a Bíblia nos diz: "[Cristo] veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" [Jo 1.11-13]. Portanto, apenas aquele que crê, e para crer tem de ser pela vontade divina não pela vontade do homem ou da carne, é filho de Deus. As demais pessoas são criaturas, não têm vínculo filial com ele.

Paulo se refere aos efésios e, por tabela, a todos nós que vivíamos segundo a carne e pela carne, como ateus práticos. Eles não negavam a existência de Deus, pelo contrário, eles cultuavam outros deuses. E, muitos, diziam servir a Deus, amá-lo, honrá-lo. Porém, suas vidas revelavam o contrário. Ao darem vazão aos seus instintos e intentos carnais eles negavam a Deus ignorando-o, fazendo exatamente tudo o que lhe afrontava, pervertendo os seus caminhos, afastando-se de todo o seu conhecimento, desobedecendo-o e rejeitando os seus preceitos.  Eles, como nós, viviam para satisfazer os seus prazeres e desejos, na forma do pecado, e assim seus discursos eram aparentemente piedosos, reverentes, mas em seus corações e em suas vidas havia apenas a descrença em Deus: "Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toa a boa obra" [Tt 1.16], resume o apóstolo.

O fato de usarem o nome de Deus não os faz dignos dele; pois o Deus que diziam servir e adorar nada tinha a ver com o Deus vivo e verdadeiro, o Deus bíblico. E é aqui que o problema tem contornos ainda mais dramáticos; pois eles, como nós, criavam a ilusão de estar servindo a Deus, de cultuá-lo, de se colocar a seu serviço, quando não queríam nada com ele. Elegeram um Deus "postiço", um substituto, e o fizeram objeto de adoração. É o que Paulo diz aos atenienses: "Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio" [At 17.23]. A partir daquele momento, Paulo lhes apresentou o Deus vivo, o único Deus, o qual não substituiria todo o panteão de divindades gregas dos atenienses, mas as destruiria, porque Ele, como criador de todas as coisas, e quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas [v. 24-25], "não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam" [v.30]. E, arrependam-se de que? Ora, de ignorá-lo como único Deus, e fazerem para si deuses de várias formas, e assim manterem enraizadas em seus corações a depravação e a rebelião contra ele.
  
Quando ouço coisas do tipo: "Não leio a Bíblia, mas eu sirvo a Deus", pergunto para a pessoa: Mas a qual Deus? Elas, na maioria das vezes, dizem servir a um Deus que não podem identificar, um Deus indeterminado, impessoal. Ele estaria mais para uma entidade abstrata e imprecisa, e, como servir e adorar o que não se conhece ou pode conhecer? Então, normalmente dizem: "Esta é a minha fé, e Deus a aceita como ela é!". Nisso há alguma razão. Ele tem uma fé que não é sobrenatural, que não provém de Deus, mas uma fé humana, claudicante, frágil e enganosa. Uma fé gerada em seu próprio coração iníquo. E que o lança ainda mais na ilusão ao afirmar que Deus a aceita como ela é, mas como sabê-lo? Deus falou diretamente com ele? Ou não passa de uma suposição, um pensamento derivado da sua necessidade de manter-se distante e protegido da verdade?

Todos fomos assim um dia; ateus práticos, que não dizíamos negar a Deus, mas o negávamos diariamente mantendo-nos ignorantes quanto a ele, mantendo-nos distantes dele, presumindo que os nossos conceitos e opiniões pudessem ser superiores à Revelação escriturística, de forma que ela fosse dispensável. De forma que tanto a moral que tínhamos, como a ética, como o julgamento, eram claramente uma indisposição, uma má vontade contra ele.

