03 agosto 2017

Sermão em Romanos 13.10: O amor é o cumprimento da lei - 1a. Parte






Jorge F. Isah




INTRODUÇÃO
Há uma abundância de referências ao amor na atualidade. Se você ler as mensagens efusivas no WhatsApp, no Facebook, em muitos sites e blogs, verá que a palavra “amor” é quase onisciente em nosso vocabulário. Ela, juntamente com outras palavras de estímulo e conforto, é uma presença constante nos textos. De muitas maneiras, se tornou quase uma banalidade. Da qual as pessoas ouvem, mas não sabem o que é, ou ignoram.

As pessoas, de maneira geral, acreditam que o amor seja apenas um sentimento, um desejo, uma sensação, quando ele é muito mais do que isso. Comparar relações sexuais, idolatria [seja a qualquer ídolo, físico ou mental], um entusiasmo, ou atração, não tem nada a ver com o amor, com o amor divino de onde procede toda a forma de amor verdadeiro.

O que temos, nos casos citados acima, é a corrupção do amor, a sua degradação de forma a se tornar em um sentimento frívolo e passageiro.

Por essas e outras é que existe a máxima que diz existir uma linha tênue entre o amor e o ódio. E muitas vezes é possível observar, em questão de segundos, manifestações de um suposto amor seguido de desprezo, de uma disposição de fazer o mal a alguém que se dizia amar. Por isso há tantas disputas, brigas, guerras, detratações, traições, e inimizades irreconciliáveis.

Em um mundo em que nunca o mal esteve tão enraizado na mente e nas ações humanas, parece, no mínimo, hipocrisia esse destilar amoroso nas redes sociais.

O mundo está cada vez mais distante dessa verdade: de que o homem foi feito em amor, e para viver em amor.

Mas, por que isso acontece?


A QUEDA
Teremos de ir ao princípio de tudo, quando Deus criou todas as coisas boas. Sim, o relato, no início do livro de Gênesis, não deixa dúvidas:

“Viu Deus que era bom.” [Gn 1.10; 1.12; 1.18; 1.21; 1.25; 1.31]

Elas foram criadas puras e perfeitas, no sentido de não haver mal, defeitos, ou corrupção nelas [Não me refiro à perfeição e santidade divina, a qual é intrínseca a Deus, e dela ele não pode jamais cair; ao contrário de nós que a tivemos por imputação, e a teremos, finalmente, na eternidade, também].

Assim, Deus criou o homem:

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.
E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento.
E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será para mantimento; e assim foi.
E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.” [Gn 1.26-31]


Não havia morte. Não havia corrupção. Não havia pecado. Nem caos. Apenas a harmonia entre o Criador e sua criação. O deleite divino com o labor das suas mãos, e o gozo suave e pacífico e imaculado entre as criaturas.

Então, o Senhor mostrou a Adão e Eva o seu jardim, e entregou-o, bem como tudo o mais, para que eles cuidassem e o preservasse como mordomos, administradores das coisas do Senhor. O jardim não era deles; não eram seus proprietários, ainda que construído para eles. Deveriam apenas manter a ordem e a harmonia da mesma forma que Deus lhes entregou. Bastaria que eles conservassem, para desfrutá-los eternamente.

Havia, contudo, um único senão, uma norma, regra:

“E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.
E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente,
Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” [ Gn 2.15-17]

Deus estabeleceu uma condição para o casal, de não comerem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Entre milhares de outras árvores disponíveis para eles, apenas essa era-lhes vedado o consumo. Dela deveriam se afastar, não tocá-la, nem utilizá-la como comestível.

Entretanto, veio a tentação. Por uma astúcia da serpente, mas também pela incredulidade de Adão e Eva. Eles preferiram acreditar na serpente, que lhes apresentava e dava uma ilusão, uma mentira revestida de promessa a não ser cumprida.

Vejamos o relato:

“Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?
E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos,
Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.
Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis.
Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.” [Gn 3.1-6]


A isca estava lançada, e bastaria a Adão manter-se firme, crer na promessa e no alerta divino, reconhecendo a sua soberania e poderio para não vacilar e cair da graça. Pois bem, ao comer do fruto eles estavam condenando não somente a si mesmos, mas a toda a humanidade, toda a sua descendência.

A lei divina fora quebrada. A harmonia do Cosmos foi quebrada. A ordem transformou-se em desordem. A vida em morte. A alma perfeita em imperfeita. A pureza em mácula, contaminada.

Não vou entrar muito na questão da queda, em seus detalhes mínimos e essenciais para entendermos o quão grave e trágica ela foi, ao significar descrença, desconfiança, e falta de respeito para com aquele que nos deu tudo, inclusive o seu amor, para entregar-se a algo que não daria nada além de morte e destruição.

A sequência que se segue é a de Adão e Eva tentando se esquivar da responsabilidade pela qual estariam sujeitos ao castigo, a amargar a separação de Deus, pois já não mais poderiam ter comunhão com ele, e o relacionamento pacífico e santo se tornaria em uma inimizade do homem natural para com Deus.

E a consequência dessa separação é que o sentido do amor, como emanação direta e original de Deus, se perdeu junto com a transgressão, e em seu lugar entraram o ódio, a inveja, a ira, em suma, o pecado.



O RESGATE
Deus contudo, em sua providência e vontade eternas, prometeu, ainda no Éden, a redenção e reconciliação consigo mesmo. Sabendo da incapacidade humana, a partir daquele momento [não vou me ater à questão da potência, se Adão antes da queda seria ou não capaz de resguardar-se do mal e do pecado], de se autorregenerar, de pagar o alto custo para a sua remissão, deu ao homem a esperança gloriosa de restauração. Como está escrito:

“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” [Gn 3.15]

A promessa feita a Adão e Eva era a de que, na descendência da mulher, Deus suscitaria o Redentor, aquele pelo qual o homem seria restaurado para Deus, e a serpente seria definitivamente destruída.

Esse é o Cristo, o Senhor Jesus, que muito depois encarnaria, e viria ao mundo para realizar a vontade do Pai.

Como ele mesmo disse de si mesmo:

“Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” [Jo 6.38]

Cristo, o Filho de Deus, a eterna segunda pessoa da Trindade, encarnou, viveu, padeceu, e morreu por amor daqueles a quem o Pai entregou em suas mãos, e das quais ninguém poderá tirar.

Esta é uma promessa maravilhosa, promessa capaz de fazer-nos encher o coração de alegria, mesmo se estivermos passando por dores, tribulações, angústias e morte. Como o apóstolo Paulo disse:

“Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?... Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir,
Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” [Rm 8.36; 38-39]


Esta certeza inexorável nos acompanhará em toda a nossa caminhada, na jornada que culminará naquele glorioso dia em que veremos o Senhor, aquele que eternamente nos amou, face a face.

O homem nada podia fazer por si mesmo, ainda que quisesse. Muitos buscaram em si a resposta para a reconciliação com Deus, houve tentativas de todos os tipos, mediante o esforço humano; mas por mais que o homem faça, nesse sentido, ainda estará muito, mas muito aquém da exigência necessária para a salvação. Ao depender unicamente de si, ele confirma a sua condição de reprovado, de réu a cumprir uma pena eterna, por ofensa direta ao Eterno.

Por isso, Cristo veio, e venceu!

E a sua vitória está em ele mesmo derrotar a nossa natureza. Ou seja, somos vitoriosos quando perdermos a batalha travada em nós, deixando de ser o que éramos, para sermos aquilo que Deus planejou na eternidade; abandonando a velha natureza, para Cristo nos fazer novas criaturas, matando o velho homem, fazendo surgir, em seu lugar, o homem redimido pelo Espírito, e que será semelhante a Cristo.

É quando o homem perde, na proporção exata da sua natureza caída, que ele ganha! Cristo nos livra de nós mesmos. E na sua vitória somos feitos vencedores.

Não é o que a Escritura diz?

“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação;
Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação.” [2Co 5.17-19]


Oh!! Quão glorioso amor tem o Senhor por nós! Que mesmo o ofendendo diariamente com nossas iniquidades e pecados, ele entregou o seu Filho na cruz; e por seus méritos exclusivos nos reconciliou consigo, resgatando-nos das trevas para a luz; da condenação para a libertação; da sua ira infinita para o seu amor eterno; da morte para a vida; de bastardos para filhos queridos!


O AMOR REDIMIDO
Somente por obra de Deus o amor transgredido pode ser redimido, e feito em verdadeiro amor. O homem pode amar de muitas maneiras, e elas se aproximam daquilo que podemos considerar a essência do amor, mas ele estará sempre aquém, sempre em débito e distante do original.

Prova disso é que as relações humanas, mesmo num ambiente amoroso, são conflituosas, deficientes, e reproduzem, via de regra, os desvios aos quais o homem se entregou, ao se rebelar contra Deus.

Para exemplificar, utilizar-me-ei da parábola dos dois filhos. Ela está em Mateus 21.28-32:

“Mas, que vos parece? Um homem tinha dois filhos, e, dirigindo-se ao primeiro, disse: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha.
Ele, porém, respondendo, disse: Não quero. Mas depois, arrependendo-se, foi.
E, dirigindo-se ao segundo, falou-lhe de igual modo; e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; e não foi.
Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram-lhe eles: O primeiro. Disse-lhes Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus.
Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para o crer.” [Mt 21.28-32]


Jesus está falando com os fariseus. O assunto aqui é fé, mas também apontar a hipocrisia dos sacerdotes, que diziam uma coisa e faziam outra. Negando assim a verdade que juravam defender. Eles falavam coisas boas, como se as realizassem; entretanto, suas obras eram más, e opunham-se ao que diziam.

Mesmo não sendo o foco principal da parábola, podemos utilizá-la para uma outra analogia, a de que mesmo em relações amigáveis e respeitosas, o homem tem dificuldade de compreender e aplicar o sentido real do amor.

Quando o pai pede a um dos filhos para trabalhar na vinha, este recusa-se e responde mal: “Não quero”. Contudo, ele se arrepende da desobediência, percebendo que havia pecado contra o pai, e vai à vinha trabalhar. Nesse caso, podemos fazer uma analogia com a condição do homem natural, que ofende e peca contra Deus, mas ao arrepender-se, e fazer a sua vontade, manifesta o amor sincero, que mesmo errando, ao não querer fazer a vontade do pai, reconhece a sua autoridade e zelo [qual pai quer um filho preguiçoso, infrutífero e vagabundo? Apenas se ele for um pai mau, e não amar o seu filho], mas, também, o amor que aquele lhe devota. Vai, e cumpre a ordem recebida.

Por outro lado, o segundo filho, exemplo dos fariseus, diz que cumpriria a ordem dada, mas se recusa a fazê-lo, em flagrante desobediência, e sem qualquer marca de arrependimento.

O arrependimento é necessário e fundamental para que o homem, em constante rebeldia, na profusão dos pecados cometidos, abandone-os em favor de cumprir a vontade divina. Este experimentou o verdadeiro amor, que é obediente.

Como disse no início, o amor não é um sentimento apenas, ou tão somente uma disposição, mas é a prática, o colocar em ação aquilo que sentimos e desejamos para o bem e pelo bem.

Cristo, ao morrer na cruz, prova o seu amor por nós!

Cristo, ao ressuscitar, confirmou a eternidade do amor!

Cristo, ao nos transformar, deu-nos o seu amor!

E quando fazemos a sua vontade, cumprindo os seus mandamentos, amamos como ele ama.

E o amor passa a ser algo verdadeiro e perene em nós, ainda que apenas o experenciamos em porções, não de maneira completa e integral; amostras do que teremos na eternidade, quando viveremos o perfeito e integral amor.

Ainda que não entendamos, com efeito, o amor de Cristo, ele nos será por verdade imutável; tornando-se essência em nós. Indissociável e para sempre!


CONCLUSÃO
Para terminar esta primeira parte, que é uma grande introdução, quero deixar os versos de Paulo acerca da maravilhosa transformação que já se dá em nós, e será concluída na eternidade, quando seremos como Cristo, e teremos, como ele, o verdadeiro amor:

“Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior;
Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor,
Poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade,
E conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus.” [Ef 3.16-19]


A graça do Senhor esteja sobre nós, para conhecer cada vez mais o seu amor, e experimentá-lo, testemunhando-o neste mundo, para a glória e louvor do seu nome!


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