Por Jorge Fernandes Isah
No começo, é-nos mostrada a situação em que se encontrava “um certo Lázaro, de Betânia, o qual era irmão de Maria e Marta”. Betânia era uma aldeia que ficava na Judéia, distante de Jerusalém quase quinze estádios (v.18), aproximadamente, três quilômetros.
Cristo estava em Jerusalém, havia confrontado os judeus; foi ameaçado de morte por apedrejamento; retirou-se para além do Jordão onde João o batizara, e ali, muitos iam ter com ele, e creram nEle (Jo 10.22-41).
Mas aqui, o Espírito Santo nos revela que Lázaro está enfermo. Para, em seguida, sabermos que Maria, sua irmã, foi a mulher que derramou um arrátel de ungüento de nardo puro nos pés do Senhor, enxugando-lhe os pés com os cabelos (v. 2; Jo.12.3).
Suas irmãs mandaram chamar Jesus com a seguinte notícia: “Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas” (v.3). Ora, não era preciso dizer mais nada. A mensagem que Marta e Maria endereçaram ao Senhor era clara: Lázaro está muito doente, às portas da morte, venha logo salvá-lo! O intuito delas era que Ele fosse até Betânia e pudesse curar Lázaro em tempo. E como irmãs que amavam ao seu irmão, confiando em Jesus como o Filho de Deus, elas encarregaram-se de apelar para os sentimentos do Senhor de uma forma profunda: “aquele que tu amas”. Seria mesmo necessário lembrar a Jesus do Seu amor para com Lázaro? Bem, vejo algumas hipóteses:
1) Por ser Lázaro um nome comum na época, queriam certificar a Cristo de que o Lázaro doente era “aquele que tu amas”.
2) Queriam que o Senhor, ao saber que “aquele que tu amas” estava doente, partisse imediatamente para Betânia a fim de curá-lo.
3) Demonstravam com “aquele que tu amas” revelar a urgência da situação em que Lázaro se encontrava, enfermado.
4) O Espírito Santo quis que a frase “aquele que tu amas” fosse guardada para as gerações futuras de crentes, para que jamais houvesse dúvida quanto ao amor que o Senhor Jesus tem por Suas ovelhas. Neste ponto, faz-se necessário voltarmos a João 10, e observarmos que, claramente, Cristo é-nos revelado como o bom pastor, aquele que dá a vida por Suas ovelhas, e das mãos do qual nenhuma delas se perderá.
Jesus respondeu que a enfermidade de Lázaro não era para morte, mas para a glória de Deus; a mesma explicação que deu aos Seus discípulos quando viram um cego de nascença (Jo 9.3). Lázaro, como o cego de nascença, foi instrumento de Deus para que o poder de Cristo se manifestasse aos homens enquanto era dia, através das obras pelas quais o Pai O enviou a fazer; para que todos vissem que Ele era a luz do mundo (Jo 9.4-5). Então, novamente, em obediência ao Pai, Jesus permaneceu dois dias onde estava.
Fico a conjecturar se o Senhor não desejou profundamente ir ter com os seus queridos. Se não era a Sua vontade partir imediatamente, e permitir que o Seu amigo não morresse. Porque lemos: “Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro” (v.5). Talvez a espera o afligisse. Certamente, sendo o Filho de Deus, Ele poderia reivindicar junto ao Pai a urgência da situação, e partir logo. Mas como Deus soberano, o qual nada lhe escapa das mãos, sabendo que tudo se cumpre rigorosamente segundo os propósitos divinos, decretados eternamente (não podendo ser pego de surpresa, ou tendo de adaptar-se ou adequar-se às novas situações), Cristo manteve-se obediente ao plano de Deus, cumprindo-o, porque o objetivo de toda aquela situação era a glória de Deus, e que o Filho glorificasse o Pai, e que o Filho fosse glorificado pelo Pai (Jo 17.1).
Então, passada a espera, Ele disse aos seus discípulos que retornassem à Judéia (v.7), causando-lhes espanto, por que o nosso Senhor havia sido ameaçado de morte; recentemente, em duas ocasiões pelos judeus, escapando milagrosamente (Jo.8.59;10.31). Em ambas as situações, os judeus tentaram contra a Sua vida porque Cristo confrontou-os, revelando-lhes a soberba e a inutilidade por depositarem a esperança de salvação numa religiosidade humana, baseada na justiça humana (a qual jamais é justa, mas injusta; jamais é santa, mas iníqua; e, portanto, ineficiente para aplacar a ira e satisfazer a justiça de Deus), ao mesmo tempo em que afirmou, explicitamente, a Sua condição de igualdade e unidade com o Pai, revelando-se como o Filho de Deus.
Há de se ressaltar, que Cristo acusou os seus inquiridores de fazer as obras do seu pai, Satanás (Jo 8.44). O fato de não amar o Senhor, e de procurar matá-lO, revela o quanto aqueles homens serviam aos desejos do seu pai, e o quanto estavam enganados quanto a servir a Deus. Ao apegarem-se às mentiras proferidas pelo diabo, rejeitando a Verdade que era o próprio Senhor, Cristo emite uma sentença condenatória a eles, ao denunciar que aqueles que não ouvem as palavras de Deus não são de Deus (Jo 8.47). Para, em seguida, declarar que aqueles que guardarem a Sua palavra jamais verão a morte (Jo 8.51), ou seja, a Sua palavra é a própria palavra de Deus, e se os judeus não a ouvem e não a guardam, encontram-se no estado de condenação eterna.
Os discípulos não entendiam porque Cristo queria voltar para a Judéia. Diante dos riscos iminentes, ainda frescos em suas memórias, por que Ele tencionava voltar para lá? O Senhor respondeu-lhes que era necessário que a luz se manifestasse, de que as obras que o Pai deu-lhE a fazer realizassem-se enquanto era dia (Jo 9.4); para denunciar as obras das trevas, e torná-las visíveis aos olhos do Seu rebanho; e, pela luz, a qual é o próprio Cristo, Suas ovelhas não tropeçariam (v.9), não seriam enganadas pelas artimanhas de Satanás, o qual é o pai da mentira e não se firmou na verdade (Jo 8.44), e suas obras foram reprovadas pela luz (Jo 3.20).
É evidente a obra que o Senhor Jesus Cristo realiza no homem caído, que está envolto em densas trevas (Ef 5.8). Como luz, Ele abre-nos os olhos, revelando-nos a Verdade, tanto a do homem corrompido como a do Deus santo, dá-nos a vida (Jo 1.4), tirando a venda que nos cegava (1Jo 2.11), que nos mantinha enganados, que obscurecia o nosso entendimento, e conservava-nos em constante e persistente rebeldia contra Deus, num estado de absoluta oposição ao Criador. Cristo, o Deus Filho, é a luz, e quem anda na luz jamais andará em trevas (Jo 12.46).
Por um momento, os discípulos sentiram-se aliviados com a resposta de Jesus, a qual lhes transmitiu a idéia de que Lázaro dormia e estaria salvo, não morto (v.11-12). Assim, não seria necessário que eles retornassem à Judéia, e, portanto, o Senhor não correria novos perigos. Os discípulos ativeram-se apenas a uma parte da resposta do Senhor, esquecendo-se do restante da frase: “mas vou despertá-lo do sono” (v.11). Por isso, eles não compreenderam corretamente aquilo que o Senhor disse, e foi preciso que Ele falasse claramente: “Lázaro está morto” (v.14). Muitas vezes, não é assim que ocorre? O Senhor nos fala, e, preocupados com o nosso desejo, com aquilo que queremos, em confirmar o que supomos ser correto, verdadeiro, e o que nos traz alegria, negligenciamos a palavra de Deus, ainda que, em nossos corações, enganamo-nos crendo estar fazendo o melhor para Deus. Não foi assim com os discípulos? Ao negligenciarem a totalidade da resposta de Jesus, apegando-se apenas a uma parte dela, de certa forma, não estavam atendendo ao anseio dos seus corações? Ao temor que os afligia? E, não é assim que agimos quando, querendo adequar a Palavra aos nossos conceitos e desejos, negamos a Verdade, tornando-nos rebeldes a Deus?
Mesmo com todos os nossos pecados, e a atitude de oposição a Deus (uns em maior, outros em menor grau, mas, de qualquer forma, rebeldes), Cristo revela-nos o Seu amor; e, misericordioso, vê cumprindo-se cada um dos eternos decretos divinos, a fim de que o Seu rebanho creia e seja salvo. Então, Ele diz: “vamos ter com ele” (v.15).
É provável que, entre os discípulos do Senhor, não houvesse alguém mais cético do que Tomé (excluo Judas Iscariotes, que jamais foi discípulo de Jesus). Ele era um homem lógico, que cria naquilo que via, um homem que não era dado a fantasias, era um realista na acepção da palavra. Em João 20.24-25, ele questionou os discípulos que lhe contaram ter visto o Senhor após a Sua morte e ressurreição. A despeito da afirmação de todos, ele recusou-se a crer no relato: “Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei”. Tomé andou com Jesus durante os três anos do Seu ministério terreno. Ele presenciou os milagres, os ensinamentos, e viu cumprir-se cada uma das profecias acerca do Messias, proferidas pelos santos do Antigo Testamento. Porém, não creu no relato daqueles homens, companheiros com os quais esteve lado a lado, e que conhecia muito bem. Como um bom judeu, ele precisava ver um sinal (1Co 1.22).
De uma forma maravilhosa, Deus usou a incredulidade de Tomé para trazer ao coração das Suas ovelhas a certeza da salvação, e de que o Filho de Deus está vivo; e por Ele, somos vivificados, quando estávamos mortos em ofensas e pecados (Ef 2.1).
Este Tomé é quem, naquele momento, não apenas está preparado mas pronto para morrer juntamente com o Senhor (o v. 15 pode dar a idéia de que Tomé está falando em morrer juntamente com Lázaro, o qual Cristo confirmou que está morto, mas, creio que ele se refere à possível morte do Senhor pelos seus perseguidores). De certa forma, a sua afirmação soa pessimista, e, nem mesmo as vezes em que escaparam ilesos dos ataques dos fariseus servia-lhe de consolo. Continuava cético, apesar de tudo o que Jesus lhe mostrou: “Vamos nós também, para morrermos com ele” (v.16). Era necessário que ele visse mais milagres, e nem todos os milagres seriam capazes de fazê-lo crer. Assim, também somos nós que pedimos sinais dos céus, e esquecemo-nos de que “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem” (Hb 11.11).
A resignação de Tomé com a morte, antes de ser um ato heróico, era uma atitude de descrença, revelando o quanto estamos distantes de Deus e Sua santidade. Mesmo diante de tudo aquilo que Deus nos revela de Si, somente pela Sua graça e longanimidade, é que, tanto Tomé, como eu, como você, podemos crer em Cristo para a vida eterna.
Tomé, como nós, conformava-se com a iminência da morte; porém, Jesus morreu por amor aos Seus eleitos, ressuscitou, e venceu-a, abolindo-a definitivamente (2Ti 1.10).