18 novembro 2009

Mysterium Compatibilista
















Por Jorge Fernandes Isah

Uma definição pomposa para o compatibilismo é a expressão "concursus" divino, presente em muitos livros de T. S. e que tratam da providência divina. O que o termo quer dizer? Simplificando, seria a forma ou maneira com que Deus colabora e concorre para que as coisas no mundo andem conforme a Sua vontade estabelecida no decreto eterno.

Há porém um componente desastroso nessa definição, a de que, ainda que as criaturas de Deus obedeçam-nO infalivelmente, permanecem livres para realizar a Sua vontade infalível. Isso é o velho e antibíblico compatibilismo que dá ao homem, inexplicavelmente, a liberdade de agir segundo a vontade de Deus. Mas vemos aqui outro sério problema. Tendo-se em vista a natureza humana (ainda que regenerada) direcionando-se à rebeldia, como o homem pode livremente cumprir a vontade divina? Não é interessante que essa liberdade é utilizada apenas para cumprir o decreto divino? Se é liberdade, não se deve pressupor que o homem poderá utilizá-la para não cumprir a vontade de Deus? Ou seja, onde está realmente essa liberdade decantada se o homem é livre apenas para cumprir aquilo que Deus predestinou na eternidade? A conclusão é somente uma: o homem não é livre em nenhum aspecto e de nenhuma forma de Deus.

Sinceramente, tenho toda a dificuldade do mundo para entender o compatibilismo ou o "concursus" divino, principalmente porque não vi até agora uma explicação plausível e lúcida sobre a questão.

Os autores geralmente entram em uma densa neblina onde não se vê um palmo à frente do nariz, e dizem apreciar a vista, como se vissem o que não pode ser visto.

Depois de toda a explicação acerca da soberania de Deus, de Deus determinar, da vontade soberana de Deus não poder ser frustrada, de que tudo aquilo que Ele decretou na eternidade ocorrerá, para justificar a responsabilidade humana, os teólogos aparecem com a tal da liberdade do homem, a qual nem mesmo eles sabem o que seja. É como a vaca que deu 60 litros de leite e depois coiceou o balde. Tudo o que disseram sobre a soberania de Deus caiu por terra quando se aventou a possibilidade do homem ser livre.

Alguns recuam um pouco mais do que outros, mas, no fim das contas, estão sempre andando para trás.

Há os que afirmam a liberdade completa do homem, o famigerado livre-arbítrio, visto não haver a menor possibilidade das escolhas serem livres, ainda mais que a neutralidade é um dos seus pressupostos, e não há como o homem escolher sem que haja uma mínima influência em suas decisões; o homem não se decide sem algum tipo de coerção (física, moral, espiritual). Acreditar no livre-arbítrio é o maior e pior de todos os delírios. Qualquer pessoa que tenha algum entendimento saberá que nada acontece com isenção neste mundo, pois nossas decisões são influenciadas e influenciáveis, desde a escolha da compra de um sabonete até o infringir a Lei Moral e se rebelar contra Deus.

Os compatibilistas são os que andam um pouco mais lentamente para trás. Ainda assim crêem numa espécie de livre-arbítrio que, contudo, é controlado por Deus (como calvinistas não aceitam o termo livre-arbítrio, em decorrência das implicações ilógicas e irracionais que acarreta, substituem-no por livre-agência, liberdade compartilhada, etc).

Para mim, é quase a mesma coisa, variando apenas no grau de liberdade que se queira dar. Porém, o fato de diminui-la não a corrobora, mantendo-a no campo da ilusão, do delírio, da utopia, da intangibilidade, uma falácia em letras garrafais.

Fica uma pergunta: como o homem pode ser livre (e aqui não importa o grau ou o nível de liberdade) se a vontade de Deus acontecerá sempre, da forma como Ele planejou? Como posso ser um livre-agente? E quais os critérios reais para se definir a palavra liberdade?

Vejam a confusão que um eminente teólogo procedeu: "Não há ato humano que seja feito contra a vontade humana e nunca a liberdade humana é tirada. Todavia, os atos do ser humano não são independentes, mas sempre conectados a uma vontade maior que é a divina, a causa primeira"[1].

Primeiro: o que é vontade humana? E liberdade humana? Podem estas expressões se harmonizar com "não são independentes, mas sempre conectados a uma vontade maior que é a divina"?

Segundo: há uma incoerência gritante no que se está a afirmar. Se são livres, são independentes; e não estão conectados a uma vontade maior, a causa primeira. Se a vontade divina é a causa primeira, a vontade humana é secundária, dependente da primeira, logo, não é independente e nunca se processará derivada da liberdade humana, que no caso estará sujeita à vontade primeira. O que o autor faz é um mero jogo de palavras, que não dizem absolutamente nada do ponto de vista factual.

Terceiro: para isso, o homem teria de ser livre de Deus. E, portanto, Deus não poderia ser o Deus bíblico que é. Poderia ser qualquer outra coisa, menos o Deus da Escritura. E se Deus não é o Deus bíblico, a Escritura falha em revelá-lO. E seremos responsabilizados diante dEle por afirmar tamanho disparate, insano e reprovável, ainda que seja uma acertiva subliminar, irreconhecida formalmente pelo indivíduo, mas latente em seu subconsciente. Permanece a pergunta: como o homem pode ser livre e ainda assim a soberania de Deus manter-se intacta? Ou se Deus é completamente soberano como o homem pode alegar ser livre? Novamente, reafirmo: é impossível que o homem seja livre de Deus, se Deus é soberano.

A confusão inicia-se quando há a tentativa de se explicar a relação entre soberania divina e responsabilidade humana. Alheio ao texto bíblico, busca-se desenvolver a idéia de liberdade controlada do homem, algo tão sem pé e sem cabeça que leva teólogos a verdadeiros malabarismos retóricos, porém, contraditórios, e que comprometem o verdadeiro objetivo da Escritura, ao misturar partes dela com a filosofia humanista, de forte apelo mesmo entre homens tementes e reverentes a Deus. E o cúmulo dessa inconsequência é a proposição de que o princípio bíblico da responsabilidade está ligado à liberdade. Mas onde mesmo está isso?

Como não há respaldo bíblico, apelam para a Confissão de Fé de Westminster, em sua seção III, 1-2; e aumentam ainda mais a confusão com termos como causa primária, última e secundária (os quais não conseguem definir satisfatoriamente, nem mesmo a área de atuação entre si). Para depois de tanta intrusão e verborrágia afirmar-se: "Contudo, é preciso lembrar que o modo como essa relação entre a causa primária e as causas secundárias se processa é ainda um MISTÉRIO para nós. Nós a chamamos concursus, mas não sabemos com muita propriedade o modus operandi de Deus" (Grifo meu) [2].

Ou seja, no final, a resposta mais objetiva que se consegue é a de que a relação entre a soberania de Deus e a liberdade humana não passa de um mistério, algo obscuro, intricado, insondável, inexpugnável. Porém, até aqui, páginas e mais páginas foram escritas para explicar o inexplicável, e o leitor mais atento estará se perguntando: de que adianta este livro?
E caberia ao autor perguntar: De que vale o que escrevi?

Já afirmei em outros textos sobre a relação da soberania de Deus e a responsabilidade humana que ela está centrada e estabelecida na autoridade divina, ou seja, no poder e direito que somente Deus tem sobre a Sua criação. O arbítrio aqui é dEle apenas. Às criaturas cabem obedecê-lo, quer queiram ou não. Portanto, o fato do homem ser responsável pelos seus atos está firmado não na suposta liberdade que o homem tem de escolha, mas no direito que Deus tem de julgar o homem e fazê-lo responsável por Sua autoridade de Criador, Legislador, Governante e Juiz de todo o universo. É simples. O princípio é de que Deus pode fazer o que quiser, e ao estabelecer que o homem será responsável mesmo sem ser livre, a Sua justiça, santidade e perfeição continuam intocáveis. Pois como Paulo disse: "Que diremos pois? que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma... Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?" (Rm 9.14, 20).

Não há na Bíblia nenhuma afirmação de que o fato de Deus ser o criador do mal ou do pecado o transforma em pecador ou maquiavélico. Como Criador é-lhe permitido fazer tudo o que bem queira e entenda segundo a Sua vontade, e a Escritura é clara em afirmar que tudo o que Deus faz é bom (mesmo o mal e o pecado). Infelizmente as pessoas querem ter uma espécie de jurisdição sobre Deus, como se Ele estivesse "preso" à vontade humana ou às leis do homem. Apenas a contaminação com o humanismo pode gerar esse tipo de suspeita ou a necessidade de se defender Deus daquilo que criou para a Sua glória, e da qual devemos tão somente aceitar e nos subjugar.

Como a falsa premissa da liberdade humana contamina a interpretação da Bíblia, a maioria das pessoas finge não ler os versículos onde Deus se coloca como aquele que criou tanto o bem como o mal; e se para Deus não há problema algum em declarar isso, por que tem de haver para nós? Deus precisa de defesa? Se precisa, de quem? Há algo acima ou mesmo no seu nível? Quem pode acuar, coagir ou impedi-lO de realizar a Sua vontade? Este é o princípio máximo da Escritura, e da qual os homens lutam insanamente para derrubar: Deus não nos deve nenhuma satisfação, e tudo o que faz é perfeito e santo. Em nossa imperfeição e humanidade, resta apenas submeter-nos à verdade bíblica inexorável, sem nos fatigar e nos entregar a uma luta impossível e estúpida.

Então vêem um sem número de pessoas querer protegê-lO, ignorando a Escritura, misturando-a com conceitos antropocêntricos, desandando a falar asneiras, ainda que com ar de sofisticação e intelectualidade, causando uma confusão dos "diabos": "Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?" (1Co 1.19-20).

Concluirei com uma sinopse, para o caso de não ter sido suficientemente explícito:

1) Deus é o Criador, Senhor, Legislador e Juiz de todo o universo. "Porque nele (Cristo) foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele" (Cl 1.16-17).
2) Deus é soberano. "Conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras" (At.15.18).
3) Deus determina e estabelece tudo o que ocorrerá. Nem mesmo uma folha cai da árvore sem que Deus queira. "Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados" (Mt 10.29-30).
4) Nada acontece sem que Deus mova suas criaturas para concretizá-la. "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.13).
5) O homem não é livre de Deus (se fosse livre, seria uma força antagônica a Ele e autocriada).
6) O homem é responsável por seus atos (por definição escriturística). "A alma que pecar, essa morrerá... na sua transgressão com que transgrediu, e no seu pecado com que pecou, neles morrerá" (Ez 18.20, 24). 
7) A responsabilidade nada tem a ver com liberdade, mas com a autoridade divina, o direito que tem como Criador de sujeitar a criação conforme a Sua vontade.
8) Deus não precisa de defesa. "Ai daquele que contende com o seu Criador! o caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? ou a tua obra: Não tens mãos?" (Is 45.9).
9) Ele mesmo se revela na Escritura como o criador ("fazedor", idealizador) tanto do bem como do mal; e nenhum pecado pode ser-lhe imputado porque Deus não peca por definição, e o pecado é algo que está "abaixo" de Deus, em um nível inferior a Ele. "Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas" (Is 45.7).
10) O pecado e o mal estão no nível das criaturas de Deus, como coisas criadas; portanto, não podem sujeitá-lO, antes o Senhor é quem as sujeitou conforme a Sua bendita vontade.

Estas são definições entre o bem e o mal, entre a soberania de Deus e a responsabilidade do homem, do ponto de vista bíblico. Qualquer outra coisa que se queira advogar como, por exemplo, o compatibilismo, estará no campo do estritamente humano. Portanto, falível e extrabíblico.

Nota: [1] - "A Providência e a sua realização histórica" - Dr. Heber Carlos Campos - Ed. Cultura Cristã - pg. 267 [excetuando-se a questão da compatibilidade, o restante do livro é essencial para o entendimento da doutrina da providência]. Leia os meus comentários aqui. 
[2] - Idem - pg. 270
 

11 novembro 2009

Todos esses anos... E nunca fica mais fácil


 


  Por Jorge Fernandes Isah 
  
Relendo o livro “Eleitos de Deus”, de R. C. Sproul [1], na página 50, deparei-me com um quadro baseado no pensamento de Agostinho, elaborado com o intuito de elucidar os quatro estágios do homem segundo a visão reformada da predestinação. Decidi portanto analisá-lo sinteticamente, sem abarcar todas as implicações e pormenores, o que não quer dizer que o fiz levianamente. 

 1) Antes da Queda

Sproul: O homem era capaz de pecar e capaz de não pecar. 

Eu: Não se vê na Bíblia nenhuma afirmação quanto a essa conjectura. Ela é mais fruto de uma premissa que justifique a Queda do ponto de vista humano, do que do ponto de vista da soberania de Deus; e uma tendência ou tentativa de "absolver", de "inocentar" Deus da Queda do homem, como se Ele precisasse de um advogado ou alguém que o defendesse (ao mesmo tempo em que O acusa), de não ser sábio e perfeito naquilo que fez sábia e perfeitamente. 

Ainda que a maioria dos calvinistas aceite a predestinação, o decreto eterno, e a Queda como partes integrantes do propósito divino, não aceitam a Sua ação efetiva e direta na Queda do homem.
Por isso se afirma, desde Agostinho, que Adão detinha o livre-arbítrio. Mas onde está escrito que ele o tinha? Tanto que à primeira tentação sofrida, cedeu e pecou; e a sua capacidade de não-pecar em nada lhe serviu e em nada o ajudou a se preservar do pecado. Se Adão tinha a capacidade de pecar ou não, por que ele escolheu justamente aquilo que não conhecia, e do qual nada sabia?

Afirmar a neutralidade de Adão quanto à possibilidade de escolha (e o livre-arbítrio pressupõe neutralidade de escolha, não estando ela sujeita a nenhuma coerção externa ou mesmo interna) é ir contra a lógica. A própria mentira da serpente, distorcendo uma ordem clara e expressa de Deus (e a ordem de Deus não é uma espécie de coerção?) demonstra que houve uma influência exterior, e de que essa influência foi acolhida no coração de Adão e, portanto, ele decidiu que aquilo que Deus havia dito era mentira, e de que aquilo que a serpente havia dito era verdade. 

Como ele conseguiu chegar a tal conclusão se sua escolha estava neutralizada pelo livre-arbítrio? Seria possível a Adão alguma escolha em meio à neutralidade? 

A neutralidade pressupõe a não-escolha. Se há neutralidade, como escolher? E se não havia o deliberado desejo de se rebelar contra Deus, como lhe foi possível desobedecê-lO? E não sabendo o que é o mal (que até então não havia no Éden), como Adão poderia escolhê-lo? Conhecendo apenas o bem, é possível escolher o mal que não se conhece?

A questão aqui não é de capacidade ou liberdade de escolha, mas do decreto eterno de Deus que fez com que Adão caísse, a fim de que se cumprisse toda a vontade divina. 

Adão não havia pecado, mas era necessário e inevitável que pecasse, pela vontade decretiva de Deus.

E foi o que aconteceu.


2)Depois da Queda

Sproul: O homem é capaz de pecar e incapaz de não pecar.

Eu: Esses conceitos são uma tentativa de se entender a ação do pecado na vida do crente e do não-crente. Contudo, muitos incrédulos escolhem não pecar, mesmo quando estão diante da opção de fazê-lo. Como explicar essa situação? O ímpio sempre pecará?

A meu ver, o livre-arbítrio ou a capacidade da vontade humana estarão sempre sujeitos à vontade decretiva divina e, portanto, jamais teremos escolhas livres, nem mesmo segundo a nossa natureza
[2].

O fato não é se temos ou não a capacidade de escolha, mas em que situação e circunstâncias nossas escolhas são livres. Livres de quem? De Deus? 

Muitos calvinistas [3] querem fugir é da idéia do determinismo, ou seja, como Deus pode decretar tudo no universo, inclusive os mais insignificantes e míseros eventos e pensamentos, se o homem é livre para escolher, seja qual for essa noção de liberdade, e mesmo que ela seja limitada pelo poder soberano de Deus?

Segundo o padrão 2, o ímpio jamais deixará de pecar, e a sua escolha será sempre para o pecado. Contudo, existe a diferença entre natureza e pecado. A natureza caída não pressupõe necessariamente como fim o pecado, ele encontra-se em um "estado pecaminoso", aquele estado em que o homem está em deliberada rebeldia a Deus, contudo, ainda sob o poder controlador de Deus, o qual ativamente age mesmo no ímpio, e assim, nem sempre ele será levado a pecar. Deus o usará muitas vezes para cumprir o propósito de não-pecar. Aí está o dilema.

Da mesma forma que ao regenerado não se pressupõe a capacidade de não-pecar totalmente. O seu estado saiu do "pecaminoso" para o "santo" ainda que ele cometa pecados, e a maioria das suas decisões sejam em favor do pecado.

O que temos aqui não é a liberdade da vontade humana, mas a liberdade divina de fazer com o homem o que bem quiser, e que fará com que réprobos escolham não pecar, e fará com que santos escolham pecar.

Logo, esse quadro é ainda uma tentativa de justificar a Queda, o estado natural do homem, e o estado regenerado do homem, a partir do próprio homem, e não de Deus.


3)Renascido ou Regenerado:

Sproul: O homem é capaz de pecar e capaz de não pecar.

Eu:  Em quais condições? De pecar estando livre de Deus? De não pecar estando livre de Deus? 

Novamente voltamos ao dilema dos itens 1 e 2.

Até que ponto o homem é livre de Deus para escolher pecar e não pecar?

Até que ponto Deus é soberano para fazer com que o homem peque e não peque?

Até que ponto o homem pode ser livre sem ferir a soberania de Deus?

Até que ponto Deus é soberano e o homem livre?

Até que ponto a natureza humana pode determinar o grau de liberdade do homem em relação a Deus? 

Ou estamos falando de conceitos que se opõem e se anulam? 

A questão é: 

a)Deus é soberano, 
 ou
b)O homem é livre; e Deus não é soberano, ou não existe.

  
4)Glorificado:

Sproul: O homem é capaz de não pecar e incapaz de pecar.

Eu: Finalmente um conceito bíblico. Este é o único em todo o quadro que tem o respaldo da Escritura, e que não implica em nenhuma bobagem como a liberdade de escolha do homem, seja pela neutralidade do livre-arbítrio ou parcialmente determinada por Deus.

Na eternidade não pecaremos porque o pecado não mais existirá, seremos iguais a Cristo, e impedidos de pecar. Não há aqui nenhum conceito embutido de liberdade do homem. Ou opção de escolha. Seremos assim porque Deus assim o quer, da mesma forma que os outros "estágios" do eleito também o são pela exclusiva vontade de Deus.

Se na glória não seremos "livres", por que o somos agora ou antes?

A liberdade é um desejo do homem, mas há de se entender que ela não pode deixar de prescindir a soberania de Deus. E, por conseguinte, a Sua glória. A Bíblia é clara em afirmar que Deus não abre mão da Sua glória, portanto, por que Ele criaria o homem com alguma liberdade? Apenas se Ele quisesse se ver livre de nós, como os deístas concluem, crendo num deus negligente, que pouco ou nada liga para a sua criação. Porém, esse não é o caso do Deus bíblico, que reina sobre o universo, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder [Hb 1.3].

Acontece que a liberdade existe, em princípio, para validar a responsabilidade do homem. Quer a maioria dos calvinistas queira ou não. Para se afirmar a responsabilidade não é preciso validá-la pela liberdade (como disse anteriormente, não importa o grau nem o estágio de liberdade, ela sempre significará livre de Deus).

A responsabilidade humana está diretamente ligada à autoridade divina, que estabeleceu a transgressão como pecado, e como conseqüência a punição e condenação pela infração cometida.

É simples. O homem é acusado e condenado não por ser livre para escolher, mas porque cometeu o delito, a infração, violando a Lei de Deus. Seja por vontade própria ou não; o que é irrelevante.

Isso é que faz do homem um pecador; isso é que o torna réu; isso é que o condenará, e o levará a receber o castigo eterno do próprio Deus. Nada além disso.

Portanto, tanto o conceito de liberdade, como o de responsabilidade atrelada à liberdade do homem, são falsos e antibíblicos.

Nota: [1]  O livro "Eleitos de Deus" é publicado pela Editora Cultura Cristã.
Veja todos os meus comentários ao livro AQUI 
[2] Não se pode usar aqui o conceito de “bem”, onde todo ímpio, mesmo quando realiza atos bons, ainda assim, fazem-nos com más intenções, porque não têm a motivação de glorificar a Deus. Misturar a capacidade de pecar ou não com esse conceito igualmente dúbio de que o incrédulo somente pecará porque não visa glorificar o Senhor, mesmo quando suas atitudes não conflitam com a Lei Moral, me parece forçado. O que está em discussão é a capacidade de escolha entre a opção de pecar, transgredindo uma ordem expressa de Deus, e não pecar, obedecendo a uma ordem expressa de Deus. Dizer que se peca mesmo sendo obediente, tendo-se em vista a motivação, é uma espécie de "embromez", que não subsiste pelo texto bíblico. O fato é que ímpios pecam e não pecam,  permanecendo ímpios mesmo quando não pecam. Outro fato é que santos pecam e não pecam,  permanecendo santos mesmo quando pecam. Mas nunca alheios à vontade de Deus, antes cumprindo-se rigorosamente tudo o que foi planejado por Ele, antes da fundação do mundo.
[3] Sou calvinista. Mas acho que além dos "Cinco pontos", o TULIP, muita coisa é dita com ares de sabedoria e temor quando, no fundo, não passa de uma visão humanista do Deus Todo-Poderoso.  Uma tentativa não-bíblica de se explicar algo bíblico à revelia da própria Bíblia.

28 outubro 2009

Bíblico ou Antibíblico?
















Por Jorge Fernandes Isah


Explorei em vários textos os argumentos bíblicos acerca do amor de Deus. Pode-se lê-los Aqui, Aqui, Aqui e Aqui, dentre outros. Mas muitos não se convenceram da não existência do amor genérico, nem de que os réprobos estão eternamente privados do amor divino. [1]

Para os que consideram indistintamente o amor de Deus por suas criaturas, pergunto-lhes:

1) Deus amou ou ainda ama satanás e os anjos caídos?


2) Se, em algum momento, Deus os amou, sendo um dos seus atributos a imutabilidade, como explicar que Ele agora os odeia? E, porque não lhes deu a chance de arrependimento ao invés de lançá-los, inexoravelmente, no lago de fogo? [2]

3) Ou será que, desde o princípio, os odiou assim como odiou a Esaú antes mesmo dele fazer o mal?

Podemos refletir da seguinte forma:

1) Se Deus amou ao diabo antes [quando ainda era um querubim de luz], e agora o odeia, tanto que criou o Inferno para ele e seus demônios, onde serão atormentados por toda a eternidade [há de se entender que Deus será Aquele que executará o castigo prometido a eles e aos pecadores inconversos], podemos afirmar seguramente que Deus é mutável. Contudo, esse ensino é antibíblico, e, em momento algum, é validado pelas Escrituras.

2) Ao passo que, se Deus, desde antes da fundação do mundo, criou satanás com o nítido propósito de ser o que ele é, a Sua ira já estava sobre ele [muito antes dele existir], então, podemos afirmar seguramente que Deus é imutável, conforme todo o ensinamento bíblico assevera.

O que nos leva às conclusões:

1) Crer na possibilidade de Deus mudar a Sua disposição mental, de ontem amar e hoje odiar ou vice-versa, implicará na descrença da Escritura ou, no mínimo, a deficiência em sua leitura. Quem assim considera a Deus está em oposição à Sua palavra [ainda que transparecendo certa piedade], e a sua atitude é antibíblica.

2) O que crê na imutabilidade divina tem a sua consciência norteada pelas Escrituras, portanto, ela é bíblica.

3) Todo aquele que apelar ao amor fora das Escrituras, o faz antibiblicamente.

4) O que se conformar ao ensino escriturístico do amor, o faz biblicamente.

5) Quem descartar o ódio divino como uma manifestação da Sua justiça e providência, age antibiblicamente.

6) Quem o aceitar como a manifestação da justiça e providência divinas, age biblicamente.

Resta-nos uma última pergunta:

Quem você é?

Um cristão bíblico?

Ou suas premissas são antibiblicas, calcadas no humanismo?

Notas: [1] Uma boa discussão sobre o assunto foi travada no Tempora Mores, postado pelo presbítero Solano Portela.

[2] Vejam bem, em momento algum, questiono ou questionei qualquer decisão de Deus. Compreendo a Sua soberania [o que implica na independência e liberdade completa em Suas decisões] como algo mais que legítimo, algo fundamental e indispensável à ordem do universo, como reflexo da Sua autoridade e poder sobre tudo e todos sem distinção, quer se aceite ou não. Chego a dizer que se Ele, em Seu poder, me destinasse ao fogo eterno, ainda assim eu aceitaria a decisão como fruto da Sua sabedoria, santidade, justiça, perfeição, e amor para com os eleitos.
Portanto, essas perguntas são voltadas exatamente para aqueles que, a despeito de certa reverência e piedade, vivem a questionar exatamente aquilo que Deus revelou e nos deu a conhecer na sua palavra. Aceito as Escrituras assim como Ele a revelou, como palavra santa, inspirada, infalível, inerrante; pelo convencimento e entendimento dados pelo Espírito Santo, os quais, ainda que não me aprazem como pecador, reconheço e amo-a como a fiel mensagem divina aos Seus filhos e herdeiros em Cristo.

19 outubro 2009

AMOR OU DESDÉM?
















Por Jorge Fernandes Isah


Tem-se falado muito sobre amor ultimamente. Parece haver uma onda de amor, quase um modismo acidental, pode-se dizer. Haja vista ler definições para todos os gostos, especialmente as que vão de encontro ao coração impenitente e irregenerado. Uns acham que o amor de Deus torna-O completamente tolerante para com o pecado. Outros, que Deus não tolera o pecado, mas é permissivo com o iníquo. Há os que para justificar suas transgressões excluem o inferno e a possibilidade de punição divina. E mesmo aqueles que consideram o pecado como ficção, ou uma forma de opressão psíquica e social de domínio dos mais poderosos (seja lá o que isso representa. Fica a pergunta: a opressão do poder é também uma fantasia?). Por tabela, elimina-se o diabo e sua influência perversa, os quais passam a ser algo meramente simbólico, referindo-se a dualidade, àquilo que o homem ainda possui de mal em sua natureza [a contrapor-se ao bondoso], mas que será progressivamente extirpado com o passar de milhões de anos de processo evolutivo, físico e espiritual; o qual ninguém saberá ao certo se ocorrerá; e se ocorrer [apenas como hipótese improvável], em que resultará, face à incontrolabilidade naturalista?

Todas essas tentativas de explicar a natureza humana ou de justificá-la, resumem-se a:
1) O desprezo à soberania e santidade de Deus.
2) O medo da condenação.
3) O reflexo da carnalidade e impiedade inerentes à natureza humana.
4) A rebeldia insana em se fazer senhor de si mesmo, quando se é apenas um escravo aprisionado em suas amargas e imorais ilusões.
5) O desejo inconsciente de autodestruição.

Escrevi alguns textos sobre essas questões e não retornarei a eles. Quero ater-me a algo ainda não abordado especificamente [mesmo que tenha sido implicitado]: aquele que se entrega ao pecado ama? É possível amar e ainda assim pecar contra quem se diz ter afeição?

O amor pressupõe comprometimento, responsabilidade, empenho ao sujeito ou objeto amado. Não há lugar para o desleixo, a obstinação pelo erro, a queda reincidente e sistemática. Quem não ama é diligente, zeloso para com a ofensa, seja a Deus ou ao próximo. No Cristianismo, ele é um violador contumaz da Lei Moral. E se transgride a Lei Moral, é um sedicioso que incita ou participa da revolta contra Deus. Em relação ao próximo, está pouco se lixando à descrição de Paulo: “o amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” [1Co 13.4-7- grifo meu].

Podemos dizer que esse é o padrão do amor cristão da maioria que se diz cristão? Isto nos leva a duas conclusões:
1) Paulo está errado ao definir o amor como o ato de não se buscar os seus interesses e, ainda por cima, sofrer por quem se ama.
2) Paulo está certo; e a maioria dos crentes não sabe o que é amar verdadeiramente.

Fiz um pequeno estudo sobre o amor de Deus, com base em Marcos 10.17-27, intitulado O Jovem Rico.

E quanto ao amor humano?

Novamente, Paulo nos diz: “não sejais sábios em vós mesmos” [Rm 12.16], o que vale dizer que não há sabedoria inerente ao homem, de que ele é um tolo por vocação, e tudo o que ele pode conceber como sábio provém de Deus. Parece estranho no mundo atual, que cultiva a auto-idolatria, esse tipo de afirmação. Bem como a que a precede: “não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes” [Rm 12.16]. É uma verdadeira antítese ao pensamento secular, o qual infelizmente encontra-se disseminado no seio da igreja. Numa época de extremo individualismo, egoísmo, megalomania, consumismo, exibicionismo, e isolamento, como podem os homens ser “fervorosos no espírito, servindo ao Senhor”? [Rm 12.11]. A resposta nos é dada um pouco antes também: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2].

Esquematizando o que foi dito, o amor implicará sempre em:
1) Não ser sábio em si mesmo, por que o homem jamais o será por conta própria, mas sábio em Deus.
2) Não ambicionar as coisas altas, mas acomodar, conformar-se às coisas humildes. Em última análise, humilhar-se diante de Deus e do próximo, não buscando os seus interesses.
3) Servir a Cristo com fervor no espírito; folgando, descansando nEle, a única verdade.
4) Conhecer a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, não se conformando a este mundo. Ou seja, obedecendo-O diligentemente, e não aos apelos da carne.

Fora desse escopo, qualquer sentimento que o homem tenha não será o verdadeiro amor. O exemplo máximo é o de Cristo. Sendo Deus, “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz" [Cl 2.7-8].

Alguém pode dizer: mas ele é Deus, e Deus não pode pecar. Para Cristo foi fácil, só que não somos deuses.

É verdade, em parte. Cristo é Deus, mas também homem. A Bíblia é farta em asseverar a dupla natureza do Senhor. Então, não creio que as coisas tenham sido facilitadas para Ele cumprir a Sua missão. O fato é que Cristo foi tentado e não pecou, nem se achou algum pecado nEle; “porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” [Hb 4.15].

Não entrarei na doutrina da dupla natureza do Senhor. Mas posso afirmar categoricamente que as tentações pelas quais Ele passou não foram de brincadeirinha, nem se armou um teatro com o fim de nos ludibriar; senão, como Cristo poderia se compadecer das nossas fraquezas, derramando Sua graça e misericórdia, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno? [Hb 4.16].

O certo é que Jesus não pecou por ser Deus, mas também por que nos amou, sendo Ele a fonte do amor perfeito, santo e pleno.

Apenas sintetizando o conceito de amor divino: Deus ama os eleitos, os escolhidos, os quais predestinou para serem o Seu povo, e serem conformados à imagem do Seu Filho Amado. Quando digo que Cristo amou, amou exclusivamente os Seus, os que lhe foram dados pelo Pai, os quais nada nem ninguém arrebatará das Suas mãos [Jo 10.28-29].

Algumas considerações sobre Jesus como o Messias:
1) Sendo Deus, tomou a forma de servo, fazendo-se como os homens.
2) Como homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente a Deus Pai até a morte.
3) Sua morte foi para satisfazer a justiça de Deus, mas também por amor aos Seus escolhidos.
4) Cristo conhecia [e conhece] a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, conformando-se a ela.
5) A sua obediência reflete o Seu amor ao Pai como aos eleitos.

Logo, o amor do Senhor Jesus pelo Pai e pela Igreja também O impediu de pecar. A tentação que lhe sobreveio não foi suficiente para gerar o pecado; pelo contrário, ele foi bloqueado pelo amor e impedido de se consumar, pois a tentação dissolveu-se antes que a concupiscência pudesse conceber-se, e ela não nascendo, não gerou o pecado nem a morte, a separação de Deus [Tg 1.13-15]. Cristo jamais foi atraído e enganado pela concupiscência, por isso, não pecou, porque é a plenitude do amor. O apetite ou desejo desordenado somente aflorará se naquele solo não houver amor, o antídoto ao veneno em todas as suas formas nocivas de impiedade. Do contrário, se o solo for estéril, sem amor, estará pronto para produzir o pecado, e a dissolução tornar-se-á apenas um vício renitente, insalubre e incurável. Onde há o amor de Deus não há chance para o pecado, sua semente maligna não germinará; antes, permanecendo no Seu amor, daremos frutos para a Sua glória [Jo 15.8-9].

Assim, aquele que ama não peca, nem se compraz na transgressão, nem quer justificá-la com um pretenso amor alheio à natureza de Deus, e que simplesmente é a corrupção da mente humana, desejosa em acomodar-se ao pecado. Desta forma, o crente tem de apresentar o seu corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, mortificando o pecado.

O que nos leva de volta à pergunta inicial: o homem pode amar?

Amor verdadeiro, aquele que procede de Deus, somente o crente tem. O homem natural desconhece-o, e está impedido de tê-lo. Mas isso não quer dizer que o crente amará o tempo todo. Experimentaremos o amor verdadeiro e duradouro na eternidade, onde o pecado não existirá, e não haverá espaço para a afeição desordenada. Lá, seremos semelhantes a Cristo, desfrutando da mesma natureza santa. Enquanto estamos neste mundo, vivenciaremos momentos de amor em menor escala, e de não-amor em maior escala. Mas sempre que amarmos, venceremos o pecado, porque o amor é a negação do pecado; é resisti-lo, não permitindo que domine sobre nós.

Por isso, é impossível o amor verdadeiro aos que não se arrependeram de suas iniqüidades e que vivem a fundamentá-las no anti-amor, o sentimento pernicioso e confuso, o "amor" deletério, o qual apenas servirá para afastar a hipótese de regeneração, ao manter o iníquo desligado de qualquer possibilidade de comunhão com Deus.

Ao tentar esconder-se, na verdade se expõe em sua tola rebeldia.

Como o Senhor nos disse: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor... Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” [Jo 15.10,14].

Onde há desobediência, abunda o engano e o pecado.

Onde há desobediência, não há amor.

E se não há amor, não se conhece a Deus, nem dEle é conhecido [1Co 8.3].


13 outubro 2009

NÃO DESPERDICE O SEU ASSALTO















Por Jorge Fernandes Isah

Sábado, fui assaltado.

Não, não foi por extorsão de alguma operadora de celulares. Nem pelo plano de saúde. Muito menos pelo "Leão". Não houve aumento das tarifas públicas na cidade, nem me venderam 100 pelo preço de 200. O gás continua com mesmo valor do mês passado, e a tv a cabo não me cobrou o ponto adicional, porque não tenho tv a cabo.

Foi assalto mesmo. À mão armada.

Estava em meu trabalho quando, por volta das 7:45, fui atender a porta. Eram dois adolescentes, e um terceiro que não pude ver, pois estava atrás do portão. Apontaram-me um revólver, renderam-me, levaram o meu celular e aproximadamente R$ 400 da empresa. Tinham a idade do meu filho, mas não se recusaram a mirar a arma para a minha cabeça.

Nunca vivi uma situação assim. Já passei por possibilidades de assalto, mas graças a Deus não se concretizaram. Naquele momento, não pude pensar em muita coisa; para ser sincero, não deu tempo nem de uma pequena súplica. Foi tudo muito rápido[1]. Apontaram o revólver, gritaram “assalto”, pegaram o celular sobre a mesa, revistaram as gavetas onde antes eu guardava a verba do pequeno caixa do escritório [e que ontem havia mudado de lugar]. Foi algo encomendado, pois sabiam direitinho onde eu guardava o dinheiro. Como não estava lá [a providência divina impediu que o prejuízo fosse maior], aproximaram a arma e exigiram a grana rapidamente. Fique apreensivo com a possibilidade de alguém chegar [um outro funcionário, um familiar, um amigo; o que sempre acontece aos sábados], de não dar a grana, e eles retaliarem; mas graças a Deus nada de mais grave aconteceu. Pedi-lhes calma, fui até onde havia guardado o pacotinho de notas, e entreguei-lhes. Juntaram alguns papeis na gaveta [documentos do caixa, os quais até agora não sei que serventia lhes teria], e saíram. Não sem antes ameaçar-me novamente de morte caso os seguisse ou chamasse a polícia. Não segui, mas liguei para o 190.

Interessante que não fiquei apavorado. Apreensivo, mas sem pânico. Eles pareciam muito mais nervosos e afoitos. Após saírem, agradeci a Deus por minha vida, e por ninguém mais estar ali comigo.

Como disse, não dá tempo de pensar em quase nada. Passam muitas coisas pela cabeça, sem que nenhuma delas se fixe ou ganhe corpo. Nem se tem as dimensões do perigo real. Horas depois é que as imagens voltam, e você começa a analisar o que poderia ter feito, ou o que poderia ter acontecido. O filme é reprisado, e é possível ver vários finais. Então, se chega ao que ninguém quer, ao desfecho mortal. Foi quando pensei, e daí? A morte pode ser algo dolorosa, como numa doença terminal ou na tortura. Pode ser rápida como num tiro certeiro. Ou serena, na velhice, durante o sono. Ela pode vir de muitas maneiras, mas invariavelmente acontecerá a cada um de nós, a menos que o Senhor decida-se por seu retorno em glória, o que parece ainda estar distante [ao menos, não há sinais de que ainda seja a hora; até porque, a hora ninguém sabe, somente Ele]. Pensei: o que seria de mim? E, ao reviver toda a cena, e chegar ao desenlace final [e ficcional], pude tranqüilizar-me pela segurança que Cristo dá à nossa salvação, a garantia da vida eterna. Veio-me à memória a Sua oração: “Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós. Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse” [Jo 17.11-12].

Enquanto meditava, não pude deixar de me emocionar diante do amor que o Pastor tem por Seu rebanho; e senti-me, no instante, reconfortado e aquecido pelas promessas e proteção de Deus, de que estou seguro em Suas mãos, e ninguém pode arrebatar-me delas.

Houve a alegria que a indignação não pode impedir. Houve o conforto que a insegurança não pode reter. Houve a esperança que a desconfiança não bloqueou. Houve a paz que a aflição não estancou. Houve mesmo o regozijo de que o Deus vivo é soberano sobre tudo e todos, mesmo sobre o meu assalto. Como diria o pr. John Piper, numa analogia provável, não desperdice o seu assalto.

Quando as viaturas da PM chegaram, os vizinhos, familiares [trabalho próximo de casa] e curiosos espantaram-se com a minha calma. Provavelmente, em outros tempos, quando ainda não era convertido, reagiria aos marginais. Talvez os dominasse, talvez fosse dominado. Mas naquele instante, ainda que a situação fosse violenta e coercitiva, desfrutei de uma calma que não julgava existir. A mesma calma que tenho quando, hoje, penso na hipótese concreta da morte. Para alguém que desde a mais tenra idade se viu numa luta ferrenha contra a maior de nossas inimigas, ter a certeza de que ela foi derrotada na cruz por Cristo, dissipa toda e qualquer angústia.

Um dia morrerei. Um dia você morrerá. Um dia, todos estaremos diante do Juiz supremo. Contudo, o salvo, aquele que ouve e crê no Senhor, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas já passou da morte para a vida [Jo 5.24]. Mas ao ímpio,"como escapareis da condenação do inferno?" [Mt 23.33].

Porque “a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz” [Jo 3.19].

Portanto, não desperdice o seu assalto, ou qualquer mal que lhe sobrevenha. Saiba que nada acontece alheio à vontade soberana de Deus, e de que, se for o roubo, a doença, o acidente, a catástrofe, a dor, ou qualquer outro desastre, cumpra-se a ordem de Paulo:"Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Jesus Cristo para convosco" [1Ts 5.18]. Por que, na fraqueza, Deus nos faz fortes. E, assim como o ouro é provado pelo fogo, o crente é purificado nas provações, nas quais, ainda que um pouco contristados, devemos grandemente nos alegrar, para que a nossa fé se ache em louvor, e honra, e glória na revelação do Senhor [1Pe 1.6-7]. Sem as provações, como serão manifestos em nós os frutos do Espírito? Como ter mansidão, fé, longanimidade e temperança se estivermos em “céu de brigadeiro”?

Em um dos finais possíveis, me vi sobre um dos assaltantes esmurrando-o até desfigurá-lo. Não vou dizer que a idéia não me trouxe certo ânimo, e um desejo de vingança. Felizmente, não durou muito. Pensei também que poderia ter uma arma. De certa forma, a idéia não me agradou também. Isso não quer dizer que seja um pacifista, no sentido marxista da palavra. Sei que eles pregam paz quando querem guerra. E o objetivo é de que os outros sejam desarmados para que possam usar da sua beligerância sem qualquer resistência[2]. Não é isso. O crente combate muitas guerras. Porém nossa luta não é contra a carne e o sangue, mas contra as hostes espirituais da maldade, para que possamos "resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes" [Ef 6.12-13].

Ainda que tendo direito, creio que o usaria apenas em circunstâncias extremas; provavelmente se um familiar, amigo ou indefeso precisasse de tal atitude diante de um ofensor. Seria eu um covarde? Talvez. A resposta mais certa seria sim. Mas há algo que o Senhor Jesus disse, e que por analogia serve para o Seu povo: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” [Jo 18.36]. Ainda que Cristo governe todo o universo, o Seu reino não é daqui. No reino de Cristo não haverá o mal nem o pecado. Então, por dedução, ainda que vivendo no mundo, não pelejaríamos contra ele, porque também não somos daqui. Deus não nos quer fora do mundo, mas livres do mal. E o mal pode ser exatamente não aceitar a perda. Pode ser o celular roubado, ou a saúde tirada, ou a demissão, ou a injúria sofrida, ou mesmo a morte. O prejuízo é algo inconcebível ao homem natural. Ninguém quer perder, antes todos querem ganhar. Mas o Cristianismo é diferente. Cristo deu-nos o exemplo de que, ao perder a Sua vida para depois tomá-la, ganhou para Si um povo eleito e santo, o qual foi remido pelo Seu sangue derramado na cruz, como o sangue de um cordeiro imaculado.

Infelizmente, não sabemos perder o que nos é caro [algumas coisas, desnecessárias], quanto menos administrar essas situações. Ao invés de nos sujeitar à vontade divina, nos iramos, desejamos vingança, revoltamo-nos nas vicissitudes, as quais nos levam diretamente às murmurações contra Deus. Em última instância, tudo é regido pelo Senhor, e se não nos acomodarmos à Sua vontade, rejeitando-a, rejeitamo-lO também.

Ainda que inconscientemente, se a glória de Deus é o fim de tudo, não o louvamos.

Jó, ao rebater as insanas palavras de sua mulher, disse: Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?” [Jó 2.10]. Em tudo isto ele não pecou contra Deus. Mas e nós? O que diríamos se alguém nos dissesse: “Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre”? [Jó 2.9]. É nessas horas que se vê a diferença entre o servo e o não-servo; entre o que crê e o que não crê; entre o santo e o impuro; entre a verdade e a mentira. Não somente nas situações limites, mas no dia-a-dia quando somos confrontados pelas mínimas e insignificantes decisões, que nos levam a cometer o que muitos chamam de “pequenos delitos ou pecadinhos”.

Aquele revólver apontado para mim podia ser de brinquedo. Podia nem mesmo ter balas. Podia ser tão velho que jamais dispararia. Mas ainda que fosse mortal, pudesse me matar, e efetivamente me matasse, queria poder dizer do fundo do meu coração, com toda a minha alma: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor” [Jo 1.21].

Certamente, Deus me concederia mais essa graça, e eu diria.

Nota: [1] O meu pastor disse que deveria tê-los chamado para orar, no que ele está certo, e arrependo-me de não ter pensado isso; mas, ainda não sou espiritual a este ponto, infelizmente. E, de certa forma, vi o quão distante estou do homem espiritual, perfeito e santo, em que me transformarei na eternidade, pelo poder do meu Senhor. Isto não é desculpa para a minha carnalidade, apenas a constatação de que estou anos-luz de distância de poder dizer, como Paulo disse: Não sou eu quem vivo, mas Cristo vive em mim... Na verdade, ainda nem orei pelas almas dos meliantes, o que farei de imediato; pedindo que Deus coloque em suas vidas um homem verdadeiramente espiritual, que lhes revele o amor e a graça de nosso Senhor, proclamando o Seu santo Evangelho.
[2] A intenção não foi discutir o assunto do ponto de vista sócio-político, ainda que tenha tocado ligeiramente na questão, mas uma abordagem essencialmente espiritual.
[3] Hoje, faz cinco anos da minha regeneração. Agradeço a Deus por ter se apiedado de mim, derramado sobre a minha alma sua graça e misericórdia, e escolhido-me antes da fundação do mundo para ser conforme a imagem do Seu Filho Amado Jesus Cristo. Há muito o que caminhar, e muito em que ser conformado à santidade e perfeição do Senhor, mas sei que a boa obra iniciada em minha vida se aperfeiçoará, e será concluída até o Dia de Cristo. Bendito seja o Seu santo nome! Amém!