30 março 2024

Stálin e o Photoshop

 



 

Jorge F. Isah


Cada dia mais as pessoas aparentam ser o que não são, ou querem ser o que não são, e poucas são aquelas que são o que são e não querem ser o que não são... deu para entender? Na verdade, são tantas artimanhas para se mudar o físico ou a alma, já que o espírito é impossível, que as clínicas plásticas, os consultórios psicológicos, academias, clubes de tiros, paraglider e ufológicos se espalharam como erva daninha, tudo para atender aos caprichos, doenças e exotismos das pessoas; bastaria dar a elas uma enxada ou um tanque de roupas sujas que o resultado seria infinitamente melhor.

Existe ainda um ofício virtual, o Photoshop (software famoso e que deu nome à arte de transformar imagens), onde os menos dotados financeiramente, que não passam por bisturis, terapias e esportes “adrenalínicos”, utilizam-se para, ao menos nas redes sociais, cobrir pequenos ou grandes defeitos com retoques ou melhorias. Assim, aquele nariz semelhante a batata cozida e amassada se torna longilíneo e delicado; outro aquilino, perde curvas e tamanho desproporcional. Abdomens dilatados viram “tanquinhos”. Seios mirrados, apresentam-se voluptuosos. Rugas, estrias, manchas, cravos e espinhas são sistematicamente extraídos, e a feiura se faz beldade, o raquítico vira sarado, a mocoronga torna-se socialite e, parece, ao menos na web, não haver feios e enjeitados.

Há, contudo, aqueles ou aquelas cuja estranheza ou “coioice” são virtudes, devem ser elogiadas e açuladas, e tratam logo de piorar o que já é por si só um desastre. São cabelos e penteados iguais a antenas parabólicas, sugestivos de estarem recebendo ou enviando mensagens radiofônicas; outros, assemelham-se a trincheiras (alguns parecem mesmo terra arrasada em tempos de guerra), há ainda perucas, argolas, piercings, tatoos e miçangas a “enfeitar” o nada regalado visual.

Mas não quero me valer das trivialidades e escolhas alheias, pois poucos são capazes de compreender e apreciar a simetria estética, como eu. Quero antes falar do precursor no campo do arremate, a técnica de acabamento esmerada, falo do artífice sanguinolento, do gênio finório de Josep Stálin, sim, ele mesmo. Não vou entrar na história pregressa deste ícone do absolutismo cesarista, o único e insuperável “czar vermelho”, capaz de fazer o próprio César parecer um garotinho de recados... não, não vou entrar nessa. Entrementes, ninguém pode levantar qualquer suspeita quanto à sua relevância e pioneirismo na edição de imagens. Ou você não sabia que ele foi o primeiro a alterar fotos e filmes?... Por estar muito à frente do seu tempo, Stálin mandava remover pessoas mortas e malquistas. Se havia ao seu lado um assessor morto (provavelmente executado ou esquecido nos Gulags), este era retirado. Se a fotografia tinha um sobrinho, cunhado ou adversário político que passou desta para o além, era sumariamente extraído, e não apenas deste mundo. Estima-se que ele expurgou (nome empolado para “limpeza” e higienização política, mas no caso significava prisão e morte) cerca de 800.000 pessoas, representando um trabalho incessante aos “photoshopers” da época.

Se ele não contribuiu em nada para a humanidade, como sátrapa e sicário, devemos-lhe o “avant-guarde” da dissimulação e “ocultismo”. E seus métodos foram tão apreciados, especialmente em nossos dias, que as várias mídias especializaram-se nesta “arte”, do New York Times à Folha de São Paulo, do Globo ao Estado de Minas, da Veja à CNN, e por aí afora...

Então, quando você engrossar os lábios, afinar o nariz, empinar o bumbum, retirar os pneus e mexericas da silhueta “tanquinho”, ou ver aquela foto de uma multidão com bandeiras vermelhas, lembre-se que esta magia somente foi possível porque, nos idos de 1920, havia o vanguardista russo capaz de apagar quaisquer rastros indesejados... Só não teve quem deletasse os seus.

Vejam, abaixo, se ele não foi visionário: 

 

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Montagem com fins políticos, visando legitimar a revolução russa.



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Lenin discursa, e Trotsky, que aparece acima dos degraus do palanque, desapareceu. 


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Nikolai Yezhov, morto por Stálin em 1940, desapareceu da foto oficial.


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Famoso por seus “expurgos”, fotos e pinturas originais foram reduzindo-se apenas a Stálin, à medida que colaboradores, parentes e oponentes sumiam.


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Stálin mandou forjar centenas de pinturas e fotos ao lado de Lenin; uma intimidade forçada de legítimo sucessor




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Nota: Publicado originalmente na Revista Bulunga


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