30 dezembro 2021
24 dezembro 2021
13 dezembro 2021
O Éden Perdido, em "Este Lado do Paraíso", de F. Scott Fitzgerald
Por Jorge F. Isah
“Este Lado do Paraíso” é um livro com o qual tinha grandes expectativas. Primeiro, porque Fitzgerald escreve de maneira fluída, envolvente e num ritmo quase que embalado pelo Jazz nos salões dançantes da “geração perdida”, entre passos frenéticos e quadris requebrados na velocidade de 24 quadros por segundo. O seu estilo está ali, já desde o primeiro livro, e por esse motivo, as expectativas se cumpriram.
Entretanto, a história me pareceu
um emaranhado de pequenas histórias conectadas pela presença de Amory, o
personagem principal. Não raro é possível se perder em meio à narrativa, e
dispersar-se, pois não existe uma “continuidade”, ou melhor, sequência na
temática apresentada. Mas é um livro inovador ainda hoje, imagina em sua época;
com poesias, diálogos teatrais, cartas e formas de escrita que se mostram
ousadas e entremeiam o texto (para alguns apenas experimentais sem muito
controle), quase que jogadas aleatoriamente; eu disse “quase” e não quero dizer
que foram. A impressão é de o autor possuir trechos diversos e os juntou no
livro, criando uma ligação a partir do protagonista e uma narrativa central.
Mas isso significa que o livro é ruim?... Longe disso!
O relato se baseia na vida de
Amory Blaise, do nascimento até os seus vinte e poucos anos. É o retrato da
geração dos anos 1920, em que a aristocracia rural dava lugar aos grandes
industriais e investidores metropolitanos, onde a tradição perdia fôlego e as
pessoas, de maneira geral, se viam desnorteadas em meio aos dilemas
existenciais que se apresentavam. Pois sim, se se quer tirar algo de um lugar e
não deixá-lo vazio é necessário substituí-lo por “outro algo”, e nem sempre este
“outro algo” significa aperfeiçoamento ou melhoria, muito menos progresso. As
crenças, a fé, a esperança, se perdem em meio ao niilismo e ao absurdo de uma
vida a desaparecer diante dos olhos e a necessidade de se enquadrar ou
deslocar-se para outro padrão ou conceito, muitas vezes insuficiente para a paz
e o alívio da alma, nem mesmo para a satisfação dos desejos.
Amory, como todo jovem idealista,
cheio de vida e energia, é presunçoso, arrogante, cheio de si, disposto a
deixar clara a sua superioridade intelectual e humana, sobrepujar os menos
dotados e dominá-los, seja pelo discurso, seja pela posição social, seja pela
autoridade e coragem de se impor, como um “iluminado” do seu tempo. Isso vai se
arrefecendo à medida que o texto se desenrola, e temos, na parte final, um
Amory confuso com o seu lugar na sociedade americana, mas certo de que as
coisas, a partir daquele momento, não seriam mais as mesmas; ainda que não
soubesse ao certo como se sucederia. Para quem nasceu na alvorada do séc. XX,
viu o crescimento econômico americano, os costumes e a tradição se exaurirem
diante do poder industrial e financeiro, do “modernismo” e quebra dos padrões
morais e sociais (sem ser hipócrita, mas o homem que considera-se “livre” por
beber até cambalear ou fazer sexo a torto e a direito, não reconheceu as
correntes a apertarem seus pulsos); o domínio social sair das mãos dos
intelectuais e das abastadas famílias tradicionais na direção de gente
iletrada, ignorante, mas criativa o suficiente para mudar a direção e dar novos
rumos à sociedade; o próprio fracasso e a incapacidade de produzir algo que
justifique e sinalize para a sua genialidade, torna-o frustrado, amargo,
cético, e um quase revolucionário. Ideias como as do socialismo, antes
rechaçadas e vistas com desconfiança, assomam-lhe a mente a fim de encontrar no
mundo a justiça incapaz dele próprio produzir. O que dizer dos amores desiludidos,
de ver a sua amada trocá-lo pela segurança de um casamento conveniente e
financeiramente vantajoso? Restar-lhe- ia, apenas e tão somente, lamuriar-se e
odiar tudo e todos ao seu redor; e nada melhor do que autoproclamar-se “uma
vítima da sua geração”.
“Este Lado do Paraíso” traz
muitas reflexões; mas há quem as veja apenas para aquele tempo, como se o homem
pudesse, ao pular gerações, fugir da própria fragilidade, da incapacidade de
conduzir-se ao bem, encontrar a paz e a consciência por si mesmo. Não é o
melhor Fitzgerald, mas está longe, léguas de distância, de ser um livro mediano
e ruim, como muitos apontam. Também não é um livro para “se divertir”, gastar
as horas como se estivesse assistindo um Masterchef ou The Voice. É um livro
reflexivo, quase autobiográfico, no qual Scott desnuda e expõe as dúvidas,
angústias e frivolidades do ser humano, em suma, a desgraça mesmo quando se
supõe em triunfo e cheio de graça; com uma técnica ainda a ser burilada, mas
suficiente para colocá-lo, já no longínquo 1920, entre os maiores escritores de
sempre.
___________________________________
Avaliação: (***)
Título: Este Lado do Paraíso
Autor: F. Scott Fitzgerald
Editora: BestBolso/Record
Páginas: 352
Sinopse: "Romance de estreia de Fitzgerald, Este lado do paraíso alcançou sucesso imediato quando foi publicado originalmente em 1920. Este livro é o retrato de uma geração jovem desiludida com a guerra, conhecida como Geração Perdida. Fitzgerald foi o porta-voz de sua época, identificando-se com a juventude americana elegante e irreverente. O livro reserva para Amory Blaine, o jovem bem-nascido que protagoniza a história, uma vida de conforto e privilégios. Obcecado por prestígio social e com aspirações literárias, Amory inscreve-se na Universidade de Princeton às vésperas da Primeira Guerra Mundial e passa o tempo entre festas, namoros e clubes. Com uma narrativa vibrante, um tom fortemente autobiográfico e sua ironia típica, o autor nos revela a imaturidade e a insensatez dos jovens deslumbrados pelo progresso. Um dos maiores escritores americanos do século XX, Francis Scott Fitzgerald publicou, além de contos e ensaios, os romances Os belos e malditos (1922), O grande Gatsby (1925), Suave é a noite (1934) e O último magnata (1941), todos disponíveis pela BestBolso"
09 dezembro 2021
Bate-papo com Helvécio Santos, em seu canal no Youtube - Parte 1
Bate- papo com o amigo de longa data, Helvécio Santos, o qual, gentilmente, me convidou para uma entrevista em seu canal. Falamos de amizade, literatura, artes em geral, editoriação, conversão, fé, cristianismo, entre outros assuntos.
Como somos "marinheiros de primeira viagem", por problemas técnicos o diálogo se tornou em monólogo, mas, de forma geral, gostei da experiência e do resultado.
Esta é a primeira parte da nossa conversa de quase quatro horas. Espero que gostem, e o conteúdo seja agradável e edificante.
Um grande abraço!
Cristo o(a) abençoe!
P.S: Assista, curta, comente e divulgue com amigos e em suas redes sociais.
29 novembro 2021
Moby Dick, ou a Baleia, de Herman Melville
Jorge F. Isah
Em meio a outras leituras, quase no final de "A Baleia";
e o que dizer do calhamaço de Herman Melville?
Muitos acham se tratar de um livro de aventuras, o que não é mentira; mas considerá-lo apenas como tal é não compreender toda a trama intricada e, muitas vezes, trabalhosa que é decifrar a escrita de Melville. Não tenho nada contra livros de aventura, pelo contrário, gosto de muitos, e creio que a literatura tem entre suas várias finalidades a diversão, o vislumbrar mundos desconhecidos, pessoas imaginárias, cenários paradisíacos, e situações mágicas e sobrenaturais. O fato de existir, desde a antiguidade, as lendas, não as impossibilita de transmitir verdades e aspectos reais da vida, em seus símbolos e personagens. Portanto, não me entenda mal.
De volta a Moby Dick, ele
transcende em muito essa ideia, a de pura e simples diversão. Existem mesmo
aqueles que a consideram própria para adolescentes, como já ouvi dizer, e não
se tratar de um livro “sério”. Ora, Hermann pode ter escrito tudo, mas nada
está tão distante dessa suposição, provavelmente emitida por alguém que não lerá,
nem quer ler, e ainda tem raiva de quem leu. Existe uma profusão tão grande de
detalhes nas descrições dos personagens, dos cenários, da vida marinha e das
manobras e comércio naval que surpreenderia o mais empolgado diletante dessas curiosidades;
e uma profusão de descrições em pormenores minuciosíssimos.
Como disse, há de tudo um pouco no livro, desde metafísica,
religião, psicologia, história, biologia, ódio, vingança, amizade, e tantas outras qualidades que tornam este livro um grande romance, uma tragédia com todos os elementos reais
e imaginários, a lançá-lo no panteão das obras imortais.
É um livraço; mas não é leitura para todos. Há momentos em que,
não raro, se pensa em desistir ou pular trechos inteiros (como as descrições
sobre a natureza dos cachalotes ou barcos). Muitas vezes percebi-me
perguntando: por que o autor está dando essas descrições? O que pode haver de
indispensável nas minúcias de um golfinho (cetáceo), por exemplo, para a
narrativa? E, um pouco mais adiante, compreender que era necessário, pois Melville
queria que "víssemos" claramente tudo o que ele via, e não escapássemos
ao seu realismo e à verdade da sua narrativa, entrando nela como um partícipe, a
flutuar nas águas turbulentas e perigosas dos mares mundo afora, perseguindo os
fantasmas a assombrarem desde o capitão até o mais reles marinheiro. Seja a
cobiça, o ódio, a frustração ou a loucura, Melville relata as angústias,
esperanças e incertezas da tribulação do navio Pequod, na saga do Capitão Ahab
de encontrar a cachalote branca de qualquer maneira, e vingar-se da catástrofe ocorrida no último embate entre eles.
De certa forma, o domínio e o conhecimento de cada particularidade da história, por menor que seja, confere-lhe
autoridade e factualidade, e nos faz cúmplices da narrativa. Não sei se foi essa
exatamente a intenção do autor, mas pareceu-me claro como objetivo, em suas
mais de 600 páginas. Mais uma vez, não darei nenhum spoiler, a fim de instigá-lo, caro leitor, a aventurar-se nessa notável narrativa.
Certo é que abandonar livro tão precioso será um dissabor para o
bom leitor, ainda que ele não o perceba, se optar pela interrupção. Nesse caso,
a persistência e insistência serão fundamentais, e vencer cada frase, cada
página, resultará certamente no alcance da recompensa; o “ouro” que jamais
esquecerá e o auxiliará, particularmente, na escolha de outras obras tão ou
mais “difíceis” e trabalhosas.
E o prêmio não tarda em chegar; e chegará, para deleite e
satisfação daqueles que não querem apenas uma aventura marítima, mas um
mergulho na alma humana.
12 novembro 2021
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28 outubro 2021
Cristo venceu!
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26 outubro 2021
A vida de David Brainerd: A vida realmente com propósito
Jorge F. Isah
11 outubro 2021
Paris é uma Festa - Ernest Hemingway
Por Jorge F. Isah
Este é um livro nostálgico, por
dois motivos: o primeiro, havia muito que não lia nada do autor, desde a
adolescência e a fase posterior e, se não me equivoco, o último foi por volta
dos 23 anos, e a obra era O Velho e o Mar. Apesar de ser uma novela e
quase basicamente relatar a “vitória dos caçadores”, a sensação atual é de não
ter gostado dele à época, sem saber muito bem o porquê, deixando-me o desejo de
revisitá-lo novamente.
Segundo,
já na primeira página sou arrebatado pela escrita fluída e memorialista de
Hemingway, levando-me à compulsão de concluir a leitura em 3 dias. E a
nostalgia em que tece as peripécias na Paris dos anos 1920 são feitas de
maneira delicada porém direta, como é o seu estilo. É um livro crepuscular, não
no sentido da escrita, mas do autor, às portas de completar 60 anos e mais
interessado ou conectado ao passado do que ao presente, a se lhe afigurar
distendido da alma, corrosivo. Muitos afirmam ter ele perdido a genialidade
após os anos 30, e de lá até a sua morte, escreveu obras apenas medianas, sem a
criatividade e engenho das anteriores. Apesar de ser um livro longo, meio
distante dos padrões “hernestinianos”, Por quem os Sinos Dobram
parece-me o título mais próximo de uma obra-prima que algo possa chegar; e
escrito no final dos anos 30.
Alguns
apontam Paris é uma Festa como um livro de memórias. Outros, crônicas.
Ainda outros, ficção. Para mim, é um livro indefinível pois todos os elementos
dos três estilos encontram-se presentes. Não exclusivamente memorialista, ainda
que seja. Nem ficcional, ainda que também o seja. Há um pouco de tudo e,
talvez, esse seja um dos atrativos da publicação. Outro chamariz é o fato dele
tratar de literatura, seja no trabalho e na vida da famosa “geração perdida”
(título que Ernest detestava por considerá-lo reducionista e injusto) ou em
discussões sobre autores do passado (no caso, não tão no passado), como Tostói,
Tchekhov, Turgueniev, Dostoieviski entre outros. Portanto, é um livro sobre
literatura, sobre literatos; um prato cheio, ao menos, para mim.
Hemingway
descreve os loucos anos 20, estabelecendo-se juntamente com a esposa, Hadley, e
o filho na Cidade Luz. Vive basicamente de contos publicados em revistas
alemãs, levando uma vida quase miserável. Existe o charme e o glamour da
cidade, mas ele precisava colocar comida à mesa; e mesmo tendo o seu gênio
reconhecido, não era suficiente para garantir sempre o sustento familiar. Ele
cita a proprietária de uma livraria, Sylvia Beach, que além de fornecer-lhe
gratuitamente livros, fazia também empréstimos (pode-se dizer, doações) nos
momentos mais difíceis. Travou-se uma amizade que garantiu-lhe prazer e
subsistência. E aí temos algo interessante: como a providência garantiu-lhe
meios de viver apenas da literatura ou, ao menos, poder dedicar-se
integralmente a ela até que os frutos pudessem ser colhidos.
Nesse
ínterim, travou conhecimento com vários nomes famosos da época e que permanecem
até hoje, como T. S. Eliot, James Joyce e Picasso. Alguns, nem tanto, os quais
nunca ouvira falar e descobri durante a leitura: Harold Stearns, Katherine
Mansfield, Evan Shipman, Pascin e outros
que são apenas citados ou têm descrições a partir de impressões iniciais do
autor; poucos como Madox Ford e Ralph Dunning receberam mais do que citações.
Entrementes,
três do seu círculo particular, Gertrude Stein, Ezra Pound e Scott Fitzgerald
(este considerado por Hemingway seu grande amigo) ganham ares de protagonistas
ainda que a literatura seja, a meu ver, a grande personagem do livro; nem mesmo
Hem é páreo a ela. Não serei estraga prazeres
a descrever as impressões e análises sobre o temperamento, comportamento e o
relacionamento deles com Hem; a leitura se encarregará de satisfazer a
curiosidade do leitor. Posso, contudo, assegurar que são análises e descrições
a cativar até mesmo aquele pouco afeito a desbravar as qualidades e defeitos de
autores renomados, ou seja, o caráter humano para além ou aquém do bem e do
mal. Ele gasta boa parte do terço final em detalhar a sua amizade com Scott
Fitzgerald e a relação tempestuosa e destrutiva dele com a sua esposa Zelda,
segundo Hemingway uma bêbada enciumada com o talento e sucesso de Francis, e se
esforça em afastá-lo diariamente para festas intermináveis, noite após noite.
Ao
mesmo tempo em que critica com acidez algumas personalidades, descreve outras
com compaixão, carinho e gratidão, com aquele espírito “másculo”, meio seco,
quase obrigatório, sem deixar contudo as entrelinhas falarem por si.
Realmente,
como disse anteriormente, o livro foi uma grata surpresa. O estilo franco,
sincero, faz-se presente, mas é possível vislumbrar uma sensibilidade quase
emotiva, em alguns momentos quase calorosa, perto de um quebrantamento. Sim, Paris
é uma Festa, mas para Hem, entre foguetório, egos inflados e vozerio,
existe apenas barulho; e como outro escritor disse: é “muito barulho por nada”!
______________________________
Avaliação: (****)
Título: Paris é uma Festa
Autor: Ernest Hemingway
Páginas: 178
Editora: Círculo do Livro
28 setembro 2021
Uma semana com a fiel testemunha: William Carey
Jorge F. Isah
Durante anos, tenho lido bastante, não o suficiente (e nunca o será), e realizado anotações no meu blog de leituras e em outros lugares. Decidi então postar essas anotações tal qual foram escritas, sem burilá-las ou alterar-lhes o sentido. Tento assim ser fiel ao apreendido na época da leitura, apenas com a correção de erros datilográficos e ortográficos. Em alguns casos, foram feitas dezenas de anotações; na maioria, algumas. Começarei por um livro que marcou a minha caminhada cristã, e através do qual Deus falou imensamente comigo. Trata-se da biografia do primeiro missionário moderno, o inglês William Carey. Enviado pela Sociedade Missionária de Londres para a Índia, pais pobre, politeísta em cuja tradição praticava-se sem remorsos o infanticídio e o assassinato de esposas, Carey nos deu o testemunho de que, contra tudo e todos, "se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8.31).
Desejo que a leitura destas notas estimule-o(a) à leitura do livro; pois, tenho como certo o fato de a igreja fraquejar atualmente em parte pelo desprezo (o não querer conhecer ou o querer não conhecer) ao testemunho fiel dos santos em todos os tempos.
*****
Notas de uma semana lendo "Fiel Testemunha"
em 2008
*****
*****
Apenas alguém que não buscou a glória pessoal, mas honrar ao bom Deus em
obediência poderia dizer tais palavras; sabendo que tudo feito só foi possível
graças à Ele, que nos amou primeiro.
*****
Há dois apêndices no livro, um fazendo um paralelo da
relevância de Carey para hoje (cap. XI), e outro, o livro escrito por Carey
"Uma Averiguação...", o qual é fundamental para se entender os seus
pensamentos sobre missões e evangelismo.
*****
Existe um filme contando a vida do "pai das missões modernas", denominado "Uma Chama na Escuridão", disponível no Youtube e provavelmente em outras plataformas de streaming.
_______________________
Avaliação: (*****)
Título: Fiel Testemunha - A vida e a obra de William Carey
Autor: Timothy George
No. Páginas: 296
27 setembro 2021
A Superfluidade Humana em “Retrato de Uma Senhora”, de Henry James
Jorge F. Isah
Retrato de uma
Senhora é um livro de conflitos, a perpassá-lo em cada página, parágrafo,
linha. Henry James é um autor e tanto. Ele penetra e fustiga seus personagens
até espremê-los à exaustão e ao limite de suas forças (dele, e deles). E o amor
parece ser a causa, a origem de todos os embates e hostilidades nessas
relações. Seja o amor à pátria, ou alguém, ou a si mesmo, seus desejos ou
convicções, nada é fácil, ou melhor, puro, aos olhos dos personagens. Existe
sempre uma áurea de maldade, de oposição, a impedi-lo de se concretizar,
materializar-se, em meio às imperfeições e sutilezas aspiradas por almas
incapazes de fazer o bem, ainda que o almejem (Ralph, certamente o personagem
mais fascinante do livro, mesmo pretendendo fazer o bem, acaba por reconhecer
que o bem pretendido não foi além do mal realizado. Ainda que seus esforços
sejam nobres, dar à sua prima, Isabel, os meios para realizar o seu idealismo:
ser uma mulher do mundo, conhecendo-o, em sua ânsia por liberdade; motiva-o a
satisfação de ser o benfeitor anônimo, numa prova de desprendimento, mas também
de ascetismo mórbido – Quem ler o livro entenderá).
A ideia do
autor de narrar a trajetória de Isabel, no decorrer de alguns anos, menos de
uma década, e, especialmente, o que lhe sucederia, sendo uma jovem moderna,
independente e visionária, leva-o, contudo, a investigar o fracasso, digo, a
frustração de homens e mulheres a circundá-la; satélites em desarmonia,
perturbados e caóticos, enquanto a estrela central se implode, incapaz de
manter a si mesma, e ao seu círculo, na rota da felicidade. Estão sempre a
colidir uns com os outros; e amontoam-se em camadas de orgulho, vaidade e
pernosticismo. Não é o retrato de uma senhora, mas da alma humana, de uma
sociedade na qual a busca da felicidade e realização tem tão duros e
insuperáveis obstáculos que o desgosto parece ser a forma natural de se viver
enquanto os sonhos se dissipam, como barcos em naufrágios.
O mal se faz
sentir nas doenças, nos encantamentos, nas aspirações, nos convívios, amizades,
casamentos, traições e tentativas; percorre os sentimentos, os atos, os
desejos, e nem mesmo uma alma angélica e adorável como a de Pansy está imune à
tristeza de, sendo cândida, pagar pela impureza dos outros; mais especialmente
de seu pai, Osmand e de sua amiga, madame Merle. Esta, com certeza, é ladina,
finória, vivendo em uma constante trama, planejando tirar dos outros, em
especial o seu círculo mais próximo, as vantagens necessárias para sobreviver,
sem ser ela mesmo capaz de retribuir além das intrigas.
É difícil
escrever sobre uma história sem contá-la; e é o que venho tentando fazer, sem
as vezes obter sucesso. A ideia é relatar o mínimo necessário para aguçar o
interesse do leitor, de que ele se disponha a comprar o livro e, ele mesmo,
venha a descobrir coisas que não descobri, e ver o que não vi. Tomara que eu
possa, com o mínimo, levar alguns a desejarem o muito.
Retrato de uma
Senhora é um grande livro, dos melhores que li ultimamente. A trama é
elaborada, sem os constantes e desnecessários “sustos” e “perplexidades” que as
obras atuais se especializaram, como a maneira mais fácil de fisgar o leitor
(de maneira artificial. Escrevem como se fosse um thriller de suspense e
emoções “sem pé nem cabeça”). Não é um livro fácil; mas certamente, à medida
que se dá voz às personagens, acaba-se por criar uma empatia e cumplicidade com
alguns deles. E o grande livro somente o é se amamos e odiamos, apiedamos ou
desprezamos certas personagens. Escrito no final do século XIX, é uma obra
universal. Talvez, e somente talvez, eu gostaria que James tivesse reduzido o
volume total de páginas em algumas dezenas; me parece que cinquenta seria um
bom número. Mas, certamente, não serei eu a desprezar uma linha sequer do
enredo; pelo contrário, tenho-as, cada uma, como importante para o desenrolar
da história.
Voltando a
ela, creio que a maioria desprezaria ou não entenderia os percalços, dúvidas e
esquemas abusivos e caprichosos em que as pessoas se inseriam ou eram
cooptadas. A questão pode ser entendida como o apelo à “primitividade” humana,
tão distante da “liberdade” com que se goza atualmente. A verdade é que o livro
vai muito além da superficialidade das relações e seus meandros, e que parecem
desmerecê-los em prol dos modernosos avanços do sec. XXI. Ledo engano. O homem
certamente descrito por James conhecia mais de si mesmo e do outro, e por isso
não tinha ilusões, ao menos não se entregava a elas como um cão ao osso. Ao
contrário da aparente fleuma de superioridade, da autoconfiança e da quase
infalibilidade das apreciações e conceitos “modernos”, o homem permanece o
mesmo, em sua busca de felicidade, de satisfação, de realização, mas
esquecendo-se de que nelas reside o seu ser. Ele nada mais é do que aquilo que
faz ou pensa fazer, para o bem ou para o mal. Ele não é, se não fizer; e mesmo
fazendo, deixa de ser. Não o que é, mas o que deseja ser ou pensa ser. Por que
isso? Porque a leitura de qualquer obra deve, no mínimo, não ser apenas a apreciação
da história pela história, mas o que ela revela do homem, do mundo, do
conhecido, do desconhecido, do tangível, do intangível, do natural e do
sobrenatural, do homem e de Deus.
Henry James não pretendeu escrever sobre a necessidade do homem de Deus, mas ao descrever a insuficiência humana e o seu fracasso, deixou nas entrelinhas essa exigência; pela falta pode-se saber a ausência, e naquilo em que somos carentes. E, “Retrato de uma Senhora”, é a síntese da superfluidade que em nada preenche ou pode preencher o homem.
__________________________
Avaliação: (****)
Título: Retrato de Uma Senhora
Autor: Henry James
No. de Páginas: 680
Editora: Cia das Letras
Sinopse: "Retrato de uma senhora, publicado pela primeira vez em 1881, é o primeiro grande romance de Henry James, e talvez sua obra máxima. Num século em que a esposa burguesa insatisfeita tornou-se um personagem literário central, e o adultério um motivo romanesco recorrente - o século da Madame Bovary, de Flaubert, e de Anna Karenina, de Tolstói -, Henry James colocou em cena uma heroína singular, cuja carência essencial é de outra ordem. Com uma narrativa que, astuciosamente, começa lenta, quase contemplativa, e aos poucos se acelera, ganhando dramaticidade, James constrói sua história como um jogo em que cada coisa se transmuta em seu oposto: liberdade em destino, afeto em traição, pureza em artimanha - e vice-versa"
01 setembro 2021
Tiros na Noite: Nenhum pela Culatra
Jorge F. Isah
O que esperar
de uma compilação de contos de um ícone do gênero policial noir, sendo a
maioria deles escritos para publicações baratas, as chamadas Pulp fiction[1],
muito antes da fama?
Para ser
sincero, foi uma surpresa positiva. Ao contrário de alguns que não veem mérito
no processo de formação do escritor, tenho certo interesse por ler os primeiros
trabalhos, aqueles raramente tidos como obras-primas ou relevantes (seja lá
qual significado carregue) para, exatamente, descobrir, ainda que um pouco, a
trajetória e caminhos pelos quais o autor atravessou. Dashiell Hammett não é o
meu predileto do gênero. Gosto mais de Chandler, apesar de ter algumas
ressalvas. Mas, dizer que ele não foi importante ou um mau escritor, vai uma
diferença enorme. Considero, como já disse em outro lugar, O Falcão Maltês acima da média e, para mim, disparado o melhor livro de Hammett (mas suponho
que este seja um ponto sem discordância entre a maioria dos seus leitores).
E “Tiros na
Noite”[2]?
Bem, são 20 contos escritos entre 1920 e 1930, publicados aqui e acolá em
revistas populares, alguns muito bons, outros nem tanto. Mas os primórdios
estão lá: o detetive durão, seco, que desconfia de tudo e de todos e não mede
esforços para desvendar crimes e levar os autores à prisão. Diferente dos
livros policiais clássicos, onde a linguagem mais sofisticada, personagens
aristocratas, sutilezas e uma trama onde o protagonista é um mero coadjuvante,
as histórias de Chandler, Goodis e Hammett colocam o “herói” (se podemos
chamá-lo assim) no papel de proeminência no texto. Não sei se me fiz entender
mas Agatha Christie, Edgar Wallace, George Simenon, entre outros, privilegiavam
a trama, ou melhor, o crime em si, e desvendá-lo era mais importante do que
criar personagens bem delineados e concebidos. Com isso, não digo inexistir
marca ou valor nos protagonistas desses autores, apenas são mais conhecidos
pela capacidade de elucidar dilemas do que exatamente por suas personalidades.
Ao contrário,
os autores “noir” primam pela concepção do herói e a trama se ajustará ao
caráter dele (não faço qualquer tipo de comparação aos talentos, no sentido de
Chandler ser maior que Simenon, p.ex.; a diferença é estrutural). O enigma é
importante, contudo, tão ou mais importante é o agente a desnudá-lo. Então,
temos Spade ou Marlowe, homens comuns (mesmo em suas singularidades),
obstinados, intransigentes em suas missões, dispostos às últimas consequências,
mas muito mais próximos do cidadão com o qual trombamos todos os dias. A força
dos seus caráteres, aliada à necessidade de comer, beber e pagar o aluguel, e o
senso de “utilidade” pública, move a narração até o seu desfecho final. Nem
sempre é a soma do intelecto, da razão, perspicácia ou engenho; as vezes são
coincidências, fortuitas, ambíguas, obscuras. Os “tropeços” nas evidências e
provas.
Pois assim são
os contos deste volume. Um mundo onde o crime é crime, em sua vulgaridade,
doença, crueldade, sem adornos ou disfarces, apenas a realidade nua a despojar-se
diante do leitor. Quase ninguém está disposto a desempenhar um papel benigno ou
satisfatório em suas relações pessoais. A maioria é covarde, bêbada, violenta, nociva,
mesmo em suas superfícies de aparência indelével, de caráter nobre e virtuoso.
Ainda que a alma humana não seja exposta em argúcia e lúcido propósito, o autor
a apresenta em flashes, pegadas em terra dura, capazes de fornecer muitos traços e
aspectos daqueles a marcá-la. Estão lá, para todos verem, e cada um meça a si
mesmo pela régua de Hammett; não quanto à criminalidade mas a humanidade.
Como disse, há
boas estórias e outras nem tanto. Nelas se vê, pela primeira vez, a aurora de
Sam Spade, ainda anônimo, sem os holofotes a iluminá-lo no panteão dos heróis
detetivescos, mas os sinais do brilho advir fazem-se notar. Encontramos os
indícios do que Hammett viria a se tornar, nos anos seguintes, e de como a sua
escrita impactaria e influenciaria a categoria por gerações.
É um livro a
introduzir os não iniciados em “Noir” ou “Hammett”, e a perscrutar um dos
principais modeladores do gênero. Com isso, não há como não indicar o livro, e
esperar que o leitor encontre, como encontrei, as muitas faces do mal moldadas
nas mais díspares figuras: gordas, altas, baixas, magras, homens, mulheres,
gays, muita cobiça e devassidão, e um pouco, um tiquinho de decência e
honradez, a mostrar que mesmo no pior dos mundos a Imago Dei não se
extinguiu por completo. Afinal, no homem
se trava a maior de todas as lutas entre o bem e o mal, e nem sempre este
vence; porque o sopro de vida, o vento a conceber a alma, não extingue.
[1] Quanto ao título desta postagem, não resisti a tomá-lo na linha “Pulp”, estilo com o qual muitas das estórias criadas por Hammett se integraram.
[2] “Tiros
na Noite”, volume único, foi o que li. Existe nova edição da LP&M
dividida em dois volumes.
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Avaliação: (***)
Título: Tiros na Noite - Volume ùnico
Autor: Dashiel Hammett
Páginas: 567 Páginas
Editora: LP&M
Sinopse:
16 agosto 2021
A Doutrina Cristã - Santo Agostinho
Jorge F. Isah
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Avaliação: (****)
Título: A Doutrina Cristã
Autor: Santo Agostinho
Páginas: 288
Sinopse: