11 novembro 2009

Todos esses anos... E nunca fica mais fácil


 


  Por Jorge Fernandes Isah 
  
Relendo o livro “Eleitos de Deus”, de R. C. Sproul [1], na página 50, deparei-me com um quadro baseado no pensamento de Agostinho, elaborado com o intuito de elucidar os quatro estágios do homem segundo a visão reformada da predestinação. Decidi portanto analisá-lo sinteticamente, sem abarcar todas as implicações e pormenores, o que não quer dizer que o fiz levianamente. 

 1) Antes da Queda

Sproul: O homem era capaz de pecar e capaz de não pecar. 

Eu: Não se vê na Bíblia nenhuma afirmação quanto a essa conjectura. Ela é mais fruto de uma premissa que justifique a Queda do ponto de vista humano, do que do ponto de vista da soberania de Deus; e uma tendência ou tentativa de "absolver", de "inocentar" Deus da Queda do homem, como se Ele precisasse de um advogado ou alguém que o defendesse (ao mesmo tempo em que O acusa), de não ser sábio e perfeito naquilo que fez sábia e perfeitamente. 

Ainda que a maioria dos calvinistas aceite a predestinação, o decreto eterno, e a Queda como partes integrantes do propósito divino, não aceitam a Sua ação efetiva e direta na Queda do homem.
Por isso se afirma, desde Agostinho, que Adão detinha o livre-arbítrio. Mas onde está escrito que ele o tinha? Tanto que à primeira tentação sofrida, cedeu e pecou; e a sua capacidade de não-pecar em nada lhe serviu e em nada o ajudou a se preservar do pecado. Se Adão tinha a capacidade de pecar ou não, por que ele escolheu justamente aquilo que não conhecia, e do qual nada sabia?

Afirmar a neutralidade de Adão quanto à possibilidade de escolha (e o livre-arbítrio pressupõe neutralidade de escolha, não estando ela sujeita a nenhuma coerção externa ou mesmo interna) é ir contra a lógica. A própria mentira da serpente, distorcendo uma ordem clara e expressa de Deus (e a ordem de Deus não é uma espécie de coerção?) demonstra que houve uma influência exterior, e de que essa influência foi acolhida no coração de Adão e, portanto, ele decidiu que aquilo que Deus havia dito era mentira, e de que aquilo que a serpente havia dito era verdade. 

Como ele conseguiu chegar a tal conclusão se sua escolha estava neutralizada pelo livre-arbítrio? Seria possível a Adão alguma escolha em meio à neutralidade? 

A neutralidade pressupõe a não-escolha. Se há neutralidade, como escolher? E se não havia o deliberado desejo de se rebelar contra Deus, como lhe foi possível desobedecê-lO? E não sabendo o que é o mal (que até então não havia no Éden), como Adão poderia escolhê-lo? Conhecendo apenas o bem, é possível escolher o mal que não se conhece?

A questão aqui não é de capacidade ou liberdade de escolha, mas do decreto eterno de Deus que fez com que Adão caísse, a fim de que se cumprisse toda a vontade divina. 

Adão não havia pecado, mas era necessário e inevitável que pecasse, pela vontade decretiva de Deus.

E foi o que aconteceu.


2)Depois da Queda

Sproul: O homem é capaz de pecar e incapaz de não pecar.

Eu: Esses conceitos são uma tentativa de se entender a ação do pecado na vida do crente e do não-crente. Contudo, muitos incrédulos escolhem não pecar, mesmo quando estão diante da opção de fazê-lo. Como explicar essa situação? O ímpio sempre pecará?

A meu ver, o livre-arbítrio ou a capacidade da vontade humana estarão sempre sujeitos à vontade decretiva divina e, portanto, jamais teremos escolhas livres, nem mesmo segundo a nossa natureza
[2].

O fato não é se temos ou não a capacidade de escolha, mas em que situação e circunstâncias nossas escolhas são livres. Livres de quem? De Deus? 

Muitos calvinistas [3] querem fugir é da idéia do determinismo, ou seja, como Deus pode decretar tudo no universo, inclusive os mais insignificantes e míseros eventos e pensamentos, se o homem é livre para escolher, seja qual for essa noção de liberdade, e mesmo que ela seja limitada pelo poder soberano de Deus?

Segundo o padrão 2, o ímpio jamais deixará de pecar, e a sua escolha será sempre para o pecado. Contudo, existe a diferença entre natureza e pecado. A natureza caída não pressupõe necessariamente como fim o pecado, ele encontra-se em um "estado pecaminoso", aquele estado em que o homem está em deliberada rebeldia a Deus, contudo, ainda sob o poder controlador de Deus, o qual ativamente age mesmo no ímpio, e assim, nem sempre ele será levado a pecar. Deus o usará muitas vezes para cumprir o propósito de não-pecar. Aí está o dilema.

Da mesma forma que ao regenerado não se pressupõe a capacidade de não-pecar totalmente. O seu estado saiu do "pecaminoso" para o "santo" ainda que ele cometa pecados, e a maioria das suas decisões sejam em favor do pecado.

O que temos aqui não é a liberdade da vontade humana, mas a liberdade divina de fazer com o homem o que bem quiser, e que fará com que réprobos escolham não pecar, e fará com que santos escolham pecar.

Logo, esse quadro é ainda uma tentativa de justificar a Queda, o estado natural do homem, e o estado regenerado do homem, a partir do próprio homem, e não de Deus.


3)Renascido ou Regenerado:

Sproul: O homem é capaz de pecar e capaz de não pecar.

Eu:  Em quais condições? De pecar estando livre de Deus? De não pecar estando livre de Deus? 

Novamente voltamos ao dilema dos itens 1 e 2.

Até que ponto o homem é livre de Deus para escolher pecar e não pecar?

Até que ponto Deus é soberano para fazer com que o homem peque e não peque?

Até que ponto o homem pode ser livre sem ferir a soberania de Deus?

Até que ponto Deus é soberano e o homem livre?

Até que ponto a natureza humana pode determinar o grau de liberdade do homem em relação a Deus? 

Ou estamos falando de conceitos que se opõem e se anulam? 

A questão é: 

a)Deus é soberano, 
 ou
b)O homem é livre; e Deus não é soberano, ou não existe.

  
4)Glorificado:

Sproul: O homem é capaz de não pecar e incapaz de pecar.

Eu: Finalmente um conceito bíblico. Este é o único em todo o quadro que tem o respaldo da Escritura, e que não implica em nenhuma bobagem como a liberdade de escolha do homem, seja pela neutralidade do livre-arbítrio ou parcialmente determinada por Deus.

Na eternidade não pecaremos porque o pecado não mais existirá, seremos iguais a Cristo, e impedidos de pecar. Não há aqui nenhum conceito embutido de liberdade do homem. Ou opção de escolha. Seremos assim porque Deus assim o quer, da mesma forma que os outros "estágios" do eleito também o são pela exclusiva vontade de Deus.

Se na glória não seremos "livres", por que o somos agora ou antes?

A liberdade é um desejo do homem, mas há de se entender que ela não pode deixar de prescindir a soberania de Deus. E, por conseguinte, a Sua glória. A Bíblia é clara em afirmar que Deus não abre mão da Sua glória, portanto, por que Ele criaria o homem com alguma liberdade? Apenas se Ele quisesse se ver livre de nós, como os deístas concluem, crendo num deus negligente, que pouco ou nada liga para a sua criação. Porém, esse não é o caso do Deus bíblico, que reina sobre o universo, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder [Hb 1.3].

Acontece que a liberdade existe, em princípio, para validar a responsabilidade do homem. Quer a maioria dos calvinistas queira ou não. Para se afirmar a responsabilidade não é preciso validá-la pela liberdade (como disse anteriormente, não importa o grau nem o estágio de liberdade, ela sempre significará livre de Deus).

A responsabilidade humana está diretamente ligada à autoridade divina, que estabeleceu a transgressão como pecado, e como conseqüência a punição e condenação pela infração cometida.

É simples. O homem é acusado e condenado não por ser livre para escolher, mas porque cometeu o delito, a infração, violando a Lei de Deus. Seja por vontade própria ou não; o que é irrelevante.

Isso é que faz do homem um pecador; isso é que o torna réu; isso é que o condenará, e o levará a receber o castigo eterno do próprio Deus. Nada além disso.

Portanto, tanto o conceito de liberdade, como o de responsabilidade atrelada à liberdade do homem, são falsos e antibíblicos.

Nota: [1]  O livro "Eleitos de Deus" é publicado pela Editora Cultura Cristã.
Veja todos os meus comentários ao livro AQUI 
[2] Não se pode usar aqui o conceito de “bem”, onde todo ímpio, mesmo quando realiza atos bons, ainda assim, fazem-nos com más intenções, porque não têm a motivação de glorificar a Deus. Misturar a capacidade de pecar ou não com esse conceito igualmente dúbio de que o incrédulo somente pecará porque não visa glorificar o Senhor, mesmo quando suas atitudes não conflitam com a Lei Moral, me parece forçado. O que está em discussão é a capacidade de escolha entre a opção de pecar, transgredindo uma ordem expressa de Deus, e não pecar, obedecendo a uma ordem expressa de Deus. Dizer que se peca mesmo sendo obediente, tendo-se em vista a motivação, é uma espécie de "embromez", que não subsiste pelo texto bíblico. O fato é que ímpios pecam e não pecam,  permanecendo ímpios mesmo quando não pecam. Outro fato é que santos pecam e não pecam,  permanecendo santos mesmo quando pecam. Mas nunca alheios à vontade de Deus, antes cumprindo-se rigorosamente tudo o que foi planejado por Ele, antes da fundação do mundo.
[3] Sou calvinista. Mas acho que além dos "Cinco pontos", o TULIP, muita coisa é dita com ares de sabedoria e temor quando, no fundo, não passa de uma visão humanista do Deus Todo-Poderoso.  Uma tentativa não-bíblica de se explicar algo bíblico à revelia da própria Bíblia.

11 comentários:

  1. Caro Jorge,
    Pretendo fazer comentários a este artigo com mais tempo outra hora. No momento, farei apenas algumas observações.
    Em relação ao ponto 1-antes da queda. A afirmação de Sproul está de acordo com a Confissaõ de Fé de Westminster. Veja Cap.IV, item II com as referidas passagens bíblicas.
    Em relação ao ponto 2-depois da queda. A afirmação de Sproul está de acrodo com Agostinho e também é bíblica. O homem nao regenerado está na carne e é impossivel aos que estao na carne agradar a Deus (Rom 8). Tudo o que é feito na carne é pecado, pois nao agrada a DEus. Mesmo que o ímpio esteja cumprindo os propósitos de Deus.
    Abraços,
    Alexandre.
    PS: vc já leu o livro do Carson que indiquei? Vc continua achando que ele é amiraldiano?

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  2. Alexandre,

    Que bom que o irmão está de volta. Muito me alegra voltar a conversar consigo, pois é assim que aprendemos e crescemos no entendimento do Senhor.
    Como o irmão tecerá outros comentários mais detalhadamente, vou aguardá-los para debatermos.
    Mas, em princípio, sei que a afirmação 1 de Sproul está na C.F.W., mas não a vejo nas Escrituras.
    Quanto ao segundo ponto, precisaremos definir primeiro o que venha a ser carne, para que eu possa entender o que você está a dizer.
    Quanto ao fato de Agostinho afirmar o ponto 2, ainda não o vejo na Escritura.
    Os 3 primeiros itens continuam sendo argumentos para se justificar o livre-arbítrio ou alguma espécie de liberdade do homem alheia a Deus, como se o homem pudesse ser "livre" de Deus de alguma forma, ao tomar suas decisões. O meu questionamento é quanto a isso: pode o homem, de alguma forma, ser livre de Deus? E ao sê-lo, Deus continua sendo soberano?
    Espero o seu detalhamento para conversarmos.
    Quanto ao livro do Carlson, não tenho problema algum em lê-lo pelo fato dele ser amiraldiano. O problema é que passei por alguns reveses no trabalho, e alguns outros de saúde, além do cansaço mesmo, e estou com uma pilha de livros a serem lidos.
    Mas não me esqueci dele. Está na minha lista e, talvez, motivado por nossa conversa, talvez antecipe a sua compra.
    Grande abraço ao irmão.
    Cristo o abençoe!

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  3. Caro Jorge,

    Com relação ao "estar de volta", na verdade sempre dou uma pssada em seu blog. O problema é que falta tempo para fazer comentários.
    Sobre carne, eu tinha em mente a passagem Romanos 8:5-9. Se vc ler, não terá dúvida quanto ao sentido.
    Quanto a D.A. Carson, talvez nao estamos falando sobre a mesma pessoa. Ele realmente nao é amiraldiano. Se o fosse, nao o leria. Ele até faz menção aos amiraldianos no livro que indiquei.
    Ele deu várias palestras na ultima Conferencia Fiel.
    Posso estar errado, mas vejo em seu pensamento uma influencia de Vincent Cheung. Eu achava seus escritos interessantes, mas depois de conhecê-lo melhor nao o li mais. Por exmeplo, ele nao é cessacionista. Tem uma forte tendencia pentecostal. Ja vi ele chamar J. MacArthur, talvez indiretamente, de herege. Nao recomendo mais esse autor (Cheung) aos meus amigos. Se vc o ler com atenção, vai encontrar muitos absurdos em seus escritos.
    Abraços e Deus o abençoe.
    Alexandre

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  4. Alexandre,

    obrigado por fazer sempre que possível uma visita ao meu minifúndio virtual; sinto-me honrado.

    Quanto a Rm 8.5-9, entendo que Paulo fala o mesmo que eu falei (ou melhor, repito o que ele diz), ele descreve a natureza do ímpio e a natureza do santo, não a capacidade de escolha entre pecar e não pecar.
    Como afirmei na Nota 2, o ímpio mesmo não pecando, continua ímpio; o santo, mesmo pecando, continua santo. A escolha de Deus quanto aos eleitos e réprobos é que determinará quem é santo e quem não é.

    A idéia que Agostinho e Sproul passam (corrija-me se estiver enganado) é que o homem redimido tem a capacidade de escolher pecar e não pecar. Ele retornou ao estado original de Adão, o de deter o livre-arbítrio. É esse o meu problema com todo o esquema de Agostinho. Não vejo a Bíblia falar em nenhum momento sobre livre-árbítrio, seja antes da Queda, depois dela, ou mesmo depois da regeneração.

    Você me dirá que o livre-arbítrio não existe, mas temos a livre-agência (uma afirmação hipotética, claro), ao que eu respondo: do ponto de vista teórico e prático qual a diferença entre livre-arbítrio e livre-agência? Ainda que a livre-agência se suponha controlada pelo poder soberano de Deus? Se é controlada pelo poder soberano de Deus, onde está a sua condição de "livre" ação? A liberdade de agir segundo a natureza? Mas quem determinou essa natureza? Deus ou o homem? O homem é livre para estabelecer a sua natureza, ou ela é condicionada por Deus? Se ela é condicionada por Deus, onde está então a pretensa liberdade dessa natureza condicionada?

    Entendo que, do ponto de vista bíblico, ou Deus é completamente soberano e não haverá nem um mínimo de "liberdade" no homem para agir contrário ao que Deus decretou eternamente, ou Deus não é soberano e o homem é "livre" (mesmo que Deus seja soberano a maior parte do tempo, mesmo que o homem seja livre a menor parte do tempo).
    Um conceito exclui o outro. Não há como conciliá-los. Nem mesmo se usar os argumentos dos fins decretados por Deus e dos meios escolhidos livremente pelo homem através das causas secundárias.

    Dê uma lida nos meus comentários ao excelente livro do Dr. Heber Campos, "A Providência e sua realização histórica", no meu blog de livros, e talvez meus questionamentos tornem-se mais claros.

    Voltando ao Dr. Carson, nem mesmo sei se ele é amiraldiano ou não. Acabei por imputar-lhe o amiraldismo por contaminação no último comentário, indevidamente. Retiro o que disse até que ele me prove o contrário.
    Na verdade, o que quis dizer é que não haveria problema algum em lê-lo, mesmo que fosse amiraldiano. Da mesma forma que não deixei de ler Chesterton por ser católico e semi-pelagiano, ou C.S. Lewis por ser anglicano e arminiano. Nem mesmo ateus impedem-me de lê-los, desde que o tema me interesse (não vou lê-los a blasfemar contra Deus, certamente).
    Apenas não li "A Difícil Doutrina do Amor de Deus" do Carson por falta de tempo, e outras leituras prioritárias. Mas é um dos próximos da minha lista de leituras, seguramente.

    continua...

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  5. Continuação...

    Quanto ao Cheung (e incluo juntamente o Gordon Clark), reputo-o, até onde tenho lido, um ótimo autor. Mesmo antes de lê-lo já me envolvia e tinha sedimentado em minha mente alguns conceitos estabelecidos em sua teologia (princípios bíblicos da soberania divina), os quais tornaram-se apenas mais claros com a leitura dos seus livros.

    Não li nada ainda sobre a sua veia pentecostal ou não-cessacionista (sei que ele é não-cessacionista, assim como Wayne Gruden, p. ex.), mas não sei até que ponto isso interferiria na minha opinião sobre a sua teologia (dependerá de como e quão pentecostal ele seja, pois há vários tipos de pentecostais, muitos deles calvinistas, a despeito da maioria semi-pelagiana).

    O Pr. John MacArthur, por exemplo, é dispensacionalista e reputo-o como um dos melhores escritores e pregadores da atualidade.

    Bem, a questão é que, como disse, me parece que todos esses esquemas sobre livre-arbítrio e agência, causas primárias e secundárias, não passam de pretextos para excluir Deus da criação do mal e do pecado, uma forma de inocentá-lo, quando Ele mesmo se revela na Escritura como aquele que detém todo o controle sobre tudo o que existe, e de que nada, absolutamente nada, foi criado ou subsiste contra a Sua vontade, alheio a ela.

    Não existe contradição na Escritura. Nem mesmo o mistério. O que há é uma tentativa de "aliviar" Deus de algo que, aparentemente benéfico, gera confusão e conflito, como se no universo houvesse forças antagônicas se degladiando.
    Deus tem tudo sobre o Seu total controle, conforme planejado eternamente: o mal, o diabo, o pecado e a queda de Adão são apenas partes desse plano.
    Do contrário, mesmo bem intencionado, quem propõe qualquer ação humana ou diabólica livre de Deus está pregando uma doutrina antibíblica.

    Grande abraço.
    Cristo o abençoe imensamente!

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  6. Amigo Jorge

    Olha eu aqui novamente implicando com os significados que damos para as palavras.

    Eu gosto muito do Sproul e concordo com ele... risos...

    O fato de eu dizer que um homem seja capaz, não implica em eu dizer automaticamente que estou a falar de que ele seja livre e autônomo para fazer uso desta capacidade.

    Acho que é isto que Sproul quer dizer.
    Ou seja, ele não está falando de livre-arbítrio, mas de capacidade potencial.

    Antes da queda o homem era capaz de pecar...
    ... e a base bíblica para isto é que de fato Adão pecou (se fosse incapaz não teria conseguido pecar), pois potencialmente tinha esta capacidade, mas isto não quer dizer que ele foi livre autonomamente para pecar, apenas que estava capacitado para pecar.

    ... e capaz de não pecar....
    ... e a base bíblica para isto é que de fato Adão não pecou até o dia que pecou, logo viveu um tempo no Éden sem pecar e se assim o fez foi porque tinha capacidade de não pecar, mas igualmente não quer dizer que ele autonomamente estava livre da soberania de Deus.
    E como sua natureza ainda não estava caída, tudo o que ele fazia agradava a Deus e não era pecado (erro) em si mesmo.

    Deus operou soberanamente na capacidade que ele teve de não pecar e operou também soberanamente na capacidade de pecar quando ele caiu. Escadalizei você?

    Isto dito, que capacidade não quer dizer livre-arbítrio propriamente, mas sim potencialidade que está subordinada à soberania de Deus, os outros pontos se explicam da mesma forma.

    Então a meu ver (implicando novamente...risos...) livre-arbítrio para Sproul (e para mim também) não é a mesma coisa que capacidade da vontade humana.

    O arbítrio, ou escolha nós temos (pois afinal escolhemos, pois afinal temos vontade), mas o caso é que esta escolha, ou arbítrio, NÃO É LIVRE de Deus.

    Você tinha a capacidade de escrever este texto.
    Você escolheu escrever.
    Mas isto não quer dizer que você livremente e autonomamente escolheu exercitar a capacidade em escrever, Deus operou este querer em você soberanamente.

    Por fim, a meu ver, o homem caído é pecado e pecador nos mínimos detalhes, quando toma banho peca, quando pensa peca, quando fala peca, quando dorme peca, quando existe peca, e até mesmo quando é "justo" sua justiça é trapo de imundície e pecado diante de Deus, então eu não trabalho com a possibilidade de o homem caído ser levado por Deus a não pecar, pois tudo o que ele faz é pecado em si mesmo, pois esta fora do agir da graça de Deus, e se não é agir de Deus em santificação então é pecado, mesmo que pareça correto. Deu para entender? O homem caído é tão "imundo" em pecado diante de Deus que só não é consumido e fulminado devido a sua misericórdia.

    Não sei se fui claro, assim como naquela outra reflexão eu tomo ódio e ira como sinônimos e você discorda, neste caso você toma livre-arbítrio e capacidade como sendo sinônimos e agora quem discorda sou eu.... risos...

    Abraços!
    E... respeita o Sproul, risos... não vá dar uma de Vincent Cheung e endurecer com todo mundo que discorda dele.... se bem que o Cheung é muito bom, mesmo na questão do cessacionismo, que pelo que eu li, ele tem razão... com todo o respeito ao colega que fez o comentário sobre isto.

    Vincent (e eu gosto demais dele) esquece que temos que endurecer mas sem perder a ternura.... risos... mas talvez por isto (a sua falta de "dó" e de "piedade" quando bate na gente pelo que escreve) que eu penso que gosto tanto dele.

    Ele pode até errar (e na questão do ódio acho que ele exagera) mas ele erra com convicção.

    Assim como eu acho que Rousas J. Rushdoony exagera quando diz que o pessimismo escatológico é uma forma de pregação satanista (pois exata o suposto poderio crescente de Satanás no mundo), mas mesmo assim eu gosto, pois ele pega na ferida sem "misericórdia" e me faz refletir.

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  7. Grande Natan,

    Sem você aqui a me contestar, quem o faria? :)

    Bem, também gosto do Sproul, mas não preciso concordar com tudo o que ele diz, nem com tudo o que os calvinistas (entre os quais me incluo) dizem. A prova é que você não concorda comigo, e eu não concordo com você, sendo ambos calvinistas...:)

    Sproul relaciona o quadro de Agostinho (baseado nas suposições de Agostinho) com a capacidade e incapacidade moral, com o pecado original, com o renascimento, e o livre-arbítrio (ainda que esse livre-arbítrio não libere o homem de não pecar antes do renascimento, ainda segundo Sproul - pg. 50).

    Na verdade, os argumentos de Sproul, quer você goste ou não, são confusos, e muitas vezes contraditórios.

    Mas, contradições à parte, o que importa é: o quadro conceitual fala da natureza humana ou da livre capacidade de pecar e não pecar?

    Entendo que uma coisa é o estado ou estágio do homem: se caído, se renascido, se glorificado. Outra coisa é poder pecar e poder não pecar.

    Segundo o esquema de Sproul, Adão e Eva tinham o livre-arbítrio de escolher pecar e não pecar antes da Queda. Depois dela, não. Quando o homem é regenerado, volta a possuí-lo. Na glória, o perderá novamente, porque se na eternidade o homem ainda tiver o L.A., haverá sempre a possibilidade do pecado voltar a existir novamente. E a Bíblia é clara de que o pecado não mais existirá.

    O ponto central da questão é que não existe livre-arbítrio nas criaturas, sejam homens, animais ou seres espirituais. Eles não são livres de Deus e, portanto, suas escolhas não podem ser livres, nem mesmo segundo as suas naturezas.

    O que muitos advogam, e o próprio Sproul faz, é que o homem renascido resgata esse livre-arbítrio, portanto, estando apto, capacitado, preparado, habilitado para o exercício da escolha entre pecar e não pecar (sua defesa de que a escolha pode ser algo pontecial é interessante, e concordo com o que você disse quanto a Deus operar na capacidade de pecar e não pecar. É isso que estou falando o tempo todo.
    Contudo, não tem nada a ver com o que Sproul está falando. No fundo, o que ele advoga é a justificação da Queda do ponto de vista humano, resguardando Deus de qualquer envolvimento direto na questão. Como se o Decreto fosse algo estabelecido por Deus, mas tivesse vida própria e, em conluio com as criaturas, viesse à realidade).

    Não considero L.A. e capacidade da vontade como sinônimos. Para mim, L.A. pode-se confundir com Livre-Agência, a fim de que a responsabilidade humana seja assegurada. Mas como disse, a responsabilidade humana não é assegurada pela suposta liberdade, mas pela autoridade divina. É ela, pela Lei Moral, que estabelece o que venha a ser pecado ou não.

    A questão da natureza, do estado pecaminoso ou santo, deixei claro no texto.

    Apenas para definir claramente o que seja pecado, ele é a transgressão, infração da Lei Moral, não tem nada a ver com o conceito de pecado original que se relaciona com a natureza caída do homem (ao meu ver). Portanto, pecado original (a natureza pecaminosa) e capacidade de pecar e não pecar são coisas distintas.

    O réprobo tem a natureza decaída, em constante estado de pecaminosidade, mas também pode pecar e não pecar segundo a Lei Moral.
    O eleito tem a natureza redimida, em estado de santidade, mas também pode pecar e não pecar segundo a Lei Moral.

    Ambos pecarão e não pecarão segundo a vontade decretiva de Deus, e não segundo o Livre-arbítrio ou agência, como queira.

    Deus é soberano. Não há espaço para nenhuma espécie de liberdade que torne o homem livre de Deus.

    Grande abraço.

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  8. Muito bom o texto e muito interessante o debate.

    A pergunta que resolve o problema é:

    Livre em relação a que ou a quem?

    Se for em relação apenas a nossa própria natureza, então a lógica de Agostinho está correta. Antes da queda o homem era livre para pecar e não pecar, mas depois ele perdeu a capacidade de não pecar. Com a regeneração ele recebe novamente a capacidade para não pecar, e com a glorificação a liberdade para pecar deixa de existir.

    Mas se for em relação a Deus, aí é outra história. Em nenhum momento estamos livre dEle, em nenhum dos estágios.

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  9. Tiago,

    Concordo plenamente com você, e é isso o que estou a dizer, talvez não tão claramente como o irmão.

    Acontece que Sproul e Agostinho ou vice-versa, validam, ainda que minimamente, alguma espécie de livre-arbítrio, e não dá para conciliar a idéia de soberania divina com qualquer tipo de liberdade do homem em relação a Deus. E o livre-arbítrio ou agência, no fundo, significam a aptidão, habilidade ou capacidade do homem de decidir livremente, portanto, é impossível conciliar esse conceito com o da soberania de Deus.
    Como a soberania de Deus é fartamente confirmada na Escritura, ao contrário do livre-arbítrio que sequer pode ser esboçado a partir dela, fico com a soberania de Deus e rejeito completamente a idéia de liberdade humana em relação a Deus.

    Mas essa é uma discussão sem fim, porém, todas as evidências bíblicas gritam para a soberania de Deus, e nenhuma delas ao menos sussura para o L.A.

    Grande abraço ao amigo, e obrigado pelo comentário.

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  10. MAs Jorge, tudo bem, mas minha grande duvida é como saber se eu estou incluido do determinismo de Deus para salvação ou perdição, pela fé em Cristo, sem duvidar? Não duvido da predestinação e da eleição, mas e quanto a MIM mesmo?( pois eu não tenho acesso direto ao livro de Deus e ler quem está lá incrito e quem não está)Digo, como que EU, Armando, posso saber se eu sou um regenerado que peca ou um reprobo enganado?
    Abraços
    Armando

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  11. Armando,

    desculpe-me não lhe ter respondido antes, mas é que perdi sua mensagem (na verdade achava que ela estava arquivada em uma pasta, virei-a, revirei-a, até descobrir que havia colocada em outra pasta indevidamente), e somente agora encontrei-a novamente.

    Bem, eu não questiono no meu texto quem é salvo ou não. Como o irmão, creio na eleição e predestinação, pois as Escrituras nos revelam o Deus vivo, Todo-Poderoso e soberano eterno.

    A Bíblia mostra que há como sabermos se somos de Cristo ou não: "O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" [Rm 8.16].

    O próprio Senhor Jesus nos fala dos frutos que produziremos, pelos quais será revelada à qual árvore estamos firmados.

    Paulo também fala dos frutos do Espírito; mas, creio que a melhor forma de se saber se realmente somos de Deus, é quando cometemos um pecado e nos arrependemos até o mais íntimo da nossa alma.

    O ímpio pecará sem o desejo de arrependimento, ao contrário, ele cuidará de arrumar um cem número de justificativas para a transgressão cometida, ou, simplesmente, nem perceberá o delito. Em nosso caso, o Espírito Santo nos revelará o pecado, e a necessidade de arrependimento. Virá a tristeza pelo pecado, mas a alegria pelo perdão. Ou seja, a humildade e submissão diante da magnitude e glória do Senhor é um bom indicativo de que, quem assim age, é um eleito.

    O determinismo bíblico, diferente do fatalismo que tem o acaso como "autor", diz que Deus estabeleceu e controla tudo, até os mínimos e insignificantes detalhes, até mesmo o nosso pensamento: "O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos" [Pv 16.9]; "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; Ele o inclina a todo o seu querer" [Pv 21:1]... Há um texto bíblico específico, não estou encontrando-o agora, que diz Deus agir diretamente até mesmo sobre o pensamento do homem.

    Portanto, quer o irmão saiba ou não que é um salvo, Deus o sabe, porque foi quem o escolheu e o elegeu, ou não. Mas como disse, a Bíblia nos mostra evidências de salvação; e elas são visíveis aos olhos regenerados pelo Espírito Santo.

    Ainda que esta não seja a questão abordada no meu texto, e eu não ter refletido nem meditado detidamente na questão, acho que apenas cada um de nós pode responder à pergunta: sou eleito ou réprobo?

    Apesar de achar que o réprobo não saberá a resposta. De qualquer forma, Deus é perfeitamente santo, tanto ao eleger como ao reprovar.

    Forte abraço!

    Cristo o abençoe!

    PS: Parabéns pelo Projeto Spurgeon!

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