23 agosto 2010

Quanto à parousia e a verdade







Por Jorge Fernandes Isah

Ultimamente, tenho sido desafiado por alguns irmãos a responder sobre o fato de Cristo dizer que não sabia quando seria a parousia [Mt 24.36]. Confesso que tem me tirado o sono, e cada vez mais me sinto encurralado diante da questão. Por que? Porque, de certa forma, não consegui visualizar Cristo fatiado, dividido ou segmentado em suas naturezas, assim como a Bíblia também não o revela dessa maneira. Mas as atitudes temporais e humanas do Senhor em confronto com sua natureza divina, eterna e imutável, leva-nos a meditar e inquerir em como se dá a comunicação entre elas, de tal forma que Cristo permaneça um só, ainda que tendo duas naturezas; como o Deus-homem permanece uma Pessoa, em que habitam duas vontades e duas mentalidades [1].

Não me furtaria a aceitá-lo como um mistério. Paulo, em várias passagens, nos diz que Cristo é o grande mistério, porém não fala como se fosse oculto, como se não pudéssemos compreendê-lo, mas como algo revelado e tangível pela encarnação do Verbo. Algo que transcende o simples entendimento intelectual, e se acomoda na fé que nos foi dada por Deus. Ou seja, nem tudo quanto à pessoa do Redentor talvez seja explicado e alcançado pela mente, porém ela será convencida pela fé de que os princípios postos na Escritura são verdadeiros, e de que Cristo é real e fielmente descrito por ela.

O que não nos impede de debruçar sobre a Palavra e empreender todos os esforços, esgotando-os, para se chegar ao entendimento do que nos foi revelado por Deus.

Assim não tenho dúvida alguma de que Cristo é tanto Deus como homem, porque esta é a revelação, certamente a mais importante em toda a Escritura. Pela fé, aceito o que não compreendo, mas o que ainda não compreendo busco compreender; se não for possível, pela vontade divina, recebo-o com agrado, como oferta de Deus, porque a minha limitação, incapacidade e imperfeição não podem jamais tornar a verdade em mentira, nem mudá-la ou negá-la. A verdade permanece, mesmo quando não estou apto a interpretá-la.

Parece uma fuga, ou a maneira de se anular a razão, mas não é isso. Simplesmente há coisas que me são por demais intricadas e maravilhosas, e mesmo que eu tenha muita vontade e disposição, não as alcançarei até o dia em que me forem reveladas. É o que nos foi dito: “Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” [Is 55.9]; pois, “naquele dia nada me perguntareis” [Jo 16.23]. O fato é que a minha ignorância não é desculpa nem argumento para não crer na Palavra, nem minha limitação pode desqualificá-la ou restringi-la. Antes, somente é-me possível sair da prisão, das trevas em que o pecado tem-me trancafiado, pela revelação de Cristo: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” [Jo 8.12].

Então, há princípios claramente bíblicos que não posso rejeitar, nem me esquivar, pois assim fazendo-o, estarei pondo em risco não somente a minha fé, mas a minha própria vida. Por isso, somos alertados à prudência, à diligência, ao orar e vigiar, ao buscar em Deus as respostas para as nossas inquietações, ao invés de buscá-las em nós mesmos, em nossa pretensa suficiência. O espírito da auto-suficiência apenas manterá o crente recluso em sua insuficiência, numa espécie de auto-anulação, em que as qualidades requeridas para o amadurecimento espiritual estarão suspensas, tornando a vida cristã um sem-sentido, ou quando muito, um sentido incompleto. É o que Paulo diz: “Com leite vos criei, e não com carne, porque ainda não podíeis, nem tampouco ainda agora podeis; porque ainda sois carnais” [1Co 3.2-3], e ainda: “porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite, e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino” [Hb 5.11-13].

Há um exemplo que tipifica bem o que estou dizendo, ou tentando dizer. Cristo foi aprisionado e levado para diante de Pilatos. O governador queria entender porque os judeus desejavam matá-lo. Então, fez-lhe algumas perguntas, as quais o Senhor respondeu, deixando Pilatos ainda mais intrigado. Em dado momento, perguntou:

“Logo tu és Rei?”

Ao que o Senhor respondeu: “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”.

Pilatos retrucou: “Que é a verdade?”.

Então saiu e foi ter com os judeus [Jo 18.37-38].

Interessante como a incredulidade de Pilatos era tamanha que sequer esperou uma resposta. Provavelmente, porque não acreditava, assim como hoje, que exista a verdade; não uma, duas ou três “verdades” que se conflitam e se anulam, exatamente por serem falsas; como o pensamento nos tempos pós-modernos parece levar a uma realidade fora da realidade. Ele não reconheceu a verdade indubitável, infalível, inquestionável: Cristo.

Pilatos não esperou a resposta; disse, “o que é a verdade?” como o maior de todos os arrogantes e tolos, com desdém, rejeitando não somente a afirmação de Cristo, mas o próprio Cristo. Ali encontramos evidenciado todo o pensamento antropocêntrico, em que o homem, por ser incapaz de compreender e entender a realidade, apenas a despreza por não ser digno de aceitá-la. E se lança do abismo, a espera de um chão que não seja duro, inexpugnável, mas que amorteça a sua queda e acolha-o cuidadosamente. Esse homem já está morto, mesmo antes de chegar ao fundo. É apenas questão de tempo. Por isso o Senhor disse: “porque vos digo a verdade, não me credes” [Jo 8.45].

Como o governador, muitos não querem ouvir. Contentam-se com uma suposta verdade que se revelará aniquiladora; contentam-se consigo mesmos; com o tudo que são e podem fazer, sem perceber que estão não-sendo e não-fazendo, ou se são e o fazem, é para a perdição; pois sem Deus, o que há, é o homem incompleto, abandonado e autoprivado pela humanidade; entregue ao castigo e ao sofrimento autoinfligido. Está escrito: “Como o cão torna ao seu vômito, assim o tolo repete a sua estultícia” [Pv 26.11].

Cristo é a verdade, opondo-se à mentira. Cristo é real, opondo-se à ilusão e irrealidade. Cristo é vivo, opondo-se à morte. Cristo é fiel, opondo-se à traição. Cristo é certo, indubitável, opondo-se ao engano e à dúvida. Cristo é, sem jamais poder não ser.

Quanto à parousia, deixarei para outro dia.


Nota: [1] Relutei muito em colocar esse trecho no texto, exatamente porque ele dá a entender a idéia de que Cristo tenha duas mentes, duas personalidades, etc, o que é falso.  Como não encontrei um termo melhor, seria preferível tê-lo excluído, mas mantive-o por me dar a oportunidade de explicá-lo melhor. 
Por duas mentalidades reconheço duas disposições, dois temperamentos, duas intenções diferentes, distintas uma da outra, ainda que não opostas, não conflituosas, não rivalizantes. Com isso não quero dizer que Cristo tenha duas mentes, duas personalidades ou duas pessoas em um só corpo; mas cada "mentalidade" aqui significa uma disposição, um estado de cada natureza.

16 agosto 2010

O Eterno e Perfeito não pode mudar

















 Por Jorge Fernandes Isah


Deus é imutável. E Cristo?...


Do ponto de vista divino, posso afirmar peremptoriamente que Cristo é imutável; como Deus, Ele não muda [Ml 3.6]. E sua humanidade, também? Muitos dirão que não; Cristo é mutável, porque chorou, riu, entristeceu-se, alegrou-se, angustiou-se, morreu e ressuscitou. Mas, o que isso prova mesmo? Que Ele é mutável? Em qual condição? Por quais motivos?

Definamos o que vem a ser imutabilidade, segundo o dicionário Priberam:

Imutabilidade: s. f. qualidade de imutável.

Imutável: adj. 2 gén. 1. Que não é mudável. 2. Permanente. 3. Inalterável, fixo. 4. Constante.

Em linhas gerais, imutável é aquilo que é; em que não se pode acrescentar nem tirar nada; que não está afeito ao tempo nem a variações; que permanece como sempre esteve; que é em si mesmo, sempre o mesmo. Este conceito está diretamente ligado à eternidade e a perfeição, pois o imutável não pode melhorar ou piorar em sua condição perfeita e eterna.

Portanto, Deus é imutável exatamente porque é eterno e perfeito; Ele existe em si mesmo, e foi quem disse: “Eu sou o que sou” [Ex 3.14].

Sabemos que Deus decretou todas as coisas e a sua vontade se realizará irrevogavelmente: “Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras” [At 15.18]. Assim, entendendo-se que as duas naturezas de Cristo não se conflitam, mas colaboram uma com a outra, estando a natureza divina em preeminência em relação à humana, podemos dizer que a humana está subordinada, condicionada, e à serviço da divina. Mas, e se a natureza humana de Cristo não for derivada do homem, ao contrário, a natureza do homem é que for derivada de Cristo? Ou seja, eternamente Ele é Deus e homem, de tal forma que aquilo que nos foi dado através de Adão, no Éden, foi-nos entregue como parte da essência de Deus para nós. Essa é uma conjectura com a qual a maioria dos cristãos, para não dizer a unanimidade, não aceitaria, porém, não vejo onde a Escritura poderia negá-lo, a priori.

Mas voltemos ao decreto eterno. Deus, ao pensá-lo uma única e decisiva vez, preordenou os atos, sentimentos e decisões de Cristo-homem. Portanto, como nós, Cristo tem seus pensamentos, vontade e ações sujeitos a Deus. Nem Ele, nem nós, nem nenhum aspecto da criação são mutáveis, do ponto de vista divino. Explico: o homem é imutável, pois realizará e será exatamente aquilo que Deus planejou que fosse, ainda que no tempo esteja sujeito a mudanças, contudo, elas não são imprevisíveis, surpreendentes, desconhecidas de Deus; nem tampouco acontecem aparte dEle, autonomamente ou decorrentes de uma vontade independente, livre de Deus. Para Ele, cada fio negro da minha cabeça que se torna branco cumpre rigorosamente o seu decreto eterno, da maneira como planejou. Uma ruga nova, um quilo a mais ou a menos, ou qualquer outra alteração física, emocional e espiritual jamais ocorrem livremente, sem que Deus haja ativamente para que se realizem. Assim, não é impossível dizer que o homem, em seu caráter mutável, cumpre rigorosa e meticulosamente a imutabilidade preordenada e determinada pelo Criador.

Para Deus, as mudanças são eternas e imutáveis.

Com isso, não estou colocando Cristo, mesmo a sua parte humana, como elemento da criação. Posso garantir que a sua parte material, o corpo, foi criada: ele nasceu, cresceu e morreu. Quanto à essência humana, a sua humanidade [1], deixá-la-ei em aberto, por enquanto.

De Cristo, podemos dizer que é verdadeiramente imutável; ao contrário de nós, não teve quem o sujeitasse a torná-lo no que é, porque Ele é, sempre! Como disse de si mesmo: “Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou” [Jo 8.58]; e ainda: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso” [Ap 1.8]. Ele é eterno, mesmo na possibilidade de sua natureza humana ser herdada de Maria, sua mãe; mesmo que seja da carne e do sangue de Davi; mesmo como descendente de Adão. Pois quem determinou que assim fosse? Não foi a pessoa do Cristo, em unidade com a pessoa do Pai e do Espírito Santo? É como Paulo diz, referindo-se a Ele: “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” [2Tm 1.13]. Infelizmente, há quem tente negá-lo, fazendo-o meramente homem, ou um super-homem, com poderes concedidos pelo Pai; um Cristo bem ao gosto dos monarquianistas [2], apenas uma manifestação de Deus, não uma Pessoa divina, autosuficiente e consubstancial com as demais pessoas da Trindade.

Para Deus não há mutabilidade nas coisas, há mobilidade, no sentido de que elas correrão para um lado ou para outro, numa ou noutra direção, sempre segundo a sua imutável vontade. Acontece que, por sermos finitos e imperfeitos, e estarmos no tempo, vemos o andamento e o desenrolar dos fatos em sua progressão, e até mesmo em sua regressão. Como já disse em algum lugar, a realidade para Deus é móvel, mas imutável, não se arredando uma fração de milímetro do seu plano determinado; enquanto, para nós, é móvel e mutável. Deus a vê completa e infalivelmente acontecendo por sua vontade. Nós estamos nela, sem saber o que ocorrerá um segundo depois, sem explicar como aconteceu um segundo antes. Enquanto falíveis, a realidade é infalível, porém, ambos são inevitáveis, realidade e o homem, porque Deus assim quis; como manifestação da sua vontade imutável. As mudanças, ao acontecerem, não indicam que Deus mudou, porque Ele não muda, nem seu plano muda, nem há nele "mudança nem sombra de variação" [Tg 1.17]; mas simplesmente o curso dos acontecimentos mudou, dentro do plano eterno e imutável, cumprindo-se por sua autoridade e poder.

Então, a criação, como um todo, seja inanimada, animada ou espiritual, é imutável em todos os seus aspectos aos olhos do Senhor, o responsável por dar-lhes existência, conduzindo-as aos termos por Ele organizados. A realidade é de que tanto o planejamento, como a execução, causas, conseqüências, e os fins alcançados, somente são possíveis pelo controle pessoal e autoritativo de Deus ao estabelecê-los.

É impossível dizer que Cristo apenas “recebeu” a natureza humana ou dela se apropriou; na verdade, foi planejada e cumpriu-se eternamente por sua própria vontade, em si mesmo. Desta forma, ao encarnar-se, assumindo a forma humana, no tempo, o seu nascimento, crescimento, emoções e sentimentos, não podem jamais ser prova da sua mutabilidade, pois o que é, sempre foi, no sentido de que sempre soube o que seria, e levou a termo realizá-lo temporalmente, ainda que exista antes da fundação do mundo: “Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai” [Jo 10.17-18].

O eterno e perfeito, não pode mudar.

Cristo, em sua eternidade e perfeição, é imutável.


Notas: [1] Por essência humana, entendo ser aquilo que faz com que o homem seja o que é; aquilo que constitui a sua natureza e o diferencia das demais criaturas, tanto físicas como espirituais, sem o que ele não seria o que é.
[2] Monarquianismo e suas variantes, como o sabelianismo, em linhas gerais, afirmam que Cristo era apenas humano, podendo ser revestido pelo Espírito Santo, ou apenas o "invólucro" no qual o Pai se projetava, se revelava, como o Filho.

08 agosto 2010

Cristo não-dual
















Por Jorge Fernandes Isah

Em nenhuma passagem da Escritura temos a apresentação de Cristo como um ser dualista, onde duas personalidades se apresentam de maneira conflitante, quase a se digladiaram entre si, disputando a primazia, o controle do mesmo corpo. Infelizmente, muitos acreditam ser Cristo um ser dual, onde uma de suas naturezas, ao se manifestar, encobre, isola ou anula a outra. Não há nada que nos leve a essa compreensão. Pois seria possível o Deus ser anulado pelo homem? Ou isolado por ele? Ou Deus estaria simplesmente usando a matéria para manifestar-se humanamente? Quando Paulo nos diz para ter a mente de Cristo, a quem se refere? Quando chamados a ser santos como Ele, a quem se deve imitar? Ao adorá-lo, bendizê-lo, glorificá-lo, estamos separando-o, de tal forma que apenas uma parte será o alvo do louvor? Na eternidade, seremos chamados à glória de quem? E mais, quem nos resgatou? A própria idéia de uma parte de Cristo, a fragmentação de sua Pessoa, por si só deve ser prontamente rejeitada, como um absurdo; e mais do que isso, uma perversão da verdade. Acontecer de se olhar para determinada atitude do Senhor e considerá-la como sendo do homem, enquanto outra é de Deus, faz-nos defender, ainda que inconscientemente um “Cristo” não-Cristo e jamais revelado, posto estar em flagrante oposição a tudo o que a Palavra declara de si mesma [1].

Há de se entender que a nossa imperfeição e má-interpretação nos levará a segmentá-lo como se estivéssemos diante de dois seres, como se dois “Cristos” habitassem o mesmo corpo; como irmãos siameses a espera de serem separados. Porém, é-se impossível dividi-lo, mesmo que alguns se esforcem em fazê-lo. A Bíblia não o trata assim, antes reafirma a sua unidade, como ser indiviso, uma só personalidade, um Cristo apenas; Deus e homem é verdade, mas coexistindo harmoniosamente, sem conflitos, sem disputas, sem incoerências, sem dualismos. Parece-me inadequado, impróprio e leviano dizer que certa ação é do Cristo-homem, enquanto outra é do Cristo-Deus. Cristo é um, e age segundo a sua unidade pessoal, não segundo uma suposta divisibilidade em si mesmo. Ao se dizer que isso é do homem, e isso é de Deus, fazemo-lo um ser duplo, com dupla personalidade, com dupla pessoalidade, duas mentes, dois seres vivendo no mesmo físico, o que, por si só, seria indicativo de imperfeição; quando não do ser esquizofrênico, da Palavra que falha em não se referir a nada ou alguém parecido com ele.

Os apóstolos e os discípulos do Senhor viam-no como homem mas também como Deus em cada uma de suas atitudes, ainda que algumas delas pendessem mais para um lado do que para o outro, sob o nosso olhar limitado e imperfeito, a partir de uma compreensão reducionista. Contudo, pelo testemunho bíblico, não há sequer a alusão de que fosse duas pessoas, nem mesmo distinguiam suas ações. Também para Cristo, ele era tanto um como  outro, o que até mesmo os seus inimigos perceberam e admitiram, ao ponto em que planejaram e executaram a sua morte na cruz. Com isso, não quero dizer que eles creram nele, mas reconheciam que ele se proclamava Deus, sendo homem.

Certa vez, Ele disse, respondendo a uma acusação dos fariseus: “Ainda que eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei de onde vim, e para onde vou; mas vós não sabeis de onde venho, nem para onde vou” [Jo 8.14].

Claro que Cristo não está a falar apenas como homem, nem apenas como Deus, nem se referindo a qual parte dele veio do céu ou para lá voltaria, nem qual parte testemunhava de si mesmo ou não; nem qual parte era verdadeira ou não. Temos a nítida idéia de unidade, de que as suas duas naturezas não são distintas nem distinguidas [de que não as distinguia], nem ele fala de uma como se não falasse da outra. Para ser mais especifico, Cristo não faz qualquer alusão a um lado divino e outro lado humano, dissociado da sua pessoalidade.  Ele era um, e se proclamava legitimamente como sendo um. Não o vemos dizer: “Eu, como Deus, vou para o Pai”, ou: “Eu, como homem, não vim do céu”, ou ainda: “Eu como Deus não morrerei por vocês, mas apenas como homem”. Ele se assume tanto homem como Deus, em unidade. Com isso, não quero dizer que Deus morra, porque a morte é impossível para Deus; não há como ele se separar de si mesmo, enquanto, para nós, a morte significa a separação de Deus. Da mesma forma que acontecerá conosco, aconteceu ao Senhor, que se separou do corpo, da parte material, ressurgindo com novo corpo, glorificado. Desta forma, ascendeu aos céus, e está sentado  à direita do Pai. 

Assim, também nós, os salvos em Cristo, unidos a Deus, jamais seremos separados dele; haverá apenas a morte do corpo, cuja terra haverá de dar conta, o qual será glorificado, assim como o foi o do Senhor. Em todos os aspectos, tanto o humano quanto o divino não se separaram, pois não podem se separar sem que Cristo deixasse de ser Cristo. E assim como Deus não pode deixar de ser Deus, também Cristo não pode deixar de ser o que é. Quando alguém diz que a humanidade morreu na cruz, dizemos que houve separação, e se houve, Cristo não é mais o mesmo. Ainda que seja unido novamente na ressurreição, em algum momento e aspecto deixou de ser o que era. Portanto, defendo que, na cruz, houve a separação do imaterial e do material na morte; sendo sepultado o corpo; sendo ungido com bálsamos o corpo; o que esteve três dias no sepulcro foi o corpo; o que ressuscitou foi o corpo. Cristo esteve sempre uno, Deus e homem, inseparáveis. Senão, como poderia dizer: “Eu sou”? E isso nos leva à questão da imutabilidade, mas essa é outra história. Para outra hora, quem sabe...

O certo é que, qualquer tentativa de dividi-lo, representará em teologia fragmentada e não-cristã, por conseguinte, não-bíblica. E à conclusões que, se não inviabilizam o Cristo, o tornam em um quase-Cristo, ou seja, em um não-Cristo. E Cristo é, sem jamais deixar de ser, porque é eternamente, ontem, hoje, sempre.


Nota: [1] Cristo também é chamado de a Palavra, conforme 1João 5.7; porque o Evangelho é de Cristo, e podemos dizer que o Evangelho é o próprio Cristo.