Qualquer um que diga conhecer e servir a Deus fora dos padrões estabelecidos pelo próprio Deus é um ateu prático. Certamente ele não professará a fé ateísta, mas se manterá como um ateu secreto. Por isso, tanto o ateu militante e teórico, como o ateu não-militante e secreto, necessitam desesperadamente da redenção, a redenção da mente, da alma, do espírito, somente possível através de Cristo, o único mediador entre o homem e Deus. Se Cristo não estiver ali, unindo as duas partes, elas permanecerão distantes, irreconciliáveis. Ele que "é a imagem do Deus invisível" [Cl 1.15], pelo seu sangue derramado na cruz trouxe-nos a sua paz; a nós que éramos inimigos no entendimento pelas nossas obras más, agora nos reconciliou, nos apresentando santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis [Cl 1.20-22]. Por isso, o mundo labuta tanto contra Cristo, e há uma obra em progressão que faz as pessoas terem a ideia de que se é possível apresentar-se dignamente diante de Deus por si mesmos, sem a intermediação do Redentor. As pessoas concentram suas forças no mérito pessoal, na capacidade que consideram ter de, em si mesmo e por si mesmos, achegarem-se a Deus. Também é visível que o homem cria cada vez mais um Deus impessoal, um Deus genérico, capaz de reconhecer em cada indivíduo o seu esforço ou até mesmo esforço algum, numa contradição somente possível aos homens, naufragando em sua própria estupidez. Um Deus assim seria um Deus despropositado, senil, autista e esquizofrênico. Capaz de reconhecer tudo e nada ao mesmo tempo, verdade e mentira, realidade e ilusão, santidade e corrupção, de maneira que ele seria um Deus sem pessoalidade, indefinível. Esse é o desprezo máximo a Deus, saber que ele existe, mas viver sem Deus no mundo, como um ateu.


Nota: [1] Aula da E.D.B. do Tabernáculo Batista Bíblico  em 04/12/2011


______________________________


ÁUDIO DA AULA 11:

13 julho 2023

A Velhinha de San Andrés

 







Jorge F. Isah [1]




                O mundo é mal, dizem alguns, enquanto comem caviar, lagostas e bebem um Domaine Leroy Chambertin Grand Cru, de U$ 4.000,00 a garrafa. Só se for para as ovas do Huso huso, dos crustáceos decápodes ou das pobres vitis viníferas. Na verdade, o mundo não é mal. O problema é ter gente só pensando o mal e buscando o mal, enquanto dizem querer o bem. Como aquela galerinha que vive falando em paz, amor, na opressão das codorninhas antes dos ovos eclodirem, enquanto, no silêncio dos fones Beats e segura em seu quarto, maquina esquartejar e atear fogo na inofensiva velhinha no GTA San Andrés. Não obstante, alguém pode questionar ser mal um ataque puramente virtual onde não existem vítimas reais? Claro que não. Seria um absurdo. Mas uma semente daninha, se cair no terreno certo, virará uma árvore dos capetas.

            Certa vez, ouvi de um amigo a seguinte história: Estávamos eu, minha esposa e meus filhos no velório da irmã da tia da amiga de minha mulher. Ela morrera muito jovem e prematuramente. O filho mais velho tinha doze anos. Nos sentimos abalados com a notícia, a despeito de esperar o fim trágico havia algum tempo, já que a doença era incurável. Pois bem, eu não conhecia a quase totalidade das pessoas do lugar, e como minha filha estivesse muito triste, ela se aproximou, encostou-se em mim, e abracei-a, consolando-a. Nisso, chegaram algumas mulheres e conversaram com a minha esposa. Eu não sabia quem eram, mas presumi, pela tristeza, serem parentes. Ficaram lá um tempo; e no ambiente de comoção, talvez por descuido, não fizemos as apresentações.

            Então, uma das mulheres, a que mais me observava (desde a chegada, fixou-se em mim, descaradamente), cochichou algo. Minha mulher virou-se, e sorriu encabulada:

            - Este é o meu marido e a minha filha.

            - Ah, bom, a amiga disse, pensei que fosse mais um velho safado enrabichado por uma garotinha.

            Fiquei tão chocado que não disse nada. Apenas imaginei: que raios levou esta mulher a pensar tal coisa?... Devia ser um recalque, trauma ou simplesmente estupidez.

No fundo, todos esses elementos têm origem no mal, normalmente da própria pessoa. Se você não procurar, não encontra. E mesmo se procurar, pode não encontrar. Mas se insistir na busca, por certo, mesmo que não encontre, arrumará um jeito de crer que encontrou. Assim é boa parte das pessoas que pensam maldades, e as veem nas atitudes mais inocentes e castas. Nada é mais deletério do que os pensamentos delas, muito mais do que a produção necessária para entupir a latrina.

            Outro dia, um velho, ostensivamente, olhava uma adolescente em vestes sumárias. Ao ponto de a garota se incomodar, trocar de lugar, e ficar de longe esguelhando- o. Ele não se importou, e manteve-se fixado nela. Por fim, ela desistiu e saiu porta a fora. Então, ele se virou para mim e disse:

            - Viu aquilo?

