11 outubro 2021

Paris é uma Festa - Ernest Hemingway

 



Por Jorge F. Isah


Este é um livro nostálgico, por dois motivos: o primeiro, havia muito que não lia nada do autor, desde a adolescência e a fase posterior e, se não me equivoco, o último foi por volta dos 23 anos, e a obra era O Velho e o Mar. Apesar de ser uma novela e quase basicamente relatar a “vitória dos caçadores”, a sensação atual é de não ter gostado dele à época, sem saber muito bem o porquê, deixando-me o desejo de revisitá-lo novamente.

                Segundo, já na primeira página sou arrebatado pela escrita fluída e memorialista de Hemingway, levando-me à compulsão de concluir a leitura em 3 dias. E a nostalgia em que tece as peripécias na Paris dos anos 1920 são feitas de maneira delicada porém direta, como é o seu estilo. É um livro crepuscular, não no sentido da escrita, mas do autor, às portas de completar 60 anos e mais interessado ou conectado ao passado do que ao presente, a se lhe afigurar distendido da alma, corrosivo. Muitos afirmam ter ele perdido a genialidade após os anos 30, e de lá até a sua morte, escreveu obras apenas medianas, sem a criatividade e engenho das anteriores. Apesar de ser um livro longo, meio distante dos padrões “hernestinianos”, Por quem os Sinos Dobram parece-me o título mais próximo de uma obra-prima que algo possa chegar; e escrito no final dos anos 30.

                Alguns apontam Paris é uma Festa como um livro de memórias. Outros, crônicas. Ainda outros, ficção. Para mim, é um livro indefinível pois todos os elementos dos três estilos encontram-se presentes. Não exclusivamente memorialista, ainda que seja. Nem ficcional, ainda que também o seja. Há um pouco de tudo e, talvez, esse seja um dos atrativos da publicação. Outro chamariz é o fato dele tratar de literatura, seja no trabalho e na vida da famosa “geração perdida” (título que Ernest detestava por considerá-lo reducionista e injusto) ou em discussões sobre autores do passado (no caso, não tão no passado), como Tostói, Tchekhov, Turgueniev, Dostoieviski entre outros. Portanto, é um livro sobre literatura, sobre literatos; um prato cheio, ao menos, para mim.  

                Hemingway descreve os loucos anos 20, estabelecendo-se juntamente com a esposa, Hadley, e o filho na Cidade Luz. Vive basicamente de contos publicados em revistas alemãs, levando uma vida quase miserável. Existe o charme e o glamour da cidade, mas ele precisava colocar comida à mesa; e mesmo tendo o seu gênio reconhecido, não era suficiente para garantir sempre o sustento familiar. Ele cita a proprietária de uma livraria, Sylvia Beach, que além de fornecer-lhe gratuitamente livros, fazia também empréstimos (pode-se dizer, doações) nos momentos mais difíceis. Travou-se uma amizade que garantiu-lhe prazer e subsistência. E aí temos algo interessante: como a providência garantiu-lhe meios de viver apenas da literatura ou, ao menos, poder dedicar-se integralmente a ela até que os frutos pudessem ser colhidos.

                Nesse ínterim, travou conhecimento com vários nomes famosos da época e que permanecem até hoje, como T. S. Eliot, James Joyce e Picasso. Alguns, nem tanto, os quais nunca ouvira falar e descobri durante a leitura: Harold Stearns, Katherine Mansfield,  Evan Shipman, Pascin e outros que são apenas citados ou têm descrições a partir de impressões iniciais do autor; poucos como Madox Ford e Ralph Dunning receberam mais do que citações.

                Entrementes, três do seu círculo particular, Gertrude Stein, Ezra Pound e Scott Fitzgerald (este considerado por Hemingway seu grande amigo) ganham ares de protagonistas ainda que a literatura seja, a meu ver, a grande personagem do livro; nem mesmo Hem é páreo a ela.  Não serei estraga prazeres a descrever as impressões e análises sobre o temperamento, comportamento e o relacionamento deles com Hem; a leitura se encarregará de satisfazer a curiosidade do leitor. Posso, contudo, assegurar que são análises e descrições a cativar até mesmo aquele pouco afeito a desbravar as qualidades e defeitos de autores renomados, ou seja, o caráter humano para além ou aquém do bem e do mal. Ele gasta boa parte do terço final em detalhar a sua amizade com Scott Fitzgerald e a relação tempestuosa e destrutiva dele com a sua esposa Zelda, segundo Hemingway uma bêbada enciumada com o talento e sucesso de Francis, e se esforça em afastá-lo diariamente para festas intermináveis, noite após noite.

                Ao mesmo tempo em que critica com acidez algumas personalidades, descreve outras com compaixão, carinho e gratidão, com aquele espírito “másculo”, meio seco, quase obrigatório, sem deixar contudo as entrelinhas falarem por si.

                Realmente, como disse anteriormente, o livro foi uma grata surpresa. O estilo franco, sincero, faz-se presente, mas é possível vislumbrar uma sensibilidade quase emotiva, em alguns momentos quase calorosa, perto de um quebrantamento. Sim, Paris é uma Festa, mas para Hem, entre foguetório, egos inflados e vozerio, existe apenas barulho; e como outro escritor disse: é “muito barulho por nada”!


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Avaliação: (****)

Título: Paris é uma Festa

Autor: Ernest Hemingway

Páginas: 178

Editora: Círculo do Livro

Sinopse: 

"Ernest Hemingway foi sempre contrário ao sentimentalismo. Seus contos e romances mostram o homem em busca de si próprio, descobrindo-se nos momentos de dor, perigo ou derrota. Nenhum idealismo diante da vida: ela deve ser enfrentada como um desafio, e vencida sem arrogância ou perdida sem lamúrias. Paris é uma festa mostra-nos um Hemingway diferente, o escritor e o homem fazendo uma viagem sentimental à década de 1920, quando o mundo se abria diante dele e seus companheiros eram a gente anônima das ruas e gente famosa como Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald."

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