Jorge F. Isah
INTRODUÇÃO
Na meditação anterior, observamos que Deus é a origem de todo o amor, e de que este é um atributo comunicável com o homem. Ou seja, somos capacitados por ele a amar. Pelo amor com que nos ama, e do qual somos objetos, somos capazes de amar. Na verdade, o homem é o receptáculo do amor divino; o mesmo amor com o qual Deus nos criou.
“Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.
Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor.” [1 Jo 4.7-8]
Entretanto, com a queda de Adão no Éden, e a consequente contaminação do pecado, o sentido do amor divino foi corrompido e afetado. De forma que o homem não somente afastou-se do amor [o distanciamento natural, tendo em vista a sua natureza antinatural], mas o negou, implantando em seu lugar o ódio e o mal, a antítese do amor. Tudo isso como manifestação de desamor e rejeição a Deus.
Ora, se rejeito algo divino, e o amor é divino, rejeito o próprio Deus, e é esta rejeição que leva o homem a anelar o ódio e o mal; a confrontação e oposição a Deus pelo que ele é, resultando no pecado como única forma de refletir a insurreição contra o Criador.
O bem que o homem negou, foi ocupado naturalmente pelo seu oposto: o mal; o amor igualmente negado foi ocupado pelo ódio; a santidade pelo pecado. Deus por um ídolo ou ídolos. E a marca de todas essas “ocupações” não é outra senão o afastamento de Deus; movimentos com o fim de expurga-lo, negá-lo, em um sentimento de aversão profunda, o estado de demência em que se reputa capaz destruí-lo. Como não é capaz, o homem trata de construir em si mesmo a figura diabólica, pela ausência do bem e a superabundância do mal.
No frigir dos ovos, a contribuição humana foi apenas o pecado, o qual não criou originalmente, já que essa obra é proveniente, primeiramente, do Diabo, mas o homem a adequou aos seus interesses, e criou uma variação, digamos, não tão singular como a empreendida nos Céus, mas uma cópia cujos efeitos são igualmente drásticos, terríveis e maléficos.
Alguém pode dizer que o meu pensamento é dualista, de que não existe, na vida real, essa dicotomia e franca oposição entre o bem e o mal. O homem é capaz de manifestar tanto uma como outra coisa. E até mesmo as variações delas em algum momento. Pois bem, ele não está errado, ainda que não esteja certo. Na verdade, o homem, ao afastar-se de Deus e entregar-se a si mesmo, contaminou todo o seu ser com o pecado, que o atinge de várias formas e maneiras. Temos então as variações do mal no indivíduo não como “confusões” entre o bem e o mal, mas pela própria corrupção dos seus sentidos. Esses são os efeitos noéticos do pecado, onde a mente, a razão, os sentimentos e os atributos comunicados por Deus se corromperam, foram afetados, e, muitas vezes, anulados pela transgressão, pela rejeição da vontade divina, a negação de Deus como absoluto e origem de todo o bem. O bem que o homem não quis, e o mal com o qual se acostumou até não mais poder viver separado dele.
O homem tem sérias dificuldades de definir o que venha a ser o bem e o que venha a ser o mal, se lhe faltam parâmetros absolutos para medi-los. O pecado afetou a compreensão e o entendimento do que são verdadeiramente, por isso é necessário que o homem tenha uma ordem superior a inferir valor em tudo, a fim de que o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto, o santo e o profano, não se confundam como uma mesma coisa, originários de uma mesma matriz.
Posto isto, veremos, a seguir, o porquê da necessidade da Lei. Ela é a resposta para a confusão humana. Colocará as coisas em seus devidos lugares, revelando o senso correto de proporção de cada uma delas, na sua origem santa ou pecaminosa. Proveniente de Deus, ou do homem caído.
Contudo, Deus, em sua infinita graça, bondade e amor, propiciou a encarnação do seu Filho Amado, Jesus Cristo, para que, por ele, e a ação do Espírito, o amor fosse redimido e restaurado.
Como igreja, nós somos alvos do amor divino, o qual refletimos [ainda que não completamente, o que acontecerá na eternidade] e testemunhamos como filhos do Pai, e coerdeiros de Cristo, que o amor perdido e negado pode, pela graça, ser encontrado naquele que é o amor, e reconhecido daqueles que, por ele, são amados.
A LEI
A lei é a manifestação do amor de Deus. Quando o homem cai de sua condição natural de santidade, e está diante do próprio pecado praticado e feito natureza, Deus nos deu o redentor, Cristo. Que viria para restabelecer a ordem perdida, a santidade perdida, a comunhão perdida, a direção perdida, o amor perdido. Sem Cristo, e seu sacrifício, o homem estaria irremediavelmente condenado; não uma condenação apenas ao inferno, mas a impossibilidade de qualquer comunhão com o Deus vivo.
Vale lembrar que o homem foi criado para comungar, se relacionar com o Criador. Originalmente, ele se deleitaria na Criação harmoniosa, perfeita e santa. A mordomia era o deleitar-se naquilo que era de Deus e ele entregou em confiança nas mãos de Adão. A lei do Senhor estava escrita no coração do homem, sem a necessidade de decretos ou normas. Havia o bem. O santo. Louvor e honra a Deus. Ele estava em sintonia perfeita com o Criador. Capaz de produzir o bem e mantê-lo vivo se não existisse cobiça, mas o satisfazer-se plenamente no Senhor.
Entretanto, o pouco cuidado de Adão consigo mesmo se refletiu na corrupção do Cosmos, no caos. Onde havia a paz, a ordem, a vida, o santo, agora, pós-queda, eram permeadas pelas disputas, as desordens, a morte e o pecado. No lugar do bem, o mal se insurgia como um adversário vigoroso e implacável. E o coração, antes um lugar frutífero e fértil, se tornava pouco a pouco insalubre e estéril. A pureza perdia cada vez mais espaço para o pecado, ao ponto de algumas gerações depois da queda, Deus, em sua justiça, destruir praticamente tudo na face da terra, por causa da corrupção a chegar aos céus.
Se o relacionamento com Deus era a maneira pela qual o casal se guiaria e conduziria no Éden, sem ele, o homem estava desnorteado, entregue a seu próprio julgamento, posto em seu próprio caminho, que não é outro senão a morte e destruição. Era um homem sem norte, sem rumo, a tropeçar em si mesmo; e a cada tombo, cheirando a terra seca ou afundando-se na lama, ele perdia a capacidade de olhar para o alto e vislumbrar a glória de Deus, a sua bondade infinita pela qual fora criado, e pela qual subsistia. A vaidade e o orgulho foram-lhe enchendo o coração, produzida em profusão e na medida da própria corrupção, tornando-se iminente o distanciamento de Deus, e a sua substituição por ídolos que o mantinham preso ao delírio de uma existência insana sem Deus.
Ainda que o Imago Dei não fosse completamente apagado, impedindo que o homem se entregasse totalmente ao mal, produzindo apenas danos e desgraças [se podemos chamar assim, há um aperfeiçoamento na imperfeição; camuflada pela disposição ao autoengano, produzindo um pensamento, um conceito de bondade inerente ao homem, mas que é negado pelos seus frutos. Assim ele se mantém intocado em sua pecaminosidade, sem se dar conta dela, ignorando-a, por um despiste a encobrir a verdade. O ídolo nada mais é do que isso: criar uma “realidade” postiça, delirante, ilusória, oposta à verdade de Deus], a maior parte do tempo ele estava dominado, sob o controle do pecado. Usando de uma analogia, seria o mesmo que manter um presente valioso soterrado em toneladas de entulhos, lama, destroços.
Diante da inaptidão e corrupção humana, o Senhor, em sua infinita bondade, nos deu a lei. E o que é a lei?
Se Adão a tinha escrita em seu coração, mas foi-se perdendo à medida que o afastamento de Deus se intensificava, o bem e o justo se dissipavam da consciência, e uns poucos vestígios eram encontrados parcimoniosamente nos indivíduos, para que o homem não fosse completamente consumido por si mesmo, e o caos imperasse nas sociedades, foi-nos dada a lei. Não mais escrita nos corações, onde não havia lugar para ocupar, mas nas tábuas e pedras. Se antes não havia sanções, mas o deleite em executá-las, mantendo-as acessas, sustentando as almas puras, a partir daquele momento elas estavam postas exteriormente, como lastro a reter a maldade interior. Seria bússola a orientar o homem em um caminho de volta à ordem manifestada na vontade divina. Paulo a chamou de “aio”, um preceptor, a educar o homem sem limites nos fins agradáveis a Deus.
A lei não pode jamais ser entendida como um peso, seguida de um castigo doloroso. Ela tem de ser compreendida como outra prova irrefutável do amor divino para com o homem, ainda que os transgressores sejam punidos. A lei se enquadra perfeitamente no escopo da providência: a bondade de Deus para com criaturas rebeldes e indolentes. E é pela lei que a humanidade sobrevive; pelas normas de manutenção da ordem e afastamento do caos. A lei também coloca o homem em seu devido lugar, revelando a sua dependência divina, já que ela procede de Deus, de que o homem não é apenas sustentado por ele, mas é posto na linha, a fim de se manter o mínimo necessário à convivência social, a impedir a extinção radical da espécie; capacitando-os a exalar eflúvios benéficos pelo fortalecimento do bem interior, não completamente arruinado pela queda.
Sim, a lei educa e fortalece aquilo que ainda resta de divino no homem, fazendo com que ele o manifeste, mesmo em pequenas e esparsas porções. O homem é mal não porque seja completamente incapaz de emanar frações do bem, mas por rejeitar o bem supremo, aquele que é o próprio bem, julgando sê-lo outrem ou a si mesmo. Como Agostinho disse, o bem é a ausência do mal, de forma que é impossível ser bom à revelia de Deus, sendo ele essencialmente o bem, a justiça e a santidade.
Como Paulo nos diz sabiamente, a lei divina é um sistema de orientação, nos dispondo, impulsionando-nos à prática do bem, a fim de que o homem evite o pecado, a transgressão, tal qual os sinais de trânsito nos impedem de provocar e sofrer acidentes, se os observamos, não os rejeitando:
“Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro.
Ora, o medianeiro não o é de um só, mas Deus é um.
Logo, a lei é contra as promessas de Deus? De nenhuma sorte; porque, se fosse dada uma lei que pudesse vivificar, a justiça, na verdade, teria sido pela lei.
Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes.
Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar.
De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados.
Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio.
Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.”
[Gl 3:19-26]
Cristo e a Lei
Alguns cristãos reputam a lei como maléfica, como um entrave à santificação e à comunhão com Deus. Tendo em vista o seu caráter obrigatório, uma exigência, entendem ser isso danoso para a vida espiritual do homem. A premissa é, muitas vezes, a de que: se não se é capaz de cumpri-la totalmente, não se deve preocupar em cumpri-la em qualquer de seus preceitos. Ora, essa não é outra senão a heresia do antinominialismo, que defende a vida cristã sem qualquer lei, apelando para a graça absoluta. É claro que a graça é absoluta, pois procede do Deus absoluto, mas estaria o homem dispensado de cumprir a Lei por um mero capricho da graça? Ou seria a graça o fomentador do cumprimento da Lei, de maneira que o homem se aprimoraria no desejo íntimo e sincero de obediência a Deus e à sua vontade? Estaria a Lei alijada da graça e vice-versa? Ou ambas seriam manifestações divinas unidas por sua vontade sobrenatural de nos fazer semelhantes a Cristo? Homens imperfeitos sendo cada vez mais identificados com o Senhor que os salvou, chamou, transformou e santificou? A salvação prescinde o zelo? E a eleição a obediência? Penso, categoricamente, que não!
A alegação de quem defende uma posição de antinomia é de que cumprir a Lei seria farisaísmo, hipocrisia, e uma atitude legalista, manifestações pecaminosas daquele que não tem a graça sobre a sua vida. Acreditam que a graça se manifesta cada vez mais onde o pecado abunda. Tomam de Paulo uma afirmação e lhe dão outro sentido, distorcendo-o, tornando em mentira a verdade, em engano a fidelidade, em morte a vida.
“Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça;
Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor” [Rm 5.20-21]
Este trecho não sanciona o pecado, muito menos o estimula ou anula, como se o homem, debaixo da graça, pudesse abusar dela, tornando-a em desgraça. O apóstolo não está dizendo que quanto mais se peca, mais a graça se manifesta, mas que Deus, em seu amor e bondade infinitos, não levou em questão a multidão de pecados do seu povo, derramando sobre a propiciação dos pecados, ou seja, o sangue de Cristo derramado na cruz nos livra da condenação e separação eterna de Deus. Não é um salvo-conduto para o pecado. Nem o tratar com desprezo ou trivialidade. Muito menos uma forma de incentivo ou ânimo. Paulo está a dizer que onde haveria condenação e punição, Deus nos entregou a sua absolvição. Sendo todo o pecado uma ofensa direta a ele, somente o Senhor poderia nos perdoar e absolver. O duro e feroz julgamento ao qual fazíamos jus, recaiu sobre o seu Filho. Alguém teve de pagar a pena, e não fomos nós. Porque nos era impossível quitá-la. Apenas o Deus-Homem, 100% Deus e 100% Homem poderia realiza-lo; ninguém mais.
Quando Adão cai, todos nós caímos. O pecado nos foi transmitido como por uma doença altamente contagiosa, da qual ninguém a não ser o Santo estava imune. Sim, ainda que fosse uma possibilidade, a de que Cristo pudesse pecar, não havia potencialidade nele para a transgressão, para a rebeldia. Pelo contrário, como ele mesmo disse, viera ao mundo para fazer a completa vontade do Pai, cumprindo toda a Lei, e padecendo como um inocente.
Naquela cruz, o Santo, imaculado, sofreu o castigo que nos pertencia, do qual não poderíamos nos livrar, se o esforço empreendido fosse nosso. Por mais empenho e disposição no sentido de obediência à lei divina, ela estava a nos acusar a todo momento, espetando-nos com sua ponta dura e letal, desferindo golpes mortais na carne e na alma, fazendo-nos definhar pouco a pouco ao seu castigo, à sua implacável justiça.
Com isto, não estou dizendo que a Lei é pérfida ou injusta, mas de que ela, sobretudo, aponta-nos a condição de perdidos, afastados, inimigos de Deus, quando a transgredimos, quando insidiosamente tentamos burlá-la, negligenciá-la, desafiá-la, desrespeitá-la. Assim fez Adão. O homem que deveria cuidar da mulher, de toda a criação, como mordomo instituído por Deus, sucumbiu aos apelos néscios de Eva. Da serpente. Não foi a Lei a instiga-lo, mas a cobiça. Não o preceito a inflamá-lo, mas a soberba e a vaidade. A santidade já não era possível ao coração inclinado à desobediência. A pureza não mais o dominava; a fleuma da concupiscência tomava-lhe o lugar. Nem toda a profusão de bênção e favores dados por Deus seriam capazes de impedir o ingrato de desprezá-lo. Adão olhava o fruto. Apetecia-lhe o fruto. Desejava-o. Não resistiu a tocá-lo. Nem o comer. O cravar-lhe os dentes foi apenas o ponto final de uma longa trajetória de declínio e morte. Não foi o início, mas o desfecho final da tentação, da rebeldia presente nos primórdios do seu desejo.
Adão pouco a pouco se convenceu de que a realidade apresentada por Deus era falsa, mentirosa, e de que a ilusão proposta pela serpente era factível e verdadeira. Não sabemos quanto tempo durou o convencimento para a queda. Segundos, minutos, horas. Talvez dias. O certo é que quanto mais se deixava enredar pela fraude, mais ela se solidificava em seu coração. O pecado se agigantou, tomou-lhe a vida, e não mais era possível resistir, a partir de certo ponto. Adão poderia manter-se fiel a Deus com uma simples recusa: bastaria expor a serpente ao ridículo, lançar-lhe em rosto a sua desfaçatez e ignominia. Como ele poderia se deixar enredar por alguém de quem pouco ou nada conhecia?
Ao contrário, Deus já havia lhe provado quem era, não poderia existir dúvidas de quem era; os seus feitos, a sua bondade, o seu cuidado, misericórdia e providência falavam por si. Era clara e nítida a boa-vontade divina para com o casal; entretanto, negaram ouvir a sua voz, dando trela à serpente [deixando-se enganar] que se viu estimulada a permanecer firme no intuito de destruí-los.
Não é assim que procedemos, negando ouvir a voz de Deus, em favor do nosso eu ou de outro eu? Em disposição, ainda que sincera, de sermos ludibriados? De não reconhecer aquele que é o doador de todas as coisas, que age com infinita misericórdia, para entregar-nos a nós mesmos ao ladrão de corações? O inimigo odioso de almas? Ah, quão triste será para aqueles que se entregaram ao grito estridente de morte do diabo; passar a eternidade em tormento e castigo indescritível com o algoz. Não satisfeito em aniquilar-se, arrogante e presunçoso, arrasta consigo multidões de tolos que se entregam às suas artimanhas. Vê-lo sendo castigo poderá trazer algum alívio, mas não impedirá aqueles que o seguem de compartilhar da sua dor. Não importa em que nível, o flagelo de satanás e seus anjos será o mesmo do homem reprovado. Se o sangue de Cristo não o alcançar, a vara imperdoável de justiça do Pai o flagelará. Apenas o Filho pode livrá-lo da tormenta no inferno; e bom seria se cada um dos homens se apercebesse disso o mais rapidamente possível. Mas sabemos que o coração indolente e obstinado somente poderá reconhecer-se como tal se quebrantando, se esmagado pelo amor de Cristo, o qual nos constrange. A dureza e impertinência da morte tem de ser esmigalhada, pulverizada, pela graça, a fim de que um coração de carne viva.
Se Cristo não o encontrar, o homem jamais será achado. E se perderá definitivamente na própria multidão de pecados. Enquanto as transgressões o sufocam, o imobilizam em correntes de contenção, o desespero antecede a dor, enquanto o verdugo se aproxima, e não lhe restará nada além de lamentar amargamente, ou praguejar estupidamente, pela derrota que tão desleixadamente acalentou, cultivou, em meio aos alertas insistentes da palavra, e à exortação para reconciliar-se, abandonando os caminhos erradios, a fim de seguir os passos de Jesus.
Enquanto Adão for o protótipo do homem, a voz da serpente estará sempre a soar em seus ouvidos, como o sibilar da mais terrível desgraça. E mesmo quando for picado fatalmente, acreditará ouvir o som matinal dos pássaros, como se o despertassem para a vida, quando ela é uma lembrança antiga dos tempos em que o homem vivia no paraíso; mas em sua confusão, desnorteado, era incapaz de retomar o caminho. O único guia e mestre foi desprezado; o cego a acurar os ouvidos ao chamado próprio, ou ao apelo de outro perdido.
[Continua...]