Jorge F. Isah
Aproveitando o "oba-oba" do lançamento do filme "Caixa de Pássaros", no NetFlix, reproduzo aqui a pequena resenha do livro homônimo, de Josh Marlerman, lido em 2016, e publicada no blog "O que estou lendo... ou li" e na Amazon. A previsão feita, há dois anos, se concretizou: o livro virou filme, como já era de se esperar.
Então, se você ainda não leu o livro, nem viu o filme, leia os meus comentários, e sossegue, pois não dou spoiler do enredo, como é de praxe.
Deixo-lhes, portanto, as minhas impressões à época da leitura, o que, de certa forma, se confirmou novamente, ao assistir o filme.
Boa leitura!
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DIVIRTA-SE, E ESQUEÇA!
Josh Malerman é compositor e músico de uma banda de rock desconhecida (ao menos para mim), que se chama "High Strung". Não é uma boa credencial, desde o seu início, para um escritor. Não li os escritos de todos os roqueiros, vivos e mortos (e nem o poderia, a fim de preservar a minha sanidade), mas, do que li, não posso dizer que o gênero musical colabore com a literatura. A despeito de Bob Dylan ter ganhado o Nobel (se há um absurdo, esse foi o maior; um letrista apenas bom, e nem sempre, ganhou o maior prêmio literário do mundo), ele não pode ser considerado "ipsis litteris" um rocker, pois a sua trajetória musical está mais ligada ao folk ou àquele tipo de música niilista e de protesto que os rockers "cabeça feita" gostam de ouvir e impingir aos outros. A escolha do Nobel poderia recair sobre Cormac McCarthy ou Don DeLillo, por exemplo. Escritores infinitamente melhores do que o mediano letrista Dylan.
Bem, mas deixemos os músicos de lado.
O livro é um thriller de suspense, com altos e baixos. Vamos a eles:
1) Gostei do subtítulo: "Não abra os olhos"! Para o leitor voraz isso seria uma heresia, um castigo medonho, ou para quem aprecia as belezas e maravilhas criadas pelo bom Deus. Há um elemento subliminar de que, ao não abrir os olhos, o livro não será lido. Seria uma advertência do autor ao leitor?... Brincadeirinha...
É claro que o objetivo da mensagem é revelar algo da narrativa, já instalar no leitor o pânico ou a apreensão pelo que se segue após virar a capa. Sinceramente, chamou-me a atenção, e de alguma maneira, influenciou a minha decisão de comprá-lo.
2)Gostei da história. O seu mote é interessante. Em um mundo apocalíptico, quem vê se flagela e morre (a influência diabólica de levar a alma ao suicídio, à autoflagelação). Melhor, então, não ver, e se esconder do mundo exterior, ainda que suas ameaças estejam a cercar, pairando sobre os personagens. Não é original; a narrativa pós-apocalíptica tem sido muito utilizada na literatura, no cinema e nas artes em geral (a moda atual é a de filmes sobre um mundo dominado por zumbis, ET's e figuras fantasmagóricas. O que antes acontecia em privado, em particular, com um ou outro personagem, se disseminou, e cidades, países inteiros, são dominadas por seres não-humanos). O suspense sempre vendeu e continuará vendendo, a despeito de não haver mais escritores geniais como no passado, Stevenson e Poe, e, mais recentemente, Lovecraft e King (este nem tão genial, mas ainda dá o seu caldo).
3) Se os personagens não têm a profundidade dos construídos por Dostoiévski e Tolstoi, ao menos são bem definidos, e os seus papeis no enredo também. Existem "furos" e inverossimilhanças em algumas de suas atitudes e falas, mas nada que possa considerar exageradamente falso. Afinal, é ficção.
4) O autor consegue manter o clima de suspense da narrativa e prender a atenção do leitor. Vá lá, não é grande coisa, mas dá para passar algumas horas de diversão com o livro.
A alternância entre presente e passado quebra um pouco da monotonia que poderia levar a história ao fracasso completo.
5) Apesar da desagregação da sociedade, onde é cada um por si, houve o cuidado do autor em demonstrar não somente a necessidade do agrupamento de sobreviventes, mas a postura de alguns em abrigar e chamar outros para o lugar que consideravam seguro. Mesmo a fragilidade humana em um mundo caótico, leva-os a fortalecerem-se e buscarem formas de manter a esperança viva. É o caso do personagem Tom, um idealista, no bom sentido da palavra, um incansável promotor da fé; não existe crise maior do que não buscar as soluções, é o que pensa e tenta transmitir aos demais.
Existem conflitos morais e éticos; e o que não se via, mas sabia, no "lá fora", acaba por acontecer no interior da casa.
No final, existe esperança também para Malorie e seus filhos.
6) A ideia é boa, mas a narrativa não se desenrola com a mesma eficiência. Como já disse, o autor consegue manter o "clima" de suspense, até certo ponto, mas de uma maneira geral, o enredo é apenas razoável. No seu desenrolar faltou a Malerman a perícia e habilidade de um construtor de histórias experiente e talentoso, como McCarthy e o seu "A Estrada", por exemplo.
Já é praxe eu não fazer sinopse ou contar a história, para não tirar o prazer do futuro leitor; então, o que posso dizer mais?
Bem, se está esperando arrepios e uma história envolvente, daquelas de perder o fôlego, desista. Não é para você.
Se deseja uma narrativa inteligente, com detalhes minimamente pensados e descritos com maestria, e um final que faça sentido, desista também.
Se quer um livro para ler em um dia, de supetão, e passar algumas horas distraído e, até mesmo se divertir, para depois esquecê-lo, ele pode atendê-lo.
É o primeiro livro de Malerman, e ele pode melhorar e aprimorar algumas qualidades que tem. Precisa, talvez, deixar de pensar em escrever um livro-filme (a moda são enredos que possam e, já pensam, em se tornar em filmes. Não se contentam apenas com o papel...) e sair um pouco dos clichês, tão comuns aos livros de suspense (projetados para serem películas, num futuro próximo).
Não peço originalidade, pois isso é bobagem, na maioria das vezes, ou em todas. Mas uma boa ideia, técnica, boa narrativa e um enredo que se sustente, já o tornaria em uma promessa alvissareira neste século.
Então, vamos esperar o próximo volume.
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AVALIAÇÃO: (**) REGULAR