Jorge F. Isah
Em meio a outras leituras, quase no final de "A Baleia";
e o que dizer do calhamaço de Herman Melville?
Muitos acham se tratar de um livro de aventuras, o que não é mentira; mas considerá-lo apenas como tal é não compreender toda a trama intricada e, muitas vezes, trabalhosa que é decifrar a escrita de Melville. Não tenho nada contra livros de aventura, pelo contrário, gosto de muitos, e creio que a literatura tem entre suas várias finalidades a diversão, o vislumbrar mundos desconhecidos, pessoas imaginárias, cenários paradisíacos, e situações mágicas e sobrenaturais. O fato de existir, desde a antiguidade, as lendas, não as impossibilita de transmitir verdades e aspectos reais da vida, em seus símbolos e personagens. Portanto, não me entenda mal.
De volta a Moby Dick, ele
transcende em muito essa ideia, a de pura e simples diversão. Existem mesmo
aqueles que a consideram própria para adolescentes, como já ouvi dizer, e não
se tratar de um livro “sério”. Ora, Hermann pode ter escrito tudo, mas nada
está tão distante dessa suposição, provavelmente emitida por alguém que não lerá,
nem quer ler, e ainda tem raiva de quem leu. Existe uma profusão tão grande de
detalhes nas descrições dos personagens, dos cenários, da vida marinha e das
manobras e comércio naval que surpreenderia o mais empolgado diletante dessas curiosidades;
e uma profusão de descrições em pormenores minuciosíssimos.
Como disse, há de tudo um pouco no livro, desde metafísica,
religião, psicologia, história, biologia, ódio, vingança, amizade, e tantas outras qualidades que tornam este livro um grande romance, uma tragédia com todos os elementos reais
e imaginários, a lançá-lo no panteão das obras imortais.
É um livraço; mas não é leitura para todos. Há momentos em que,
não raro, se pensa em desistir ou pular trechos inteiros (como as descrições
sobre a natureza dos cachalotes ou barcos). Muitas vezes percebi-me
perguntando: por que o autor está dando essas descrições? O que pode haver de
indispensável nas minúcias de um golfinho (cetáceo), por exemplo, para a
narrativa? E, um pouco mais adiante, compreender que era necessário, pois Melville
queria que "víssemos" claramente tudo o que ele via, e não escapássemos
ao seu realismo e à verdade da sua narrativa, entrando nela como um partícipe, a
flutuar nas águas turbulentas e perigosas dos mares mundo afora, perseguindo os
fantasmas a assombrarem desde o capitão até o mais reles marinheiro. Seja a
cobiça, o ódio, a frustração ou a loucura, Melville relata as angústias,
esperanças e incertezas da tribulação do navio Pequod, na saga do Capitão Ahab
de encontrar a cachalote branca de qualquer maneira, e vingar-se da catástrofe ocorrida no último embate entre eles.
De certa forma, o domínio e o conhecimento de cada particularidade da história, por menor que seja, confere-lhe
autoridade e factualidade, e nos faz cúmplices da narrativa. Não sei se foi essa
exatamente a intenção do autor, mas pareceu-me claro como objetivo, em suas
mais de 600 páginas. Mais uma vez, não darei nenhum spoiler, a fim de instigá-lo, caro leitor, a aventurar-se nessa notável narrativa.
Certo é que abandonar livro tão precioso será um dissabor para o
bom leitor, ainda que ele não o perceba, se optar pela interrupção. Nesse caso,
a persistência e insistência serão fundamentais, e vencer cada frase, cada
página, resultará certamente no alcance da recompensa; o “ouro” que jamais
esquecerá e o auxiliará, particularmente, na escolha de outras obras tão ou
mais “difíceis” e trabalhosas.
E o prêmio não tarda em chegar; e chegará, para deleite e
satisfação daqueles que não querem apenas uma aventura marítima, mas um
mergulho na alma humana.