            - Não. O quê?

            - Ora, essas meninas não sabem mais como se portar em ambiente público. Vestem-se como prostitutas, e não respeitam ninguém.

            Eu verdadeiramente não queria aquela conversa. Mas não me contive, tal a dissimulação do velho gagá.

            - E o senhor, sabe?

            - Sabe o quê?!! – ele estava intrigado, quase assustado, e sem me entender.

            - Portar-se em público?

            - Ora, como ousa! Sabe com quem está falando?

            - Não, não sei. E o senhor, sabe?

            Esperou um instante. Os olhos indecisos e a língua claudicante. Por fim, respondeu:

            - Não, não sei... Quem você é?

            - Sou o homem que vejo um hipócrita a metros de distância, mas um canalha posso senti-lo quilômetros mais.

            Levantei-me, e saí da poltrona onde estava. Do seu lugar, ele me encarou. Até que foi chamado. A secretária do proctologista ao vê-lo, disse sardônica:

            - Por aqui de novo, seu Mário?... – E lhe deu um tampinha nas costas -  Desse jeito, vou ter de arrumar um cantinho para o senhor.

            - Ora, ora, menina, não carece.

            Entrou sorridente, talvez sem entender, talvez entendendo, talvez sem aceitar, talvez aceitando as formulações da enfermeira. De minha parte, estava aliviado de não receber tratamento tão íntimo, mesmo da equipe oftalmológica. 

            É o que sempre digo, a despeito do pecado original, da natureza caída do homem, ainda resta muito do “imago dei”[2] em cada um de nós, e, por isso, existe bondade nas pessoas, talvez não o suficiente, talvez em módicas porções, mas capaz de nos fazer lembrar do que somos, do que não somos, do que deveríamos ser e não podemos ser, mas é sempre Deus a nos mostrar como seremos, se para o bem ou para o mal, é ele quem nos mostra, nos guia e nos orienta e sustém no caminho para o bem. É uma discussão longa, que o exíguo espaço desta revista não permite, mas o fato consiste em: se procurar o mal, o encontrará até mesmo nas coisas boas e saudáveis da vida. Se procurar o bem, é possível que do próprio mal Deus faça o bem, e você se surpreenda.

            Surpreso ou não, existem os incapazes de ver além dos próprios olhos, de enxergar além de si mesmo e, por isso, ninguém ou nada jamais prestará. Os niilistas foram tão eficientes em espalhar seus dogmas, seu pessimismo além do próprio ceticismo e derrota, que mesmo que a vitória caia-lhe nos colos, a tratarão como inimiga, venenosa, absurda e sem sentido. Se um deles, não segundo a realidade ou as exigências da vida, mas segundo a descrença utópica ou melhor, a relutância absoluta, estivesse se afogando e lhe dessem uma boia salva-vidas, ele a recusaria, ciente de não haver nada em seus princípios a consentir com tamanha nulidade. E, ainda por cima, acusariam o bombeiro, a tentar resgatá-lo, de astênico e covarde.

            Certa vez, um jovem foi vendido como escravo por seus irmãos. O seu nome era José. Acabou levado para a casa de um importante figurão em um país distante. Lá, em uma série de encadeamentos providenciais, acabou por ganhar a confiança do rei. Ao se antecipar e prever tempos difíceis, de fome e escassez, e tomar atitudes e medidas para o reino não sofrer as agruras da penúria, se tornou primeiro-ministro. Durante a miséria da região, sem saber, seus irmãos migraram para esse país, em busca de alimento, já que era o único preparado para atender as necessidades não somente do reino mas dos países ao seu redor. Quando perceberam que o segundo homem mais importante era o seu irmão, entregue como escravo na adolescência, imaginaram que seria o momento de vingança e que estariam literalmente ferrados. Não esperavam por misericórdia, mas justiça. Não esperavam perdão, mas sentença. Muito menos afeição. Nada além do castigo.

            Então, o primeiro-ministro ao vê-los, chorou, abraçou-os, mandou alimentá-los, trocar-lhes as roupas, e fazer uma festa. Estarrecidos com aquela situação inesperada, mas ainda temerosos, ouviram de José: “Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar muita gente com vida.”[3]

            Você pode se lamentar e dizer: ninguém presta!... Este mundo não vale nada!... Mas, na verdade, você é apenas medroso, um poltrão a lançar por todos os lados, e sobre todos, os seus receios e pavores, resumidos nestas palavras: amar e fazer o bem.

     Por incapacidade, escolha ou fingimento, atear fogo ou esquartejar inocentes no GTA certamente é o seu jeito de dizer: dane-se!

             Principalmente, a si mesmo.              


[1] Texto publicado originalmente na Revista Bulunga, No. 19. Disponível em bulunga.com

[2] Imago dei, do latim, imagem divina ou imagem de Deus. Conforme Gênesis 1:26-27 e 5:1

[3] Gênesis 50:20 

10 julho 2023

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 10: O Deus Revelado


























JORGE F. ISAH


DEUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

1. O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro, [1] cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo; [2] infinito em seu ser e perfeição, cuja essência por ninguém pode ser compreendida, senão por Ele mesmo. [3] Ele é um espírito puríssimo, [4] invisível, sem corpo, membros ou paixões; o único que possui imortalidade, habitando em luz inacessível, a qual nenhum homem é capaz de ver; [5] imutável, [6] imenso, [7] eterno, [8] incompreensível, todo-poderoso; [9] em tudo infinito, santíssimo, [10] sapientíssimo; completamente livre e absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho da sua própria vontade, [11] que é justíssima e imutável, e para a sua própria glória; [12] amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo; abundante em verdade e benignidade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; o recompensador daqueles que o buscam diligentemente; [13] contudo justíssimo e terrível em seus julgamentos, [14] odiando todo pecado, [15] e que de modo nenhum inocentará o culpado. [16]

1 I Coríntios 8:4,6; Deuteronômio 6:4. 2 Jeremias 10:10; Isaías 48:12. 3 Êxodo 3:14. 4 João 4:24. 5 I Timóteo 1:17; Deuteronômio 4:15-16. 6 Malaquias 3:6. 7 I Reis 8:27; Jeremias 23:23. 8 Salmo 90:2. 9 Gênesis 17:1. 10 Isaías 6:3. 11 Salmo 115:3; Isaías 46:10. 12 Provérbios 16:4; Romanos 11:36. 13 Êxodo 34:6-7; Hebreus 11:6. 14 Neemias 9:32-33. 15 Salmo 5:5-6. 16 Êxodo 34:7; Naum 1:2-3.

________________________________ 


INTRODUÇÃO

É possível vislumbrar em toda a história a necessidade de Deus. Em todas as culturas e sociedades, desde as mais remotas, até os nossos dias, sempre houve a ideia de Deus, de que há um Criador e um ser Todo-Poderoso. Acontece que com a Queda do homem, no Éden, o conhecimento de Deus foi-se perdendo, e muitos acabaram por corrompê-lo, criando para si e para outros um deus à sua própria imagem e semelhança. 

O exemplo de Adão e Eva dá-nos essa ideia de que, a despeito do convívio com Deus, pouco dele os nossos pais naturais conheciam [pela própria incapacidade humana], de forma que o desobedeceram, numa tentativa tola de enganarem-no e a si mesmos; levando-os ao pecado e à separação, à morte física, mas também espiritual. Adão e Eva haviam formado, em suas mentes e corações, um "deus" que não era o Deus vivo e verdadeiro, mas um "deus" à sua semelhança, um deus facilmente manipulável e que atenderia aos seus interesses pessoais. Temos ali não apenas o primeiro pecado, a Queda, a separação entre Deus e os homens, mas também a primeira tentativa de se erigir um "outro" deus. 

Deus, ao terminar a Criação, viu "tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom" [Gn 1.31]. Não temos a afirmação de que a criação era perfeita, pois apenas Deus é perfeito. Se Deus criasse algo perfeito, se autocriaria ou criaria algo idêntico a si mesmo. Portanto, dizer que a Criação era perfeita resulta em dizer que a perfeição pode decair para a imperfeição, que o perfeito pode se tornar imperfeito, e isso quer dizer, em última instância, que o próprio Deus poderia decair da sua condição. E ela teria de acontecer no tempo, visto ser impossível na eternidade onde tudo é imutável. O que o levaria a uma série de mudanças, mas sabemos que Deus não muda; de que ele é eterno, santo e reto. Perder a perfeição significaria perder todos os seus atributos, inclusive a infinitude, a sabedoria e a eternidade.

Se a criação fosse perfeita, se Adão e Eva eram perfeitos, não poderiam cair, nem mesmo por sua vontade, pois iriam contra a sua natureza perfeita. É por isso que Deus jamais deixará de ser Deus, pois ele é o "Eu Sou", e não pode deixar de ser o que é. 

Mas a criação será discutida no Cap. 4 da CFB. Deixemos o assunto para mais tarde, e voltemos ao tema central deste capítulo.

A palavra Deus vem do latim "Deus", que quer dizer divindade, ser supremo, deidade, e é interessante que apenas o português, como uma língua neolatina, manteve a grafia original do latim com a terminação "us". No espanhol temos a forma "dios", no francês "dieu" e no italiano "dio". É apenas uma curiosidade.


O CONHECIMENTO INATO DE DEUS!

Muitos dizem crer em Deus, mesmo que não o glorifiquem e honrem-no. Porque o Senhor pode ser conhecido ou melhor, percebido de várias formas, seja através da Revelação Natural, a Criação; seja pela Imago Dei, a imagem de Deus que o homem caído ainda traz em si; e o Sensus Divinitatis, presente em cada homem, que é o conhecimento inato ou a disposição ao conhecimento de Deus inerente à mente humana, dada pelo próprio Deus. É o que Paulo nos diz: "Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis; Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu" [Rm 1.19-21]. O que temos aqui? Paulo está a dizer que todos os homens têm o senso divino em seus corações, que Deus se revelou a eles, e está posto neles que há o Deus Vivo e Verdadeiro, mas os homens se rebelaram e construíram para si outros deuses, transformando a verdade em mentira, honrando e servindo mais à criatura do que ao criador, "que é bendito eternamente" [Rm 1.25]. Ou ainda, em seu coração insensato, diz o néscio: "Não há Deus" [Sl 14.1]. A Bíblia usa o termo néscio para designar o ignorante, o estúpido, o tolo, não no sentido de que ele não conhece a Deus, mas no sentido de que ele não quer conhecer, não aceita conhecê-lo, despreza o seu próprio conhecimento. 

Se analisarmos, todos, crentes ou não, inclusive os ateus, estão a discutir sobre Deus, de tal forma que se pode argumentar que nem mesmo esses últimos prescindem de Deus, a fim de se autoafirmarem deuses. Há o negar-se Deus para reafirmar o homem. Há o negar-se o conhecimento para se desconhecer. Há o negar-se a culpa para se viver impiamente. Há a não glorificação de Deus para se autogloriar na escuridão do coração insensato. Há o desprezo à sabedoria para o louvor da loucura. O salmista diz: "Pela altivez do seu rosto o ímpio não busca a Deus; todas as suas cogitações são que não há Deus" [Sl 10.4]

Entramos então na seguinte questão: qualquer sentença ou parecer sobre Deus pode levar o homem verdadeiramente ao seu conhecimento? 


REVELAÇÃO NATURAL  x  REVELAÇÃO ESPECIAL

A Revelação Natural nos dá o conhecimento de Deus, relacionado ao seu poder e glória, de forma que a criação reflete toda a sua magnitude, domínio e soberania. O homem tem o conhecimento de que há o Criador, o Ser supremo pelo qual todas as coisas foram feitas, e que por ele são sustentadas. Qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pode se aperceber da verdade de que Deus é o Senhor do universo, porque "no princípio criou Deus os céus e a terra" [Gn 1.1]. Por onde andamos, para onde olhamos, no que tocamos, está evidenciado que o mundo é o lugar onde Deus diz muito de si, a gritar a sua sabedoria e poder; a ordenar aos homens que o adorem; porque “os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos... não há linguagem nem fala onde não se ouça a sua voz. A sua linha se estende por toda a terra, e as suas palavras até o fim do mundo. Neles pôs uma tenda para o sol” [Sl 19.1,3-4]

De forma que os céus, a terra, e o homem, testificam que há um poder sobrenatural e absoluto, tanto no ato da criação como no da preservação de todo o universo, e que impressionam o mais cético dos homens, ainda que ele rejeite Deus e suponha, em sua mente caída, que a natureza se fez a si mesma, e de que o homem nada mais é do que o produto dessa ação aleatória, imprecisa e irracional. 

Porém, a Revelação Natural não pode salvar, nem trazer ao homem um relacionamento com Deus. Ela é suficiente para condenar o homem, para revelar que Deus existe, e de que é o Criador e legislador do universo. Ao se rebelar, o homem rejeita todas as evidências que ela lhe apresenta: a origem divina do Cosmos e das leis que o ordenam; a origem divina da lei moral, cuja consciência é-lhe inerente e na qual não quer se submeter. Por isso, Paulo diz que o homem é inescusável diante de Deus, por não querer entendê-las nem vê-las [Rm 1.20]

Deus se revela na Criação, mas essa revelação não é capaz de levar o homem a vê-lo além do seu poder; pois outros atributos como o amor, bondade, misericórdia e graça somente podem ser conhecidos através da Revelação Especial. Assim, posso concluir esta parte com a seguinte afirmação: Deus revela através da natureza o seu poderio, mas o seu amor somente pode ser conhecido pela Palavra. E essa palavra é Cristo!

Logo, a C.F.B. é sábia em seu primeiro capítulo delinear e explicitar a doutrina das Sagradas Escrituras, pois são elas que revelarão Deus como ele é e quis ser conhecido dos homens, assim como sua obra e os atributos com os quais se comunica com o homem: graça, misericórdia, amor, zelo, fidelidade. 

Temos então que a Escritura não procura "provar" Deus, mas a premissa da sua existência está presente em todo o seu escopo. A fé em Deus tem de ser bíblica, pois é ela que o revela verbalmente. Ou seja, ouvimos a própria voz divina dizer de si mesmo aquilo que quis que conhecêssemos. Como já disse anteriormente, não se é possível conhecer a Deus à parte da sua palavra, pois todo o conhecimento que ele quis que reconhecêssemos de si está delineado e foi-nos apresentado pela Revelação Especial, a qual é a Escritura Sagrada, e assim qualquer cosmovisão, mesmo a que se diz cristã, que prescinde ou abdica da Revelação Especial não é cristã, mas pseudocristã. Pois o conhecimento de Deus os levará também ao conhecimento da sua obra, da sua vontade, dos seus preceitos, e assim como tudo, a espiritualidade e a moralidade humanas somente podem ser verdadeiras e reais se baseadas na palavra do próprio Deus.

A diferença consiste em que a Revelação Natural nos revela o Ser de Deus e alguns dos seus atributos, sua onipotência, onipresença e onisciência, infinitude, eternidade, perfeição, sabedoria, e independência. A Criação nos revela todos esses atributos, que são chamados de "Atributos Incomunicáveis" de Deus, os quais não compartilha conosco. É o que foi dito pelo salmista: "Pois quem no céu se pode igualar ao Senhor? Quem entre os filhos dos poderosos pode ser semelhante ao Senhor?... Ó Senhor Deus dos Exércitos, quem é poderoso como tu, Senhor, com a tua fidelidade ao redor de ti?" [Sl 89.6,8]. Deus se revela incomparável, único, supremo, transcendente [tocamos no assunto da transcendência na aula passada, mas provavelmente voltaremos a ele na próxima aula].

Já na Revelação Especial temos o Deus que se comunica com suas criaturas, que se relaciona com elas, e cujos atributos são chamados, por isso, de "comunicáveis". Como também já foi citado, eles são, dentre outros, manifestados aos homens através da sua graça, misericórdia, fidelidade, amor, santidade, justiça, bondade... Esse "lado" divino somente pode ser conhecido através da Escritura e somente por ela, não sendo possível por qualquer outra forma de revelação. E ela é verdadeira e real exatamente porque o próprio Deus no-la revelou. Agora, devemos ter sempre em mente que mesmo a Revelação Especial é limitada ao homem, tendo-se em vista que Deus é infinito, e, como seres finitos, é-nos impossível conhecer plenamente o Ser infinito. Mas o importante é que, naquilo em que ele quis se revelar, ele o fez através da sua palavra. E somente por ele é-nos possível conhecê-lo em tudo o que se nos deu dar. 

Ressalto ainda que todo o conhecimento de Deus é possível a partir do novo-nascimento, da regeneração da alma e do espírito humano, de forma que os pressupostos antes "anti-Deus" passem a ser dirigidos ao estudo e compreensão da sua natureza, obra e vontade. 

Por hora, é isso!


Nota: 1- Resumo da aula realizada no dia 27.11.2011, na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico  

____________________ 

ÁUDIO DA AULA 10: