Por Jorge F. Isah
Este é um livro nostálgico, por
dois motivos: o primeiro, havia muito que não lia nada do autor, desde a
adolescência e a fase posterior e, se não me equivoco, o último foi por volta
dos 23 anos, e a obra era O Velho e o Mar. Apesar de ser uma novela e
quase basicamente relatar a “vitória dos caçadores”, a sensação atual é de não
ter gostado dele à época, sem saber muito bem o porquê, deixando-me o desejo de
revisitá-lo novamente.
Segundo,
já na primeira página sou arrebatado pela escrita fluída e memorialista de
Hemingway, levando-me à compulsão de concluir a leitura em 3 dias. E a
nostalgia em que tece as peripécias na Paris dos anos 1920 são feitas de
maneira delicada porém direta, como é o seu estilo. É um livro crepuscular, não
no sentido da escrita, mas do autor, às portas de completar 60 anos e mais
interessado ou conectado ao passado do que ao presente, a se lhe afigurar
distendido da alma, corrosivo. Muitos afirmam ter ele perdido a genialidade
após os anos 30, e de lá até a sua morte, escreveu obras apenas medianas, sem a
criatividade e engenho das anteriores. Apesar de ser um livro longo, meio
distante dos padrões “hernestinianos”, Por quem os Sinos Dobram
parece-me o título mais próximo de uma obra-prima que algo possa chegar; e
escrito no final dos anos 30.
Alguns
apontam Paris é uma Festa como um livro de memórias. Outros, crônicas.
Ainda outros, ficção. Para mim, é um livro indefinível pois todos os elementos
dos três estilos encontram-se presentes. Não exclusivamente memorialista, ainda
que seja. Nem ficcional, ainda que também o seja. Há um pouco de tudo e,
talvez, esse seja um dos atrativos da publicação. Outro chamariz é o fato dele
tratar de literatura, seja no trabalho e na vida da famosa “geração perdida”
(título que Ernest detestava por considerá-lo reducionista e injusto) ou em
discussões sobre autores do passado (no caso, não tão no passado), como Tostói,
Tchekhov, Turgueniev, Dostoieviski entre outros. Portanto, é um livro sobre
literatura, sobre literatos; um prato cheio, ao menos, para mim.
Hemingway
descreve os loucos anos 20, estabelecendo-se juntamente com a esposa, Hadley, e
o filho na Cidade Luz. Vive basicamente de contos publicados em revistas
alemãs, levando uma vida quase miserável. Existe o charme e o glamour da
cidade, mas ele precisava colocar comida à mesa; e mesmo tendo o seu gênio
reconhecido, não era suficiente para garantir sempre o sustento familiar. Ele
cita a proprietária de uma livraria, Sylvia Beach, que além de fornecer-lhe
gratuitamente livros, fazia também empréstimos (pode-se dizer, doações) nos
momentos mais difíceis. Travou-se uma amizade que garantiu-lhe prazer e
subsistência. E aí temos algo interessante: como a providência garantiu-lhe
meios de viver apenas da literatura ou, ao menos, poder dedicar-se
integralmente a ela até que os frutos pudessem ser colhidos.
Nesse
ínterim, travou conhecimento com vários nomes famosos da época e que permanecem
até hoje, como T. S. Eliot, James Joyce e Picasso. Alguns, nem tanto, os quais
nunca ouvira falar e descobri durante a leitura: Harold Stearns, Katherine
Mansfield, Evan Shipman, Pascin e outros
que são apenas citados ou têm descrições a partir de impressões iniciais do
autor; poucos como Madox Ford e Ralph Dunning receberam mais do que citações.
Entrementes,
três do seu círculo particular, Gertrude Stein, Ezra Pound e Scott Fitzgerald
(este considerado por Hemingway seu grande amigo) ganham ares de protagonistas
ainda que a literatura seja, a meu ver, a grande personagem do livro; nem mesmo
Hem é páreo a ela. Não serei estraga prazeres
a descrever as impressões e análises sobre o temperamento, comportamento e o
relacionamento deles com Hem; a leitura se encarregará de satisfazer a
curiosidade do leitor. Posso, contudo, assegurar que são análises e descrições
a cativar até mesmo aquele pouco afeito a desbravar as qualidades e defeitos de
autores renomados, ou seja, o caráter humano para além ou aquém do bem e do
mal. Ele gasta boa parte do terço final em detalhar a sua amizade com Scott
Fitzgerald e a relação tempestuosa e destrutiva dele com a sua esposa Zelda,
segundo Hemingway uma bêbada enciumada com o talento e sucesso de Francis, e se
esforça em afastá-lo diariamente para festas intermináveis, noite após noite.
Ao
mesmo tempo em que critica com acidez algumas personalidades, descreve outras
com compaixão, carinho e gratidão, com aquele espírito “másculo”, meio seco,
quase obrigatório, sem deixar contudo as entrelinhas falarem por si.
Realmente,
como disse anteriormente, o livro foi uma grata surpresa. O estilo franco,
sincero, faz-se presente, mas é possível vislumbrar uma sensibilidade quase
emotiva, em alguns momentos quase calorosa, perto de um quebrantamento. Sim, Paris
é uma Festa, mas para Hem, entre foguetório, egos inflados e vozerio,
existe apenas barulho; e como outro escritor disse: é “muito barulho por nada”!
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Avaliação: (****)
Título: Paris é uma Festa
Autor: Ernest Hemingway
Páginas: 178
Editora: Círculo do Livro