04 junho 2025

Judas, o Obscuro - Thomas Hardy

 




Jorge F. Isah

 

 

Judas é um tipo literário muito próximo de Jó, o personagem bíblico, em suas agruras, aflições e dores. Ao passo em que Jó sofre exatamente por sua fidelidade a Deus, e pelo desejo sincero de retidão e justiça (o que acaba por despertar a maldade objetiva de Satanás), Judas deseja apenas se ver livre das amarras sociais, numa espécie de autonomismo e independência, acreditando que suas decisões cabem apenas e exclusivamente a si mesmo, sem se importar, ou vislumbrar, com as consequências dos seus atos. A liberdade de Judas é pueril e enganadora; e arrasta-o para dentro do “Mal”.

O livro escrito por Thomas Hardy (um entusiasta apaixonado pelas ideias de Darwin) foi escrito em 1895, e carregado do naturalismo em voga, que não deixou de influenciar a literatura. Judas, por mais que tente, ao seu jeito, fugir do destino que lhe é traçado, sucumbe à sua inexorabilidade (referência ao personagem bíblico que traiu Jesus?)¹.

Como não sou de fazer resumo dos livros, também não o farei neste. Apontarei, contudo, o que mais me chamou a atenção, sem fazer spoilers, e sem desestimular o futuro leitor a emprenhar-se nas aventuras e desventuras do protagonista:

1)  Judas tenta “mudar” o seu destino, algo que os naturalistas, e, em especial Hardy, não crê possível. Para ele, Judas será o que é, nascido um pária, morrerá como tal.

2)  Ciente do que lhe espera, Judas apela para um autonomismo impossível, como se pudesse viver no mundo alheio ao mundo, sem que seus atos trouxessem consequências para si e seus queridos. Pouco a pouco, no decorrer da história, parte para a negação de Deus, fazendo do Cristianismo o “bode expiatório” do seu sofrimento. Em uma sociedade cristã, a culpa de todas as convenções e males se deve, portanto, ao Cristianismo, num apelo tresloucado à razão, como sendo-a santa, pura e perfeita; de maneira que, se todos os homens a aplicassem por completo, negando suas crenças e fé, todos seriam felizes. Acaba-se por criar e defender um dualismo “fé x razão” no enredo, o que é, no mínimo, reducionista, simplório.

3)  Hardy não escreveu uma única linha em que não destilasse a sua aversão ao Cristianismo, se não explicitamente (como em muitos diálogos e pensamentos), deixou-os subliminarmente evocados em ações e comportamentos. Porém, o Cristianismo descrito pelo autor é o que podemos chamar de “cristianismo secular” ou “nominal”, onde a aparência cristã é utilizada para justificar o farisaísmo e a hipocrisia do homem. Veja bem, farisaísmo e hipocrisia não são, nem de longe, aspectos do verdadeiro Cristianismo, mas a “máscara” daqueles que o próprio Senhor Jesus denunciou a seu tempo. Talvez, por isso mesmo, o autor escolheu o nome “Judas” para o seu protagonista que, mesmo vivendo por mais de três ano na companhia do Cristo, não se furtou a traí-lo.

4)  Ao fugir das convenções e de aspectos morais que regulavam o convívio social, se viu pagando um preço alto, vivendo como um “cigano”, juntamente com a sua família. O capricho de não querer se enquadrar ao escopo da sociedade colocou-o na situação mais miserável que o enquadramento social lhe destinaria. Em sua rebeldia juvenil e ingênua, acreditava possível passar ileso, sem traumas, quebrando regras. Judas não se considera responsável por si, mas “a chorar as pitangas” contra  o inimigo a destruir-lhe a felicidade: a sociedade; enquanto aplica-se em cavar para si e os seus o caminho de ruina. Este é um aspecto, em que o mal dentro do homem procura uma versão de mal fora de si, e o distrai e afasta do julgamento correto, da seriedade correta, da conclusão correta, onde o relativismo é o tiro certeiro no vazio, e o atirador se convence de ter acertado o alvo, como um Quixote a lutar com monstros e demônios apenas na imaginação.

5)  Outro aspecto, fruto dessa visão vitimista e malévola, inegável em Judas e sua esposa, Sue, é o orgulho e presunção de, ao não se curvarem aos hábitos da sua época, serem superiores aos seus concidadãos. A prova encontra-se nas inúmeras vezes em que exaltavam suas inteligências, raciocínios e um apelo à razão como a essência de todas as virtudes; por conseguinte, sendo os seus detentores, consideravam-se também especiais, enquanto eram apenas jactantes, desdenhosos e antipáticos.

6)  Nem mesmo o sacrifício pessoal, como o do prof. Richard, parece um ato isento de soberba, de autoexaltação obstinada, dominada pela “pureza” racional.

7)  Entretanto, não há como não se compadecer da “má-sorte” e os rumos que suas vidas tomaram. Ao ponto de, sem qualquer esperança, sobrar-lhes a loucura e o definhamento.

Judas, o obscuro, é um livro pessimista, áspero, quase inóspito. Mesmo nos momentos mais ternos e belos, a angústia, dúvidas e desespero estão entranhadas nas palavras, sentimentos e reações. Não é um livro fácil de ler, pois os lampejos de esperança são quase imediatamente dizimados por uma realidade sufocante e cruel, pela teimosia de não mudar ou ceder, e a incapacidade de tornar à vida, de encará-la de maneira menos fatalista, onde a liberdade individual, via de regra, é quase inexistente diante do apelo opressivo e coercitivo do destino.

Entretanto, é possível encontrar momentos de ternura, elegância, acabando por tornar verossímil os personagens e o enredo como um todo.

 A linguagem é simples, sem rebuscamentos. A narrativa parece se arrastar um pouco, especialmente na primeira metade do livro. Contudo, em sua bissecção final, ela flui sem delongas.

Judas, o obscuro é um bom livro? Sim, sem dúvidas. Para estar no rol dos melhores de todos os tempos, como comumente é citado nas grandes listas? Tenho dúvidas. Talvez, precise ruminar ainda um bom tempo a história, e, quem sabe, fazer uma nova leitura, no futuro. Certo é que, tirando a defesa “intransigente” do racionalismo e de um certo determinismo naturalista, a “aversão” ao Cristianismo (criando um estereótipo, uma espécie de espantalho), o livro se sai bem.

_______________________________ 

Notas: 1- Pode-se levantar a questão de que Judas traiu a si e sua família, como alguns apontam, mas não vejo fundamento. Por outro lado, é possível que Hardy tenha se utilizado do personagem Judas, do Novo Testamento, para dizer o quanto o caminho daquele era inevitalmente lúgubre, e, de alguma maneira, não se fez a devida justiça a ele; sua culpa não era inerente mas advinda do contexto social no qual vivia. Alguns teólogos e teóricos liberais concordariam, se não no todo em parte, com essa hipótese. 

_______________________________  

Avaliação: (***)

Autor: Thomas Hardy

Editora: Abril Cultural

Páginas: 461

Nenhum comentário:

Postar um comentário