25 junho 2011

O julgamento de Deus*




















Por Jorge Fernandes Isah

         Se há um absurdo, esse é o de se transferir para Deus a responsabilidade que nos pertence. Em nome de uma pretensa liberdade humana, que nada mais é do que a liberdade de ser livre de Deus, ou autonomia humana, ou a liberdade da indiferença, os proponentes dessa idéia de liberdade, sem a qual não haveria responsabilidade, ao ver deles, transferem-na para Deus quando confrontados com inúmeras passagens bíblicas que afirmam a plena e completa soberania divina. Mais que um disparate, fruto da incompreensão e distorção de conceitos escriturísticos, essa tentativa de defesa é um ultraje.
         O argumento é mais ou menos o seguinte: se Deus escolheu e decidiu tudo, então não se é culpado de nada, logo não se é responsável, e se houver culpa e culpados, Deus é injusto. Aparentemente se tudo, inclusive a ação humana, é determinada pelo Todo-Poderoso, então o homem não pode ser responsabilizado por nenhum dos seus atos, estando desde já inocentado pelo que faz ou vier a fazer. Nesse molde, o argumentador conclui o mesmo que o interpelador de Paulo: “Por que se queixa ele [Deus] ainda? Porquanto quem tem resistido à sua vontade?” [Rm 9.19]. Se tudo foi decretado, até mesmo os mínimos detalhes, pensamentos e desejos, como se pode ser responsabilizado pelo que se faz? Já que ninguém pode resistir-lhe, por que ainda se queixa contra nós? Não seria Deus injusto ao nos condenar por fazer aquilo que não temos como evitar? Que nos é impossível resistir? E que não temos como não realizar? Sem chance alguma de fugir da realidade pré-ordenada? Como ser responsável se não há liberdade na escolha?
       Há de se analisar alguns pontos:
      1)Responsabilidade não pressupõe liberdade, de tal forma que ninguém pode ser livre de Deus simplesmente porque, como diz a Escritura, é ele quem opera em nós tanto o querer como o efetuar segundo a sua boa vontade [Fp 2.13]. Por querer, entende-se a vontade de, ter a intenção de, almejar, anelar, intentar algum ato. Por efetuar, levar a efeito, consumar, realizar ou fazer determinado ato. E o que significa isso? Deus, do alto de sua autoridade como único legislador e administrador do mundo, decretou, ordenou e exigiu que todas as coisas se cumprissem segundo a sua vontade; porque “fez tudo o que lhe agradou” [Sl 115.3].
       É o que Jó também diz: “Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem então o desviará? O que a sua alma quiser, isso fará. Porque cumprirá o que está ordenado a meu respeito, e muitas coisas como estas ainda tem consigo. Por isso me perturbo perante ele, e quando isto considero temo-me dele. Porque Deus macerou o meu coração, e o Todo-Poderoso me perturbou” [23.13-16].
     Jó não vê a chance de sequer argumentar com Deus; de tentar dissuadi-lo de abandonar o seu propósito eterno; até porque reconhece que o Senhor ordenou tudo a seu respeito, e de que tudo ordenado se cumprirá infalivelmente. E quando considera essa situação,    ao invés de se revoltar ele teme e se perturba, porque tudo o que o Senhor quiser, assim fará, independente do homem ser livre ou não, porque como está escrito, não depende de quem quer ou quem corre, mas de Deus querer ou não [Rm 9.16]. Ao ponto em que Jó teme e se perturba, pois sabe impossível não acontecer o que Deus decidiu, e ele não arvora para si nenhuma inocência ou não-responsabilidade, e reconhece que Deus o macerou. Macerar aqui tem o significado de sujeitá-lo, de submetê-lo à vontade divina, colocando-o completamente sob o seu domínio. E mesmo se considerarmos o termo como sinônimo de dilacerar, afligir, não estaríamos errados, pois parece ser também esse o sentimento de Jó ao reconhecer-se perturbado.
      2)O livre-arbítrio ou libertarismo propõe que os indivíduos escolhem, agem e são moralmente responsáveis pelas suas escolhas e ações, e para isso é necessário que ele possa escolher fazer “A”, mas também possa evitar e não escolher fazer “A”. Ele teria o que se chama de “controle duplo da vontade”, de se poder ir para uma decisão ou outra pela “liberdade da indiferença” ou seja, a capacidade de escolher entre duas alternativas sem  inclinação ou tendência tanto para uma como para outra. Partir-se-ia da neutralidade, da isenção, sem qualquer coerção externa ou interna. Isso é simplesmente impossível, pois nenhuma decisão é neutra, e nem é possível sê-la [1]. Acontece que todos os homens, sem exceção, “se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” [Rm 3.12]. Ora, estando debaixo do pecado, como se pode ter a mesma capacidade de escolher entre o bem e o mal? Entre o certo e o errado? 
       3)A melhor definição para responsabilidade é a que define-a como a obrigação de responder pelas ações próprias; o dever de dar conta de alguma coisa que se fez ou mandou fazer. Em linhas gerais é imputar, atribuir acerto ou erro a alguém pelo que se faz, pelos atos que praticou. Não há implicação em se ser livre para se ser responsável. Ainda que os elementos objetivos ou subjetivos que o levaram a tomar a decisão estejam implícitos na decisão. Ela não aconteceu por si só, mas pela vontade do indivíduo. Mas essa vontade não é livre, nem livre de causação. De tal forma que a causação ou coerção sobre a vontade do homem não elimina a sua responsabilidade.
      Com essas idéias em mente, por que o defensor da liberdade humana, para se ser moralmente responsável, diz que não havendo liberdade o homem não pode responder por seus atos? E se for, Deus é injusto?
     De certa forma, esse advogado defende uma causa errada, porque Deus, e não o homem, é quem estabeleceu o que é justo e injusto, o que é certo e errado, o que é bom e mau, e assim todas as coisas são ordenadas conforme a sua sabedoria, sem que nada possa escapar ao seu juízo. O que acontece é que ele não está disposto ou inclinado a reconhecer a verdade. Com isso não estou excluindo-o do rol dos santos. Não é isso. Há equívocos, e mesmo os grandes heróis da fé os cometeram: Noé, Abraão, Davi, Pedro, João, etc. E nem por isso foram eliminados da fé uma vez dada aos santos [Jd 3]. O que estou a dizer é que, de alguma maneira, a verdade é-lhe tão dura, inflexível, humilhante e dolorosa que prefere se contentar com a mentira ou com uma falsa-verdade. E ele é responsável por isso, não Deus; mesmo que esteja fazendo-o com a melhor das intenções: absolvê-lo de ser o autor do mal.  
     Quando o determinismo bíblico é levantado, e a questão da liberdade versus responsabilidade deixa de estar na esfera humana para se encontrar na esfera divina, as coisas se tornam claras, e fica evidenciada a verdade bíblica. O determinismo bíblico é comumente confundido com fatalismo, que nada mais é do que “forças” indefinidas como o destino, o azar, a sorte, o acaso, etc, agirem e determinarem todas as coisas. O fatalismo é aleatório, injusto, imperfeito e não tem nenhum caráter onisciente e providente. Já o determinismo estabelece que Deus é quem ordenou e decretou todas as coisas no universo, de tal forma que elas acontecem por sua sabedoria, santidade e perfeição, segundo a sua vontade, uma vontade providente que levará a cabo o final decidido e fixado por ele no transcorrer do tempo e da história. Enquanto o fatalismo é impessoal, o determinismo é pessoal. Enquanto o fatalismo é imperfeito, o determinismo é perfeito. Enquanto o fatalismo é indefinido, não tendo uma causação delimitada, o determinismo tem como causa primeira o próprio Deus, e por ele é posto em execução.
       Mais do que buscar um sentido moral no homem, o sentido moral está no Todo-Poderoso o qual estabeleceu o que venha a ser moral e imoral, bem e mal, certo e errado, verdade e mentira... E isso tem-se de entender: por mais que se queira proteger a Deus, não podemos ser tolos ao ponto de considerar que alguma coisa pode ter sido criada alheia à sua vontade, ou sem que quisesse. Se tal ocorresse, não estaríamos a falar de Deus, mas de deuses. O fato de todas as coisas existirem, e nelas incluídas o mal, o pecado, satanás e seus demônios, o inferno... acontecem por deliberada resolução divina. Não passiva, mas ativamente. Não que um problema tenha-lhe sido colocado nas mãos para resolver sem que esperasse ter de resolvê-lo, mas todas as coisas existem por sua vontade e estão postas diante de si mesmo antes de existirem; muito antes de haver o problema, Deus já tem pronta a solução.
       Então se Deus determinou tudo, como o homem pode ser considerado responsável por aquilo que fez, mas que não poderia deixar de fazer?
      Foi assim que um inquiridor cínico interpelou Paulo: “Por que se queixa ele[Deus] ainda? Porquanto quem tem resistido à sua vontade?”. Ao que Paulo respondeu: “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição. Para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou...?” [Rm 9.20-24].
      Não há a menor chance de tentar fazê-lo responsável pelo que somos ou realizamos. A alegação de que algo foi feito sob coerção impossível, visto vir do decreto e da determinação de Deus em nada ajudará o indivíduo, nem poderá absolvê-lo. Usar essa desculpa não o fará inocente diante de Deus. A culpa está no ato praticado, e quer se queira ou não, fazemos o que queremos, pois o fazemos. Se os nossos atos estão em comunicação direta com a nossa vontade, a qual decidirá efetivamente o que se tornará real, não importa se a vontade é dirigida ou não; importa que o faremos por querer, e assim procedemos em cumprir a nossa vontade. A coerção é um detalhe irrelevante, visto Deus condenar o homem não por ser constrangido ou não, mas por praticar o mal. Se praticar o mal, por coerção, o que determinará a condenação será o ato praticado. Se praticar o mal, sem coerção, o que determinará a condenação será o ato praticado. Seja um ou outro, o que definirá a culpa ou não será se o homem transgrediu ou não transgrediu a Lei de Deus. Portanto os homens ficarão sempre indescupáveis, pois tendo o conhecimento de Deus, “não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu” [Rm 1.21].
      Porém, há um agravante. Quando julgamos a Deus [“Por que se queixa ele ainda?], incorremos novamente na completa impossibilidade de nos tornarmos desculpáveis diante de dele, pois, “és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro, fazes o mesmo” [Rm 2.1]. Se Deus aqui julga os hipócritas, aqueles que condenam os que fazem exatamente o que eles mesmos fazem sem que profiram condenação a si mesmos, o que dirá daqueles que pretendem, ainda que inconscientemente, julgar o Senhor? Se tornarão indesculpáveis, condenados pelo próprio pecado, pelo ato de supor ou formar um conceito errôneo a respeito de Deus, e de quererem enquadrá-lo em seu esquema imperfeito e injusto. Acusar o Senhor disso ou daquilo em nada facilitará as coisas para o homem, pois não somos responsáveis segundo o nosso padrão, nem seremos julgados por ele, mas exclusivamente por aquele que tem toda a autoridade e poder para julgar.
       Deus pode condenar? Sim. Pode absorver? Sim. Criou as regras? Sim. Há outro julgamento igual ou mais perfeito que o dele? Não. Há possibilidade dele errar? Não. De ser injusto? Também, não. Então, por que não se reconhece que, sendo Senhor e Criador de todas as coisas, pode controlar nossas decisões? E de que, mesmo sob o seu controle, continuamos responsáveis pelo que fazemos? O princípio da responsabilidade está na autoridade divina e não na liberdade, porque o homem jamais será livre de Deus, mas Deus sempre será autoridade sobre o homem. E ninguém poderá alegar injustiça, porque Deus não é injusto [Rm 9.14]de maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus” [Rm 14.12].

Nota: [*] Texto publicado originalmente em em 04.10.2010, aqui mesmo, o qual reproduzo juntamente com os comentários à época, sempre mais esclarecedores que o próprio texto. Como estou escrevendo outro  que tem semelhanças com este assunto, considerei a sua republicação, como uma introdução.
[1] Para saber mais sobre a incoerência do livre-arbítrio, clique AQUI

17 junho 2011

Disciplina & Sofrimento [Pregação sobre Salmo 30 - última parte]



Por Jorge Fernandes Isah

Continuando a meditação no Salmo 30 [leia a primeira parte], dissemos na semana passada que este é um cântico de louvor e agradecimento, mas também de súplica, de clamor de Davi a Deus.

Os quatro primeiros versos foram de agradecimento a Deus por tê-lo livrado das mãos de seus inimigos. De forma que ele conclamou todos os santos a bendizer e louvar o Senhor.

No verso 5 é-nos dito que mesmo passando por tribulações e dores, Deus age em nossos corações trazendo a certeza da esperança, a confiança de que um dia nossas lágrimas serão enxugadas.

Chegamos então ao versículo 6: "Eu dizia na minha prosperidade: Não vacilarei jamais". Davi reconheceu a sua presunção e autoconfiança, nos dias em que não havia aflição, nem angústia, nem privações; de que pelo seu esforço, capacidade e dons, não cairia dessa condição. Ele se orgulhava do quanto havia conquistado, de como era próspero e não necessitava de nada.

Aqui temos o relato de um homem que, em sua soberba, reputou que não seria abalada a sua felicidade. Ele se considerou autônomo, independente, de tal forma que não considerou que tudo o que tinha era pelo favor de Deus para consigo mesmo.

Provavelmente Davi se considerou um homem forte, inabalável, poderoso, rico, trazendo-lhe a falsa ideia de que tudo o que conquistou era fruto exclusivamente do seu talento em obtê-los. Entre todos os pecados, o seu maior pecado, o qual confessou neste verso, foi acreditar na sua independência de Deus, não reconhecendo que o Senhor era quem, por sua providência, havia tornando-o em um homem próspero.

Vejamos o que Paulo tem a nos dizer em 2 Co 12.

Paulo foi arrebatado até o paraíso, e lá ouviu, como mesmo disse, "palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar" [v.4]. Provavelmente, Paulo se orgulhou de ser escolhido para ver e ouvir o que viu e ouviu no paraíso, e que mais ninguém viu e ouviu. Talvez tenha se considerado um homem especial, até mesmo um super-homem, envaidecido-se, e se ensoberbecido com o privilégio que havia recebido de Deus.

Por isso, Deus lhe deu um "espinho na carne", um mensageiro de Satanás para o esbofetear, a fim de não se exaltar [v.7]

Foi o que Deus fez com Davi. Fortaleceu-o, fez forte a sua montanha, para depois encobrir dele o seu rosto. Deus acrescentou à vida de Davi tudo o que era-lhe necessário e muito mais, de forma que ele se sentiu como uma montanha, inexpugnável.

Então, Deus retirou-lhe o favor, como se o deixasse à própria sorte, de maneira que Davi se perturbou, e pode reconhecer a dependência que tinha de Deus [v.7].

Foi necessário que Deus disciplinasse Davi, porque ele disciplina aquele que ama, como está escrito: "Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho" [Hb 12.5-6].

O salmista pode então reconhecer que era fraco, que nada do que supunha ser pelo seu poder era-o de fato. Pode reconhecer que sem Deus, sem a sua providência, misericórdia e graça, ele não passava de um homem "desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu" [Ap 3.17].

Ele suportou a correção, porque estava sem disciplina; e, por isso, clamou e suplicou a Deus por misericórdia, para que Deus retirasse o castigo, tirasse a vara dos seus lombos: "A ti, Senhor, clamei, e ao Senhor supliquei" [v.8]
Assim como ele, Paulo também orou três vezes a Deus para que o "espinho" fosse desviado dele [2Co 12.8].

Davi, novamente, se sentiu como morto; havia a iminência de morte, pois ele reconheceu que sem Deus, a vida não é possível; a vida é impossível; sem Deus, ele não passaria de um inútil, carne e sangue e ossos mortos, lançados numa cova, e que não teriam proveito algum [v.9].

E, ao fazê-lo, reconheceu a sua pequenez, e de como fora tolo por considerar a sua força aparte de Deus; e constatar que a vida está presente no homem somente quando ele tem comunhão com Deus, somente quando ele o serve, em adoração e louvor; em Espírito e em verdade.

Creio que Davi quis dizer o mesmo que Paulo, ainda que não tenha usado as mesmas palavras do apóstolo: "Fui néscio em gloriar-me" [2Co 12.11]. Por isso, ele clamou a Deus para que lhe fosse devolvida a vida, pois estava morto em si mesmo, e, assim, como poderia adorá-lo e louvá-lo? Como anunciaria ele a tua verdade? [v.9].

Mais uma vez, o salmista clama a Deus por vida, pelo perdão, pela misericórdia, para que Deus se apiedasse dele e, enfim, o auxilasse, e o curasse: "Ouve, Senhor, e tem piedade de mim, Senhor; sê o meu auxílio" [v.10].

Um pequeno aparte: Davi nos deu o testemunho de como devemos estar dispostos e prontos a nos arrepender diante de Deus, constantemente, a cada momento, por nossos pecados, buscando o seu perdão.

O fato de nos considerarmos fortes e suficientes em nossa convicção de que jamais cairemos, como o salmista acreditou, apenas nos fará reconhecer a queda depois que quebrarmos a cara no chão.

Paulo nos diz, sabiamente, que "aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia" [1Co 10.12].

Davi tomou um tombo enorme; ele caiu do alto da sua presunção, do alto do seu orgulho e arrogância, e não viu o chão até bater-lhe a cara. Mas, ao invés de praguejar e murmurar, colocando a culpa em Deus, reconheceu o seu erro e a necessidade de se arrepender.

Num momento, em que, cada vez mais, os cristãos estão indolentes, insensíveis, diante da obrigação de cumprir os preceitos divinos; cada vez mais queixosos e rebeldes; cada vez mais orgulhosos e abusados em cobrar de Deus seus supostos direitos, o salmista nos deu um grande exemplo de submissão e de aceitação das suas fraquezas. Não por estar resignado a elas, como se dissesse: "Sou assim, não posso fazer nada! Vou-me conformar com o que sou e viver o que sou. Nasci assim, vou morrer assim".

Esta é a fala de um tolo, do estúpido, que ao invés de se arrepender e buscar a graça divina, contenta-se em se exaltar e se conformar em seus próprios pecados. Como se  o pecado pudesse ser bênção, aceito e não rejeitado. Pelo contrário, Davi, ao compreender suas fraquezas e desatino, pode se alegrar no sustento que Deus lhe deu, em como o fortaleceu, de tal forma que se cumpriu nele a palavra de que o Senhor transformaria todo o pranto em gozo, e em lugar da tristeza daria consolo e alegria [Jr 31.13].

É o que o salmista nos diz no verso 11: "Tornaste o meu pranto em folguedo; desatastes o meu pano de saco, e me cingiste de alegria".

É possível que, mesmo no sofrimento, nas tristezas, em nossas fraquezas, possamos glorificar e louvar a Deus por elas. Porque nelas temos a prova da nossa fé, purificada, mais preciosa do que o ouro, por amor de Cristo [1Pe 1.6-7].

Aqueles que precisam dos sinais para se ter fé, na verdade, não a têm, porque a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem [Hb 11.1].

Assim, Paulo nos diz:

“De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” [2Co 12.9-10].

Nem sempre as aflições e angústias da vida vêem por causa de um pecado específico. Nem sempre são punições por algum erro específico. Certo é que, como pecadores, deveríamos sofrer não somente os castigos incessantes, mas a pior de todas as punições: não ter comunhão com o bom Deus. Não temos direito à paz, à felicidade, ao gozo e à alegria. Isso não nos pertence por direito. Mas nos é dado por Deus pelo seu favor, por sua graça e infinita misericórdia. Pelo amor com que nos amou; o amor pelo qual deu o seu Filho unigênito para nos resgatar para si.

Não temos direito algum a não ser o direito à morte. Mas pela eterna bondade de Deus foi-nos abolido esse   direito; na cruz, Cristo pagou por nossos pecados e passamos a ter, por sua exclusiva graça, o direito à vida que não tínhamos.

Davi e Paulo foram afligidos por causa da tolice humana, a mesma tentativa iniciada no Éden e que nos quis alçar ao nível de Deus, e até mesmo nos colocar em seu lugar, nos fazendo como ele. Foi assim com Satanás e seus demônios. Foi assim com Adão e Eva. Foi assim conosco. Mas como o apóstolo nos disse, quem somos nós para dizer a Deus o que ele deve fazer? Ouçamos a sua voz: "Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele e para ele, são todas as coisas; glória, pois a ele eternamente. Amém" [Rm 11.34-36].

Muitas tribulações acontecerão na vida do crente; e nem todas entenderemos, mas em todas Deus tem um   propósito definido, santo, perfeito. E qual é ele? Nos santificar, nos conformar à imagem do seu Filho Amado, Jesus Cristo, o qual foi rejeitado, desprezado e homem de dores [Is 53.3]. Se o Senhor sofreu, sem merecer, o justo pagando pelos injustos, por que havemos de reclamar do sofrimento quando somos injustos e merecemos o justo castigo?

Mas, é quando o Senhor entra em ação, e nos liberta da injustiça, fazendo-nos justos pela justiça de Cristo.   Para que, como Davi, não nos calemos. Para que, mesmo fracos, como Davi, sejamos fortes. Para que o louvemos, como Davi. Para que, como Davi, a glória que nos foi dada por Deus seja para o louvor do seu nome; e, para que nele, o nosso coração se regozije, e a nossa carne e espírito repousem seguros em tuas santas e benditas mãos.
  
Sermão pregado em 01.06.2011, no Tabernáculo Batista Bíblico