29 julho 2015

"What Happened, Miss Simone?"








 Por Jorge F. Isah

   
           Ontem, assisti a um documentário da Nina Simone​, no Netflix.

      Primeiro, quero salientar, sou fã da cantora. A sua voz potente, crua e profunda, sempre me emocionou, ao mesmo tempo causando um espanto, surpresa, com as suas variações tonais e uma melodiosa tristeza com rompantes de alegria comedida. Seria, guardadas as devidas proporções, como ouvir um mudo produzir, de uma hora para outra, uma frase operística. Talvez, não esteja expressando-me adequadamente em relação ao seu talento, mas foi o que me veio à mente a primeira vez que a ouvi, e, novamente quando a ouço. Mas não é sobre o seu dom inegável para a música o assunto deste texto. No filme, ficou evidente como ele pode se tornar em uma maldição, quando mal aproveitado, conduzido, e contaminado pelo discurso ideológico, onde a arte deixa de ser arte para se tornar em militância, empobrecendo o autor(a) e o público.

      Foi possível perceber o mal e a destruição que a ideologia fez em sua vida, tornando-a uma paranóica, violenta e solitária, além de drenar e minar todo os seu talento, em nome de uma "causa"; entregando-se de corpo e alma ao ativismo, penetrando as fronteiras mais densas da escuridão, do ódio, do terror, e da escravidão mental e espiritual, numa defesa intransigente do indefensável, da revolta alucinada por um mundo terreno perfeito, onde finalmente seus anseios e deficiências seriam satisfeitos por uma "nova realidade", utópica, etérea, delirante. Na busca por alguma justiça (uma guerra "racial" intentava a supremacia negra na sociedade americana), qualquer meio (protestos, terrorismo, assassinatos) eram legítimos, necessários, mesmo que viesse apenas e tão somente implantar outro padrão de injustiça, mas que, no final, era apenas o restabelecimento de uma justiça perdida, a verdadeira justiça proclamada pelo ativismo negro¹, onde a igualdade significava a humilhação, a transformação e o aniquilamento da sociedade "branca". 

      Nina passou a odiar o mundo (literalmente), Deus, seu país, sua música, a si mesma. Tornou-se em  suicida, aniquilando-se pouco a pouco; não estava preparada para compreender as implicações de sua militância, e deixou-se apenas seduzir por um discurso falacioso de igualdade em que as consequências seriam a perpetuação da desigualdade, da injustiça, usando o seu talento de maneira panfletária, estereotipada, impessoal. Perdeu espaço na mídia, foi rejeitada por gravadoras, acusando-as de lançarem-na no limbo; mas, afinal, o que esperava do seu inimigo declarado? Que ele a munisse de mais subsídios em sua batalha destrutiva? Ou que ouvissem os seus absurdos, aplaudissem-na, louvassem-na, aprovando a insanidade e a indigência moral? Ainda assim, houve espaço, e muito espaço, nos palcos, universidades, protestos, marchas, e em todos os eventos revolucionários da época, sendo uma "garota-propaganda" do movimento progressista americano. O seu talento mingou a olhos vistos... As músicas eram apenas veículos para o discurso de ódio racial (aos brancos), o mesmo que julgava combater, em relação aos negros.

      Acabou por autoexilar-se na África, abandonando a música, odiando-a; abandonando o piano, seu companheiro desde os quatro anos (ensinada por uma velha senhora branca que a patrocinou em suas primeiras exibições, como concertista clássica), odiando-o; jamais se arrependeu da sua militância, mesmo quando abandonada pelo "movimento", visto não lhe ser mais útil. Por fim, acusava a indústria fonográfica, a sociedade branca, os EUA, por todos os males advindos em sua vida, sem jamais fazer um autoexame, crítico, sincero, de seus equívocos.

      Nos últimos anos, acolhida por amigos (os mesmos brancos que desejou mortos), voltou ao jazz, mas sem o brilho da primeira década profissional. Ainda assim era possível ver uma mulher autoritária, intransigente e perturbada com os rumos que sua vida levou, após coabitar no universo revanchista e da luta pelos direitos civis. A sua militância no ativismo negro acarretou-lhe sequelas incuráveis, especialmente em uma alma atormentada, inquisitora e odiosa, incapaz de adentrar a realidade, reconhecer a verdade, absorta em um mundo fictício, cínico, niilista, a atormentá-la incessantemente. Uma vida desperdiçada (ao menos, boa parte dela), enganada pelo discurso "intelectual" da época, buscando significado no absurdo, na mentira, no delírio, tornou-a psicótica, amarga, deprimente, sem identidade.

      No fim das contas, quando não mais era útil, viu-se perdida em um mundo inexistente; porém, sua mente adestrada não quis se libertar, arrepender-se, e manteve-a prisioneira.

      Posso parecer dogmático, insensível, até mesmo cruel, mas quando há obstinação no pecado e uma revolta, em primeiro lugar, contra Deus, as trevas são os lugares mais próximos a nos recolher. Se ela tivesse a honestidade de reconhecer a sua situação, como o salmista teve, perceberia que "um abismo chama outro abismo, ao ruido das tuas catadupas; todas as tuas ondas e tuas vagas têm passado sobre mim" (Sl 42.7). E concluiria, arrependendo-se, como o mesmo salmista, que "assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo" (Sl 42.1-2).

     Vida nenhuma vale a tristeza da inimizade com Deus; e qualquer movimento, nessa direção, significará em destruição e morte, mesmo que o tolo não as reconheça, fruto da própria vaidade ou seja, da própria morte instalada em sua alma.

Nota: 1- Nina Simone estava despreparada para entender as falácias do ativismo negro americano (não tinha a bagagem cultural necessária para criticá-lo, para entender suas contradições e desatinos); entregou-se a ele de corpo e alma, arruinando a sua vida, carreira, e afastando-se da realidade, vivendo em um mundo perdido na sua confusão mental. O problema não está apenas nas universidades, nos sindicatos, na mídia, mas está presente no cotidiano: levar a cabo a loucura e a quem puder se arrastar.
Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado sobre mim.
Salmos 42: