02 abril 2024

Louis-Ferdinand Céline: o "gaiato" maldito e genial!

 





Jorge F. Isah



Em 1982, por causa de uma crítica no caderno literário (ou cultural, sei lá), da extinta Revista Veja (se não morreu definitivamente, deve ser um defunto em decomposição, ao menos quando a li pela última vez), ouvi falar de um certo Louis-Ferdinand Destouches, ou mais adequadamente, Louis-Ferdinand Céline ou Céline para os íntimos. Neste ponto, deve-se ressaltar que a troca dos sobrenomes Destouches para Céline ocorreu pelo desprezo ao pai e o apreço e carinho pela avó; desta maneira, desfazia-se do passado doloroso, triste e rude, especialmente na infância, e adotava algo a remetê-lo aos poucos momentos de afeto e que talvez esperasse reencontrá-los no futuro. Entretanto, não foi bem assim; muito do inclemente e hostil relacionamento com os pais, professores, colegas e outros projetou-se exponencialmente nos anos que se seguiram. Para não atropelar os eventos cronológicos, voltarei à questão inicial.

 

                      


Pois bem, no início dos anos 1980 a editora Civilização Brasileira publicou em terras tupiniquins a obra “Morte a Crédito” (o título me deixou hipnotizado), segundo livro do autor. Eu desconhecia Céline quase completamente, mas me lembro de, anos antes, ler a respeito das influências de Henry Miller e o seu nome apareceu com moderado crédito. Não sei a razão do nome ter se fixado na memória, apesar de transcorridos três ou quatro anos; entretanto, ali estava, diante de mim, alguém cujo nome não era totalmente estranho, mesmo sem entender o porquê de ele ter sido abrigado no subconsciente, de um jeito involuntário mas proposital. Nisso consistia a minha conexão com Céline, não a partir dele mesmo, mas de Miller.

     

                                   Edição Brasileira                                                    Edição Italiana (Tea)                                           Edição Francesa   

Instigado pelo artigo da revista (não me lembro o nome do crítico a fazê-lo), fui até uma livraria, não sei se Leitura, Acaiaca ou Nobre, presumivelmente uma delas, sem a convicção de sê-lo, e comprei o exemplar recém lançado. Tinha em mãos o livro do escritor maldito, como o crítico o identificara, e nada melhor para um jovem com delírios reformistas do que alguém ou algo acompanhado da alcunha “maldito”. Era instigação e afetação em estado puro, quero dizer, não tão puro, meio viciado meio turvo, um pouco deficiente outro tanto falso, mas jamais insincero ou fingido (via de regra, não representa nada; ao menos me isenta da alcunha de hipócrita ou desonesto). Lembro-me de ser um dos primeiros livros comprados, já que a maioria das minhas leituras se restringia aos empréstimos da Biblioteca Pública de Minas Gerais... Não são, contudo, as minhas reminiscências o objetivo deste texto, mas contar um pouco do autor. Vamos a ele, então.


Céline nasceu em 1894, em Coubervoie, espécie de distrito na periferia de Paris, à margem esquerda do rio Sena. Filho de um corretor de seguros, era de classe média-baixa, e teve uma educação básica, sem destaque ou grandes expectativas. Estimulado pela avó, foi à Saxônia (Alemanha) e Inglaterra, por volta de 1908, estudar línguas. Em 1912 alistou-se no exército francês para, dois anos depois, lutar na I Grande Guerra, aos vinte anos, no 12º regimento de cuirassiers. Distinguiu-se em várias operações, muitas de alto risco, recebendo uma condecoração: a medalha militar em 1914, e posteriormente a Cruz de guerra, até ser ferido gravemente no braço e receber um tiro de raspão na cabeça, o que gerou um Tinnitus (o famoso “zumbido” no ouvido) a carregar por toda a vida. Considerado inválido, deu baixa no exército em 1915, e afastou-se definitivamente do conflito europeu.

                        
             Céline no exército francês                                                                                                 Céline no início da I Grande Guerra

 

Em 1916 foi para Camarões a trabalho numa madeireira, onde contraiu malária e desinteria, motivos a fazê-lo retornar à França para tratamento (1917). Concluiu o ensino médio em 1919, e casou-se com Edith Follet, filha do diretor da escola de medicina, onde começara seus estudos universitários, e com quem teve a única filha, Colette, nascida em 1920. Dois anos depois, licenciou-se em medicina, defendendo a tese sobre os trabalhos do médico húngaro e sanitarista Ignaz Semmelweis, nascido em 1818 e falecido em 1865 (o livrinho “A vida e obra de Semmelweis” foi publicado pela Cia. das Letras, e, como praticamente toda a obra de Céline traduzida no Brasil, encontra-se fora de catálogo).

 

   

              Publicado em 1998                                   Semmelweis defendeu a higiene básica, algo desconhecido até então, como lavar as mãos

 

Em 1924 tornou-se clínico em Rennes. Após um ano, decidiu abandonar a família e trabalhar para a Liga das Nações, sempre em viagens pelo mundo, quando conhece a América, Canadá e Cuba. Em 1928 retorna a Paris e abre um consultório em Montmartre. Por volta de 1931 começa a se dedicar à escrita (aos 37 anos), e são desta época os primeiros esboços e páginas do livro que o consagraria mundialmente, “Viagem ao Fim da Noite”, lançado em 1932, e que ganharia o renomado prêmio nacional Renaudot. Obra de cunho autobiográfico, relata as aventuras e desventuras de Ferdinand Bardamu durante a I Grande Guerra, dos suburbios parisienses à miséria da Africa Colonial, e daí para a América incrivelmente mecânica e rica, pós conflito. O tom do livro é niilista e nitidamente antropofóbico; uma aversão especial e bárbara à humanidade, suas instituições e a vida em geral. Para ele, existir era algo completamente absurdo, cruel e, por isso, digno do seu desprezo e ódio. É triste, pessimista, e quase nada de bom pode se ler, não raro nos deparamos com incursões cínicas, de humor cáustico e mordaz, em uma linguagem coloquial, cheia de gírias e palavrões, embaladas por uma erudição estilística meticulosa e perceptível; artefatos utilizados com maestria para ressaltar e explicitar o seu furor quase patológico contra a sociedade (hoje, passados quarenta anos, não sei se suportaria a leitura de Céline, realmente não sei. Preciso voltar a elas, e avaliar se tudo aquilo percebido nos longinquos anos 80 persiste encantando-me ou ser-me-á insuportável).

                 

                  Edição Brasileira                                                              Ed. Portuguesa                                             Manuscritos Completos


Erroneamente, muitos o reputaram como um autor esquerdista, e logo se tornou uma celebridade nesses ambientes, ganhando a simpatia, elogios e publicidade de Sartre e Beauvoir, por exemplo, da mulher de Louis Aragon, a russa Elsa Triolet (Ella Yuryevna Kagan, de origem judia), que traduziu a obra para a sua língua materna. Stálin também o considerou seu livro de cabeceira. E Trotsky não ficou atrás. Com tanta receptividade entre os marxistas, nada mais natural do que receber o convite para uma visita à URSS. Ao voltar, indignado com o que vira, escreveu o manifesto “Mea Culpa”, em que desanca o comunismo sem dó ou piedade, não deixando pedra sobre pedra, revelando toda a sua decepção com o estado geral daquele nação. A partir de então, os antigos “aliados” voltaram-se contra ele e jamais o perdoaram por seu líbelo anti-soviético.


                                                         Céline e Lucette a bordo do navio Meknès em direção à U.R.S.S (1936)

 

Em 1936 lançou “Morte a Crédito”, escrito ficcional mas de cunho também autobiográfico como “Viagem ao Fim da Noite”, utilizando-se dos mesmos recursos estilisticos aplicados anteriormente, e de certa forma aprimorados, onde descrevia a infância caótica do protagonista. É deste período o abuso do uso de reticências, de frases soltas, aparentemente desconexas, mas a imprimir no absurdo e sofrimento uma continuidade quase infinita... uma amargura sem fim.

Entre 1938 e 1941 lançou três panfletos antissemitas, nos quais se considerava “o maior inimigo dos judeus”. Isso lhe trouxe a pecha de maldito e também, pelos “méritos” do antigo admirador Jean Paul Sartre, o rótulo de colaboracionista com o Nazismo. Na verdade, Céline além de algumas entrevistas insanas, um ou outro artigo de jornal, nada fez diretamente que apoiasse o Nazismo e sua máquina de guerra. Para um escritor antimilitarista e flagrantemente contra as guerras e suas atrocidades nem em pensamento era de se supor o apoio à essa “causa perdida”. Muitos escritores taxados de colaboracionistas por gente como Sartre e Beauvoir foram linchados publicamente (o editor de Céline teve esse fim), cometaram suícidio (como Drieu La Rochelle), e outros como Malraux, Gidé e Du Gard tiveram suas reputações destruídas por acusações infundadas. O fato era que, como a maioria dos intelectuais franceses, Céline queria apenas continuar a escrever, publicar e receber os seus direitos autorais.

                   
                 Escrito antissoviético                                                                  Dois de três livretos antissemitas escritos entre 1938 e 1941

            

Quando eclodiu a II Grande Guerra, Céline tentou de todas as maneiras convencer os franceses a não entrarem em outro conflito mundial. As lembranças brutais ainda impregnavam as suas retinas, e não desejava ver a nação em novo confronto onde não haveria vencedores. Mesmo assim, alistou-se como médico voluntário em um navio francês, posteriormente afundado pelos nazistas. Na verdade, dotado de mente inquieta, odiava tanto alemães como aliados; para ele eram ambos portavozes de tragédias, destruição e morte.

Próximo do fim da guerra, partiu em uma viagem de fuga à Dinamarca, e os relatos podem ser lidos na trilogia “De Castelo em Castelo”, “Norte” e “Rigodon”, livro póstumo e inédito no Brasil. Na companhia da esposa Lucette e do gato Bérbert (seus fiéis e inseparáveis escudeiros), foi para o exílio salvar-se da prisão e da morte, pois já havia sido condenado publicamente. Perdeu todos os bens, confiscados pelo governo, e viveu até a morte na penúria. Morou vários anos em Copenhagen, conseguindo livrar-se da extradição, mas passou um ano e meio na cadeia. Anistiado, voltou em 1951, clínicando para uma freguesia paupérrima em Meudon, na casa onde viveria até a falecer, em 1961, vítima de aneurisma.

                             


                                                                                                Lápide de Céline, e Lucetteem Meudon, França   



                                                                                                                                 Céline, Lucette e o longevo gato Bérbert                                                               Céline e sua esposa Lucette 

            Céline é das figuras mais complexas e inexpugnáveis da literatura no século XX. Odiado por uns, amado por outros, há aqueles que conseguem distinguir o homem da sua obra, mas também aqueles que desprezam a obra pelo desprezo ao homem. De pensamento e posições contraditórias, alinhavá-lo ou melhor enquadrá-lo em algum grupo e sistema é praticamente impossível. Havia tão somente ele, o gênio criador e a criatura bestial, uma espécie de Dr. Jackyll e Mr. Hyde, onde frases minuciosamente escritas, a amálgama do erudito e do vulgar, da poesia e sonoridade musical, do furor e tristeza, da ira e o humor ousado, atrevido, fez dele, ao mesmo tempo, um autor admirado e desprezível, amado e detestado, condenado e absolvido, em cuja obra se misturam realidade e ficção, sem medidas exatas, sem proporções definidas; a dignidade literária contrastando-se ao palavreado cotidiano. Certamente, muitos dos seus inimigos não podem, nem poderiam, tirar-lhe os méritos literários; era admirado e citado como referencia por inúmeros autores: Henry Miller, Bukowski (e por tabela toda a geração beat), John Updike, Joseph Heller, Pedro Juan Gutierrez, Philip Roth (que afirmou: “na França, meu Proust é Céline”), entre outros. Não esqueçamos da banda “The Doors” que compôs a música “End of the night” influenciada pelo trabalho do Dr. Destauches.


                                                           Céline e seus cães, o gato Bérbert deitado e se lambendo à esquerda, e outro felino

           Antes de morrer, distante do inseparável Bérbert que havia partido, Céline perguntou a sua mulher, Lucette: "Por que escrevo?". E, no mesmo átimo, respondeu a si e a quem pudesse ouvir: "Para tornar os outros escritores ilegíveis." E assim, de alguma maneira, ele se despediu deste mundo como sempre viveu, um “gaiato” a provocar censuras mas também aplausos efusivos.


Lucette, vestida de bailarina, com um desenho de Céline


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Frases



“Eu nunca votei na minha vida... Sempre soube e entendi que os idiotas são a maioria, então é certo que eles vão ganhar.”

“Confiar nos homens é já deixar-se matar um pouco.”

“A pura verdade, devo admitir, é que nunca estive realmente bem da cabeça.”

“A tristeza do mundo tem maneiras diferentes de chegar às pessoas, mas parece ter sucesso quase todas as vezes.”

“Ser médico é uma tarefa ingrata. Quando é pago pelos ricos, corre o risco de ser considerado como um criado, quando é pago pelos pobres, um ladrão.”

“Estar sozinho é treinarmo-nos para a morte.”

“Uma cidade desconhecida é uma coisa boa. Essa é a hora e o lugar em que você pode supor que todas as pessoas que conhece são legais. É hora dos sonhos.”

                                                                                 Charge de Céline                                                                          Rascunho de “Viagem ao Fim da Noite”



“Quando não se tem imaginação morrer é pouca coisa, quando se tem, morrer é demasiado.”

“Não há tirano como um cérebro.”

“Tudo se expia, tanto o bem como o mal, cedo ou tarde se pagam. O bem é mais caro, forçosamente.”

“A alma é a vaidade e o prazer do corpo são.”

“O começo da genialidade é ficar com medo de merda.”

“Quanto à beleza, pelo menos sabemos que acaba por morrer, e por isso, sabemos que existe.”

“Não existe vaidade inteligente.”

“Meu problema é a insônia. Se eu sempre tivesse dormido direito, nunca teria escrito uma linha.”

“A experiência é uma lâmpada fraca que só ilumina quem a carrega.”

“A verdade é uma agonia sem fim. A verdade deste mundo é a morte. É preciso escolher: morrer ou mentir. E eu nunca me consegui matar.”

“Não é porque ela fosse feia, não, ela poderia mesmo ser considerada bonita, como tantas outras, mas era tão prudente, tão desconfiada que parava à margem da sua beleza, como à margem da vida.“

“A melhor coisa a fazer quando você está neste mundo, é sair dele. Louco ou não, com medo ou não.”

“É dos homens, e apenas deles, que se deve sempre ter medo.”

“Muitos homens são assim, suas inclinações artísticas nunca vão além de uma fraqueza por coxas bem torneadas.”

“Quando se torna realmente impossível fugir e dormir, então a vontade de viver evapora por conta própria.”

“Você pode se perder tateando entre as sombras do passado.”

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga



30 março 2024

Stálin e o Photoshop

 



 

Jorge F. Isah


Cada dia mais as pessoas aparentam ser o que não são, ou querem ser o que não são, e poucas são aquelas que são o que são e não querem ser o que não são... deu para entender? Na verdade, são tantas artimanhas para se mudar o físico ou a alma, já que o espírito é impossível, que as clínicas plásticas, os consultórios psicológicos, academias, clubes de tiros, paraglider e ufológicos se espalharam como erva daninha, tudo para atender aos caprichos, doenças e exotismos das pessoas; bastaria dar a elas uma enxada ou um tanque de roupas sujas que o resultado seria infinitamente melhor.

Existe ainda um ofício virtual, o Photoshop (software famoso e que deu nome à arte de transformar imagens), onde os menos dotados financeiramente, que não passam por bisturis, terapias e esportes “adrenalínicos”, utilizam-se para, ao menos nas redes sociais, cobrir pequenos ou grandes defeitos com retoques ou melhorias. Assim, aquele nariz semelhante a batata cozida e amassada se torna longilíneo e delicado; outro aquilino, perde curvas e tamanho desproporcional. Abdomens dilatados viram “tanquinhos”. Seios mirrados, apresentam-se voluptuosos. Rugas, estrias, manchas, cravos e espinhas são sistematicamente extraídos, e a feiura se faz beldade, o raquítico vira sarado, a mocoronga torna-se socialite e, parece, ao menos na web, não haver feios e enjeitados.

Há, contudo, aqueles ou aquelas cuja estranheza ou “coioice” são virtudes, devem ser elogiadas e açuladas, e tratam logo de piorar o que já é por si só um desastre. São cabelos e penteados iguais a antenas parabólicas, sugestivos de estarem recebendo ou enviando mensagens radiofônicas; outros, assemelham-se a trincheiras (alguns parecem mesmo terra arrasada em tempos de guerra), há ainda perucas, argolas, piercings, tatoos e miçangas a “enfeitar” o nada regalado visual.

Mas não quero me valer das trivialidades e escolhas alheias, pois poucos são capazes de compreender e apreciar a simetria estética, como eu. Quero antes falar do precursor no campo do arremate, a técnica de acabamento esmerada, falo do artífice sanguinolento, do gênio finório de Josep Stálin, sim, ele mesmo. Não vou entrar na história pregressa deste ícone do absolutismo cesarista, o único e insuperável “czar vermelho”, capaz de fazer o próprio César parecer um garotinho de recados... não, não vou entrar nessa. Entrementes, ninguém pode levantar qualquer suspeita quanto à sua relevância e pioneirismo na edição de imagens. Ou você não sabia que ele foi o primeiro a alterar fotos e filmes?... Por estar muito à frente do seu tempo, Stálin mandava remover pessoas mortas e malquistas. Se havia ao seu lado um assessor morto (provavelmente executado ou esquecido nos Gulags), este era retirado. Se a fotografia tinha um sobrinho, cunhado ou adversário político que passou desta para o além, era sumariamente extraído, e não apenas deste mundo. Estima-se que ele expurgou (nome empolado para “limpeza” e higienização política, mas no caso significava prisão e morte) cerca de 800.000 pessoas, representando um trabalho incessante aos “photoshopers” da época.

Se ele não contribuiu em nada para a humanidade, como sátrapa e sicário, devemos-lhe o “avant-guarde” da dissimulação e “ocultismo”. E seus métodos foram tão apreciados, especialmente em nossos dias, que as várias mídias especializaram-se nesta “arte”, do New York Times à Folha de São Paulo, do Globo ao Estado de Minas, da Veja à CNN, e por aí afora...

Então, quando você engrossar os lábios, afinar o nariz, empinar o bumbum, retirar os pneus e mexericas da silhueta “tanquinho”, ou ver aquela foto de uma multidão com bandeiras vermelhas, lembre-se que esta magia somente foi possível porque, nos idos de 1920, havia o vanguardista russo capaz de apagar quaisquer rastros indesejados... Só não teve quem deletasse os seus.

Vejam, abaixo, se ele não foi visionário: 

 

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Montagem com fins políticos, visando legitimar a revolução russa.



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Lenin discursa, e Trotsky, que aparece acima dos degraus do palanque, desapareceu. 


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Nikolai Yezhov, morto por Stálin em 1940, desapareceu da foto oficial.


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Famoso por seus “expurgos”, fotos e pinturas originais foram reduzindo-se apenas a Stálin, à medida que colaboradores, parentes e oponentes sumiam.


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Stálin mandou forjar centenas de pinturas e fotos ao lado de Lenin; uma intimidade forçada de legítimo sucessor




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Nota: Publicado originalmente na Revista Bulunga


24 março 2024

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 36: "A idolatria unitarista"




 Jorge F. Isah
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Primeiro, duas retificações:

Na aula passada eu disse que os unitaristas são extremamente racionais, quando quis dizer que eles são extremamente racionalistas, no sentido de que precisam desconstruir a verdade para tentar reconstruí-la ao seu modo de pensar natural, onde não há espaço para o sobrenaturalmente revelado na Escritura. Racional é aquele que se utiliza da razão como faculdade que Deus nos deu para compreender a realidade e para conhecer... Uma das faculdades, eu não estou afirmando que a única capaz de conectar o homem à realidade e ao conhecimento. Já os racionalistas agem de forma diferente, para eles, a razão é suprema, absoluta e tudo somente pode ser explicado por ela. Nós, cristãos bíblicos, somos racionais e não racionalistas, como são os unitaristas.

Em um momento, mais exaltado, eu disse que tinha a vontade de proferir um “palavrão”, me referindo aos hereges. Na verdade, eu não pensei em um palavrão específico ou mesmo nesse sentido, de baixo calão, mas em um xingamento do tipo “raça de víboras”, “filhos do diabo”, “emissários de satanás”, “dissimulados”, e outros relacionados que os identificassem, revelando o que realmente são, enganadores, como filhos do diabo. Se por acaso escandalizei a algum irmão, perdoe-me, pois não foi a intenção.

Obviamente, muito mais sofisticada e sutil do que o texto do auto denominado "apóstolo", foi a forma com que Eusébio proferiu a sua heresia. Ao ler o seu escrito temos uma aparente ode de louvor a Deus, se não fosse um pequeno trecho em que ele joga tudo por terra, bem aos moldes da vaca que deu 100 litros de leite e coiceiou o latão derramando-o, sem que sobre uma única gota. Assim agem os mais astutos; não querem muitas vezes serem explícitos, e para camuflarem os seus intentos, dizem o que não querem dizer para transmitir o que desejam efetivamente. É o que se apreende das linhas cavilosas do falso bispo:

"E quem, a não ser o Pai, poderia conceber sem impureza a luz que é anterior ao mundo e a sabedoria inteligente e substancial que precedeu aos séculos, o Verbo vivente no Pai e que desde o princípio é Deus, o primeiro e único que Deus engendrou antes de toda a criação e de toda a produção de seres visíveis e invisíveis, o general do exército espiritual e imortal do céu, o anjo do grande conselho, o servidor do pensamento inefável do Pai, o fazedor de todas as coisas junto ao Pai, a causa segunda de tudo depois do Pai, o Filho de Deus, genuíno e único, o Senhor, o Deus e Rei de todos os seres, que recebeu do Pai a autoridade soberana e a força, junto com a divindade, o poder e a honra? Porque, em verdade, segundo o que dizem d’Ele os misteriosos ensinamentos das Escrituras: No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada foi feito”.

Eusébio chamou Cristo de Verbo e Deus, tomando o cuidado de colocar tudo em maiúsculas, para em seguida afirmar que ele é um ser temporal e criado. O bispo não se furtou a nominá-lo assim como os cristãos acreditam e devem crer em todos os tempos, Cristo é Deus, o Verbo encarnado; porém, em meio as palavras belas e elogiosas inseriu deliberadamente a parte em que afirma ser ele “o primeiro e único que Deus engendrou antes de toda a criação”, negando exatamente o que dissera antes ou, no mínimo, afirmando a grande confusão que tinha a respeito do ser perfeito, santo, eterno, infinito e absoluto de Cristo. Pois ainda que ele e o seu mestre, Ário, cressem que Cristo detinha algum tipo de divindade, sempre procedendo do próprio Deus, ela não era da mesma estirpe, essência e natureza que a divina. A própria utilização do termo “engendrou”, de que Deus engendrou a Cristo, dá a idéia de criação, de que o Filho somente veio à existência [e vir à existência significa que em algum momento ele não existia] porque Deus quis. De forma que Cristo não participaria, portanto, dos mesmos atributos de Deus, e não poderia ser considerado como tal, já que em algum momento na eternidade ele não existia. E se não existia, não se pode considerá-lo nem mesmo como Deus, pois muitos dos atributos divinos estão atrelados e presos à eternidade, como o ser absoluto, infinito, autossuficiente, ilimitado... Somente o eterno pode ter em si esses atributos. Então a afirmação de Eusébio é ainda mais dissimulada e contendo a intenção de confundir, pois não é possível que um homem culto como ele desprezasse essas questões. Ao afirmar que Cristo é Deus e o Verbo encarnado, tentou suavizar a heresia que defendia e na qual cria, como se o entregar-se a uma bajulação diminuísse ou anulasse a sua culpa, não evidenciando, ou melhor, atenuando as suas reais intenções. E quais eram elas?

Utilizando-se de uma linguagem ortodoxa, de termos próprios da fé cristã, ele tentou mascarar, encobrir sua blasfêmia com floreios e uma falsa exaltação, nitidamente com o intento de espalhá-la, de semeá-la no seio da igreja. E o resultado disso seria confusão, a partir do momento em que muitos a admitiram como verdade defendendo-a, enquanto outros a rejeitaram prontamente. Paulo, à sua época, já nos alertava quanto a esse tipo de inimigo: “E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles. Porque os tais não servem a nosso Senhor Jesus Cristo, mas ao seu ventre; e com suaves palavras e lisonjas enganam os corações dos simples” [Rm 16.17-18]. Por corações dos simples, creio que o apóstolo está a falar dos ingênuos e fracos na fé, que podem ser pessoas incultas ou cultas, mas que se deixarão levar pelo discurso retórico, por palavras bonitas, espirituosas, até mesmo glamorosas, como objetivo de seduzi-las ao engano e à mentira. Não porque foram obrigadas a isso, mas porque os seus corações desejaram e queriam, em sua soberba e orgulho espirituais, se enganarem.

O que Eusébio e Ário queriam era conquistar a simpatia dos demais cristãos a partir da pregação de um falso evangelho; fazer prosélitos e ampliar seu poder e influência. Em linhas gerais, eles se portaram como usurpadores do trono de Deus, como aqueles, dentre muitos, que o desprezam e ao seu governo e senhorio. E com esse tipo de gente não há muito o que se dizer, a não ser, fora! Se não quiserem sair, saiamos nós.

Igualmente, ao dizer que o Senhor “recebeu do Pai a autoridade soberana e a força, junto com a divindade, o poder e a honra”, suas reais intenções ficam evidentes, de que Cristo nada mais é do que uma criatura dotada por Deus de habilidades e poderes que somente tem por conta do que Deus lhe deu. A divindade inseriu-se nesse contexto, como mais um dom, algo exterior que lhe é dado ou facultado, não como algo inerente à sua natureza, pois o que eles estão a tratar como “divindade” é uma sub-divindade, semelhante mas distinta, relativa e não absoluta, que faz de Cristo uma criatura especial, sem, contudo, jamais ser Deus.

Entendem como se processa a mente cavilosa?

Devemos estar atentos aos sinais que esses falsos profetas demonstram, seja no passado ou no presente. Eles estão em todos os lugares e épocas, e não podemos desprezá-los em sua capacidade de corromper e aliciar aos “corações simples”, pois ainda que não inocentes, pois não há inocentes neste mundo, devemos mostrar o grau e o nível de insulto que esses ímpios são capazes de realizar e, assim, pela graça de Deus, ser instrumentos para abrir os olhos de alguns e trazê-los novamente à realidade, à verdade máxima sem a qual o Cristianismo não seria nada além de uma religião agonizante e, provavelmente, extinta: Cristo é, assim como o Pai e o Espírito Santo, Deus! Bendito seja a Santíssima Trindade ou, ainda mais significativamente, a Santíssima Triunidade de Deus!

Não é preciso se buscar muito para encontrar o antídoto para as heresias. A santa e bendita palavra de Deus traz em si todos eles. E, novamente, Paulo o revela em Efésios 1.3-14:
"Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência, desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra; nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória."

Bem, o que temos neste trecho escrito pelo apóstolo? A unidade de Deus na salvação do homem, através da atuação das três pessoas da Triunidade, de forma que o Pai elegeu ou escolheu-nos em Cristo, o qual é o redentor do eleito, e coube ao Espírito Santo selá-lo para a vida eterna.

Algo que devemos entender é que essa relação da Triunidade não é fortuita, aleatória, acidental ou ocasional. Na verdade ela é essencial, real, em seu caráter absoluto, de forma que não somos nós que definimos a Triunidade de Deus na pessoa do Pai, do Filho e do Espírito Santo, como uma analogia do que é uma família humana para representar o que é divino. Não. É a unidade e diversidade de Deus que nos define como indivíduos mas também como corpo familiar. A imagem do Pai e do Filho, principalmente, não foi utilizada para tentar explicar a relação eterna que há entre eles, mas somos nós que refletimos aquilo que Deus é em seu caráter relacional. De forma que a relação entre eles é que é original, não a nossa. A relação divina está expressa na figura do Pai, pela sua paternidade, pela ligação íntima que tem com o Filho, este pela filiação ou relação correspondente que tem com o Pai, e o Espírito Santo pelo amor que une o Pai ao Filho. Nada disso é mera convenção ou ficção, mas o que a Bíblia nos revela e que pode ser demonstrado pelo texto de Efésios acima.

Entendo que, mais do que a declaração de doutrinas bíblicas, Paulo está a nos revelar nesses versos a relação que há entre as pessoas da Triunidade, as quais sendo distintas em suas atuações e personalidades é um único ser: Deus. Somente assim é possível entendê-lo e à sua revelação. Se a Triunidade não é uma doutrina bíblica, toda a revelação fica sem sentido; porque, como está claro e evidente, a salvação do homem é do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Se assim não for, como entender a obra que Deus realiza em nosso meio? Como explicar a revelação especial? Em que o Pai salva, o Filho salva e o Espírito Santo salva? Afinal, não temos três "etapas" de uma mesma salvação? Que elege, redime e sela? Pode-se ser salvo sem ser eleito? Ou redimido? Ou selado? A resposta é não. A fé no Pai, que nos elegeu, somente é possível se ele for Deus. A fé em Cristo, como Senhor e Salvador, somente é possível se ele for Deus. Igualmente, a fé no Espírito Santo, como o Consolador, aquele que habita em cada um dos eleitos, somente é possível se ele for Deus. Como se pode adorar um ser criado ainda que com super-poderes? Ou que é uma emanação ou força que, via de regra, não é o próprio Deus? Se sem fé é impossível agradá-lo, como posso agradá-lo crendo no que ele não é? Cristo, como criatura, pode receber a minha fé? Que no fim-das-contas é proveniente de Deus? O Espírito, como força, poderia também recebê-la? Se Deus é apenas um, o Pai, como dizem os unitarianos de várias correntes, apenas ele deve receber a nossa fé, a fim de agradá-lo. E boa parte da Escritura, tanto no AT como no NT, terá de ser rasgada e jogada fora. Praticamente tudo o que a Bíblia nos revela não teria sentido, pela ótica unitarista, caso o Filho e o Espírito Santo fossem partes subordinadas de Deus ou criadas por ele. Não falo apenas em seu caráter lógico, mas também prático e funcional, onde não há sentido, nem razão. Com isso, chego a pensar que os verdadeiros triteístas são os unitaristas que adoram, creem e têm fé em criaturas ou estados que, em suas essências, não são Deus. Em suas formulações simplistas e racionalistas acabam por atirar no próprio pé, tornando-se em idólatras. E, então, a acusação de que somos acusados torna-se em sentença para eles, colocando-os no posto de idólatras e infratores do primeiro mandamento, o que os condenará. Todo o reducionismo racionalista, aliada à rejeiçao da revelação especial, faz com que sejam aquilo que mais temem ser, e não se vêem como são.

Como disse na primeira parte desta introdução, é impossível que o Filho e o Espírito Santo tenham os mesmos atributos que o Pai, se não forem igualmente eternos e absolutos. De forma que, por exemplo, o Filho não poderia ser onipresente [Mt 18.20], e o Espírito Santo não poderia ser onisciente [1Co 2.10-11].

Leiamos alguns versículos e atentemos para o que eles nos revelam. Sem exceção, mostrar-nos-ão mais do que a prova de que todas as pessoas da Triunidade são idênticas em sua natureza e atributos, porém distintas em suas personalidades; revelarão a forma como se relacionam entre si, e que pode ser definido como o ser tri-pessoal em sua íntima ligação.

Textos: 1Co 12.4-6; 2Co 13.14; 1Pe.1.2; 1Jo 5.7; Jd 20-21, o que temos de comum em todos eles é a declaração de que existe uma coordenada relação entre as pessoas da Triunidade, sem que haja divisão, sem confusão entre si, mas em unidade de essência. Entender a doutrina da Triunidade por meio da mente caída e limitada do homem é algo realmente impossível. Ela somente pode ser compreendida e aceita como fundamento sobrenatural. O próprio Deus é quem se encarrega de nos revelar a verdade e nos capacitar a crer, confiar e proclamá-la, sem o qual o Cristianismo seria uma religião sem nexo e sentido algum, pois o centro é Cristo por quem exclusivamente o Pai é revelado.

Antes de terminar, quero deixar uma questão para reflexão: Se Deus é amor, quando ele amou? E a quem? A si mesmo? Ou somente após a criação esse atributo manifestou-se? Ou esse amor é eterno e retributivamente eterno na relação das três pessoas da Trindade? Ou teremos de aceitar que, em sua imutabilidade, um dos atributos divinos é temporal e apenas pode ser explicado através da Criação? Se Deus é amor, faz-se necessária uma fonte eterna ou melhor, um objeto eterno, para que ele se manifestasse, do contrário Deus não amou sempre, e esse amor é limitado por suas criaturas.
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Notas: 1 - Os textos bíblicos citados são explicados mais detalhadamente no áudio desta aula.
2 - Aula realizada na EBD do Tabérnaculo Batista Bíblico. 
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ÁUDIO DA AULA 36:

21 março 2024

Calígula e Política

 



Jorge F. Isah

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É verdade que este mundo tem coisas muito estranhas e, ultimamente, está ficando ainda mais bizarro com práticas inusitadas e, porque não dizer, doentias, psicóticas, a acometer um e outro, aqui e acolá. Pessoas se consideram árvores sem produzir um pingo de clorofila; outros gatos, sem darem um miado convincente ou escalarem o muro do vizinho com apenas um salto; “casamentos” entre humanos e animais, com direito a festa, certidão e lua-de-mel, contudo, um e outro podendo pegar (ou ser pego) por qualquer cachorra ou cão vadio das ruas; e até mesmo uniões estáveis com hologramas, claro, se não cair a conexão 5G ou o software. O próximo passo é a vida se transferir definitivamente para o Metaverso e, numa espécie de Matrix, se ter muitas, ou possibilidades de muitas e diversas identidades, sem ter nenhuma de verdade. Por enquanto, esse “paraíso” não está ao alcance da maioria, já que os gastos para se manter uma vida por lá é cinco, seis vezes mais caro do que aqui, mesmo com os impostos absurdos, roubalheiras e corrupções por todos os lados, assaltantes, pedintes e a indústria diminuindo ano a ano o peso dos produtos, mas mantendo o preço nas alturas, a realidade ainda é mais barata.

São como os streaming, Amazon, HBO, History, ESPN ou qualquer outro; você compra o pacote achando que está resolvendo um problema, mas nada, está é criando outro, pois dentro da trouxa principal terá de pagar pelos melhores e mais recentes lançamentos, ou seja, o bobo é você!... Comprar o Sport TV não garante assistir aos melhores jogos e eventos esportivos; para isso, terá de assinar o Premier, o Combate e talvez outro que desconheço, enquanto assiste aos empolgantes jogos de futebol feminino ou GoalBall... são tão entediantes que até um cego vê.

Bem, o título fala de Calígula (Caius Julius Caesar Augustus Germanicus) e ele talvez seja um dos precursores das bizarrices e sandices a espalhar-se mundo afora. Enquanto imperador de Roma (37 a 41 D.C.), nomeou o seu cavalo predileto, “Incitatus”(impetuoso), senador e cônsul, talvez por considerar o Senado digno de receber o seu mais dileto ídolo, ou simplesmente era a cocheira apropriada para alojar o nobre equino. Para piorar a situação, obrigava os senadores a se reunirem e despacharem na presença do animal, o que, certamente, deixava a assembleia bufando de raiva (sei, o trocadilho é infame, mas não pude resistir). Alguém pode alegar: “mas que cara louco! É cada uma que acontece...”; ao que digo: “já olhou o seu título de eleitor e viu o que está fazendo há mais tempo do que o velho Caius?”...

