26 maio 2024

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 39: A prova da Trindade - parte 2





Jorge F. Isah
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Não vou repetir aqui o que já disse outras vezes, especialmente neste estudo sobre o ser de Deus, que é o capítulo dois da C.F.B, mas analisar biblicamente a doutrina da Triunidade.

Pois bem, dias desses, assisti ao vídeo do pr. Paulo Romeiro no YouTube, como uma prova incontestável da doutrina da Trindade[1]. À primeira vista, fiquei realmente embasbacado com a prova. Primeiro, assista o vídeo, e depois continuamos.

O pr. Romeiro citou Isaias 6.1-8; João 12.37-46 e Atos 28.23-28. Analisando os versos podemos ter certeza de que Deus é Triuno? Bem, alguns pontos iniciais que me chamaram a atenção:

1- O profeta Isaías vê o Senhor dos Exércitos e a sua glória, de quem os anjos clamavam entre si, dizendo: “Santo, Santo, Santo” [um triságio, do grego tris-agion, significando três vezes Santo]. Esta expressão, utilizada na Escritura em Is 6.3 e AP 4.8, parece-me o reconhecimento dos anjos e da própria revelação especial quanto à santidade divina, o que faz os anjos eleitos [igualmente feitos santos, sem pecado, não por si mesmos, mas pela vontade de Deus] afirmarem que Deus é o único e perfeitamente santo. Mas também nos remete à sua natureza Tripessoal, na qual o ser divino subsiste em três pessoas: o Pai e o Filho e o Espírito Santo, responsivamente indicado pelo "Santo, santo, santo".

2- O profeta ouviu a voz do Senhor que disse: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” [v.8], onde, novamente, Deus se refere a si mesmo no plural, não na pluralidade de “deuses”, mas na pluralidade de pessoas ou personalidades.
Interessante que uma das acusações dos antitrinitarianos é de que nós somos politeístas e pagãos. Mas mostre-me em qual religião pagã e politeísta há a ideia de um Deus subsistindo em três pessoas? A doutrina da Triunidade divina não encontra eco em nenhuma outra religião a não ser no Cristianismo, e, por isso, certamente é tão atacada e rejeitada.

3- Romeiro diz que o Pai foi visto por Isaías, mas João diz que Isaías viu a Cristo, e Paulo diz que o profeta ouviu o Espírito Santo. Como disse, à primeira vista pareceu-me irrefutável o argumento. Porém, analisando mais detidamente a questão, e após ler alguns contra-argumentos, ela parece ser uma desgraça para os unitaristas, mas nem tanto para os unicistas. Estes podem claramente afirmar que os textos em si revelam que Cristo é o único Deus, validando assim a heresia: Isaías viu Cristo como o Pai, o Senhor dos Exércitos, mas que foi entendido por João como sendo Cristo, e por Paulo como sendo o Espírito Santo, ou seja, Cristo se manifestando de modos diferentes. Será?

4- Nos trechos acima temos a repetição de um mesmo verso, de Isaías 6.10, indicando que os apóstolos, sem sombra-de-dúvidas, referiam-se a ele.

5- Eles demonstram a unidade de Deus, de que Deus é um. Também deixa claro que há três pessoas subsistindo no único Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. E salta-me aos olhos que, havendo três Pessoas, elas, em unidade, são a causa de tudo, seja na criação, na salvação, na sustentação; podemos referir-nos a uma das Pessoas como sendo a que criou ou salvou, de forma que ela participou ativamente em cada etapa da obra divina. É o que a Bíblia nos revela quando diz que Deus criou o universo, lembrando-nos de que foi uma obra conjunta das Pessoas que subsistem no Criador: o Pai, o Filho e o Espírito, em sua vontade e ação únicas operaram inseparavelmente na criação, sem, contudo, confundirem-se, como uma única pessoa. Em sua natureza e essência Deus é um, subsistindo em três Pessoas distintas, que se relacionam eternamente entre si. E, por conseguinte, pode-se dizer que as três realizaram, cada uma, a mesma obra.

Por exemplo, em Gênesis 1.1, Deus criou os céus e a terra, mas, em Jo 1.3, Cristo é apontado como o criador de todas as coisas, as quais, sem ele, não seriam criadas. Gênesis 1.2, Jó 26.13 e Salmos 104.30 indicam-nos que o Espírito Santo é o criador do universo. Assim, o mesmo acontece em relação à obra de salvação: o Pai salva [Jn 2.9, Jo 3.16-17], o Filho salva [Mt 1.21, Jo 4.42] e o Espírito Santo salva [Tt 3.5]. De forma que há uma ação conjunta da Trindade em tudo, ainda que se possa designar individualmente uma ou outra como o seu agente direto. A obra, no fim-das-contas, pertence a cada uma delas, porém realizadas em unidade, conjuntamente, como consequência da vontade única e indissolúvel de Deus.

A questão, portanto, não é se os trechos apontados pelo pr. Romeiro defendem o unicismo, o que não é verdade. Nunca, em tempo algum, qualquer versículo bíblico pode ser usado como argumento para o engano, o pecado ou a heresia. Jamais haverá afirmação escriturística que corrobore ou induza o homem a qualquer desvio. Logo, a culpa não é da Bíblia, mas da mente imperfeita, pecaminosa e caída do homem que interpreta equivocadamente o que o texto diz ou, a partir de pressupostos falhos, ele induz o texto a dizer o que não diz, e conclui, para a sua desgraça, que o texto confirma o que a sua mente doente não é capaz de ver: que nada do que pensa ou concluiu tem procedência divina, e foi revelada por Deus. A deficiência é completamente humana, na incapacidade de reconhecer a verdade, e apenas vislumbrar o engano.

Eles, antes, declaram que Deus é um e opera todas as coisas por intermédio das três Pessoas. O que há, na verdade, é uma distorção do ensino bíblico, ao se afirmar que as Pessoas são meras manifestações, estados ou modos de uma única personalidade. O pressuposto de que há um só Deus exclui, na mente herética, a sua tripersonalidade; o que faz desses, ao contrário do que querem parecer, os verdadeiros idólatras, ao adorarem e reverenciarem uma força, o Espírito Santo, ou um ser criado, Cristo. Fazer todas as passagens onde consta o nome "Deus" parecer serem obras de uma única pessoa é o reducionismo que adverti na aula passada, e pertence à mente racionalista dos unitarianos e unicistas. É como se eles vissem uma macieira carregada de frutos e acreditassem estar diante de uma única maça, esquecendo-se do tronco, galhos, ramos, flores e demais frutos que constituem a árvore. Com isto não estou a dizer que Trindade pode ser comparada a uma árvore, nada disso. O exemplo está a afirmar a incapacidade dos antitrinitarianos reconhecerem a verdade, desprezando a revelação que o próprio Deus faz de si mesmo. Toda a cegueira deles está no fato de serem também pragmáticos e se interessarem pelo resultado, seja ele qualquer um, desde que redunde em algo "palpável" e que atenda aos anseios dos seus intelectos.

Por isso, me assusto quando cristãos criticam o argumento do pr. Paulo Romeiro, como uma defesa do unicismo. Ela não é; pelo contrário, nos revela a unidade e a diversidade divina, onde a glória de Deus é compartilhada tanto pelo Pai, como pelo Filho, como pelo Espírito, em um inter-relacionamento eterno, perfeito, santo e infinito, capaz de nos levar às lágrimas, à emoção, mas sobretudo à adoração, louvor e gozo em saber que o amor de Deus por nós não surgiu a partir de uma necessidade divina de se relacionar com a criação, mas é eternamente vivo no relacionamento intrínseco que há entre as Pessoas da Trindade.

Isaías viu o Pai ou o Filho? Ouviu o Pai ou o Espírito Santo?

Cristo disse que quem o vê, vê ao Pai [Jo 14.7, 9]: a mesma natureza ou essência divina, sendo duas Pessoas distintas. De forma que, ao afirmar duas vezes coisas aparentemente contraditórias, estava referindo-se à vontade e propósito iguais de ação por meio da Trindade. Senão, vejamos:
"Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito" [Jo 14.26];

e

"Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim" [Jo 15.26].

O que lhes parece? O Pai ou o Filho é quem envia o Consolador, e em nome de quem? Ainda que não se possa explicar tudo, e tem-se de entender que a Trindade é um mistério insondável para o homem, ao menos por hora e aqui, o que está claro é o propósito e ação únicas das Pessoas. Não há mistura de Pessoas ou elas não podem ser distinguidas em suas ações, mas há uma só vontade e um só propósito, deliberação, decisão ou resolução no Pai, no Filho e no Espírito Santo, uma harmonia de intentos somente possível no Ser perfeito, eterno e santo de Deus. De outra forma, não estaria ele lançando-nos uma pegadinha? Por que haveria distinção de nomes e pessoas sendo elas uma só personalidade? Com qual intento Deus se revelaria equivocadamente ao homem? Para confundi-lo?

O fato é que os textos indicados pelo pr. Romeiro não defendem o unicismo, mas a Trindade, de forma que aquele que crê no Deus bíblico crê na Pessoa do Pai, do Filho e do Espírito Santo; e aquele que não crê no Pai, no Filho e no Espírito Santo desconhece verdadeiramente a Deus, e dele não é conhecido.
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ÁUDIO DA AULA 39: 


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Notas: [1] O vídeo do pr. Paulo Romeiro intitulado, "A Trindade em Isaias 6", pode ser acessado na aula anterior, clicando AQUI
[2] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico


23 maio 2024

A etérea e translúcida cara-de-pau!





Jorge F. Isah
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Um dos ícones revolucionários do sec. XX foi, certamente, Che Guevara, sim, aquele que a torcida mais fanática e delinquente estampa em suas bandeiras. Aquele das camisetas de dândis e almofadinhas, e do pôster na parede do quarto, à cabeceira da cama, o anjo das trevas. Che que matou índios, negros, homossexuais, trabalhadores, estudantes e mais quem se opunha ao seu pensamento hermético, tornou-se símbolo de defesa da vida. O homem que ordenou a prisão, a tortura e morte de centenas de outros homens, disposto a insuflar uma guerra onde estivesse, hoje é o símbolo da paz. O homem que elaborou frases de amor, solidariedade e sonhos, era diametralmente oposto em seus atos beligerantes, intransigentes, excludentes e torturantes. Falava do que não conhecia, e iludiu muitos com o seu falso conhecimento, pura lábia de uma mente vingativa e diabólica. Mas haverá sempre os desejosos em seguir o próprio capeta, desde que ele seja convincente e descolado, ou aparente piedade quando é peçonhento e desumano.

Esse Che (stalinista empedernido e defensor ferrenho de Josep) está nos códigos e marcadores de livros de qualquer um que renunciou à própria consciência para salvaguardar o barbarismo e a hipocrisia revolucionária. E esse é o mote de Ernesto e inúmeros dos seus seguidores: fazer do embuste e do vício uma virtude.

Com palavreado adocicado a fel, frases açodadas, slogans e uma propaganda intensa do mito a negar o homem, diga-se, mau e perverso, gerações e gerações serão acalentadas com a balela ideológica de que os fins justificam os meios, seja lá qual meio for, para construir um mundo melhor que em nada melhora, em tudo piora, restando então o progresso para a fortuna e fartura de alguns poucos, a casta ou elite a substituir outra casta e elite por si mesmos.

