30 novembro 2013

Notícias Ruins se Tiram das Manchetes

















Por Jorge Fernandes Isah


"Assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei" [Isaías 55.11].

Deparei-me com este versículo ao final de um texto que defendia a perspectiva de um mundo melhor no futuro, um mundo sempre a prosperar até o dia em que todos ou quase todos se converteriam a Cristo, no dizer de um teólogo. Como a referência é escatológica, e o meu objetivo não é estabelecer uma refutação à  proposta de doutrina do fim dos tempos  (até porque não estou habilitado a isso), mas, exclusivamente, tentar corrigir o caráter “parcial” da dedução do articulista, esclareço que o profeta não o declarou com o objetivo de indicar apenas os benefícios da palavra ao homem. Ao utilizá-lo neste sentido, o teólogo equivocou-se, ou, no mínimo, foi otimista em sua conclusão, pois o verso não alude aos resultados de uma conversão em massa, de uma resposta sempre positiva do homem em relação à palavra.

Vamos andar mais um pouco.

Muitos utilizam-no como prova da eficácia da anunciação do Evangelho, no sentido de que, quanto mais for proclamado, mais pessoas se converterão, mais benefícios serão agregados à vida do homem. Para eles há uma progressão aritmética, uma relação proporcional que indicará a capacidade de se produzir resultados numéricos de salvos, e de bênçãos aos salvos, à medida que a palavra for proclamada. Como uma fórmula mágica, basta aplicá-la para que os seus efeitos proveitosos sejam alcançados pelos homens.

Veja bem, não duvido das conseqüências práticas da pregação do Evangelho, o qual é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” [Rm 1.16], pois, como “invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas” [Rm 10.14-15]

Portanto esta é a única forma do homem ser salvo e conhecer a Deus. Não há outro método estabelecido. Nem mesmo a música como muitos apregoam (a menos que seja com extensos trechos bíblicos, como os Salmos, p. ex.). Nem mesmo o teatro, como outros querem (a menos que seja com extensos trechos bíblicos, talvez, um monólogo). Nem o cinema (a menos que seja mais auditivo do que visual). Nem mesmo um discurso (a menos que seja impregnado por extensas citações bíblicas). Quanto à dança e outras manifestações artísticas, nem é preciso falar da completa ineficâcia como meio de evangelismo [1]. O poder de Deus está na palavra, e ela é o único meio de se proclamar a verdade. Porém, a pregação nem sempre trará frutos de obediência e reconciliação com Deus. O que vale dizer que nem todos aqueles que ouvirem o Evangelho se arrependerão, serão regenerados e salvos pelo poder de Deus, porque o Senhor “cegou-lhes os olhos, e endureceu-lhes o coração, a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, e se convertam, e eu os cure” [Jo 12.40]

Ora, não é assim que o profeta Isaías declarou? “Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor?” [Is 53.1]

O fato é que Isaías 55.11 está a falar muito mais do que a maioria quer ouvir. Ele está a nos dizer que a palavra de Deus jamais, nunca, voltará vazia. Mas em que sentido? Apenas no sentido positivo? Referindo-se à salvação dos incrédulos, ou aos benefícios de santificação, convencimento, instrução e ensino dos mandamentos e da vontade de Deus? Não. Há os efeitos negativos da palavra (em relação ao destino final do homem), a qual também será proclamada para tornar inescusável o réprobo, para condená-lo em sua rebeldia, para julgá-lo por suas transgressões. 

O erro está em se ver apenas um lado da moeda, e recusar-se a virá-la e vislumbrar a outra face. Essa é mais uma influência do humanismo que distorce e compromete o entendimento pleno do texto bíblico, deixando a mensagem capenga, fragmentada, em que um dos significados é tornado superior, ao ponto em que o outro não pode ser visto ou simplesmente é ignorado. Da mesma forma, a interpretação equivocada resultará no entendimento limitado de Deus e Sua obra, no desmerecimento, ainda que inconsciente, da Sua vontade e propósito. 

Não reconhecer o caráter condenatório da palavra é fazer “vistas-grossas” à obra perfeita, acabada, irretocável de Deus, por negligência, ignorância ou malversação da Escritura. Em muitos casos, pode ser sinal de incredulidade também. Por isso Cristo alertou-nos, incisiva e claramente, para o distintivo absoluto da palavra: “Quem me rejeitar a mim, e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia” [Jo 12.48].

O mesmo equívoco é encontrado em João 3.16. Tem-se a falsa idéia de que Cristo morreu por todos os homens indistintamente, e que depende exclusivamente desse homem aceitá-lO ou não como Salvador. É um arroubo de pretensão. Como se Deus estivesse preso à vontade de Suas criaturas. Mas quase ninguém se apercebe de que, dois versículos abaixo, está escrito: "Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus". O verbo crê e o substantivo condenado ligam-se diretamente no verso. Implicando que a condenação daquele que não crê não está no futuro, mas aconteceu no passado. O advérbio revela que a condenação ocorreu de antemão, previamente, não é algo que ainda ocorrerá, nem algo que o ímpio poderá reverter, mas algo inevitável, que foi preparado antecipadamente. O objetivo deste texto não é discutir a eleição, mas afirmar a dupla mensagem do Evangelho, o qual é suficiente para salvar, e igualmente suficiente para condenar.

É verdade que a palavra sem fé não produzirá obediência, regeneração e salvação, antes confirmará a reprovação daquele que jamais será vivificado pelo Espírito Santo. É o que se pode perceber no dizer de Paulo: “Porque também a nós foram pregadas as boas novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram” [Hb 4.2] [2]. De forma que a palavra da verdade produz frutos para a salvação, por Jesus Cristo nosso Senhor, no qual fomos selados pelo Espírito Santo da promessa [Ef 1.13]. Assim, seja para a vida, seja para a morte, a palavra do Senhor jamais voltará vazia.

Há ainda os que vão mais além, e dizem que o versículo refere-se à necessidade de se agarrar à palavra, algo mais ou menos parecido ao termo neopentecostal “tomar posse”, e, assim, ela produzirá, em nossas vidas, uma profusão de bens materiais nunca imaginados, e não voltará vazia mesmo, pois encherá os bolsos, bolsas, sacolas, cofres e os recipientes necessários para satisfazer a sanha carnal, na obscenidade dos deleites pecaminosos de seus proponentes.

Bem, quanto a essa (im)possibilidade, recuso-me a comentá-la, tendo-se em vista o seu nítido caráter corrompido, sua antibiblicidade e lógica maligna. Não passa de mais uma artimanha, um subterfúgio para satisfazer a ganância e a vaidade de quem assim pensa. Por isso é fácil concluir que essa não é a palavra divina, nem nunca foi, mas apenas o maldito vocábulo humano que levará o homem à destruição.
 
Nota: [1] Isto não quer dizer que a música, a literatura, a pintura, a escultura e outras expressões artísticas, não sejam meios de louvor, adoração a Deus, e a proclamação das verdades bíblicas. Elas são. E cumprem o propósito eterno de Deus de ser glorificado por elas. Contudo, não creio que sejam meios pelos quais o Senhor quis se revelar e à Sua obra. Para isso, homens inspirados pelo Espírito Santo escreveram 66 livros santos, que compõem a Bíblia Sagrada, a infalível, inerrante e divina palavra de Deus.
[2] A despeito dos argumentos dos estudiosos e da maioria das mentes cristãs, resisto bravamente ceder à idéia do anonimato de Hebreus. Como estou convencido de que a sua autoria seja paulina, e na minha Bíblia ACF consta que Paulo é o seu remetente, até que me provem o contrário, continuarei a indicá-lo como o autor.
[3] Texto publicado originalmente, aqui mesmo, no Kálamos, em 04.12.2009

21 novembro 2013

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 56 - Dons apostólicos: "Batismo de fogo?"



Por Jorge Fernandes Isah


Entendido quem eram os apóstolos, qual a sua missão e o período em que agiram, conforme exposto na aula anterior, retomemos a questão dos dons apostólicos ou dons do Espírito Santo. Mas antes, quero fazer uma ressalva. Os pentecostais e carismáticos, em geral, afirmam que há dois batismos: um para a salvação e outro pelo Espírito Santo, como um "batismo extra" ou superior. É difícil entender que algo tão fundamental na fé cristã como a salvação, e pela qual Cristo encarnou tornando-se o Verbo Divino, não seja catalogado como algo proveniente do Espírito Santo. Ainda que não digam diretamente que a salvação não depende do Espírito, parece que o Consolador realiza uma obra menor ao salvar e uma obra grandiosa ao conceder certos dons a certos salvos. Mas dentro do escopo de toda a Escritura, o que é mais importante? Ou o que ela mais quis evidenciar? De certa forma estabeleceu-se uma espécie de restrição a uma parcela de crentes que, relegados a um plano inferior, não são acalentados com dons especiais. É uma subcategoria de crentes, somenos graduados, que ainda não experimentaram o máximo de Deus. 

Contudo, não é o que Paulo diz: "Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também. Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito" [1Co 12:12-13]. Ora, o que o apóstolo está relatando é que todos nós, como membros do Corpo de Cristo, fomos batizados e temos bebido de um só Espírito. Isso acontece no momento em que, reconhecendo a nossa condição pecaminosa e afrontadora a Deus, considerando-nos seu inimigo e merecedores do castigo eterno, recebemos a Cristo como Senhor e Salvador de nossas vidas, arrependendo-nos dos pecados cometidos, reconciliando-nos com ele. É claro que nada disso é possível sem a ação direta do Espírito Santo, o qual nos convence, regenera e transforma a fim de sermos feitos filhos adotivos do Pai por intermédio da obra redentiva e conciliadora do Filho. Logo, se o crente já tem o Espírito, para que precisa buscá-lo novamente através de uma "segunda bênção"?

Porém, Paulo novamente diz que "há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós" [Ef 4.4-6]. É possível alguma dúvida? Ou claramente nos é revelado que há um batismo somente, e que o mesmo Deus age em todos nós na mesma intensidade e proporção? Com isso não estou a dizer que produziremos todos a mesma obra, da mesma maneira, mas também não se pode dizer que tal obra ou dom é superior porque Deus está mais evidente em um crente e não tão evidente em outro, ou está mais presente em um e nem tanto em outro. Deus não pode, em sua essência, estar menos ou mais em qualquer lugar, porque ele é uno, indiviso, completo, e ser mais ou menos presente é simplesmente impossível para ele. Ou ele está ou não está. Não há meio termo ou como fracioná-lo, pois ele não está sujeito a variações nem é a soma de partes. E se somos templo do Espírito Santo, o qual habita em todo o eleito [1Co 6.19], como esperar que haja um novo batismo pelo mesmo Espírito?

Ainda que se diga que a falta de um segundo batismo não representa necessariamente a ausência do Consolador, é muito estranho supor que seja preciso uma segunda ação divina onde a primeira não foi suficiente para produzir os dons contingentes à segunda, ou seja, o que todos deveriam receber em comum, na primeira.

Os proponentes do segundo batismo apegam-se a uma interpretação equivocada de Mateus 3.11, no qual João o Batista diz: "E eu, em verdade, vos batizo com água, para o arrependimento, mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo". Segundo o que muitos apreendem, Cristo batizará os seus com o Espírito, mas também com o fogo. O problema é o que vem a ser esse "fogo"? A confusão começa quando tentam relacionar esse trecho com Atos 1.5, onde Cristo diz: "Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias", associando o fato de, no Pentecostes, serem "vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles" [At 2.3]. Uma interpretação simplista pode levar a esse equívoco, porque eles se esquecem de citar o complemento da fala de João o Batista: "Em sua mão [de Cristo] tem a pá, e limpará a sua eira, e recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a palha com fogo que nunca se apagará" [Mt 3.12]. O que lhes parece? João está a falar de um segundo batismo ou de juízo? Não estaria João comparando a obra de Cristo com a de um plantador de trigo?

Uma análise, mesmo superficial, da fala de João mostra-nos que a inserção de um "batismo de fogo" é algo completamente estranho ao texto. Primeiramente, ele está batizando no rio Jordão, onde iam ter com ele Jerusalém e toda a Judeia; e os batizados confessavam os seus pecados. Em seguida, ele viu que muitos fariseus e saduceus vinham ao seu batismo, o que lhe inflamou a dizer: "Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?" [Mt 3.7]. E o que seria a ira futura? Não estaria falando do inferno, reservado para satanás, seus anjos e os réprobos, "onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga" [Mc 9..4]? Em seguida, ele diz que o machado está posto à raiz, e que toda a árvores que não produz frutos será cortada e lançada no fogo do inferno. A mesma imagem encontra-se presente na parábola do joio e do trigo, proposta pelo Senhor, na qual ele tem a missão de separá-los, colhendo o primeiro, atando-o em molhos e queimando-o [novamente temos o fogo como símbolo de juízo], para, em seguida, ajuntar o trigo no seu celeiro [Mt 13.24-31]. 

João está a dizer aos fariseus e saduceus que ele é aquele cuja missão destina-se a apontar não para si mesmo, mas para Cristo. Diante da pergunta dos judeus: "Quem és tu?" [Jo 1.19], ele confessou que não era o Cristo, mas a voz do que clama no deserto. Inquirido novamente do porquê batizava então, já que não era o Cristo, nem Elias, nem o profeta, respondeu: "Eu batizo com água; mas no meio de vós está um a quem vós não conheceis. Este é aquele que vem após mim, que é antes de mim, do qual eu não sou digno de desatar a correia da alparca" [Jo 1.26-27]. 

Com isso, qualquer inferência de que o "fogo" ao qual João evoca é uma segunda forma de batismo, se torna estranha a toda a sua declaração. Ele está, primeiramente, revelando aos fariseus a pessoa de Cristo e seu ministério, e, em segundo lugar, alertando-os da ira futura que sobreviria a eles, através do fogo, numa alusão evidente do juízo  ao qual eles estariam sujeitos, quando presumiam-se de si mesmos que eram filhos de Abraão. O sentido de "filhos de Abraão" é essencialmente espiritual, como o pai a quem Deus prometeu uma descendência, o próprio Cristo, através do qual a sua família seria mais numerosa do que as estrelas do céu e os grãos de areia na praia [Gn 22.17-18]. 

Cristo é revelado por João como aquele que separará os bodes das ovelhas, o joio do trigo, a árvore que dá frutos das que não dão. Qualquer tentativa de fugir deste ensinamento é forçar o texto a dizer o que não diz, e que João, divinamente inspirado, não disse. 

Notas: 1) Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico
2) Baixe o áudio desta aula em Aula 73 - Dons II.MP3

15 novembro 2013

Estudo da C.F.B. 1689 - Aula 55 - Dons apostólicos: Há apóstolos, hoje?


Por Jorge Fernandes Isah

Desde o início do século passado, com as manifestações carismáticas surgidas na Rua Azuza, em Los Angeles, em 1906, pelas mãos do ministro negro, William Joseph Seymour, que o Cristianismo, em nome de um "reavivamento", tem ensaiado uma série de experiências que remontam aos primórdios da Igreja Primitiva, mais especificamente o período apostólico, no séc. I. Mas, esses dons teriam realmente voltado? Ou eles estariam circunscritos a um momento histórico específico, e o que temos, hoje em dia, nada tem a ver com o Espírito Santo, pois houve um hiato de quase dois mil anos entre aquele e este período? Seriam as formas atuais as mesmas das realizadas antigamente? E estariam em conformidade com os relatos bíblicos e aplicados convenientemente como relatam os registros sagrados?

Primeiramente, devemos definir o que vem a ser dons apostólicos, mas antes disso, quem são os apóstolos e qual era a sua missão. A palavra apóstolo significa enviado ou mensageiro, aquele que anuncia algo ou alguém, e, no Novo Testamento, a missão deles era a de anunciar Cristo e o seu Evangelho; e, para isso, teriam de ser comissionados pelo próprio Senhor, chamados por ele para exercerem essa missão, não sendo possível que alguém se autointitule ou denomine-se a si mesmo com tal, sem sê-lo. Não há, na Escritura, um só apóstolo que não tenha recebido o seu mandato diretamente do Senhor, como nos revela o evangelista: "E, quando já era dia, chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos" [Lc 6.13], e que não tenha convivido com ele e testemunhado a sua ressurreição ]At 1.21-22]. 

Alguém pode dizer que os apóstolos tinham o poder de nomear outros apóstolos e que esses poderiam nomear outros e mais outros, continuamente, numa espécie de apostolado sucessório, aos moldes do que a Igreja Católica reivindica para o papado. Contudo, não se tem, na Bíblia, qualquer referência a essa ordem sucessória, e os que hoje tentam reclamar para si mesmos algum apostolado nada mais fazem do que repetir o erro romanista, ao qual dizem oporem-se mas acabam por defendê-lo e inseri-lo em suas práticas não-bíblicas. 

Alguém ainda pode insistir que Matias, o apóstolo nomeado a substituir Judas Iscariotes, não foi diretamente nomeado por Cristo. Mas, espere um momento, para quem propõe a ação do Espírito Santo em eventos no mínimo discutíveis como os levantados pelo movimento carismático atual, pois estão muito aquém ou além do texto bíblico, por que não reconhecer a ação do Espírito de Deus na escolha do novo apóstolo? Houve oração e clamor para que ele, que conhece todos os corações, mostrasse qual, dentre José e Matias, seria o escolhido, "para que tome parte neste ministério e apostolado... E, lançando-lhes sorte, caiu a sorte sobre Matias" [At 1.23-26]. Alegar que coisas estranhas à Palavra são supostamente manifestações do Consolador [o qual é o Espírito de Cristo] e de que ele não interviria em algo tão vital para a expansão do Evangelho, parece-me um contra-senso. 

Ainda alguém pode alertar para o fato de Paulo não ter convivido com Jesus, e ainda assim, foi feito apóstolo. Realmente, ele não foi testemunha direta do ministério terreno do Senhor [ainda que tenha sido indiretamente], mas, de uma forma especial e exclusiva, foi chamado pelo próprio Cristo, sendo testemunha ocular da sua ressurreição. É o que ele nos diz: "Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos)" [Gl 1.1], e, ainda, ao falar das aparições de Cristo: "E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus" [1Co 15.8-9], e, mais uma vez: " Porque aquele que operou eficazmente em Pedro para o apostolado da circuncisão, esse operou também em mim com eficácia para com os gentios" [Gl 2.8]. Ora, temos que Paulo se colocou em posição de igualdade no ministério apostólico de Pedro, apenas com a distinção quanto aos seus ouvintes, o alvo da sua pregação. 

Logo, não se pode falar em apóstolos modernos, pois nenhum dos que assim se intitulam preenchem as características necessárias: o chamado direto de Jesus, sobretudo, como testemunhas irrefutáveis da sua ressurreição. 

O Segundo ponto a ser analisado é sobre a sua missão. Lembre-se de que à época, os apóstolos estavam num período de transição entre a antiga e a nova aliança, e de que a igreja estava sendo formada. Eles, como emissários de Cristo, confirmariam indubitavelmente a verdade de que muitos sabiam, ainda que vagamente, acerca de Jesus, sua missão, morte e ressurreição, como um fato indiscutível e impreterível, levando-a tanto a judeus como a gentios. Toda a obra apostólica se baseava nesse fundamento, de que Cristo não somente era o Messias mas o Filho de Deus. O aspecto final dessa missão foi que os apóstolos, inspirados pelo Espírito Santo, escreveram e legaram à igreja, em todos os tempos, a santa e bendita palavra de Deus. Nem uma só linha do Novo Testamento foi redigida por alguém que não fosse apóstolo ou estivesse diretamente ligado a um deles, no caso, eram seus discípulos que, orientados pelas fontes primárias e sob a supervisão do Espírito, relataram os fatos relacionados à pessoa de Jesus e seu ministério. 

Com isso, chega-se facilmente à conclusão de que não há mais revelações divinamente inspiradas a serem transmitidas à Igreja, visto que o Cânon encontra-se concluído, não necessitando a nenhum crente nenhuma outra orientação que não esteja contida na Escritura Sagrada; o que nos leva a reconhecer que o ministério apostólico transcorreu em um determinado momento da história, e de que a missão daqueles homens chegou definitivamente ao fim, sem que houvesse sucessores ou novos mensageiros. Até, porque, a Igreja está edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor; no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito" [Ef 2.20-22], e, se uma casa não pode ter mais do que uma fundação, onde nelas são construídas paredes, colunas, vigas, telhado, piso, etc, como seria possível outro fundamento além daquele onde são dispostos o princípio da fé, de que Cristo é a pedra de esquina? Além de desnecessário é absurdo, e representaria a "invenção" de outra fé, de um outro "cristianismo", o que muitos têm se especializado e empenhado em produzir. 

Outra conclusão facilmente alcançável é: a igreja, quando se afasta desse entendimento, ainda que seja minimamente, se torna alvo acessível para a investida dos falsos-mestres e profetas e seus absurdos doutrinários. Invariavelmente acabam por apostatar a fé, negando a verdade e penetrando a mentira, instalando-se nela como uma genuína aberração religiosa, agindo ímpia, incrédula e dolosamente na admissão e difusão de ideias contrárias e excludentes à fé uma vez dada aos santos. Se no AT havia o ministério em que os profetas de Deus expunham publicamente a falácia e malignidade dos falsos-profetas, hoje, cabe-nos, como Igreja, denunciá-los e expô-los como charlatões e falseadores da verdade. O princípio para isso é um só, orientarmo-nos e deixar-nos guiar pela Escritura, através da qual o Espírito Santo nos falará e conduzirá em toda a verdade. 

[Continua na próxima aula]

Nota: 1- Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico
2 - A foto desta postagem é um "Autorretrato como o apóstolo Paulo" [Rembrandt, 1661].