Política por essas bandas (na verdade, no mundo em geral; excluindo-se países onde não se tem nada a discutir, por proibição ou impossibilidades) é mato sem cachorro. Nunca sabe se é caça ou caçador, mas sempre tem um alvo preso às costas e a certeza de o tiro não ser certeiro, suficiente para matar, mas que vai doer demais e derramar sangue, isso vai. No fim das contas, a maioria das vezes é gritaria, arrogância e presunção, sem a noção e percepção de que, seja de qual lado estiver, está ferrado e mal pago. Por aqui, se elege Presidente, Senadores e Deputados, e leva-se de brinde o STF. Curioso é que o alto escalão judiciário parece agir como o imperador dos cavalos: dá ao Executivo e Legislativo capim e alfafa, enquanto eu e você, ganhamos uma banana.

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

13 março 2024

Escada para os céus - Breve reflexão







Jorge F. Isah



A existência humana, como a conhecemos, é uma fração irrisória na história, e o homem um nada em relação à criação, quanto mais se compará-lo a Deus. Não é estranho, portanto, o anseio obsessivo de, sendo nada, fazer-se como ele e querer tudo?...

Ah, maravilhas das maravilhas, enquanto o homem tenta subir as escadas para o trono divino, em uma nítida intenção de invadir e conquistar o Reino; Deus, em sua sabedoria, desceu aos porões da terra, fazendo-se um de nós, para, assim, salvar o seu povo, os seus eleitos. E, somente então as portas do reino eterno foram-nos abertas, escancaradas, para encontrarmo-nos com o Criador, Senhor e Salvador, e dele, e por ele, e para ele, gozarmos por toda a eternidade.

Não foi o homem quem subiu aos céus, mas Cristo se fez homem, servindo-nos de escada, como uma ponte a ligar o mundo perdido e baixo ao Reino venturoso e sublime, finalmente alcançado, onde nos realizamos, filhos amados do Pai, pelos méritos exclusivos do Filho.


09 março 2024

Águas Profundas, de Adrien Lyne

 



Jorge F. Isah



Águas profundas é um daqueles filmes inesquecíveis, às vezes pela qualidade e talento da produção, edição, roteiro, interpretações, direção ou por todas essas coisas capaz de levá-lo à candidatura do Oscar e até mesmo à vitória (se bem que Oscar e bons filmes já há um bom tempo não são mais sinônimos). Entretanto, existem aqueles também que não nos sai da cabeça por seus defeitos, vícios e problemas. No sentido da direita para a esquerda, em ordem decrescente, o filme estaria na parte mais baixa da ladeira, quase na extremidade canhota (não há aqui nenhuma conotação política, apenas o meu critério de aferição, pessoal e intransferível).

Dirigido por Adrian Lyne, o mesmo de 9 e 1/2 semanas de amor (proto-pornô), Proposta Indecente e Atração Fatal, se manteve em período sabático por 20 anos, e, ao voltar, tropeçou em seus próprios erros não resolvidos no passado e reforçados no presente. A se salvar a química entre o canastrão Ben Affleck, a linda Ana de Armas, e o carisma infantil de Grace Jenkins; de resto quase nada se aproveita no filme, nem mesmo a incipiente e pálida crítica social aos endinheirados e suas vidas fúteis.

A história é sobre o relacionamento confuso, destrutivo, imaturo e corrosivo de Vic (Affleck) e Melinda (Armas), um casal de ricaços cuja filhinha, Trixie, é mais madura e centrada do que os pais. Vic, um gênio da computação, criou um sistema de drones para o governo americano que atinge alvos inimigos com alto grau de precisão. Assim, ganha uma fortuna e se dedica quase exclusivamente à família, festas onde era constantemente desafiado pela esposa, e uma criação de escargots no porão de casa.

Melinda é a típica mulher fatal: linda, sex, ardorosa e promíscua, além de bêbada; deita-se com qualquer um sem o menor pudor ou remorso, e diante de toda a cidade desfila os amantes debaixo dos narizes incrédulos de amigos e conhecidos. Não respeita ninguém a não ser o seu apetite sexual... Não se sabe a razão de agir assim. No decorrer da trama, fica-se a par de talvez ser a frieza do marido, não dado a arroubos e fervores, a causa das inúmeras e sucessivas traições. Só esse fato demonstra a infantilidade e fragilidade da história. Vic ama Melissa, ao seu jeito, e mesmo sabendo dos affairs extraconjugais, não pretende se separar; ela está mais disposta a humilhá-lo, enquanto se beneficia da sua fortuna para presentear amantes e, em alguns casos, sustentá-los.

Trixie tem afinidades e um relacionamento carinhoso com o pai, e por vezes vemo-la a provocar a mãe (quase sempre de ressaca pela manhã ou bêbada durante o dia) com músicas infantis e barulhentas. A relação das duas é claramente conflituosa, já que a pequena, inteligente e sagaz aos 6 ou 7 anos, não está desatenta à disfunção moral da progenitora.

Então, Vic, para se vingar, resolve matar um a um os “amigos” de Melissa. Isso mesmo. Incapaz de se divorciar, seja lá qual for o motivo, decide afastar definitivamente os rivais, e acaba por provocar o furor da esposa, privada dos seus “brinquedinhos” e tendo de encontrar outros.

A história em si é um emaranhado de equívocos, inverossímil e cheia de buracos por todos os lados. Lyne não consegue preenchê-los, deixando a coisa toda à deriva, mas abusando daquilo que sabe fazer tão bem: exorbitar no exibicionismo e masoquismo dos personagens. O roteiro estúpido (baseado no livro homônimo de Patricia Highsmith), direção insegura e canhestra, e o clima nitidamente absurdo da trama, faz-nos lembrar as antigas novelas venezuelanas, de 30 anos atrás, deixando a sensação de estarmos diante de uma grande e inominada porcaria.

No final, ao perceber que o marido era o assassino dos seus amantes, Melissa reconhece, com isso, a sua mudança de atitude, de não ser o homem frio, distante, mas certamente um potencial marido capaz de amá-la. E as provas mais sórdidas e abjetas convence-a de que os assassínios impiedosos, planejados e brutais serão suficientes para apaziguar o seu ímpeto devasso. Ou seja, para conquistá-la não era bastante fortuna, gentileza e leniência, mas a oblação, os sacrifícios consagrados no altar de Melissa. Os dois se merecem, não há dúvidas.

De bom mesmo, lá pelo minuto 20 e poucos do filme, a performance de Grace Jenkins cantando “You make me feel like dancing”, música de Leo Sayer, de 1976, sentada no banco de trás do carro, a caminho da escola. Temos o melhor de Affleck também. Valeria o filme, se as quase duas horas se restringissem a um curta-metragem. Essa cena é um dos poucos trunfos a tirá-lo da extrema-esquerda e trazê-lo mais próximo ao centro. 

Não o suficiente, mas podia ser muito pior.

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Avaliação: (*)

Título Original: Deep Water

Direção: Adrian Lyne

Roteiro: Sam Levinson e Zach Helm

Ano: 2022

Produção: Amazon

Duração: 116 minutos

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

04 março 2024

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 35: A Trindade e os "cristãos" que não reconhecem a Cristo

 


Jorge F. Isah
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INTRODUÇÃO

Antes de entrarmos propriamente na doutrina da Trindade, a qual passaremos a chamar de Triunidade, a fim de não confundi-la com o triteísmo, farei uma apanhado da crença herética do antitrinitarianismo.

Primeiro, há de entender que o judaísmo, o islamismo e o cristianismo são as únicas grandes religiões monoteístas do mundo. Muitos judeus e islâmicos consideram que somos triteístas, de que acreditamos em três deuses, pelo fato de não se interessarem pelo estudo da doutrina da Triunidade e, portanto, ao não fazê-lo, não compreendem-na, ou por uma deliberada má-vontade e oposição com o objetivo de nos rechaçar das suas companhias. Entendo que também não temos interesse nessa companhia porque, apesar de monoteístas, tanto judeus como islâmicos estão equivocados em sua fé e desprezam flagrantemente a revelação divina, a Bíblia Sagrada. Para o judaísmo existem apenas os livros do AT e aqueles que fazem parte da sua tradição, os quais não são livros inspirados; enquanto para o islã há somente o livro de Maomé, ainda que eles se reconheçam como herdeiros do patriarca Abraão, e reconheçam alguns dos nossos profetas como enviados por Alá. Ambos rejeitam peremptoriamente o NT como livro sagrado, como a palavra fiel de Deus, e a Jesus Cristo como Senhor e Salvador, como a segunda pessoa da Santíssima Trindade.

Este estudo tem por objetivo esclarecer os princípios norteadores da doutrina da Trinitariana existentes na Escritura Sagrada e, em caráter secundário, demonstrar a falácia dos que se opõem à Triunidade de Deus.

Da mesma forma, temos de distinguir os movimentos que se consideram cristãos mas nada têm de bíblicos, como os unicistas e o unitarianistas. A importância de reconhecê-los com clareza é fundamental para que não sejamos presas fáceis dos enganos perpetrados por essas correntes teológicas. Muitos se misturam no nosso meio com o intuito de enredarem incautos para suas doutrinas espúrias e diabólicas, já que uma característica das seitas é o proselitismo. Há muitos cristãos bíblicos que os consideram como a irmãos, talvez acometidos pela condescendência, pela ignorância ou seduzidos pela astúcia deles. O fato é que Deus nos exorta a afastar-nos e a rejeitar qualquer proposição que não seja bíblica, pois enquanto devemos batalhar pela verdade, aqueles estão interessados exclusivamente na difusão da mentira, e qualquer associação com eles nos fará igualmente mentirosos ou, no mínimo, transigentes com a mentira [Tt 3.10-11]. A questão é que estamos muito preocupados em parecer conciliadores, amistosos e flexíveis, quando devemos ser intransigentes e repelir tudo o que vai contra a sã doutrina. Como o apóstolo Pedro disse diante do sumo sacerdote: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” [At 5.29].

Ainda que o estudo não seja exaustivo, ele nos dará o fundamento necessário para defender a fé cristã e rejeitar o falso cristianismo, e, mais do que isso, aperceber-nos de que muitos deles, utilizando-se de argumentos ou raciocínios ardilosos, querem confundir e transtornar irmãos ingênuos ou de boa-fé, apresentando-se como iguais quando em nada se lhes assemelham. O espírito deles é guiado pelo enganador, e devemos estar atentos para os sinais que eles apresentam e que, no início, não são muito perceptíveis, mas se tornam evidentes com o tempo, ao rejeitarem a revelação especial para dar ouvidos à mentira que, em seu discurso, tem alguma aparência de verdade.

A fé cristã é uma, mas muitos grupos se apropriam do termo Cristianismo para terem seu trabalho facilitado. E, para isso, utilizar-se-ão do que foi dito pelos hereges no passado, os quais já existiam à época dos apóstolos, para garantirem o uso do designativo “cristão”. O fato de reconhecerem Cristo como o Messias, Salvador, ou o enviado de Deus para revelar a sua vontade ao mundo é suficiente para que se autodenominem com tal. Não importa se o que pensam de Cristo é diametralmente oposto ao que ele é e se deu a revelar na Escritura. Importam-lhes mais embaraçar, se misturar, de forma que os tolos e ignorantes, aqueles que não sabem dar a razão da sua fé, não percebam as diferenças entre o que eles dizem e o que a Bíblia afirma. E a ignorância de muitos, aliada à astúcia daqueles, fazem com que sejam reputados como seguidores de Cristo quando, na verdade, odeiam-no, ao desprezarem-no, ao não reconhecerem quem ele é, ao tentarem fazer dele uma outra pessoa ou personalidade.

Interessante que quase sempre é ele, Cristo, o pomo da discórdia, e que somente acontece por obra exclusiva daqueles que, pela própria incredulidade, negam a sua divindade.


"CRISTÃOS" QUE NÃO RECONHECEM A CRISTO

Há entre os cristãos [uso o termo de maneira ampla e genérica, abrangendo todos os que se autodenominam cristãos] dois grandes grupos doutrinários: os trinitarianos e os antitrinitarianos.

Entre os opositores da fé bíblica, encontramos dois subgrupos:

1)      Os unitarianos;
2)      Os unicistas.

Eles afirmam, via de regra, que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são meros nomes, modos, estados ou aspectos de uma mesma pessoa, de forma que Deus assumiria modos diferentes ao invés de ser três pessoas distintas [modalismo, sabelianismo, patripassianismo]; ou de que Jesus Cristo não é Deus mas um deus inferior, uma espécie de semi-deus, criado pelo verdadeiro Deus, e por ele capacitado com alguns “poderes”, podendo mesmo ser adorado como Deus [arianismo]. Com isso, eles dizem que Cristo é divino em algum aspecto, mas não é Deus em essência [algumas das várias formas de unitarismo]. Já o Espírito Santo pode ser tanto um ser criado por Deus, com a ajuda do Filho, como uma força emanada do próprio Deus [esta visão é bem próxima do que crêem as Testemunhas de Jeová, que poderiam ser chamados de semi-arianos].

Outra variação dessa mesma doutrina diz que Cristo é Deus, e como a Bíblia diz que há um único Deus, Jesus Cristo é Deus em plenitude, sendo ele o Pai, o Filho e o Espírito Santo [unicismo]. Esta corrente doutrinária está em processo de difusão entre os pentecostais, especificamente.

Em sua maioria, os unitaristas e unicistas são também universalistas, acreditando que haverá uma salvação final para todos os homens, inclusive o diabo e seus demônios, como propunha Orígenes. Além de não crerem na divindade de Cristo, rejeitam-no como Salvador e Redentor.

Há uma boa variedade de conceitos díspares nessas crenças, dependendo do grupo que se estude, podendo ser em maior ou menor grau as divergências, mas resumida o suficiente para considerá-los hereges. Seria essa a linha geral de suas doutrinas. Podemos desconsiderar os detalhes capciosos das doutrinas antitrinitarianas, pois esse elemento geral está presente em tudo o que os rege, e em tudo o que professam.


LOBO EM PELE DE OVELHA ENTRE OS TOLOS E INCAUTOS

Alguns, se utilizam de formas engenhosas e sutis de se expressar, como o bispo Eusébio de Cesárea: “E quem, a não ser o Pai, poderia conceber sem impureza a luz que é anterior ao mundo e a sabedoria inteligente e substancial que precedeu aos séculos, o Verbo vivente no Pai e que desde o princípio é Deus, o primeiro e único que Deus engendrou antes de toda a criação e de toda a produção de seres visíveis e invisíveis, o general do exército espiritual e imortal do céu, o anjo do grande conselho, o servidor do pensamento inefável do Pai, o fazedor de todas as coisas junto ao Pai, a causa segunda de tudo depois do Pai, o Filho de Deus, genuíno e único, o Senhor, o Deus e Rei de todos os seres, que recebeu do Pai a autoridade soberana e a força, junto com a divindade, o poder e a honra? Porque, em verdade, segundo o que dizem d’Ele os misteriosos ensinamentos das Escrituras: No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada foi feito”. 

Outros, sem sutileza alguma, expressam aquilo que lhes vem à mente sem qualquer constrangimento em suas falsas autoridades, como certo autodenominado “Apóstolo”, que escreveu no site da sua igreja, e, posteriormente, suprimiu o texto sem qualquer explicação: “Muita gente pela tradição da religião, não entende a historia de Jesus. Alguns falam de natal, mas ninguém sabe o dia exato em que Jesus Cristo nasceu. Segundo que Jesus já existia muito antes de tudo. Ele é a imagem do Deus invisível, a encarnação do verbo. Mas ele não é sempiterno, é eterno. O pai que é Deus é sempiterno, aquele que antes dele nunca existiu como ele, nem existirá depois dele, sempre existiu e sempre existirá. A primeira obra dele foi Jesus Cristo, não a partir de Maria, que foi obra do Espírito Santo para ser feito carne, antes ele já existia. “Façamos” é no plural, porque Jesus estava com Ele e a palavra que lemos confirma”.

Analisemos o que nos diz o famigerado "apóstolo", e que não é difícil de se refutar. Pois bem, ele diz: "Muita gente pela tradição da religião não entende a história de Jesus". Qual é o alvo do seu ataque? A igreja, que durante séculos e séculos tem sido usada pelo Espírito Santo para defender a fé cristã e a sã doutrina, em especial, o centro do Cristianismo, sem o qual ele não teria o menor sentido ou significado: a divindade de Cristo. O que ele está tentando dizer é que tudo o que a igreja acreditou durante os últimos dois mil anos a respeito do Senhor é fruto da ignorância. Ele diz que ela “não entende a história de Jesus”. Assim se coloca numa posição privilegiada, numa condição superior, de crítico e de único entendedor ou, talvez, de participar de um seleto grupo de entendedores a respeito de quem é o Cristo. Até então, houve apenas um ataque sem fundamentação, sem argumentação, de simples especulação, de que a culpa de toda a ignorância da igreja sobre o assunto é fruto da tradição. Mas em quê essa tradição [que podem ser todos os debates ao longo da história da igreja, que podem ser os Concílios, os estudos meticulosos de homens fiéis que se debruçaram sobre as Escrituras, o testemunho dos santos que foram martirizados pelo nome de Cristo], pode levar a igreja à ignorância por tanto tempo? 

Sabemos que desde os primórdios satanás levantou homens na igreja para atacarem a verdade: Ário, Montano, Sabélio, Marcião, Nestório, Socino, Serveto e muitos mais como eles. E eles mesmos seguem uma tradição de, tempos em tempos, retornarem ao próprio vômito, numa espécie de “revival” maligno. Afinal essa heresia não foi criada pelo “apóstolo”, nem pelos seus seguidores, mas ela remonta aos séculos 2 e 3 da era cristã. Portanto, o único argumento utilizado pelo “apóstolo”, de que a ignorância da igreja se deve à tradição, é um tiro no próprio pé. 

Em seguida, para defender o seu argumento de que a tradição é culpada pela ignorância da igreja, ele se utiliza do natal para justificá-la. Ora, se o fato da Bíblia não revelar a data exata do nascimento de Jesus implica em que o natal nada mais é do que uma tradição, sem base bíblica, a crença na divindade de Cristo somente pode ser equiparada ao natal, como fruto de outra tradição da igreja. Acontece que, se a Bíblia não revela a data exata do nascimento do Senhor, isso não quer dizer que não se possa comemorá-la, não como uma data específica mas como o advento da encarnação do Verbo divino. A mesma Bíblia nos dá uma profusão de trechos e versos em que a divindade do Senhor Jesus é declarada. 

Então, ele diz sobre Cristo: "Ele é a imagem do Deus invisível, a encarnação do verbo. Mas ele não é sempiterno, é eterno. O pai que é Deus é sempiterno, aquele que antes dele nunca existiu como ele, nem existirá depois dele, sempre existiu e sempre existirá". 

Tem-se a afirmação de que o Senhor é a imagem do Deus invisível, a encarnação do verbo, o que é uma verdade. Mas dita por sua boca, certamente os termos “imagem” e “encarnação do verbo” têm sentidos diversos do que a Escritura diz. Quando ele escreve “encarnação do verbo” em minúsculas demonstra ter a idéia de que o verbo não pode ser equiparado a Deus. De que ele é inferior e não faz jus ao “V”. Isso não é descuido, mas intencional. Com a aparência de verdade, ele distorce-a, e cria uma mentira.

A expressão “imagem” estará ligada a uma certa aparência, a uma certa semelhança, que não é igualdade essencial, assim como nós somos semelhantes e a imagem de Deus. Em outras palavras, o “apóstolo” está dizendo que, como nós, Cristo é um ser criado, parecido com Deus, mas não é Deus. Logo, ele mesmo confirma o dito com um jogo de palavras ao diferenciar “sempiterno” de “eterno”. Fiz uma busca em vários dicionários portugueses e o que encontrei não foi distinção entre os termos mas igualdade. Sempiterno e eterno são sinônimos em, pelo menos, três dicionários conceituados, Priberan, Michaellis e Aurélio.

Mas pode ser que ele tenha proferido a sentença não do ponto de vista semântico, mas do ponto de vista filosófico. Porém, se ele vislumbrou essa diferenciação a partir da conceituação dos termos, deveria indicá-la, explicando o sentido que lhes deu. Mas, pelo pouco que compreendo de filosofia, o sempiterno e eterno significam a mesma coisa. Fico com a definição de Tomás de Aquino, na qual eterno é a “posse total, simultânea e perfeita de uma vida sem limites", caracterizada pela ausência de princípio e fim, e pela ausência de sucessão, porquanto, para ele, é um presente eterno.

Distinguir o que é igual em nada ajudará o “apóstolo”, mostrando apenas a sua incapacidade em lidar corretamente com a questão. Mas a distinção tem por objetivo unicamente rebaixar a Cristo, reputando-o como criatura e não como Deus eterno. Então, ele diz que “O pai que é Deus é sempiterno”. O fato de se distinguir Deus chamando-o de “pai” já mostra a confusão em que o “apóstolo” se meteu, ou a confusão que deseja meter nas cabeças alheias. Os unitaristas e unicistas em sua loucura, e como todo louco é incoerente, utilizam-se dos termos trinitarianos para explicarem sua heresia. Não lhes bastam as palavras do próprio Deus, creio que seria necessário que estivessem lá, in loco, para ver que o Pai, o Filho e o Espírito Santo sempre são; mas isso os faria iguais a ele, então penso que essa deve ser a maior frustração deles: já que não podem ser Deus, imaginam que a saída seja se rebelarem contra ele da forma mais baixa e desprezível possível, atacando aquele que disse: quem vê a mim, vê ao Pai [Jo 14.7-9], e, “Porque, como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo” [Jo 5.26]. Ah, como gostaria que eles explicassem esses versos sem os malabarismos que insistem em executar, quando estão acuados pela verdade. 

Mais à frente em nosso estudo, meditaremos sobre a Pessoa de Cristo, em seus aspectos divinos e humanos, o que dará o entendimento correto sobre as afirmações bíblicas sobre ele, e que os unitaristas, como o “apóstolo” negligenciam vergonhosamente, para a sua própria desgraça.


Notas: [1] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 
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ÁUDIO DA AULA 35: