13 dezembro 2021

O Éden Perdido, em "Este Lado do Paraíso", de F. Scott Fitzgerald

 



Por Jorge F. Isah


         “Este Lado do Paraíso” é um livro com o qual tinha grandes expectativas. Primeiro, porque Fitzgerald escreve de maneira fluída, envolvente e num ritmo quase que embalado pelo Jazz nos salões dançantes da “geração perdida”, entre passos frenéticos e quadris requebrados na velocidade de 24 quadros por segundo. O seu estilo está ali, já desde o primeiro livro, e por esse motivo, as expectativas se cumpriram.

     Entretanto, a história me pareceu um emaranhado de pequenas histórias conectadas pela presença de Amory, o personagem principal. Não raro é possível se perder em meio à narrativa, e dispersar-se, pois não existe uma “continuidade”, ou melhor, sequência na temática apresentada. Mas é um livro inovador ainda hoje, imagina em sua época; com poesias, diálogos teatrais, cartas e formas de escrita que se mostram ousadas e entremeiam o texto (para alguns apenas experimentais sem muito controle), quase que jogadas aleatoriamente; eu disse “quase” e não quero dizer que foram. A impressão é de o autor possuir trechos diversos e os juntou no livro, criando uma ligação a partir do protagonista e uma narrativa central. Mas isso significa que o livro é ruim?... Longe disso! 

     O relato se baseia na vida de Amory Blaise, do nascimento até os seus vinte e poucos anos. É o retrato da geração dos anos 1920, em que a aristocracia rural dava lugar aos grandes industriais e investidores metropolitanos, onde a tradição perdia fôlego e as pessoas, de maneira geral, se viam desnorteadas em meio aos dilemas existenciais que se apresentavam. Pois sim, se se quer tirar algo de um lugar e não deixá-lo vazio é necessário substituí-lo por “outro algo”, e nem sempre este “outro algo” significa aperfeiçoamento ou melhoria, muito menos progresso. As crenças, a fé, a esperança, se perdem em meio ao niilismo e ao absurdo de uma vida a desaparecer diante dos olhos e a necessidade de se enquadrar ou deslocar-se para outro padrão ou conceito, muitas vezes insuficiente para a paz e o alívio da alma, nem mesmo para a satisfação dos desejos.

     Amory, como todo jovem idealista, cheio de vida e energia, é presunçoso, arrogante, cheio de si, disposto a deixar clara a sua superioridade intelectual e humana, sobrepujar os menos dotados e dominá-los, seja pelo discurso, seja pela posição social, seja pela autoridade e coragem de se impor, como um “iluminado” do seu tempo. Isso vai se arrefecendo à medida que o texto se desenrola, e temos, na parte final, um Amory confuso com o seu lugar na sociedade americana, mas certo de que as coisas, a partir daquele momento, não seriam mais as mesmas; ainda que não soubesse ao certo como se sucederia. Para quem nasceu na alvorada do séc. XX, viu o crescimento econômico americano, os costumes e a tradição se exaurirem diante do poder industrial e financeiro, do “modernismo” e quebra dos padrões morais e sociais (sem ser hipócrita, mas o homem que considera-se “livre” por beber até cambalear ou fazer sexo a torto e a direito, não reconheceu as correntes a apertarem seus pulsos); o domínio social sair das mãos dos intelectuais e das abastadas famílias tradicionais na direção de gente iletrada, ignorante, mas criativa o suficiente para mudar a direção e dar novos rumos à sociedade; o próprio fracasso e a incapacidade de produzir algo que justifique e sinalize para a sua genialidade, torna-o frustrado, amargo, cético, e um quase revolucionário. Ideias como as do socialismo, antes rechaçadas e vistas com desconfiança, assomam-lhe a mente a fim de encontrar no mundo a justiça incapaz dele próprio produzir. O que dizer dos amores desiludidos, de ver a sua amada trocá-lo pela segurança de um casamento conveniente e financeiramente vantajoso? Restar-lhe- ia, apenas e tão somente, lamuriar-se e odiar tudo e todos ao seu redor; e nada melhor do que autoproclamar-se “uma vítima da sua geração”.

     “Este Lado do Paraíso” traz muitas reflexões; mas há quem as veja apenas para aquele tempo, como se o homem pudesse, ao pular gerações, fugir da própria fragilidade, da incapacidade de conduzir-se ao bem, encontrar a paz e a consciência por si mesmo. Não é o melhor Fitzgerald, mas está longe, léguas de distância, de ser um livro mediano e ruim, como muitos apontam. Também não é um livro para “se divertir”, gastar as horas como se estivesse assistindo um Masterchef ou The Voice. É um livro reflexivo, quase autobiográfico, no qual Scott desnuda e expõe as dúvidas, angústias e frivolidades do ser humano, em suma, a desgraça mesmo quando se supõe em triunfo e cheio de graça; com uma técnica ainda a ser burilada, mas suficiente para colocá-lo, já no longínquo 1920, entre os maiores escritores de sempre.


___________________________________ 

Avaliação: (***)

Título: Este Lado do Paraíso

Autor: F. Scott Fitzgerald

Editora: BestBolso/Record

Páginas: 352 

Sinopse: "Romance de estreia de Fitzgerald, Este lado do paraíso alcançou sucesso imediato quando foi publicado originalmente em 1920. Este livro é o retrato de uma geração jovem desiludida com a guerra, conhecida como Geração Perdida. Fitzgerald foi o porta-voz de sua época, identificando-se com a juventude americana elegante e irreverente. O livro reserva para Amory Blaine, o jovem bem-nascido que protagoniza a história, uma vida de conforto e privilégios. Obcecado por prestígio social e com aspirações literárias, Amory inscreve-se na Universidade de Princeton às vésperas da Primeira Guerra Mundial e passa o tempo entre festas, namoros e clubes. Com uma narrativa vibrante, um tom fortemente autobiográfico e sua ironia típica, o autor nos revela a imaturidade e a insensatez dos jovens deslumbrados pelo progresso. Um dos maiores escritores americanos do século XX, Francis Scott Fitzgerald publicou, além de contos e ensaios, os romances Os belos e malditos (1922), O grande Gatsby (1925), Suave é a noite (1934) e O último magnata (1941), todos disponíveis pela BestBolso"

09 dezembro 2021

Bate-papo com Helvécio Santos, em seu canal no Youtube - Parte 1


 

                Bate- papo com o amigo de longa data, Helvécio Santos, o qual, gentilmente, me convidou para uma entrevista em seu canal. Falamos de amizade, literatura, artes em geral, editoriação, conversão, fé, cristianismo, entre outros assuntos. 

                 Como somos "marinheiros de primeira viagem", por problemas técnicos o diálogo se tornou em monólogo, mas, de forma geral, gostei da experiência e do resultado. 

                 Esta é a primeira parte da nossa conversa de quase quatro horas. Espero que gostem, e o conteúdo seja agradável e edificante. 

                 Um grande abraço!

                  Cristo o(a) abençoe!

                  P.S: Assista, curta, comente e divulgue com amigos e em suas redes sociais. 



29 novembro 2021

Moby Dick, ou a Baleia, de Herman Melville

 



Jorge F. Isah


Em meio a outras leituras, quase no final de "A Baleia"; e o que dizer do calhamaço de Herman Melville? 

Muitos acham se tratar de um livro de aventuras, o que não é mentira; mas considerá-lo apenas como tal é não compreender toda a trama intricada e, muitas vezes, trabalhosa que é decifrar a escrita de Melville. Não tenho nada contra livros de aventura, pelo contrário, gosto de muitos, e creio que a literatura tem entre suas várias finalidades a diversão, o vislumbrar mundos desconhecidos, pessoas imaginárias, cenários paradisíacos, e situações mágicas e sobrenaturais. O fato de existir, desde a antiguidade, as lendas, não as impossibilita de transmitir verdades e aspectos reais da vida, em seus símbolos e personagens. Portanto, não me entenda mal. 

De volta a Moby Dick, ele transcende em muito essa ideia, a de pura e simples diversão. Existem mesmo aqueles que a consideram própria para adolescentes, como já ouvi dizer, e não se tratar de um livro “sério”. Ora, Hermann pode ter escrito tudo, mas nada está tão distante dessa suposição, provavelmente emitida por alguém que não lerá, nem quer ler, e ainda tem raiva de quem leu. Existe uma profusão tão grande de detalhes nas descrições dos personagens, dos cenários, da vida marinha e das manobras e comércio naval que surpreenderia o mais empolgado diletante dessas curiosidades; e uma profusão de descrições em pormenores minuciosíssimos.

Como disse, há de tudo um pouco no livro, desde metafísica, religião, psicologia, história, biologia, ódio, vingança, amizade, e tantas outras qualidades que tornam este livro um grande romance, uma tragédia com todos os elementos reais e imaginários, a lançá-lo no panteão das obras imortais.

É um livraço; mas não é leitura para todos. Há momentos em que, não raro, se pensa em desistir ou pular trechos inteiros (como as descrições sobre a natureza dos cachalotes ou barcos). Muitas vezes percebi-me perguntando: por que o autor está dando essas descrições? O que pode haver de indispensável nas minúcias de um golfinho (cetáceo), por exemplo, para a narrativa? E, um pouco mais adiante, compreender que era necessário, pois Melville queria que "víssemos" claramente tudo o que ele via, e não escapássemos ao seu realismo e à verdade da sua narrativa, entrando nela como um partícipe, a flutuar nas águas turbulentas e perigosas dos mares mundo afora, perseguindo os fantasmas a assombrarem desde o capitão até o mais reles marinheiro. Seja a cobiça, o ódio, a frustração ou a loucura, Melville relata as angústias, esperanças e incertezas da tribulação do navio Pequod, na saga do Capitão Ahab de encontrar a cachalote branca de qualquer maneira, e vingar-se da catástrofe ocorrida no último embate entre eles.

 De certa forma, o domínio e o conhecimento de cada particularidade da história, por menor que seja, confere-lhe autoridade e factualidade, e nos faz cúmplices da narrativa. Não sei se foi essa exatamente a intenção do autor, mas pareceu-me claro como objetivo, em suas mais de 600 páginas. Mais uma vez, não darei nenhum spoiler, a fim de instigá-lo, caro leitor, a aventurar-se nessa notável narrativa.

Certo é que abandonar livro tão precioso será um dissabor para o bom leitor, ainda que ele não o perceba, se optar pela interrupção. Nesse caso, a persistência e insistência serão fundamentais, e vencer cada frase, cada página, resultará certamente no alcance da recompensa; o “ouro” que jamais esquecerá e o auxiliará, particularmente, na escolha de outras obras tão ou mais “difíceis” e trabalhosas.

E o prêmio não tarda em chegar; e chegará, para deleite e satisfação daqueles que não querem apenas uma aventura marítima, mas um mergulho na alma humana.


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Avaliação: (****)

Título: Moby Dick

Autor: Herman Melville

Editora: 34

Páginas: 648

Sinopse: "Herman Melville nasceu em Nova York, em 1º de agosto de 1819. Em 1830 muda-se com a família para Albany, NY, onde frequenta a Albany Academy. Após a bancarrota e a morte do pai, embarca em 1839 como auxiliar no navio mercante St. Lawrence, rumo a Liverpool. No início de 1841 embarca em New Bedford no baleeiro Acushnet. Chega à Polinésia em junho de 1842, e no mês seguinte abandona o navio para viver junto aos nativos. Em agosto embarca no Lucy Ann. Após apoiar um motim é preso no Taiti, mas foge em outubro para Moorea. Embarca então no baleeiro Charles & Henry, chegando ao Havaí em abril de 1843. Após um período trabalhando na ilha, entra na marinha em agosto e viaja com a fragata United States por mais de um ano até voltar a seu país em outubro de 1844. Seus primeiros livros são baseados em suas viagens marítimas: Typee (1846), Omoo (1847), ambos sucessos de vendas, Mardi (1849), Redburn (1849) e White-Jacket (1850). Após mudar-se com a esposa para um casarão rural em Pittsfield, Massachusetts, escreve Moby Dick (1851), Pierre (1852), Israel Potter (1855), a coletânea Piazza Tales (1956, que trazia "Bartleby, the Scrivener", "The Encantadas" e "Benito Cereno") e The Confidence-Man (1857). Abandona então a prosa e lança os poemas de Battle-Pieces and Aspects of the War (1866), o épico Clarel (1876) e as coletâneas John Marr and Other Sailors (1888) e Timoleon (1891), período em que também trabalha como fiscal aduaneiro em Nova York. Quando volta a se dedicar a um romance (o inacabado Billy Budd, só publicado em 1924), falece de um ataque cardíaco em 28 de setembro de 1891."




12 novembro 2021

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08 novembro 2021

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28 outubro 2021

Cristo venceu!









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"Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a destra da minha justiça" (Isaias 41.10)

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Ontem, comemorei o meu aniversário, agradecido a Deus por mais um ano de vida. Por isso, decidi republicar o texto abaixo, escrito em 06.05.2020, exatos 15 dias após uma internação de 36 dias. Para muitos foi apenas um drama com final feliz. Para outros, nada além das contingências da vida. Entretanto, para mim e aqueles mais próximos que acompanharam dia a dia o desenrolar daquele "drama", foi um milagre; por todas as expectativas e diagnósticos médicos, eu tinha uma doença terrivelmente mortal. Então, nada melhor do que, no momento de festividade, relembrar o quanto Deus foi e tem sido misericordioso comigo e meus queridos; de uma bondade e graça inexplicáveis, que não mereço, mas me deleito e aproveitarei, louvando ao meu Senhor por cada minuto aqui, e pelo tempo incontável na eternidade, fruto do amor incondicional do Filho, Jesus Cristo. 
A Ele, glória, honra e louvor!

Por fim, que esta leitura seja-lhe abençoada e abençoadora!

Um abraço fraterno.


Jorge F. Isah


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Foram 36 dias internado em três hospitais diferente: Odilon Behrens, Metropolitano e São Francisco. Internei-me no dia 15 de Março com suspeitas de problemas na vesícula biliar, tendo em vista uma icterícia que me acometeu de uma hora para outra, deixando-me igual a um dos personagens dos Simpson, completamente amarelo. Muitos exames, antibióticos, jejuns e litros de soro, descobriu-se que eu estava com um nódulo no pâncreas, e este comprimia a vesícula, impedindo que a bílis fluísse para o intestino, causando o amarelão. Havia a suspeita de neoplasia, de ser um tumor. 

Sempre soube que tumores no pâncreas eram os mais difíceis de serem tratados, e os que ocasionavam maior mortalidade. Ainda assim, o Senhor manteve-me calmo, esperançoso, confortando e fortalecendo-me em meio às dúvidas e incertezas médicas. Como testificou o apóstolo: “Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus” (Fp 4.6-7). 

Havia ainda um agravante: por causa do Coronavírus, estava isolado, distante da família, sem visitas ou acompanhamento. Mas Deus, em sua infinita misericórdia e amor, fez com que os médicos, enfermeiros, auxiliares, atendentes, copeiras e faxineiras cuidassem de mim de uma maneira tão especial que me sentia parte de suas famílias. Nesse ponto, pude testemunhar o cuidado divino, o seu amor gracioso e bondoso me envolvendo por todos os lados, de forma que não me encontrei abandonado um único instante; pelo contrário, o Senhor me carregou como a um recém-nascido, protegido, aquecido, alimentado, nos braços do Pai amoroso. 

Mesmo nos momentos de fome, senti-me alimentado; de frio, senti-me aquecido; cansado, repousado; fraco, fortalecido; preocupado, tranquilo... A maior parte do tempo estive em paz, não uma paz brotada da minha alma, mas a paz que somente o nosso Senhor pode dar, e ma deu. Em todos os momentos, a presença de Deus era diretamente viva, e, indiretamente, demostrada pelo cuidado, atenção, carinho e dedicação das diversas equipes dos hospitais. 

Também pude, durante a internação, aprender muitas coisas ensinadas pelo Senhor, como a humildade (dependia completamente de todos; e não havia nada que pudesse fazer por mim mesmo) e o amor ao próximo. Pude não somente me compadecer dos doentes com os quais convivi, mas a amá-los de uma maneira que o evangelho de Cristo nos ensina e o Espírito nos capacita a fazê-lo. Orei com alguns deles, falei de Jesus, e testemunhei a minha completa dependência dEle. 

Louvo a Deus por aqueles 36 dias, em que o Senhor se aproximou mais e mais de mim, e pude senti-lo como não O sentia há tempos. Entendi que havia um propósito claro e evidente para tudo aquilo, e dei graças ao bom Deus pelo que estava realizando em mim, para o meu aperfeiçoamento. 

A cirurgia, de grande porte, realizou-se na Sexta-feira da Paixão, 10 de Abril, e o nódulo não pode ser completamente retirado por causa da sua localização. Foram colhidas 5 amostras para análise; e quando fiquei sabendo da notícia, um certo abatimento me sobreveio. Novamente, o Senhor usou as pessoas ao meu redor para me animarem, e dois médicos em especial, do Hospital São Francisco, foram fundamentais: o Dr. Juan Soria e o Dr. Paulo Carvalho Goes, membros da equipe do Dr. Igor Michalick. 

Fiquei apenas 2 dias no C.T.I., indo para a enfermaria, mas tive a estadia prolongada por causa de uma infecção intestinal, que me debilitou bastante. 

Pois bem, após 15 dias de alta médica, ontem fui ao oncologista para saber o resultado da biopsia e o meu estado geral. E contra todos os prognósticos, suspeitas e afirmativas médicas, o nódulo era benigno, e não precisarei passar por nenhum outro procedimento. Terei consultas médicas a cada 3 meses, para acompanhamento. Mais uma vez, pude experimentar o amor de Cristo me envolvendo de maneira maravilhosa, inexplicável. Percebi que a bondade do Senhor se estendeu aos meus familiares e amigos e irmãos que estavam aflitos, agoniados, e puderam respirar aliviados, e agradecer a Deus pelo milagre e graça recebida. 

Quero agradecer a todos que oraram e pediram por minha cura e vida: sou-lhes eternamente devedor. Peço que continuem orando, pois ainda estou em convalescença, e para Deus extirpar o restante do nódulo que não pode ser retirado. Ele é o Deus único e verdadeiro, o Deus dos milagres e do impossível, e me rendo completamente ao Seu senhorio, sabendo que, em todas as minhas fraquezas, dúvidas e temores, Ele é a força, a certeza, esperança e o destemor com o qual me conduzirá na caminhada cristã, ou seja, no aperfeiçoamento, na obra de santificação, moldando-me à semelhança do Seu Amado Filho. 

Como o salmista escreveu: “O SENHOR é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei?” (Salmos 27.1) 

Para terminar, gostaria de deixar um trecho das “Confissões”, de Santo Agostinho, que muito melhor do que eu, soube expressar o seu amor por Deus: 

“Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Tinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem. Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz” 

- Santo Agostinho, Confissões, livro X, 27, “Tarde te amei!...” - 


Cristo é a vida, mesmo na morte... E a vida venceu!

Glória somente a Deus!

26 outubro 2021

A vida de David Brainerd: A vida realmente com propósito

 


Jorge F. Isah


    Estou relendo este livro pela terceira vez. 

    A primeira, foi logo no início da minha conversão, em 2004. Talvez dois anos após. Causou-me um grande impacto descobrir o quanto David Brainerd fora um servo humilde, dedicado e confiante no Senhor. Durante o seu ministério, findo aos 29 anos, ele buscou com todas as poucas forças físicas que lhe restavam cumprir a vontade divina, fazendo-a com o seu melhor. Ainda que debilitado pela tuberculose, não se esquivou a fazer aquilo que era o foco e o alvo da sua vida: pregar o evangelho a fim de salvar as almas perdidas. 

    Foi estabelecer-se na divisa dos EUA com o Canadá, passando pelas agruras de uma vida sem conforto e sujeita às intempéries climáticas. Para uma pessoa que tem pulmões fracos, nada pior do que o frio congelante daquelas paragens. Estávamos em pleno século XVIII. 

    Mas nada o demoveria do seu objetivo, de seu divino chamado. Nem mesmo a iminente morte (basta lembrar que, à sua época, a tuberculose equivalia a um câncer terminal). A sentença de morte era uma realidade fustigante e assídua. 

    Em seu diário temos os seus pensamentos a respeito de si mesmo, um pecador miserável como se identificava; entregava-se a longos momentos de oração e na leitura das Escrituras; clamando pelas almas pagãs, especialmente dos índios. 

    O livro relata em detalhes as aflições, dúvidas, insegurança em relação ao seu ministério, mas a certeza de ter sido separado por Deus para levar o Evangelho de Cristo a quem o ouvisse. De maneira geral, não se considerava um bom pregador, nem um bom pastor, depositando todas as suas fraquezas no poder do Espírito a fim de ser utilizado como instrumento para conversões e bênçãos aos indígenas, em especial. 

    Ao ler as páginas escritas por David Brainerd, que quase foi genro de Jonathan Edwards (estava prometido a sua filha), nos deparamos com uma mente moldada por Cristo, disposta a sofrer injustiças, tribulações, dores, solidão e desprezo para servir a Deus. Para amar o próximo. E servi-lo também. 

    Ao nos defrontar com o relato, sentirmo-nos ainda mais miseráveis e inúteis não é escolha, mas uma certeza. Aquele homem, ainda que sendo chamado para a glória jovem (morreu aos 29 anos, vítima da tuberculose, como já disse), teve momentos tão intensos com o Espírito de Deus, e serviu-o tão abnegadamente, sem a esperança de qualquer recompensa terrestre, que sentir-nos desgraçadamente improdutivos, fúteis e presunçosos em nosso orgulho, é inevitável. 

    Não sei o porquê de os cristãos não lerem mais biografias, especialmente daqueles homens que viveram e morreram para servir a Deus naquilo em que tinham de melhor: vasos para a glória de Cristo, e a missão de levar as “boas novas” até onde o Senhor desejasse. Uma geração de crentes que nunca leu ou ouviu falar de Brainerd, Edwards, Pink, Bunyam, Spurgeon, Livingstone, Carey, entre outros, é uma geração que desconhece o passado e, certamente, compromete o próprio futuro. O futuro da igreja e o pessoal. Esses homens, e tantos outros, devem servir de exemplo; e suas histórias nos mover a ser mais servos e menos “senhores”, inclusive de nossas vidas. Eles amaram, se dedicaram, viveram e morreram para glorificar o nome do nosso Senhor. 

    O Diário de David Brainerd é um livro fundamental. E, não atoa, foi publicado após a sua morte, pelo seu futuro (e agora ex) sogro, o pr. Jonathan Edwards. E tem sido instrumento, ainda hoje, para mover jovens e adultos ao desejo sincero de servir e dedicar-se a Deus de todo o coração. E à sua obra com fervor. 

    Livro imprescindível!


______________________ 
Avaliação: (*****)

Livro: A Vida de David Brainerd

Autor: Jonathan Edwards

Editora: Fiel

No. Páginas: 328 

Edição: 2a

Sinopse: "Quando voltei a ler este livro, depois de 40 anos no campo missionário, pude ver por que a sua leitura teve tão grande influência em minha vida como jovem. No mundo onde existem poucos a seguir, tenho encontrado em Brainerd uma luz nas trevas. - Pr. Ricardo Denham, fundador e diretor da Editora Fiel. Ao ler o diário de Brainerd, compreendi melhor o valor da biografia de um cristão. Gozei de muita doçura (usando a linguagem de Brainerd) lendo sobre os últimos meses de sua vida... Senti-me muito encorajado ao refletir sobre uma vida de santidade, à luz da possibilidade de uma morte precoce. - Jim Elliot, um dos cinco jovens missionários martirizados pelos índios Aucas, no Equador. Que cada pregador leia atentamente sobre a vida de Brainerd. Que sejamos seus imitadores, assim como ele o era de Cristo, em absoluta devoção pessoal, sem dar ouvidos ao mundo e em fervente amor a Deus e aos homens. - John Wesley, fundador do Metodismo."




11 outubro 2021

Paris é uma Festa - Ernest Hemingway

 



Por Jorge F. Isah


Este é um livro nostálgico, por dois motivos: o primeiro, havia muito que não lia nada do autor, desde a adolescência e a fase posterior e, se não me equivoco, o último foi por volta dos 23 anos, e a obra era O Velho e o Mar. Apesar de ser uma novela e quase basicamente relatar a “vitória dos caçadores”, a sensação atual é de não ter gostado dele à época, sem saber muito bem o porquê, deixando-me o desejo de revisitá-lo novamente.

                Segundo, já na primeira página sou arrebatado pela escrita fluída e memorialista de Hemingway, levando-me à compulsão de concluir a leitura em 3 dias. E a nostalgia em que tece as peripécias na Paris dos anos 1920 são feitas de maneira delicada porém direta, como é o seu estilo. É um livro crepuscular, não no sentido da escrita, mas do autor, às portas de completar 60 anos e mais interessado ou conectado ao passado do que ao presente, a se lhe afigurar distendido da alma, corrosivo. Muitos afirmam ter ele perdido a genialidade após os anos 30, e de lá até a sua morte, escreveu obras apenas medianas, sem a criatividade e engenho das anteriores. Apesar de ser um livro longo, meio distante dos padrões “hernestinianos”, Por quem os Sinos Dobram parece-me o título mais próximo de uma obra-prima que algo possa chegar; e escrito no final dos anos 30.

                Alguns apontam Paris é uma Festa como um livro de memórias. Outros, crônicas. Ainda outros, ficção. Para mim, é um livro indefinível pois todos os elementos dos três estilos encontram-se presentes. Não exclusivamente memorialista, ainda que seja. Nem ficcional, ainda que também o seja. Há um pouco de tudo e, talvez, esse seja um dos atrativos da publicação. Outro chamariz é o fato dele tratar de literatura, seja no trabalho e na vida da famosa “geração perdida” (título que Ernest detestava por considerá-lo reducionista e injusto) ou em discussões sobre autores do passado (no caso, não tão no passado), como Tostói, Tchekhov, Turgueniev, Dostoieviski entre outros. Portanto, é um livro sobre literatura, sobre literatos; um prato cheio, ao menos, para mim.  

                Hemingway descreve os loucos anos 20, estabelecendo-se juntamente com a esposa, Hadley, e o filho na Cidade Luz. Vive basicamente de contos publicados em revistas alemãs, levando uma vida quase miserável. Existe o charme e o glamour da cidade, mas ele precisava colocar comida à mesa; e mesmo tendo o seu gênio reconhecido, não era suficiente para garantir sempre o sustento familiar. Ele cita a proprietária de uma livraria, Sylvia Beach, que além de fornecer-lhe gratuitamente livros, fazia também empréstimos (pode-se dizer, doações) nos momentos mais difíceis. Travou-se uma amizade que garantiu-lhe prazer e subsistência. E aí temos algo interessante: como a providência garantiu-lhe meios de viver apenas da literatura ou, ao menos, poder dedicar-se integralmente a ela até que os frutos pudessem ser colhidos.

                Nesse ínterim, travou conhecimento com vários nomes famosos da época e que permanecem até hoje, como T. S. Eliot, James Joyce e Picasso. Alguns, nem tanto, os quais nunca ouvira falar e descobri durante a leitura: Harold Stearns, Katherine Mansfield,  Evan Shipman, Pascin e outros que são apenas citados ou têm descrições a partir de impressões iniciais do autor; poucos como Madox Ford e Ralph Dunning receberam mais do que citações.

                Entrementes, três do seu círculo particular, Gertrude Stein, Ezra Pound e Scott Fitzgerald (este considerado por Hemingway seu grande amigo) ganham ares de protagonistas ainda que a literatura seja, a meu ver, a grande personagem do livro; nem mesmo Hem é páreo a ela.  Não serei estraga prazeres a descrever as impressões e análises sobre o temperamento, comportamento e o relacionamento deles com Hem; a leitura se encarregará de satisfazer a curiosidade do leitor. Posso, contudo, assegurar que são análises e descrições a cativar até mesmo aquele pouco afeito a desbravar as qualidades e defeitos de autores renomados, ou seja, o caráter humano para além ou aquém do bem e do mal. Ele gasta boa parte do terço final em detalhar a sua amizade com Scott Fitzgerald e a relação tempestuosa e destrutiva dele com a sua esposa Zelda, segundo Hemingway uma bêbada enciumada com o talento e sucesso de Francis, e se esforça em afastá-lo diariamente para festas intermináveis, noite após noite.

                Ao mesmo tempo em que critica com acidez algumas personalidades, descreve outras com compaixão, carinho e gratidão, com aquele espírito “másculo”, meio seco, quase obrigatório, sem deixar contudo as entrelinhas falarem por si.

                Realmente, como disse anteriormente, o livro foi uma grata surpresa. O estilo franco, sincero, faz-se presente, mas é possível vislumbrar uma sensibilidade quase emotiva, em alguns momentos quase calorosa, perto de um quebrantamento. Sim, Paris é uma Festa, mas para Hem, entre foguetório, egos inflados e vozerio, existe apenas barulho; e como outro escritor disse: é “muito barulho por nada”!


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Avaliação: (****)

Título: Paris é uma Festa

Autor: Ernest Hemingway

Páginas: 178

Editora: Círculo do Livro

Sinopse: 

"Ernest Hemingway foi sempre contrário ao sentimentalismo. Seus contos e romances mostram o homem em busca de si próprio, descobrindo-se nos momentos de dor, perigo ou derrota. Nenhum idealismo diante da vida: ela deve ser enfrentada como um desafio, e vencida sem arrogância ou perdida sem lamúrias. Paris é uma festa mostra-nos um Hemingway diferente, o escritor e o homem fazendo uma viagem sentimental à década de 1920, quando o mundo se abria diante dele e seus companheiros eram a gente anônima das ruas e gente famosa como Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald."

28 setembro 2021

Uma semana com a fiel testemunha: William Carey

 


Jorge F. Isah


        Durante anos, tenho lido bastante, não o suficiente (e nunca o será), e realizado anotações no meu blog de leituras e em outros lugares. Decidi então postar essas anotações tal qual foram escritas, sem burilá-las ou alterar-lhes o sentido. Tento assim ser fiel ao apreendido na época da leitura, apenas com a correção de erros datilográficos e ortográficos. Em alguns casos, foram feitas dezenas de anotações; na maioria, algumas. Começarei por um livro que marcou a minha caminhada cristã, e através do qual Deus falou imensamente comigo. Trata-se da biografia do primeiro missionário moderno, o inglês William Carey. Enviado pela Sociedade Missionária de Londres para a Índia, pais pobre, politeísta em cuja tradição praticava-se sem remorsos o infanticídio e o assassinato de esposas, Carey nos deu o testemunho de que, contra tudo e todos, "se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8.31)

        Desejo que a leitura destas notas estimule-o(a) à leitura do livro; pois, tenho como certo o fato de a igreja fraquejar atualmente em parte pelo desprezo (o não querer conhecer ou o querer não conhecer) ao testemunho fiel dos santos em todos os tempos. 

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Notas de uma semana lendo "Fiel Testemunha"

em 2008

        
        Sabia pouco sobre o pr. William Carey: era inglês, tornou-se missionário na Índia e, após seis anos de pregação, houve a primeira conversão através do seu ministério. Sabia também que ele foi o primeiro missionário moderno. Portanto, aí está o interesse em ler a sua biografia.
        Estou um pouco além da pag. 100, e Carey ainda está em solo britânico.
        Timothy George descreve as lutas e oposições que Carey e seu grupo (formado por Andrew Fuller, Robert Hall, John Ryland Jr. e John Sutcliff) tiveram para implementar o trabalho missionário, cumprindo a Grande Comissão da qual Cristo nos responsabilizou (Mt 28.18-20).
        O livro relata o amadurecimento espiritual de Carey; e as vias doutrinárias da época (o início do hipercalvinismo, por exemplo), os avivamentos na Europa e América, e um apanhado geral dos trabalhos missionários de Jonathan Edwards, John Elliot e David Brainerd.
     A escrita é agradável e, muitas vezes, torna a leitura compulsiva.

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    Na segunda parte, vemos Carey e Thomas na Índia, ilegalmente, e experimentamos um pouco do sofrimento, aflição e angústia pelos quais passaram. Carey perdeu o seu filho Peter, de 5 anos, vítima de uma febre, e viu o nascimento de outro filho, Jonathan, enquanto a sua esposa enlouquecia, e irmãos e amigos morriam pelo caminho. Tendo de sobreviver sem ainda dominar o idioma bengalês, abandonado por todos, com o desejo fervoroso de pregar o Evangelho de Cristo aos pagãos, sofreu sobremaneira com a injustiça, e abandono, da sociedade inglesa missionária, que alegou vê-lo afastar-se do seu real compromisso com as missões para entregá-lo à própria sorte (quando, na verdade, essa sociedade foi quem "esqueceu-se" de Carey, Thomas e seus familiares, sem lhes dar qualquer apoio em sua jornada no oriente).
        É evidente o amor de Willian  para com a obra do Senhor, e o seu único objetivo é a glória de Deus e a conversão de almas. Fica evidente também a providência de Deus em favor dos seus filhos, sustentando-os  espiritual e materialmente.
    Timothy George não poderia ter escolhido título mais apropriado para o livro: Fiel Testemunha.

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    A terceira parte aborda a implementação de grupos missionários na Índia, sob a supervisão de Carey, e a sua entrada na vida acadêmica como professor de bengali, sânscrito e outros dialetos hindus; a tradução da Bíblia para esses dialetos; a morte das duas primeiras esposas e do seu filho Félix; o rompimento com a Sociedade Missionária de Londres, e o surgimento de grupos "liberais" mais jovens (em sua maioria heréticos) entre os batistas que se opunham aos métodos de Carey.
        Ele foi professor, pastor, missionário, tradutor, editor, mas o seu objetivo principal era a proclamação do Evangelho de Cristo, sem se esquecer das causas sociais como a luta contra o infanticídio e o ritual de sati (onde as viúvas eram queimadas vivas juntamente com os corpos dos seus maridos mortos), o que acabou sendo proibido depois de muitos anos de luta (nas quais foi apoiado por Wilberforce). Mas em tudo havia o desejo de glorificar a Deus e de obedecê-lo naquilo que era a Sua vontade, como ficou claro em suas palavras,  ao completar 70 anos: 
        "Hoje estou fazendo setenta anos, o que é um monumento à misericórdia e bondade divina, apesar de, numa revista de minha vida, eu encontrar muitas coisas pelas quais devia ser humilhado no pó. Meus pecados ostensivos e concretos são inumeráveis, minha negligência no trabalho do Senhor foi grande, não promovi sua causa nem busquei sua glória e honra como deveria. Apesar de tudo isso fui poupado até agora e ainda sou mantido em sua obra, e tenho confiança de ser recebido na presença de Deus por meio dele. Eu queria ser mais consagrado ao seu serviço, mais santificado, praticando as virtudes cristãs e produzindo frutos de justiça, para louvor e honra do Salvador que deu sua vida em sacrifício pelo pecado" (Carta escrita por William Carey a Jabez Carey, em Serampore, índia, 17/08/1831).

        Apenas alguém que não buscou a glória pessoal, mas honrar ao bom Deus em obediência poderia dizer tais palavras; sabendo que tudo feito só foi possível graças à Ele, que nos amou primeiro.

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        Há dois apêndices no livro, um fazendo um paralelo da relevância de Carey para hoje (cap. XI), e outro, o livro escrito por Carey "Uma Averiguação...", o qual é fundamental para se entender os seus pensamentos sobre missões e evangelismo.

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            Existe um filme contando a vida do "pai das missões modernas", denominado "Uma Chama na Escuridão", disponível no Youtube e provavelmente em outras plataformas de streaming. 

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Avaliação: (*****)

Título: Fiel Testemunha - A vida e a obra de William Carey

Autor: Timothy George

No. Páginas: 296

Editora: Vida Nova

Publicação: 1a. Edição (1997)

Sinopse: 

    "William Carey é universalmente reconhecido como o “Pai das Missões Modernas”. Seu nome se confunde com o período heroico do movimento missionário protestante iniciado com seus 40 anos de ministério na Índia, período que inclui a saga de outras personagens notáveis como Henry Martin, Adoniram Judson e David Livingstone, cujas vidas foram profundamente influenciadas pelo exemplo de Carey. Sapateiro, botânico, tradutor, pregador, gerente de fábrica – William Carey foi tudo isso e muito mais. Acima de tudo, ele foi uma fiel testemunha do evangelho de Jesus Cristo no meio de uma vida de sofrimento pessoal, de desprezo profissional e de discórdias internacionais. Livro de cabeceira, Fiel Testemunha o conduzirá pelos caminhos trilhados por William Carey, numa linguagem cheia de vida, de emoções e de convicções intensas, que Timothy George sabe expressar com maestria indiscutível, a exemplo de sua outra obra publicada pela Vida Nova, Teologia dos Reformadores."











27 setembro 2021

A Superfluidade Humana em “Retrato de Uma Senhora”, de Henry James

 



Jorge F. Isah


Retrato de uma Senhora é um livro de conflitos, a perpassá-lo em cada página, parágrafo, linha. Henry James é um autor e tanto. Ele penetra e fustiga seus personagens até espremê-los à exaustão e ao limite de suas forças (dele, e deles). E o amor parece ser a causa, a origem de todos os embates e hostilidades nessas relações. Seja o amor à pátria, ou alguém, ou a si mesmo, seus desejos ou convicções, nada é fácil, ou melhor, puro, aos olhos dos personagens. Existe sempre uma áurea de maldade, de oposição, a impedi-lo de se concretizar, materializar-se, em meio às imperfeições e sutilezas aspiradas por almas incapazes de fazer o bem, ainda que o almejem (Ralph, certamente o personagem mais fascinante do livro, mesmo pretendendo fazer o bem, acaba por reconhecer que o bem pretendido não foi além do mal realizado. Ainda que seus esforços sejam nobres, dar à sua prima, Isabel, os meios para realizar o seu idealismo: ser uma mulher do mundo, conhecendo-o, em sua ânsia por liberdade; motiva-o a satisfação de ser o benfeitor anônimo, numa prova de desprendimento, mas também de ascetismo mórbido – Quem ler o livro entenderá).

A ideia do autor de narrar a trajetória de Isabel, no decorrer de alguns anos, menos de uma década, e, especialmente, o que lhe sucederia, sendo uma jovem moderna, independente e visionária, leva-o, contudo, a investigar o fracasso, digo, a frustração de homens e mulheres a circundá-la; satélites em desarmonia, perturbados e caóticos, enquanto a estrela central se implode, incapaz de manter a si mesma, e ao seu círculo, na rota da felicidade. Estão sempre a colidir uns com os outros; e amontoam-se em camadas de orgulho, vaidade e pernosticismo. Não é o retrato de uma senhora, mas da alma humana, de uma sociedade na qual a busca da felicidade e realização tem tão duros e insuperáveis obstáculos que o desgosto parece ser a forma natural de se viver enquanto os sonhos se dissipam, como barcos em naufrágios.

O mal se faz sentir nas doenças, nos encantamentos, nas aspirações, nos convívios, amizades, casamentos, traições e tentativas; percorre os sentimentos, os atos, os desejos, e nem mesmo uma alma angélica e adorável como a de Pansy está imune à tristeza de, sendo cândida, pagar pela impureza dos outros; mais especialmente de seu pai, Osmand e de sua amiga, madame Merle. Esta, com certeza, é ladina, finória, vivendo em uma constante trama, planejando tirar dos outros, em especial o seu círculo mais próximo, as vantagens necessárias para sobreviver, sem ser ela mesmo capaz de retribuir além das intrigas.

É difícil escrever sobre uma história sem contá-la; e é o que venho tentando fazer, sem as vezes obter sucesso. A ideia é relatar o mínimo necessário para aguçar o interesse do leitor, de que ele se disponha a comprar o livro e, ele mesmo, venha a descobrir coisas que não descobri, e ver o que não vi. Tomara que eu possa, com o mínimo, levar alguns a desejarem o muito.

Retrato de uma Senhora é um grande livro, dos melhores que li ultimamente. A trama é elaborada, sem os constantes e desnecessários “sustos” e “perplexidades” que as obras atuais se especializaram, como a maneira mais fácil de fisgar o leitor (de maneira artificial. Escrevem como se fosse um thriller de suspense e emoções “sem pé nem cabeça”). Não é um livro fácil; mas certamente, à medida que se dá voz às personagens, acaba-se por criar uma empatia e cumplicidade com alguns deles. E o grande livro somente o é se amamos e odiamos, apiedamos ou desprezamos certas personagens. Escrito no final do século XIX, é uma obra universal. Talvez, e somente talvez, eu gostaria que James tivesse reduzido o volume total de páginas em algumas dezenas; me parece que cinquenta seria um bom número. Mas, certamente, não serei eu a desprezar uma linha sequer do enredo; pelo contrário, tenho-as, cada uma, como importante para o desenrolar da história.

Voltando a ela, creio que a maioria desprezaria ou não entenderia os percalços, dúvidas e esquemas abusivos e caprichosos em que as pessoas se inseriam ou eram cooptadas. A questão pode ser entendida como o apelo à “primitividade” humana, tão distante da “liberdade” com que se goza atualmente. A verdade é que o livro vai muito além da superficialidade das relações e seus meandros, e que parecem desmerecê-los em prol dos modernosos avanços do sec. XXI. Ledo engano. O homem certamente descrito por James conhecia mais de si mesmo e do outro, e por isso não tinha ilusões, ao menos não se entregava a elas como um cão ao osso. Ao contrário da aparente fleuma de superioridade, da autoconfiança e da quase infalibilidade das apreciações e conceitos “modernos”, o homem permanece o mesmo, em sua busca de felicidade, de satisfação, de realização, mas esquecendo-se de que nelas reside o seu ser. Ele nada mais é do que aquilo que faz ou pensa fazer, para o bem ou para o mal. Ele não é, se não fizer; e mesmo fazendo, deixa de ser. Não o que é, mas o que deseja ser ou pensa ser. Por que isso? Porque a leitura de qualquer obra deve, no mínimo, não ser apenas a apreciação da história pela história, mas o que ela revela do homem, do mundo, do conhecido, do desconhecido, do tangível, do intangível, do natural e do sobrenatural, do homem e de Deus.

Henry James não pretendeu escrever sobre a necessidade do homem de Deus, mas ao descrever a insuficiência humana e o seu fracasso, deixou nas entrelinhas essa exigência; pela falta pode-se saber a ausência, e naquilo em que somos carentes. E, “Retrato de uma Senhora”, é a síntese da superfluidade que em nada preenche ou pode preencher o homem.

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Avaliação: (****)

Título: Retrato de Uma Senhora

Autor: Henry James

No. de Páginas: 680

Editora: Cia das Letras

      Sinopse: "Retrato de uma senhora, publicado pela primeira vez em 1881, é o primeiro grande romance de Henry James, e talvez sua obra máxima. Num século em que a esposa burguesa insatisfeita tornou-se um personagem literário central, e o adultério um motivo romanesco recorrente - o século da Madame Bovary, de Flaubert, e de Anna Karenina, de Tolstói -, Henry James colocou em cena uma heroína singular, cuja carência essencial é de outra ordem. Com uma narrativa que, astuciosamente, começa lenta, quase contemplativa, e aos poucos se acelera, ganhando dramaticidade, James constrói sua história como um jogo em que cada coisa se transmuta em seu oposto: liberdade em destino, afeto em traição, pureza em artimanha - e vice-versa"







01 setembro 2021

Tiros na Noite: Nenhum pela Culatra

 




Jorge F. Isah


O que esperar de uma compilação de contos de um ícone do gênero policial noir, sendo a maioria deles escritos para publicações baratas, as chamadas Pulp fiction[1], muito antes da fama?

Para ser sincero, foi uma surpresa positiva. Ao contrário de alguns que não veem mérito no processo de formação do escritor, tenho certo interesse por ler os primeiros trabalhos, aqueles raramente tidos como obras-primas ou relevantes (seja lá qual significado carregue) para, exatamente, descobrir, ainda que um pouco, a trajetória e caminhos pelos quais o autor atravessou. Dashiell Hammett não é o meu predileto do gênero. Gosto mais de Chandler, apesar de ter algumas ressalvas. Mas, dizer que ele não foi importante ou um mau escritor, vai uma diferença enorme. Considero, como já disse em outro lugar, O Falcão Maltês acima da média e, para mim, disparado o melhor livro de Hammett (mas suponho que este seja um ponto sem discordância entre a maioria dos seus leitores).

E “Tiros na Noite”[2]? Bem, são 20 contos escritos entre 1920 e 1930, publicados aqui e acolá em revistas populares, alguns muito bons, outros nem tanto. Mas os primórdios estão lá: o detetive durão, seco, que desconfia de tudo e de todos e não mede esforços para desvendar crimes e levar os autores à prisão. Diferente dos livros policiais clássicos, onde a linguagem mais sofisticada, personagens aristocratas, sutilezas e uma trama onde o protagonista é um mero coadjuvante, as histórias de Chandler, Goodis e Hammett colocam o “herói” (se podemos chamá-lo assim) no papel de proeminência no texto. Não sei se me fiz entender mas Agatha Christie, Edgar Wallace, George Simenon, entre outros, privilegiavam a trama, ou melhor, o crime em si, e desvendá-lo era mais importante do que criar personagens bem delineados e concebidos. Com isso, não digo inexistir marca ou valor nos protagonistas desses autores, apenas são mais conhecidos pela capacidade de elucidar dilemas do que exatamente por suas personalidades.

Ao contrário, os autores “noir” primam pela concepção do herói e a trama se ajustará ao caráter dele (não faço qualquer tipo de comparação aos talentos, no sentido de Chandler ser maior que Simenon, p.ex.; a diferença é estrutural). O enigma é importante, contudo, tão ou mais importante é o agente a desnudá-lo. Então, temos Spade ou Marlowe, homens comuns (mesmo em suas singularidades), obstinados, intransigentes em suas missões, dispostos às últimas consequências, mas muito mais próximos do cidadão com o qual trombamos todos os dias. A força dos seus caráteres, aliada à necessidade de comer, beber e pagar o aluguel, e o senso de “utilidade” pública, move a narração até o seu desfecho final. Nem sempre é a soma do intelecto, da razão, perspicácia ou engenho; as vezes são coincidências, fortuitas, ambíguas, obscuras. Os “tropeços” nas evidências e provas.

Pois assim são os contos deste volume. Um mundo onde o crime é crime, em sua vulgaridade, doença, crueldade, sem adornos ou disfarces, apenas a realidade nua a despojar-se diante do leitor. Quase ninguém está disposto a desempenhar um papel benigno ou satisfatório em suas relações pessoais. A maioria é covarde, bêbada, violenta, nociva, mesmo em suas superfícies de aparência indelével, de caráter nobre e virtuoso. Ainda que a alma humana não seja exposta em argúcia e lúcido propósito, o autor a apresenta em flashes, pegadas em terra dura, capazes de fornecer muitos traços e aspectos daqueles a marcá-la. Estão lá, para todos verem, e cada um meça a si mesmo pela régua de Hammett; não quanto à criminalidade mas a humanidade.

Como disse, há boas estórias e outras nem tanto. Nelas se vê, pela primeira vez, a aurora de Sam Spade, ainda anônimo, sem os holofotes a iluminá-lo no panteão dos heróis detetivescos, mas os sinais do brilho advir fazem-se notar. Encontramos os indícios do que Hammett viria a se tornar, nos anos seguintes, e de como a sua escrita impactaria e influenciaria a categoria por gerações.

É um livro a introduzir os não iniciados em “Noir” ou “Hammett”, e a perscrutar um dos principais modeladores do gênero. Com isso, não há como não indicar o livro, e esperar que o leitor encontre, como encontrei, as muitas faces do mal moldadas nas mais díspares figuras: gordas, altas, baixas, magras, homens, mulheres, gays, muita cobiça e devassidão, e um pouco, um tiquinho de decência e honradez, a mostrar que mesmo no pior dos mundos a Imago Dei não se extinguiu por completo.  Afinal, no homem se trava a maior de todas as lutas entre o bem e o mal, e nem sempre este vence; porque o sopro de vida, o vento a conceber a alma, não extingue.

 


[1]  Quanto ao título desta postagem, não resisti a tomá-lo na linha “Pulp”, estilo com o qual muitas das estórias criadas por Hammett se integraram.  

[2] “Tiros na Noite”, volume único, foi o que li. Existe nova edição da LP&M dividida em dois volumes.

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Avaliação: (***)

Título: Tiros na Noite - Volume ùnico

Autor: Dashiel Hammett

Páginas: 567 Páginas

Editora: LP&M

Sinopse: 

"Em Tiros na noite, o leitor encontrará reu­nidas vinte histórias de Hammett que permaneceram fora das livrarias nos quarenta anos após a morte do autor. São contos ambientados em um mundo corrupto, onde o crime organizado é rei e em que o ganho desonesto e paixões violentas regem as vidas humanas. Este primeiro volume é dominado pela figura de Con­tinental Op, um durão e taciturno detetive particular de San Francisco sempre cercado por vítimas, traidores e cadáveres, e dono de uma habilidade única para chegar à verdade das coisas.
O próprio Hammett dizia que sua ambição era elevar as histórias de mistério a grande arte. Tiros na noite comprova o absoluto sucesso do autor."


16 agosto 2021

A Doutrina Cristã - Santo Agostinho

 



Jorge F. Isah



Leio Santo Agostinho já há algum tempo, e muitas vezes não o compreendi adequadamente. Em especial, quando confrontava o “meu calvinismo” às afirmações equilibradas e bíblicas do bispo de Hipona. Demorou um tempo para eu entender que, mesmo Calvino, mesmo Lutero, Pink, Gill ou Clark, mesmo qualquer um que se considere a si mesmo fiel à tradição cristã, ou melhor, fiel ao Evangelho de Cristo, não existiria sem as reflexões, meditações e ensino de Agostinho. Veja bem, não estou a afirmar que eles não existiram, ou que não existiriam como existiram, mas de que haveria uma certa dificuldade para ser o que foram. Por isso, penso claramente que o mestre africano foi instrumento de Deus não somente na edificação desses homens, mas na de muitas e muitas gerações e multidões com os seus escritos.

Isso posto, não estou afirmando também concordar com tudo o que ele se propõe. Na verdade, não li nem 1/10 da sua vasta obra. Gastarei um bom tempo em fazê-lo, se assim o bom Senhor permitir. E tenciono fazê-lo, dada a riqueza espiritual e literária a emanar dos seus textos. O fato, contudo, de haver divergências em alguns pontos, não significa dizer que ele não deva ser lido, não preste, ou simplesmente não tem nada a ensinar. Esses, certamente, seriam erros indesculpáveis e do qual nenhum cristão ou leitor sairia ileso. Acima de tudo, Agostinho escreve como poucos. Chego a pensar que, entre os muitos autores lidos, ele é disparado o que mais admiro, seja pela maneira poética em que redige, seja por compreender aquilo ainda incompreendido, seja em explicar o inexplicável, a partir de uma comunhão íntima com o Espírito, de uma vida devotada a se deixar aperfeiçoar por esse relacionamento.

Entrando propriamente em “A Doutrina Cristã”, como o título pressupõe, ele disserta sobre os fundamentos da fé: a Trindade, o relacionamento com Deus, a salvação vicária e exclusiva de Cristo, as relações entre cristãos, o amor aos inimigos, etc. Terminada a leitura da obra, a profusão de temas e elementos remete-nos a uma exposição reverencial, paciente e devotada com o fim de esclarecer os princípios e enunciados do texto sagrado. Não há como não se apaixonar. E ainda descobrir como a nossa fé pode ser aprimorada e alcançar níveis de verdade aos quais não estávamos expostos.

Alguém pode dizer que estou a “idolatrar” o santo, mas nada mais longe da verdade. Reconhecer a sua capacidade de entender e interpretar as Escrituras de forma coerente, espiritual e reverente não significa idolatria, mas constatar o quanto o autor foi conduzido pelo Espírito de Cristo à compreensão, e o quanto o amor do Filho pode ser apreendido em suas linhas e nas entrelinhas. Pode existir, mas, além dos autores bíblicos, não conheço nenhum escritor que expresse tão nitidamente o seu amor pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo. Por meio de uma beleza ímpar, outro dom concedido por Deus.

Todavia, entre tantos assuntos versados, dois me chamaram a atenção em especial. O primeiro, foi a ideia de Agostinho sobre o significado de “Pátria”. Não como um lugar onde habitaremos, o local em si, onde estaremos com Deus, o Paraíso ou Céu, mas de que Pátria tem, para ele, um sentido ainda mais amplo e veraz: pátria é o próprio Deus. Ou seja, não é apenas um lugar de destino, o destino para com quem estaremos por toda a eternidade. Nesse sentido, não é impossível dizer que, mesmo aqui neste mundo, ainda sobre os efeitos do pecado e em processo de transformação, podemos não somente almejar mas viver na “Pátria”, como se fosse celestial. Bastando o relacionamento intrínseco, verdadeiro e profuso com o Espírito de Deus. Ou seja, não iremos para a pátria, mas pelos méritos do próprio Deus, sendo pátria, já estamos inseridos e vivendo nela. Por isso a afirmação de sermos forasteiros, tanto nas Escrituras, como nos escritos de Agostinho, identificam que é possível estar neste mundo já estando no outro. Ou fazer deste, aquele. E gozar aquele, vivendo neste.

Não sei se deixei clara essa assertiva do bispo, espero que sim, mas o desdobramento dessa descoberta tem me trazido uma paz e um gozo antes não sentido, porque não entendido, ainda não havia penetrado no coração de maneira ampla e avassaladora.

Por falar em gozo, este é o segundo ponto a ser identificado. Para Santo Agostinho havia duas categorias de coisas: para fruir e usar. Não se deve fruir ou gozar das coisas que se usam. O gozo e alegria somente podem se direcionar a Deus exclusivamente (desculpe-me a redundância). E mesmo que gozemos de certas coisas do uso, elas jamais podem, ou devem, ser um fim em si mesmas, mas apontar para Aquele que é a fonte eterna e infinita do Bem. O homem sem Deus, sem a real consciência e conversão, põe sua alegria e consolo naquilo que deve estar a seu serviço, e não ao que deve servir. Inclusive, a si mesmo.

Nesse sentido, todas as coisas devem estar sujeitas a Deus, o doador final de todas elas, e por quem nos são entregues, para o bom uso, mas para que, sobretudo, nos alegremos no Senhor. Por isso, o sexo, o dinheiro, o trabalho, a diversão e tudo o mais que o homem almeja, não pode ser a fonte da alegria em si, mas entendê-las como bem-aventuranças, dádivas que nos são destinadas para atingirmos a plenitude do gozo, somente possível nEle. Ainda que nos tragam alegria, estão a apontar, direcionando-nos, para a fonte da verdadeira alegria, Aquele que tudo criou para manifestar a sua bondade, e fruirmos nEle. E assim, usando essas coisas, alcançamos o gozo e a alegria em Deus.

Outro aspecto importante é que, ao reconhecermos a suficiência apenas em Deus, temos mais dEle e crescemos em ser. Não em ser o que somos ou o que fomos, mas naquilo que seremos: a exata imagem de Cristo. É óbvio que Agostinho, e nem eu, está a falar quanto à divindade do Filho, mas quanto à sua perfeita e santa humanidade. E assim, gozando nEle seremos cada vez mais dEle e com Ele, e com Ele identificados seremos um: Senhor e servos em unidade.

Há uma gama de elementos apontados por Santo Agostinho neste livro, mas, em especial, chamou-me a atenção os pontos que abordei, que mais me impregnaram a alma até o momento, e me fizeram agradecer a Deus pela sua vida, e por desfrutar da sua sabedoria, vinda dos céus; e mesmo depois de quase dois mil anos é possível a qualquer um se deleitar nos seus ensinamentos, mas mais do que isso, aprender a viver em Deus e para Ele, assim como o mestre viveu.


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Avaliação: (****)

Título: A Doutrina Cristã

Autor: Santo Agostinho

Páginas: 288

Editora: Paulus

Sinopse: 

"Esta obra é a carta magna de Santo Agostinho sobre a maneira de entender e pregar a Sagrada Escritura. Nela podemos sentir o imenso amor e conhecimento profundo de Agostinho pela Bíblia. De fato, ele deixou-se impregnar por ela, tornou-a "seu sangue, a medula de seus ossos". Ninguém como ele explorou tão a fundo e com tanto empenho e sutileza os profundos e obscuros recônditos da Bíblia, e nunca houve alguém que trouxesse de suas explorações tal abundância de preciosos achados. A doutrina cristã é um manual de exegese e formação cultural com finalidade didática e pastoral dirigido aos cristãos de sua época. As diretivas dada pelo zelo pastoral do Bispo de Hipona são originais e penetrantes, válidas ainda, em grande parte, para nosso tempo, tão ávido de estudos exegéticos e hermenêuticos"