Deixo-vos, portanto, com as melhores frases (sic) do mito Che, que soube muito bem ludibriar os ouvidos moucos e espíritos pacóvios de a “revolução” ser o melhor antídoto para o mundo injusto, desigual e miserável; e caso não desse certo, como efetivamente não deu, qualquer outra forma de rebelião seria combatida com as mais altas doses de injustiça, desigualdade e miserabilidade. Sem contar o pensamento tacanho, indigente e miserável do “nobre” frasista...

E o “rei” somente não ficou completamente nu porque o vestiram da mais tênue, etérea e translúcida cara-de-pau!
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FRASES¹:

. “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.

· Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética.

· Se eu andar me siga, se eu parar me empurre, se eu voltar me mate.

· Não há experiência mais profunda para o revolucionário que o ato da guerra.

· Acima de tudo procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário.

· Fuzilamentos? Sim, fuzilamos e continuaremos fuzilando sempre que necessário. Nossa luta é uma luta (dedicada) à morte.

· O importante não é justificar o erro, mas impedir que ele se repita.

· A farda modela o corpo e atrofia a mente.

· Deixe-me dizer-lhe, correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor.

· Na verdade, se o próprio Cristo estivesse no meu caminho eu, como Nietzsche, não hesitaria em esmagá-lo como um verme.

· O verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de generosidade; é impossível imaginar um revolucionário autêntico sem esta qualidade.

· Que culpa tenho eu, se meu sangue é Vermelho e meu coração é de Esquerda?

· Que importa onde a morte nos irá surpreender! Que ela seja bem-vinda, desde que nosso grito de guerra seja ouvido, que uma outra mão se estenda para empunhar nossas armas e que outros homens se levantem para entoar cantos fúnebres em meio ao crepitar das metralhadoras e novos gritos de guerra e de vitória!

· A culpa de muito dos nossos intelectuais e artistas reside em seu pecado original; não são autenticamente revolucionários.

· Eu não sou o Cristo ou um filantropo, velha senhora, eu sou totalmente o contrário de um Cristo… eu luto pelas coisas em que acredito, com todas as armas à minha disposição e tento deixar o outro homem morto, de modo que eu não seja pregado numa cruz ou qualquer outro lugar.

· O ódio intransigente ao inimigo, que impulsiona o revolucionário para além das limitações naturais do ser humano e o converte em uma efetiva, seletiva e fria máquina de matar: nossos soldados têm de ser assim.

· Louco de fúria, mancharei de vermelho meu rifle estraçalhando qualquer inimigo que caia em minhas mãos! Com a morte de meus inimigos preparo meu ser para a sagrada luta, e juntar-me-ei ao proletariado triunfante com um berro bestial!

· Um revolucionário deve se tornar uma fria máquina de matar motivado pelo puro ódio. Nós temos que criar a pedagogia do Paredão!”
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Notas: 1- Tente não rir e não chorar, não sentir náuseas e vomitar, não ter urticárias e coçar, beliscar-se e acordar; se puder, em meio a tanta contradição e barbarismo (intelectual, semântico, moral e psicológico).
2- Texto publicado originalmente na Revista Bulunga


19 maio 2024

O pavio curto das “Tochas da Liberdade”

 



Jorge F. Isah

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Feministas, junto com o movimento gay, são as grandes forças revolucionárias da atualidade. Nem os sindicatos, antes os motores das convulsões sociais, estão mais em moda. Perderam força com o passar do tempo, superados por seios à mostra, defecações públicas e muito pompom e lantejoula. Não estou a generalizar, muito menos dizer que toda feminista e todo gay fazem ou defendem essas táticas de, mais do que reivindicar, buscar a convulsão, o tumulto, a sublevação da ordem e da tradição. Não é isso, que fique bem claro! Contudo, a face visível das manifestações, além da arrogância, intolerância e provocação gratuitas, não foge a esse escopo, o de substituir o debate sério por meios bárbaros e inurbanos... E o politicamente correto revela-se dia a dia, e cada vez mais, hipócrita, falso e desleal, pois, convenhamos, as mesmas exigências feitas aos antagonistas ou “inimigos” não vale para os pares e correligionários; agremiações e grupos que se manifestam, do ponto de vista da ação e do ativismo militante (sic), contrariam exatamente o que professam (ao menos em relação aos seus desafetos). Em outras palavras, o truculento, o violento é sempre o adversário, mesmo que ele nunca tenha desferido um soco, cuspe ou tapa em alguém, enquanto o “amigo” pode não somente realizar tais coisas, mas outras ainda piores, com a justificativa de “resistência” às injustiças. O que em um é condenado, no outro é absolvido. E o discurso toma ares de incongruência, desatino e absurdo, com laivos de agressividade desnecessária, seja pela histeria, pela ameaça, pela mentira, ou algum distúrbio hormonal e psíquico. A questão é de força, e não de argumentação, e ela se transforma na arma imprescindível ao sucesso.


  
Se as campanhas publicitárias, filmes, séries e novelas (pasmem! Até desenhos infantis) glamorizam a desobediência, o sexo irresponsável e desenfreado (parece uma maratona para ver quem fica com mais parceiros na reta final), o egoísmo e o pensamento linear, onde não existe lugar para debates, altercação; o monopólio dos temas e disputas se torna exclusividade, e a alienação mental nessa única ideia absorve todas as faculdades mentais do indivíduo, ao ponto dele não ser capaz de arrazoar nada além daquilo que lhe foi dito e prontamente aceito, sem questionamentos e dúvidas; na medida em que os fiascos e desgraças transmutam-se em vitórias, dominados pelo sofisma de labutar uma luta inglória e corrosiva.

Quando um grupo de mulheres saiu às ruas, no fim da década de 1920, na Quinta Avenida, em New York, o Easter Sunday Parade, em pleno domingo de Páscoa, ostentando cartazes onde os cigarros eram identificados como “tochas da liberdade”, a apelar para o direito inalienável de fumar (algo imoral na época), a fim de pôr de vez o “machismo” e o “patriarcado” em maus lençóis, a ideia era colocar homens e mulheres no mesmo pé de igualdade, ou seja, fazer da vaidade, do orgulho, uma bandeira (tenho para comigo que a vaidade/orgulho é apenas sinal mais “nobre” do fútil e presunçoso). Afinal, nada mais “empoderador” do que riscar um fósforo em público para todos verem quão “independente” pode ser a vontade mulíebre.


   
Por trás de tudo isso estava o gênio publicitário de Edward Bernays (austríaco e sobrinho de Freud que, incompreensivelmente, é desprezado pelas alas libertárias), contratado pela American Tabacoo Corporation, a fim de dobrar o consumo dos cigarros da marca. Nada melhor do que estimular as mulheres a quebrar o tabu, via luta social, e garantir-lhes o direito de consumo a algo estritamente masculino. Diga-se de passagem, as mulheres fumavam cigarros e charutos, mascavam fumo e bebiam, em reservado, em reuniões privadas, lares, etc., algo restrito e até mesmo combatido por várias ligas femininas (notem a diferença, por favor!) no decorrer da história, mas nada melhor para alavancar a demanda do que popularizar o consumo de tabaco em público.

Assim, naquele domingo de Páscoa, quando o Cristo veio para verdadeiramente libertar o homem (aos incautos, estou a falar do ser humano, no qual as mulheres estão inseridas), ironicamente o E.S.P. queria libertar as mulheres da liberdade e prendê-las ao vício. Nada mais incoerente; mas assim funciona o discurso ideológico.

Por fim, a marca “Lucky Strike” vendeu muitos milhões a mais de maços de cigarros, e as “tochas da liberdade” queimaram, mais uma vez, o paviozinho salubre de homens e mulheres.

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

13 maio 2024

Tribunal do Caos





Jorge F. Isah
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Li, certa vez, alhures, que durante muitos séculos havia leis para animais que cometiam crimes. Eles eram acusados formalmente, tinham direito ao advogado de defesa, a um tribunal regular com júri e todo o aparato legal. Podiam ser absolvidos ou não. Cumpriam penas de trabalhos forçados, exílio, ou eram sumariamente condenados à morte, caso não fossem abatidos antes de indiciados, para o almoço dominical ou aquela festa de noivado na vila. Isto acontecia pelo fato de se acreditar que eram seres moralmente responsáveis por seus atos. A base seria, supostamente, um versículo bíblico: “E se algum boi escornear homem ou mulher, que morra, o boi será apedrejado certamente, e a sua carne não se comerá; mas o dono do boi será absolvido.” (Êxodos, 21:28).

Ora, o versículo não endossa qualquer responsabilidade moral dos animais, mas pune, de maneira menos severa, o proprietário do animal, na forma de prejuízo financeiro. Se observarmos que a sociedade judaica àquela época era essencialmente agrícola e pecuária, e de que não eram muitas as famílias que dispunham de gado, a perda de um animal, cuja carne sequer seria comida, muito menos comercializada, era uma significativa punição ou sanção... Pesava no bolso de qualquer um. Em outras palavras, a pena era ao proprietário, que haveria de sofrer o dano financeiro, ao perder parte dos seus bens. A comprovação a esse argumento reside no verso seguinte, 29, que diz: “Mas se o boi dantes era escorneador, e o seu dono foi conhecedor disso, e não o guardou, matando homem ou mulher, o boi será apedrejado, e também o seu dono morrerá.”.

No primeiro caso, o dono do animal foi penalizado de forma proporcional a sua responsabilidade, mas ainda assim culpado do dano acarretado pelo animal, por isso, perderia o seu bem. No segundo, o grau de responsabilidade é muito maior, já que sabia dos antecedentes da besta, e mesmo assim não tomou providências capaz de impedi-la de matar alguém. Por isso, tornava-se responsável direto pelo assassínio e deveria pagar com a própria vida. Em nenhum desses pontos existe qualquer indicação bíblica sobre responsabilidade moral dos animais; a responsabilidade era, e é, sempre humana. Houve, sim, uma deturpação, uma má interpretação do texto sagrado, provavelmente a fim de eximir os donos de eventuais penas decorrentes de suas negligências (culpa) ou de incitação, ou provocação à violência (dolo). Neste caso, o proprietário assumiria o risco de matar, ao não criar meios de impedir o animal (em último caso, a “arma” ou objeto mortal) de provocá-la; o agente sempre seria o dono, e o animal o instrumento de execução. O mesmo se dá quando um motorista bêbado atropela um pedestre ou colide com outro carro. Ou o dono de cães ferozes, ao permitir que andem soltos, sem qualquer tipo de contenção.

Em 1386, um inofensivo porquinho foi condenado à forca por infanticídio. Deixou de ser assado, e fatias suculentas de bacon não deliciaram os paladares, por conta dos exageros da lei, a fim de encobrir as mutretas e artimanhas dos verdadeiros culpados. Provavelmente, estava chafurdando a lama em lugar e hora errados, quando esbarrou, por acidente, em um bebê negligenciado pelos pais. E tornou-se o “bode expiatório” da indiligência parental e da trapaça jurídica.

Hoje, milhões de bebês são sumariamente executados, mundo afora, pelo egoísmo, arrogância e barbaridade de pais, mães, legisladores e juristas. Abortos são praticados tão futilmente quanto mulheres (e alguns homens) vão à pedicure tirar cutículas. Filhos são lançados à rua, mendigando e se prostituindo, porque não têm quem os proteja e sustente. Enquanto isso, as autoridades, ong’s, associações e fundações (não me esqueci de algumas igrejas, mas isto será assunto para uma próxima vez) gastam seus recursos em propaganda e doutrinação supérflua, fomentando ainda mais a desestruturação, o caos normativo e o proselitismo social; tudo para que o controle das massas esteja cada vez mais centralizado em poucas mãos. Se ainda fossem os porcos do séc. XIV...



Sem falar no sem-número de criminosos absolvidos por tribunais, por algum erro de processo ou simplesmente a deturpação interpretativa da lei. Não raros são os casos em que as provas contra esses bandidos se avolumam até o teto de galpões e salas. Com isso, tornou-se desnecessário o bode expiatório, de alguém que assuma a culpa. Basta tão somente que o til da lei seja trocado de lugar para a avalanche de delitos ser jogada debaixo do tapete, e os réus não sejam julgados. Na verdade, eles não são absolvidos, não se tornam inocentes, são criminosos sem penas, cujas lides não vão adiante, não chegam às vias finais do juízo, por meros artifícios, gerados sabe-se lá por qual motivo, mas sempre a beneficiar o transgressor, através do “monstro” gigantescamente criado pelos “cientistas loucos” do congresso, assembleias e câmaras espalhadas pelo país e tribunais afora.

Entretanto, a mídia se tornou no mais ilustre dos tribunais. Sem precisar de toga, diploma, títulos ou indicações. Sistematicamente editores, jornalistas e redatores absolvem ou condenam publicamente esse ou aquele indivíduo segundo critérios ainda menos legais (não no sentido da legislação, mas extrajudicial, à base de conveniências e interesses de ordem pessoal ou orgânica, partidária ou ideológica). Sem generalizações, boa parte assumiu a tietagem, ao ignorar evidências e fatos sobejamente comprovados, para divagarem sobre o sexo dos anjos, a respeito de seus ícones, quase um fetiche. Para os desafetos, os fatos também nada significam, apenas o espantalho dos seus mais obscuros pesadelos; e haja reputações a se assassinar...

Se olhamos para o sec. XIV, achamos esquisito e absurdo o tribunal de animais; no futuro, alguém a olhar para o sec. XXI se deparará com algo ainda mais insólito: o incontável faz-de-contas, onde uns e outros se misturam em suas loucuras particulares e diatribes coletivas.

Quanto ao cadafalso e aquele porquinho prestes a debater-se na corda esticada, é apenas mais uma história dos diletantes e seus blindados, enquanto dizem querer paz, entre pétalas brancas de rosas soltas no ar, e os planos de guerra bem presos debaixo dos braços.
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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga 




09 maio 2024

Oscarito: O sotaque espanhol do "malandro" carioca

 



Jorge F. Isah

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Em nome do humor apelativo, vulgar e lascivo dos tempos atuais, a maioria sequer ouviu falar, quanto mais assistiu às performances histriônicas, debochadas e ingênuas (jamais inocentes, diga-se) do gênio da comédia brasileira, Oscarito. Comparado a Chaplin e Cantinflas, tinha um pouco de Harpo Marx, Danny Kaye e Stan Laurel. Segundo ele, suas maiores influências foram o tio Juan Cardona, Pablo Palitos, e o comediante Mesquitinha, que, apesar do estilo “cool”, ensinou-lhe muito do que viria a usar nos tablados. Juntamente com Mazzaropi e Grande Otelo, formou a tríade dos maiores humoristas do cinema brasileiro de todos os tempos.

Nasceu em 16/08/1906, em Málaga, Espanha, e se chamava Oscar Lorenzo Jacinto de la Inmaculada Concepción Teresa Díaz, filho de um alemão e uma portuguesa. Os pais vinham de linhagens tradicionais da arte circense, cuja origem datava-se havia mais de 400 anos, e foi no circo que Oscarito aprendeu praticamente todos os “segredos” do palco. Ator, palhaço, cantor, trapezista, músico, malabarista, comediante, entre outras coisas, aprendeu e aperfeiçoou-se nessas várias formas de ofício, sendo inclusive ótimo violinista. A família mudou-se para o Brasil quando ele tinha pouco mais de um ano de vida; por isso, ele nunca se considerou espanhol, mas um verdadeiro e típico “malandro carioca”. Naturalizou-se brasileiro em 1949.

O auge da carreira se deu nas décadas de 1930 e 1940, quando rivalizava nos cinemas com Chaplin, O Gordo e o Magro, Cantinflas e Os Três Patetas, ícones mundiais da comédia. Seus filmes atraiam multidões, e levou diversão e entretenimento por mais de 40 anos.

Começou no circo aos 5 anos, e migrou para o teatro de revista no início dos anos 1930, com a peça “Calma, Gegê” (sátira a Getúlio Vargas, que viria a se tornar seu amigo), alcançando estrondoso sucesso de público e crítica. Em 1933 excursionou em Portugal com a companhia de Jardel Jércolis, e o êxito foi imediato. A cada espetáculo, sua fama aumentava, e não chegou a surpreender o seu ingresso no cinema, onde fez sua primeira figuração em “A Voz do Carnaval”, da Cinédia, com direção de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro; um ano depois, em outubro, casou-se com a atriz Margot Louro, que além de esposa, tornou-se sua parceira artística. Ele fazia o cômico, ela a ingênua e, mais tarde, a esposa repressiva. Tiveram um casal de filhos, Myrian e José Carlos.

O primeiro papel de destaque, longe das figurações e rápidas aparições na tela, deu-se em 1939, como chefe da campanha publicitária a favor da banana, na paródia “Banana da Terra”, da Sonofilmes, onde o Brasil é retratado como a “ilha de Bananolândia”, com argumento de João de Barro e Mário Lago, e direção de Rui Costa. Nesse filme, consagrou-se o samba “O Que é Que a Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi, com a interpretação característica de Carmem Miranda: efusiva e pitoresca. Foi na Atlântida que teve o seu “boom” cinematográfico, sendo o carro-chefe da companhia, e lá firmou-se a parceria “Oscarito e Grande Otelo”, imortalizada em dezenas de filmes seminais. É desse período algumas das cenas mais hilariantes e inestimáveis de Oscarito, quando, por exemplo, imita Elvis Presley, ao lado de Sonia Mamede, em “De Vento em Popa”, de 1957, e a cena incrível e memorável do espelho com Eva Todor, em “Os Dois Ladrões”, de 1960, ambas dirigidas por Carlos Manga.

Algo notável, e até certo ponto inexplicável, foi recusar-se a trabalhar em Hollywood, e rejeitar várias propostas, muitas delas intermediadas pela amiga Carmen Miranda, que era celebridade e detinha muito prestígio em terras americanas.

Em 1968 aposentou-se do cinema, mas fazia excursões pelo país, alcançando sucesso de público, prêmios, e manteve intocada a fama de “o mestre do humor”, mesmo com a concorrência de novos comediantes: Ronald Golias, Jô Soares, Agildo Ribeiro, Chico Anízio, Brandão Filho, entre outros.

Faleceu em 1970, aos 64 anos, vítima de AVC, no Rio de Janeiro, cidade que amou tanto quanto a sua carreira. Meses antes, em entrevista, disse a respeito das suas conquistas: “Eu realmente trabalhei muito. Eu dormia no estúdio para poder às 6 da manhã estar de pé, para dar tempo de tomar banho, tomar café. De uma fita para outra eu fazia teatro e, quando eu não fazia cinema, eu viajava por aí, fazendo show.”

Sobre ele, o poeta Carlos Drummond de Andrade disse:

“O cômico, um enigma. Oscarito era sério e agora faz chorar

seus amigos diletos. Se vive acaso numa estrela, está rindo

dessa combinação de contrastes secretos.”

Com ele, certamente, morreu boa parte do humor e graça espontâneos, que seriam substituídos pela megalomania ou a ambição desmedida dos “cômicos” de hoje. E assim, morreu, também, um pouco de nós.


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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga.