13 dezembro 2021

O Éden Perdido, em "Este Lado do Paraíso", de F. Scott Fitzgerald

 



Por Jorge F. Isah


         “Este Lado do Paraíso” é um livro com o qual tinha grandes expectativas. Primeiro, porque Fitzgerald escreve de maneira fluída, envolvente e num ritmo quase que embalado pelo Jazz nos salões dançantes da “geração perdida”, entre passos frenéticos e quadris requebrados na velocidade de 24 quadros por segundo. O seu estilo está ali, já desde o primeiro livro, e por esse motivo, as expectativas se cumpriram.

     Entretanto, a história me pareceu um emaranhado de pequenas histórias conectadas pela presença de Amory, o personagem principal. Não raro é possível se perder em meio à narrativa, e dispersar-se, pois não existe uma “continuidade”, ou melhor, sequência na temática apresentada. Mas é um livro inovador ainda hoje, imagina em sua época; com poesias, diálogos teatrais, cartas e formas de escrita que se mostram ousadas e entremeiam o texto (para alguns apenas experimentais sem muito controle), quase que jogadas aleatoriamente; eu disse “quase” e não quero dizer que foram. A impressão é de o autor possuir trechos diversos e os juntou no livro, criando uma ligação a partir do protagonista e uma narrativa central. Mas isso significa que o livro é ruim?... Longe disso! 

     O relato se baseia na vida de Amory Blaise, do nascimento até os seus vinte e poucos anos. É o retrato da geração dos anos 1920, em que a aristocracia rural dava lugar aos grandes industriais e investidores metropolitanos, onde a tradição perdia fôlego e as pessoas, de maneira geral, se viam desnorteadas em meio aos dilemas existenciais que se apresentavam. Pois sim, se se quer tirar algo de um lugar e não deixá-lo vazio é necessário substituí-lo por “outro algo”, e nem sempre este “outro algo” significa aperfeiçoamento ou melhoria, muito menos progresso. As crenças, a fé, a esperança, se perdem em meio ao niilismo e ao absurdo de uma vida a desaparecer diante dos olhos e a necessidade de se enquadrar ou deslocar-se para outro padrão ou conceito, muitas vezes insuficiente para a paz e o alívio da alma, nem mesmo para a satisfação dos desejos.

     Amory, como todo jovem idealista, cheio de vida e energia, é presunçoso, arrogante, cheio de si, disposto a deixar clara a sua superioridade intelectual e humana, sobrepujar os menos dotados e dominá-los, seja pelo discurso, seja pela posição social, seja pela autoridade e coragem de se impor, como um “iluminado” do seu tempo. Isso vai se arrefecendo à medida que o texto se desenrola, e temos, na parte final, um Amory confuso com o seu lugar na sociedade americana, mas certo de que as coisas, a partir daquele momento, não seriam mais as mesmas; ainda que não soubesse ao certo como se sucederia. Para quem nasceu na alvorada do séc. XX, viu o crescimento econômico americano, os costumes e a tradição se exaurirem diante do poder industrial e financeiro, do “modernismo” e quebra dos padrões morais e sociais (sem ser hipócrita, mas o homem que considera-se “livre” por beber até cambalear ou fazer sexo a torto e a direito, não reconheceu as correntes a apertarem seus pulsos); o domínio social sair das mãos dos intelectuais e das abastadas famílias tradicionais na direção de gente iletrada, ignorante, mas criativa o suficiente para mudar a direção e dar novos rumos à sociedade; o próprio fracasso e a incapacidade de produzir algo que justifique e sinalize para a sua genialidade, torna-o frustrado, amargo, cético, e um quase revolucionário. Ideias como as do socialismo, antes rechaçadas e vistas com desconfiança, assomam-lhe a mente a fim de encontrar no mundo a justiça incapaz dele próprio produzir. O que dizer dos amores desiludidos, de ver a sua amada trocá-lo pela segurança de um casamento conveniente e financeiramente vantajoso? Restar-lhe- ia, apenas e tão somente, lamuriar-se e odiar tudo e todos ao seu redor; e nada melhor do que autoproclamar-se “uma vítima da sua geração”.

     “Este Lado do Paraíso” traz muitas reflexões; mas há quem as veja apenas para aquele tempo, como se o homem pudesse, ao pular gerações, fugir da própria fragilidade, da incapacidade de conduzir-se ao bem, encontrar a paz e a consciência por si mesmo. Não é o melhor Fitzgerald, mas está longe, léguas de distância, de ser um livro mediano e ruim, como muitos apontam. Também não é um livro para “se divertir”, gastar as horas como se estivesse assistindo um Masterchef ou The Voice. É um livro reflexivo, quase autobiográfico, no qual Scott desnuda e expõe as dúvidas, angústias e frivolidades do ser humano, em suma, a desgraça mesmo quando se supõe em triunfo e cheio de graça; com uma técnica ainda a ser burilada, mas suficiente para colocá-lo, já no longínquo 1920, entre os maiores escritores de sempre.


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Avaliação: (***)

Título: Este Lado do Paraíso

Autor: F. Scott Fitzgerald

Editora: BestBolso/Record

Páginas: 352 

Sinopse: "Romance de estreia de Fitzgerald, Este lado do paraíso alcançou sucesso imediato quando foi publicado originalmente em 1920. Este livro é o retrato de uma geração jovem desiludida com a guerra, conhecida como Geração Perdida. Fitzgerald foi o porta-voz de sua época, identificando-se com a juventude americana elegante e irreverente. O livro reserva para Amory Blaine, o jovem bem-nascido que protagoniza a história, uma vida de conforto e privilégios. Obcecado por prestígio social e com aspirações literárias, Amory inscreve-se na Universidade de Princeton às vésperas da Primeira Guerra Mundial e passa o tempo entre festas, namoros e clubes. Com uma narrativa vibrante, um tom fortemente autobiográfico e sua ironia típica, o autor nos revela a imaturidade e a insensatez dos jovens deslumbrados pelo progresso. Um dos maiores escritores americanos do século XX, Francis Scott Fitzgerald publicou, além de contos e ensaios, os romances Os belos e malditos (1922), O grande Gatsby (1925), Suave é a noite (1934) e O último magnata (1941), todos disponíveis pela BestBolso"

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