16 abril 2024

Turista Incidental

 




Jorge F. Isah

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Durante as férias, aconteceu dois incidentes deveras estranhos. Não citarei o local para não mexer com a suscetibilidade provinciana e os defensores, seja lá do que for, mais preocupados em aparecer a qualquer custo e fazer carreira no mainstream político ou midiático; vulgarmente apelidados de “lacradores”. Fui visitar uma “picota” e, já na entrada, alguém me abordou. Sem cerimônias, pegou-me o punho e foi amarrando uma fitinha de certo santo.  Agradeci, educadamente, me recusei a usá-la, e tomei de volta o meu braço. Ele insistiu, e puxou-me com mais vigor; eu disse:

- Amigo, não quero usar a fitinha... – Pensei em explicar-lhe os reais motivos, mas não me senti obrigado a fazê-lo

- Por quê? – Falou com uma agressividade incompreensível e quase psicótica.

- Ora, porque não quero... – Fui o mais gentil possível, dentro das circunstâncias; sem arroubos e melindres.

- Isso é um absurdo! – Ele disse; com a fisionomia tão neurastênica, que imaginei tratar-se de uma “pegadinha” – É o maior insulto que já recebi na vida!

Entreolhamo-nos; eu sem entender a reação destemperada e abusada do homem, e ele sem aceitar a minha decisão. Então, para acabar com o mal-estar, peguei a fitinha, agradeci, coloquei-a no bolso, e virei-me para descer a ladeira. Ao notar que não a usaria, puxou-me bruscamente o braço, pela terceira vez:

- Não vai usar a fitinha?

- Não, vou levá-la de lembrança.

- Vai nada!

Arrancou-a dos meus dedos, virou-se para as pessoas ao redor (a rua e calçadas estavam apinhadas de turistas), e disse, a plenos pulmões:

- Veja bem, é isso que dá ser educado e gentil com pessoas que mereciam umas boas porradas!

Deixei-o falar, segui à frente e, mesmo alguns metros depois, podia ouvi-lo imprecar e maldiçoar o monstro perverso que eu era.

Mas ainda não havia terminado.

Logo à frente, avistei um vendedor de chapéus; havia algum tempo que desejava um. Aproximei-me e apontei o modelo.

- Quanto é esse?

- 90 reais! – Pegou o artigo para colocá-lo em minha cabeça.

- Não, eu não vou querer... – O valor era mais do dobro de outros quiosques.

- Dá pra fazer por 70... – E, de todas as formas, quis colocá-lo em minha cabeça.

- Amigo, não tem tamanho maior?

- Não, mas ele serve! – E insistia, a despeito da minha cabeçorra, em ajustar o apetrecho com o maior dispêndio de força, puxando-o para baixo pelas abas.

 - Calma, não está vendo que o chapéu é pequeno demais para a minha cabeça?

- Faço por 50...

- Amigo, nem se for de graça! Definitivamente, ele não entra!

E quanto mais eu argumentava, mais ele se impacientava e queria, a todo custo, adequar o atavio ao meu crânio avantajado, dando descontos a cada 5 reais... Ainda fiz um esforço, com as próprias mãos, para ele ver a inadequação de se colocar uma melancia em um vidro de azeitonas.

- Viu! Não tem como! – Devolvi-lhe o chapéu. Novamente, quis botá-lo; dei um passo atrás e mantive a distância.

- A menos que tenha uns três ou quatro números maiores, esse aí não serve... – Rumei para o meu caminho, quando ele me peitou, e disse:

- É por essas e outras que não gosto de gente folgada!

- Ah?! – Lembrei-me do personagem humorístico (não me recordo o nome), que ao ser confrontado repetia: “Ah, é, é!... Ah, é, é!...” para dias depois sair com uma resposta matadora, mas que de nada lhe serviria.

- É isso mesmo, você é um folgado! – Quase fez uma linha no concreto, cuspiu no chão, e me chamou a atravessá-la, se fosse homem.

Nisto, minha esposa puxou-me o braço de um lado e minha filha do outro, e arrastaram-me pela rua.

Na pousada, contei a história para um funcionário, e ele segredou:

- Você fez bem em não usar a fitinha, ela é uma espécie de senha para os trombadinhas e larápios saberem quem é turista e o enganar...

- E quanto ao vendedor de chapéus? O que tem a dizer?

- Aqui os vendedores são loucos, e esse deve ser, com certeza, o dono do hospício.

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga


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