09 maio 2024

Oscarito: O sotaque espanhol do "malandro" carioca

 



Jorge F. Isah

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Em nome do humor apelativo, vulgar e lascivo dos tempos atuais, a maioria sequer ouviu falar, quanto mais assistiu às performances histriônicas, debochadas e ingênuas (jamais inocentes, diga-se) do gênio da comédia brasileira, Oscarito. Comparado a Chaplin e Cantinflas, tinha um pouco de Harpo Marx, Danny Kaye e Stan Laurel. Segundo ele, suas maiores influências foram o tio Juan Cardona, Pablo Palitos, e o comediante Mesquitinha, que, apesar do estilo “cool”, ensinou-lhe muito do que viria a usar nos tablados. Juntamente com Mazzaropi e Grande Otelo, formou a tríade dos maiores humoristas do cinema brasileiro de todos os tempos.

Nasceu em 16/08/1906, em Málaga, Espanha, e se chamava Oscar Lorenzo Jacinto de la Inmaculada Concepción Teresa Díaz, filho de um alemão e uma portuguesa. Os pais vinham de linhagens tradicionais da arte circense, cuja origem datava-se havia mais de 400 anos, e foi no circo que Oscarito aprendeu praticamente todos os “segredos” do palco. Ator, palhaço, cantor, trapezista, músico, malabarista, comediante, entre outras coisas, aprendeu e aperfeiçoou-se nessas várias formas de ofício, sendo inclusive ótimo violinista. A família mudou-se para o Brasil quando ele tinha pouco mais de um ano de vida; por isso, ele nunca se considerou espanhol, mas um verdadeiro e típico “malandro carioca”. Naturalizou-se brasileiro em 1949.

O auge da carreira se deu nas décadas de 1930 e 1940, quando rivalizava nos cinemas com Chaplin, O Gordo e o Magro, Cantinflas e Os Três Patetas, ícones mundiais da comédia. Seus filmes atraiam multidões, e levou diversão e entretenimento por mais de 40 anos.

Começou no circo aos 5 anos, e migrou para o teatro de revista no início dos anos 1930, com a peça “Calma, Gegê” (sátira a Getúlio Vargas, que viria a se tornar seu amigo), alcançando estrondoso sucesso de público e crítica. Em 1933 excursionou em Portugal com a companhia de Jardel Jércolis, e o êxito foi imediato. A cada espetáculo, sua fama aumentava, e não chegou a surpreender o seu ingresso no cinema, onde fez sua primeira figuração em “A Voz do Carnaval”, da Cinédia, com direção de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro; um ano depois, em outubro, casou-se com a atriz Margot Louro, que além de esposa, tornou-se sua parceira artística. Ele fazia o cômico, ela a ingênua e, mais tarde, a esposa repressiva. Tiveram um casal de filhos, Myrian e José Carlos.

O primeiro papel de destaque, longe das figurações e rápidas aparições na tela, deu-se em 1939, como chefe da campanha publicitária a favor da banana, na paródia “Banana da Terra”, da Sonofilmes, onde o Brasil é retratado como a “ilha de Bananolândia”, com argumento de João de Barro e Mário Lago, e direção de Rui Costa. Nesse filme, consagrou-se o samba “O Que é Que a Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi, com a interpretação característica de Carmem Miranda: efusiva e pitoresca. Foi na Atlântida que teve o seu “boom” cinematográfico, sendo o carro-chefe da companhia, e lá firmou-se a parceria “Oscarito e Grande Otelo”, imortalizada em dezenas de filmes seminais. É desse período algumas das cenas mais hilariantes e inestimáveis de Oscarito, quando, por exemplo, imita Elvis Presley, ao lado de Sonia Mamede, em “De Vento em Popa”, de 1957, e a cena incrível e memorável do espelho com Eva Todor, em “Os Dois Ladrões”, de 1960, ambas dirigidas por Carlos Manga.

Algo notável, e até certo ponto inexplicável, foi recusar-se a trabalhar em Hollywood, e rejeitar várias propostas, muitas delas intermediadas pela amiga Carmen Miranda, que era celebridade e detinha muito prestígio em terras americanas.

Em 1968 aposentou-se do cinema, mas fazia excursões pelo país, alcançando sucesso de público, prêmios, e manteve intocada a fama de “o mestre do humor”, mesmo com a concorrência de novos comediantes: Ronald Golias, Jô Soares, Agildo Ribeiro, Chico Anízio, Brandão Filho, entre outros.

Faleceu em 1970, aos 64 anos, vítima de AVC, no Rio de Janeiro, cidade que amou tanto quanto a sua carreira. Meses antes, em entrevista, disse a respeito das suas conquistas: “Eu realmente trabalhei muito. Eu dormia no estúdio para poder às 6 da manhã estar de pé, para dar tempo de tomar banho, tomar café. De uma fita para outra eu fazia teatro e, quando eu não fazia cinema, eu viajava por aí, fazendo show.”

Sobre ele, o poeta Carlos Drummond de Andrade disse:

“O cômico, um enigma. Oscarito era sério e agora faz chorar

seus amigos diletos. Se vive acaso numa estrela, está rindo

dessa combinação de contrastes secretos.”

Com ele, certamente, morreu boa parte do humor e graça espontâneos, que seriam substituídos pela megalomania ou a ambição desmedida dos “cômicos” de hoje. E assim, morreu, também, um pouco de nós.


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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga.

           

   

 


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