26 maio 2025

Max Perkins - Um Editor de Gênios


 

Jorge F. Isah



Indicado pelo amigo Felipe Sabino, esta biografia trata do, talvez, maior editor americano de todos os tempos. Evidente que é impossível mensurar quem foi o maior ou não, mas certamente pelo volume de autores descobertos e publicados, gente da estirpe de Fitzgerald, Hemingway e Wolfe, para citar o triunvirato dos maiores e mais relevantes escritores dos seus tempos, e ainda o são mundo afora, nos dá a real dimensão do trabalho engenhoso a que Maxwell Perkins se devotou em quase cinco décadas de ofício, chegando ao cargo de Vice-presidente da Charles Scribner’s Sons, a mais conceituada e importante editora americana na primeira metade do século passado.

Lendário caçador e burilador de talentos, Max, como era chamado, entendia o seu trabalho não como uma simples profissão, mas um ministério,  ao qual se entregou de corpo, alma e espírito, e foi um dos mais relevantes, senão o maior, para os novos rumos que a literatura tomou a partir de suas descobertas e inspiração para autores e seus textos.  

      Antes de entrarmos na pessoa de Max, devo acentuar algo: o trabalho meticuloso de pesquisa, condensação e o mergulho às profundezas de Perkins e seus pupilos geniais. A. Scott Berg transpõe em palavras as emoções, frustrações, lealdade e desvelo do editor com a literatura e seus criadores. É um livro delicioso de ler, e ele consegue transportar à simplicidade as complexas relações entre os vários protagonistas e inúmeros figurantes. É quase impossível abandoná-lo. À medida que Berg tecia a sua rede, é irremediável tornar-se presa, já no início da construção. Por muitas vezes, vi-me descuidar de outros afazeres para devotar, e devorar, mais algumas páginas e tempo na companhia de tão ilustres personalidades. Scott Berg construiu, com talento e sensibilidade, o gênio e seus gênios, sendo ele também, sem exagero, um deles.

Por fim, a biografia serviu de base para uma versão cinematográfica de 2016: “O Mestre dos Gênios”(ainda não assisti, e o farei em breve; talvez até poste a resenha aqui), com Jude Law, Colin Firth, Guy Pearce e Nicole Kidman. E, se praticamente todas as versões cinéfilas de livros nunca conseguem sequer igualar a obra original, não espero algo de proporções similares quanto ao resultado, mesmo sabendo que são formas de comunicação e arte distintas. Desejo, contudo, que a produção e direção consigam agarrar o “espírito” do livro e transpô-lo para a tela. Já seria um grande feito.

William Maxwell Evarts Perkins, nasceu em 1884, em Nova York, filho de Elizabeth Evarts (filha de William M. Evarts, proeminente jurista, procurador e político) e de Edwards Clifford Perkins, advogado. Viveu a maior parte da infância em Plainfiel, New Jersey. Formou-se em economia na prestigiada Harvard University, em 1907; e, quando se decidiu pela carreira de editor, foi auxiliado pelo professor de literatura Charles Copeland que se tornaria um grande amigo. Nesse período, trabalhou no New York Times como repórter (1907 a 1910).

Sem muitas expectativas com a carreira jornalística, mas com alguma influência nos círculos literários da Big Apple, é contratado para o departamento de publicidade da Charles Scribner’s Sons, editora considerada “conservadora” e que detinha títulos de autores como Henry James, Sherwood Anderson, Rudyard Kipling, Robert Louis Stevenson, John Galsworthy e Edith Wharton, entre outros nomes considerados ultrapassados pelo mainstream da época. Muitos dos autores emergentes, durante o pós-Primeira Grande Guerra, jamais seriam publicados se não fosse o trabalho investigativo e “depurador” de Perkins, uma vez que o conselho diretivo da Scribner’s não somente era reticente, mas se opunha aos novos rumos em que a linguagem literária se aventurava, mantendo-se firme na disposição de investir nos clássicos. Com leitores fiéis, não estava disposta a romper a sua tradição editorial e investir em livros experimentais: novas estruturas, conceitos e estéticas.

Em pouco tempo, foi promovido para uma espécie de “auxiliar de edição”, onde ajudava na leitura e avaliação de textos originais e inéditos. Nessa época, chegou-lhe às mãos um livro intitulado The Romantic Egotist”, de um jovem desconhecido, F. Scott Fitzgerald. Enquanto os colegas recusaram o livro, com a alegação de não estar de acordo com a linha editorial, Perkins leu-o de uma sentada e ficou maravilhado; então, rapidamente, escreveu ao autor sugerindo algumas modificações a fim de convencer o velho “Charles” a publicá-lo. Scott empenhou-se em reescrevê-lo, e alguns meses, entregou-o a Max com todas as alterações propostas. Após um embate interno, Max persuadiu o “chefão”, e recebeu o aval para publicá-lo.

Em 1920, é lançado “Este lado do Paraíso”, e o livro se tornou um sucesso de crítica e público, lançando quase instaneamente Fitzgerald ao estrelado, confirmando o acerto de Max e seu “feeling” editorial.

Apesar da resistência de parte da equipe, Perkins começava a ganhar admiração e chamar a atenção. Foi ele quem lançou todos os livros de Scott, a quem tinha por amigo, a quem aconselhou e orientou, não somente em relação ao aspecto profissional, mas também financeiro e emocional. A relação do autor com a esposa, Zelda, era conturbada, e Scott se submetia a despesas enormes, um padrão de vida ostentador, noites e mais noites envolvidas no “glamour” a que Zelda impunha o casal. Com isso, Fitzgerald teve, por muitas vezes, que escrever literatura de segunda, terceira linha (Hemingway, de quem também era amigo, acusou-o várias vezes de prostituição, e de desperdiçar um talento inestimável em troca de dinheiro para munir os caprichos de Zelda), roteiros para Hollywood (Max considerava essa opção um verdadeiro desastre na carreira do pupilo), e palestras que odiava. Ao mesmo tempo em que Scott era um escritor talentosíssimo, tinha as suas fragilidades: o vício do alcoolismo, ostentação social e a indigência financeira, arrastando-o para um final onde a degradação artística, por fim, fez claudicar e aniquilar a pessoa.

Berg ressaltou:

“Anos depois, em Paris é uma festa, Hemingway resumiu a carreira de Fitzgerald com a imagem que primeiro chamou sua atenção quando lia ‘O Último Magnata’: ‘Seu talento era natural como desenho feito pela poeira nas asas de uma borboleta. A certa altura sua compreensão dele não era maior do que a que tinha a borboleta e ele não sabia distinguir se estava comprometido. Mais tarde, tornou-se consciente de suas asas danificadas e da estrutura delas e aprendeu a pensar e não pôde mais voar porque perdera o amor pelo voo e só constituía se lembrar de quando ele não exigia esforço’”.  

Após a publicação de “O Grande Gatsby”, Perkins recebeu de Fitzgerald, a indicação de outro autor: Ernest Hemingway. Scott e Ernest se conheceram em Paris, na casa de Gertrude Stein, local onde o círculo de escritores se encontrava para, em primeiro lugar, abastecer o ego de Stein, insaciável, e orgias regadas a álcool e drogas sem freios e fim (muito foi descrito em “Paris é uma festa”). Hemingway era o oposto de Fitzgerald, o tipo de “macho alfa”, seguro e audacioso.

Novamente, Max teve de suar gotas de sangue para a Scribner’s publicar “O Sol Também se Levanta”, em 1926. O livro era considerado excessivamente obsceno, ao ver da direção, e não satisfazia as exigências editoriais. Depois de inúmeras reuniões e o jeito diplomático, mas convincente de Max, o romance veio à lume. Novo sucesso de crítica e público. E, até a sua morte, Perkins seria o editor de Hemingway.

Certa vez, depois de insistir muito com Max (havia anos que não tirava férias), Hemingway levou-o para pescar em Key West, Flórida, no Golfo do México, e contou-lhe muitas das aventuras no mar, histórias sobre pescadores, touradas e caçadas, algumas das quais ele mesmo estava envolvido. Perkins ouviu-as e percebeu material suficiente para “Hem” escrever um livro até então inédito: algo sobre a pesca e o mar. Fez sugestões, considerações e incitou “Hem” a planejá-lo. Durante anos, o autor esquivou-se de fazê-lo, mas em 1951 publicou “O Velho e o Mar”, dedicando-o ao velho amigo, que havia falecido em 1947.

Em 1928, chega às suas mãos um calhamaço de páginas amarradas por barbantes, de um tal Thomas Wolfe, jovem escritor da Carolina do Norte. Havia sido recusado por todas as editoras em que enviou a sua obra, “O Lost: A Story of the Buried Life”. Tinha cerca de 1.100 páginas e entre 300.000 e 350.000 palavras. Era um excesso para um escritor iniciante, e fora dos padrões de edição da época. Max leu-o, considerou a ideia genial, mas era uma obra caótica e carecia de ajustes: um corte de 100.000 a 150.000 palavras e a reestruturação da história. Ele as sugeriu a Tom que, mesmo não gostando da ideia, concordou e trabalhou com o editor na nova formatação.

 Marcia Davenport descreveu:

Tudo que Max faz visa o efeito integral do livro (...) Ele acredita nos nossos personagens, que se tornam reais para ele (...) Mas pode pegar algo caótico, nos dar um andaime para construirmos uma casa em cima dele (...) Sua tarefa é grande, longa, cheia de agonia e confusão”. Berg acrescentou: “Como tantos de seus autores, ela (Marta) descobriu ao voltar ao trabalho que os comentários de Max eram eficazes de uma forma quase subliminar; que ele tinha um jeito de atirar observações com delicadeza como se atirasse seixos em um lago, criando anéis de significado que cresciam até tocar a consciência do autor”(pg. 572).

Lançado em 1929, “Look Homeward, Angel” foi estrondoso sucesso de crítica e público, e provavelmente pela ligação quase filial de Wolfe com Perkins: para Max, o filho que não teve (tinha cinco filhas), para Tom, o mentor e tutor único, a relação ia do céu ao inferno e vice-versa. A ligação entre eles é o centro da biografia de Berg e ocupa a maior parte. É possível ver o relacionamento ultrapassar o caráter profissional e tornar-se pessoal, emocional, quase familiar, como já descrevi. Thomas participa da rotina dos Perkins como se fosse um membro; e, ao mesmo tempo em que ganhava o carinho da esposa e filhas do editor, também se metia em cenas deploráveis e cruéis, ao ponto de causar certos “tremores” na relação.

Muitos críticos e executivos da própria Scribner’s acentuavam os méritos de Perkins nos livros de Wolfe, o que certamente deixou o autor enciumado e rancoroso. É comum, após as crises intempestivas, Tom se desculpar e buscar os conselhos do “papai”. Max, apesar de não se envolver na vida dos pupilos, que também eram seus amigos, especificamente Scott, Ernest e Tom, servia como confidente e orientador. Tentava, sempre que possível, auxiliá-los em qualquer situação ou problema. Era generoso, amigo, confiável, leal e um pacificador, no sentido de nunca promover disputas e impor sua vontade, apesar de, quase sempre, convencê-los. Se Fitzgerald era frágil e maleável, Hemingway impetuoso e confiante, Wolfe ficava no meio do caminho, entre a vaidade, a insegurança e o melindre.

Sobre isso, Berg escreveu:

“Na raiz de toda a raiva de Wolfe estava a crença geral de que sem Perkins ele era impublicável – um escritor fracassado. O próprio Wolfe dera fôlego a essa noção, tornando públicos fatos que Perkins lutara para manter privados” (pg. 451).

Em carta, Max ponderou com Wolfe:

“A minha impressão, porém, é de que você pediu minha ajuda, de que a deseja(...) E também tenho a impressão de que as mudanças não lhe foram impostas (você não é muito propenso a aceitar imposições, Tom, nem eu, muito dado a fazê-las), mas, sim, discutidas, muitas vezes por horas”(...) Acredito que o escritor, de todo jeito, deva sempre ter a última palavra, e minha intenção sempre foi essa. Sempre adotei tal postura e às vezes cheguei a ver o prejuízo que isso teve sobre certos livros, mas, ao menos, em igual medida, o quanto também foi útil. O livro pertence ao autor”(pg. 457).

Max lidava da melhor forma com temperamentos tão distintos, sempre gentil e econômico. Não era dado a exibições, rechaçava elogios, e escondia a timidez no silêncio; os livros eram o refúgio para afastar-se do mundo das pessoas, ao menos as reais.

A exceção foi a relação platônica com  Elizabeth Lemmon. Durante a maior parte de sua vida, correspondeu-se com ela por meio de longas cartas, nas quais se abria de uma maneira singular. Ela era a sua confidente, a pessoa em quem mais confiava, e com quem, certamente, caso não tivesse casado com Louise Saunders, se uniria. Não houve qualquer relacionamento lascivo entre eles. Havia, sim, um envolvimento emocional, fraterno, que poderia se estender a outros aspectos, caso Max não fosse completamente leal à família. Algo verdadeiramente difícil, não impossível, nos dias atuais. Sobretudo, era um homem de caráter, princípios e, mesmo não havendo qualquer referência a algum relacionamento com Deus (algo que a esposa, nos anos derradeiros do casamento, aceitou, ao converter-se ao catolicismo), Max tinha em seu temperamento e atitudes um espírito cristão.

A relação entre Maxwell e Beth foi dedicada, honrada e sincera, mas nada a permitir “avanços” ou aventuras extraconjugais. O fato de Louise se dar bem com a “rival”, de se confraternizarem nos raros momentos em que a distância (os Perkins moravam em Connecticut, os Lemmon em Baltimore, distante 460 km) e a vida profissional exaustiva e compulsiva de Max permitiram.

Perkins mentoreou e obteve, para outros dos seus pupilos, grande sucesso, como Edmundo Wilson, Alan Paton, Erskine Caldwell, John P. Marquand, Marjorie Kinnan Rawlings, S.S. Van Dine, Ring Lardner, James Jones (autor de “A um Passo da Eternidade” e “Além da Linha Vermelha”),  Marguerite Young, e a lista cresce...

A coletânea de cartas, publicada em 1950, “Editor to Author”, descreve como foram os relacionamentos entre o gênio e seus gênios. Em especial, Perkins foi não somente o pai às filhas que amava devotadamente, mas também aos outros que adotou, quase gerou, e, enquanto pôde, protegeu, orientou e entregou-os ao mundo.

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FRASES:


“A melhor sensação que existe é a de ir dormir cansado”.

“Quanto mais é um homem, menos ele deseja”.

“A verdadeira escrita faz-se na cabeça, onde as impressões estão armazenadas, e faz-se com o olho e o ouvido. A agonia vem depois, quando passamos para o papel, mas isso pode tornar-se fácil se, através da leitura, soubermos como os outros o fazem.”

“A base genuína da amizade é ter um ou dois preconceitos em comum”.

“A obrigação mais importante da amizade é ouvir”.

“A verdade é que os melhores escritores não são aquele que, via de regra, fazem sucesso de imediato”.

“Creio, na verdade, que a melhor escrita é aquela que vem muito depois dos acontecimentos com que se relaciona, numa altura em que já houve assimilação e reflexão, e o autor consegue finalmente entendê-los por inteiro. É bom jornalismo aquele que é feito rapidamente enquanto tudo é novidade, mas essa não é a melhor escrita.”

“Mal posso crer, na verdade, mas prefiro fingir que é verdade”.

“Minha sensação é de que o primeiro compromisso do editor é para com o talento. E se não vamos publicar um talento como este (F. Scott Fitzgerald), a coisa fica muito séria”.

“A meu ver, a universidade é o lugar para o indivíduo se expandir, superar preconceitos, olhar para tudo através dos próprios olhos”.

“Os homens medem o sucesso social pelo tipo de clube a que pertencem”.

“Não existem duas moças iguais, como também nenhuma moça é a mesma, exceto por pura coincidência, em duas ocasiões diferentes”.

“Mesmo quando as pessoas estão totalmente erradas, não se pode senão respeitar os que falam com tal sinceridade passional”.

“Estou tentando dizer a um escritor e à sua esposa como ele deveria escreve. Não é engraçado, já que é uma coisa que eu mesmo não sei fazer? Cheguei até a lhe dar para escrever uma história que inventei — e ele ficou encanto com ela. É um bocado difícil falar a noite toda de coisas sobre as quais você não entende nada”.

“Quando o tumulto e a gritaria da turba de críticos e mexeriqueiros esmorecer, ‘O Grande Gatsby’ se destacará como um livro extraordinário”.

“Seria uma lástima o próprio significado de um livro tão original ser desconsiderado devido aos uivos de um bando de tagarelas mesquinhos, puritanos e idiotas”.

“Como esperar, me diga, que um homem entenda as mulheres?... Ou uma única mulher, que seja?”

“Tenho a ambição de pegar a estrada aos sessenta anos. As chances são mais ou menos de uma em mil de que isso venha a acontecer”.

“A forma como se ensina literatura e escrita na faculdade é prejudicial. Faz com que se adquira o hábito de ver tudo através de uma espécie de fotografia da literatura, em vez de captar o que está à volta através dos próprios sentidos. Diria que alguns anos num jornal, para alguém que ambicione ser escritor, é muito melhor do que alguns anos na faculdade”.

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Avaliação: (****)

Autor: A. Scott Berg

Editora: Instrínseca

Páginas: 544



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