19 outubro 2009

AMOR OU DESDÉM?
















Por Jorge Fernandes Isah


Tem-se falado muito sobre amor ultimamente. Parece haver uma onda de amor, quase um modismo acidental, pode-se dizer. Haja vista ler definições para todos os gostos, especialmente as que vão de encontro ao coração impenitente e irregenerado. Uns acham que o amor de Deus torna-O completamente tolerante para com o pecado. Outros, que Deus não tolera o pecado, mas é permissivo com o iníquo. Há os que para justificar suas transgressões excluem o inferno e a possibilidade de punição divina. E mesmo aqueles que consideram o pecado como ficção, ou uma forma de opressão psíquica e social de domínio dos mais poderosos (seja lá o que isso representa. Fica a pergunta: a opressão do poder é também uma fantasia?). Por tabela, elimina-se o diabo e sua influência perversa, os quais passam a ser algo meramente simbólico, referindo-se a dualidade, àquilo que o homem ainda possui de mal em sua natureza [a contrapor-se ao bondoso], mas que será progressivamente extirpado com o passar de milhões de anos de processo evolutivo, físico e espiritual; o qual ninguém saberá ao certo se ocorrerá; e se ocorrer [apenas como hipótese improvável], em que resultará, face à incontrolabilidade naturalista?

Todas essas tentativas de explicar a natureza humana ou de justificá-la, resumem-se a:
1) O desprezo à soberania e santidade de Deus.
2) O medo da condenação.
3) O reflexo da carnalidade e impiedade inerentes à natureza humana.
4) A rebeldia insana em se fazer senhor de si mesmo, quando se é apenas um escravo aprisionado em suas amargas e imorais ilusões.
5) O desejo inconsciente de autodestruição.

Escrevi alguns textos sobre essas questões e não retornarei a eles. Quero ater-me a algo ainda não abordado especificamente [mesmo que tenha sido implicitado]: aquele que se entrega ao pecado ama? É possível amar e ainda assim pecar contra quem se diz ter afeição?

O amor pressupõe comprometimento, responsabilidade, empenho ao sujeito ou objeto amado. Não há lugar para o desleixo, a obstinação pelo erro, a queda reincidente e sistemática. Quem não ama é diligente, zeloso para com a ofensa, seja a Deus ou ao próximo. No Cristianismo, ele é um violador contumaz da Lei Moral. E se transgride a Lei Moral, é um sedicioso que incita ou participa da revolta contra Deus. Em relação ao próximo, está pouco se lixando à descrição de Paulo: “o amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” [1Co 13.4-7- grifo meu].

Podemos dizer que esse é o padrão do amor cristão da maioria que se diz cristão? Isto nos leva a duas conclusões:
1) Paulo está errado ao definir o amor como o ato de não se buscar os seus interesses e, ainda por cima, sofrer por quem se ama.
2) Paulo está certo; e a maioria dos crentes não sabe o que é amar verdadeiramente.

Fiz um pequeno estudo sobre o amor de Deus, com base em Marcos 10.17-27, intitulado O Jovem Rico.

E quanto ao amor humano?

Novamente, Paulo nos diz: “não sejais sábios em vós mesmos” [Rm 12.16], o que vale dizer que não há sabedoria inerente ao homem, de que ele é um tolo por vocação, e tudo o que ele pode conceber como sábio provém de Deus. Parece estranho no mundo atual, que cultiva a auto-idolatria, esse tipo de afirmação. Bem como a que a precede: “não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes” [Rm 12.16]. É uma verdadeira antítese ao pensamento secular, o qual infelizmente encontra-se disseminado no seio da igreja. Numa época de extremo individualismo, egoísmo, megalomania, consumismo, exibicionismo, e isolamento, como podem os homens ser “fervorosos no espírito, servindo ao Senhor”? [Rm 12.11]. A resposta nos é dada um pouco antes também: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2].

Esquematizando o que foi dito, o amor implicará sempre em:
1) Não ser sábio em si mesmo, por que o homem jamais o será por conta própria, mas sábio em Deus.
2) Não ambicionar as coisas altas, mas acomodar, conformar-se às coisas humildes. Em última análise, humilhar-se diante de Deus e do próximo, não buscando os seus interesses.
3) Servir a Cristo com fervor no espírito; folgando, descansando nEle, a única verdade.
4) Conhecer a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, não se conformando a este mundo. Ou seja, obedecendo-O diligentemente, e não aos apelos da carne.

Fora desse escopo, qualquer sentimento que o homem tenha não será o verdadeiro amor. O exemplo máximo é o de Cristo. Sendo Deus, “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz" [Cl 2.7-8].

Alguém pode dizer: mas ele é Deus, e Deus não pode pecar. Para Cristo foi fácil, só que não somos deuses.

É verdade, em parte. Cristo é Deus, mas também homem. A Bíblia é farta em asseverar a dupla natureza do Senhor. Então, não creio que as coisas tenham sido facilitadas para Ele cumprir a Sua missão. O fato é que Cristo foi tentado e não pecou, nem se achou algum pecado nEle; “porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” [Hb 4.15].

Não entrarei na doutrina da dupla natureza do Senhor. Mas posso afirmar categoricamente que as tentações pelas quais Ele passou não foram de brincadeirinha, nem se armou um teatro com o fim de nos ludibriar; senão, como Cristo poderia se compadecer das nossas fraquezas, derramando Sua graça e misericórdia, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno? [Hb 4.16].

O certo é que Jesus não pecou por ser Deus, mas também por que nos amou, sendo Ele a fonte do amor perfeito, santo e pleno.

Apenas sintetizando o conceito de amor divino: Deus ama os eleitos, os escolhidos, os quais predestinou para serem o Seu povo, e serem conformados à imagem do Seu Filho Amado. Quando digo que Cristo amou, amou exclusivamente os Seus, os que lhe foram dados pelo Pai, os quais nada nem ninguém arrebatará das Suas mãos [Jo 10.28-29].

Algumas considerações sobre Jesus como o Messias:
1) Sendo Deus, tomou a forma de servo, fazendo-se como os homens.
2) Como homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente a Deus Pai até a morte.
3) Sua morte foi para satisfazer a justiça de Deus, mas também por amor aos Seus escolhidos.
4) Cristo conhecia [e conhece] a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, conformando-se a ela.
5) A sua obediência reflete o Seu amor ao Pai como aos eleitos.

Logo, o amor do Senhor Jesus pelo Pai e pela Igreja também O impediu de pecar. A tentação que lhe sobreveio não foi suficiente para gerar o pecado; pelo contrário, ele foi bloqueado pelo amor e impedido de se consumar, pois a tentação dissolveu-se antes que a concupiscência pudesse conceber-se, e ela não nascendo, não gerou o pecado nem a morte, a separação de Deus [Tg 1.13-15]. Cristo jamais foi atraído e enganado pela concupiscência, por isso, não pecou, porque é a plenitude do amor. O apetite ou desejo desordenado somente aflorará se naquele solo não houver amor, o antídoto ao veneno em todas as suas formas nocivas de impiedade. Do contrário, se o solo for estéril, sem amor, estará pronto para produzir o pecado, e a dissolução tornar-se-á apenas um vício renitente, insalubre e incurável. Onde há o amor de Deus não há chance para o pecado, sua semente maligna não germinará; antes, permanecendo no Seu amor, daremos frutos para a Sua glória [Jo 15.8-9].

Assim, aquele que ama não peca, nem se compraz na transgressão, nem quer justificá-la com um pretenso amor alheio à natureza de Deus, e que simplesmente é a corrupção da mente humana, desejosa em acomodar-se ao pecado. Desta forma, o crente tem de apresentar o seu corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, mortificando o pecado.

O que nos leva de volta à pergunta inicial: o homem pode amar?

Amor verdadeiro, aquele que procede de Deus, somente o crente tem. O homem natural desconhece-o, e está impedido de tê-lo. Mas isso não quer dizer que o crente amará o tempo todo. Experimentaremos o amor verdadeiro e duradouro na eternidade, onde o pecado não existirá, e não haverá espaço para a afeição desordenada. Lá, seremos semelhantes a Cristo, desfrutando da mesma natureza santa. Enquanto estamos neste mundo, vivenciaremos momentos de amor em menor escala, e de não-amor em maior escala. Mas sempre que amarmos, venceremos o pecado, porque o amor é a negação do pecado; é resisti-lo, não permitindo que domine sobre nós.

Por isso, é impossível o amor verdadeiro aos que não se arrependeram de suas iniqüidades e que vivem a fundamentá-las no anti-amor, o sentimento pernicioso e confuso, o "amor" deletério, o qual apenas servirá para afastar a hipótese de regeneração, ao manter o iníquo desligado de qualquer possibilidade de comunhão com Deus.

Ao tentar esconder-se, na verdade se expõe em sua tola rebeldia.

Como o Senhor nos disse: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor... Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” [Jo 15.10,14].

Onde há desobediência, abunda o engano e o pecado.

Onde há desobediência, não há amor.

E se não há amor, não se conhece a Deus, nem dEle é conhecido [1Co 8.3].


8 comentários:

  1. Jorge

    Muito instrutivo e didático este seu artigo.

    Em relação à dupla natureza de Nosso Senhor Jesus Cristo, não há dúvida que Ele tenha enfrentado as tentações como homem. A passagem da tentação de Jesus pelo diabo é clara ao mostrar que o adversário queria que Cristo se valesse de sua natureza divina para superá-las, quando disse para ele transformar as pedras em pães, se jogar do pináculo do templo etc. Justamente para hoje poder dizer aos cristãos que eles não podem vencer o mundo como Jesus fez, porque Este teria vencido somente por se valer de sua condição divina, o que para nós é inteiramente impossível.

    Sei que esse não é o assunto principal do texto, mas é fundamental para podermos compreender o verdadeiro amor que provém de Deus.

    Parabéns. Abraço. Deus o abençoe.

    ResponderExcluir
  2. Isaías,
    seu comentário é esclarecedor, e pontual, ao trazer à tona algo que realmente não me apercebi ao escrever. O exemplo da tentação do Senhor por satanás no deserto é muito claro em confirmar a sua posição.

    Interessante que o próprio diabo conhecia a natureza divina de Cristo, ao contrário de muitos "cristãos" que a desprezam ou descreem nela.

    O que nos leva a outra conclusão, como o Edson Camargo disse certa vez: o diabo é mais inteligente que o incrédulo, porque ele teme e treme diante do Senhor.

    Obrigado por sua visita.

    Abraços ao irmão.

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  3. Prezado irmão Jorge,
    precisamos lembrar que existem 4 tipos de amor na lingua grega. O amor de Deus somente o homem regenerado experimenta em alguma escala e nisso você está coberto de razão. Também está correto em afirma que na eternidade essa escala será exponencial, mas acrescento que nunca chegará ao infinito, assim como conhecimento de Deus.A tentação de Cristo não foi suficiente para gerar pecado? Então ela não foi completa? Foi o amor somente que bloqueou a tentação e não a deixou consumar? Acredito que este caminho é escorregadio, concorda? O não cristão não experimenta de igual modo algma escala de amor diferente do amor Ágape?
    O artigo é instigador e excelente.
    Um abraço

    ResponderExcluir
  4. Pr. Luiz Fernando,

    acho que houve uma má formulação de minha parte, mas não disse que Cristo não pecou apenas por nos amar. Como afirmei, Cristo é Deus, e, portanto, não pode pecar.
    Mas Ele foi tentado igualmente como nós, e se foi tentado, havia a possibilidade de pecar (ainda que seja uma formulação apenas especulativa).

    A tentação foi completa e, como no caso citado pelo Isaías no deserto, muito mais forte do que possamos imaginar. Portanto, Cristo não estava brincando de ser tentado, mas Ele o foi concreta e efetivamente, sem que houvesse a consumação do pecado.

    O que disse foi que Cristo não pecou também por amar o Pai e se sujeitar à Sua obediência integralmente; e por amar-nos.

    O foco do texto é: onde há amor não há pecado, e onde há pecado não há amor. Como o Senhor Jesus é pleno em amor, não havia como o pecado brotar.
    Serve para exortar aqueles que acreditam ser possível uma vida de pecados sem arrependimento e ainda assim afirmar que amam a Deus. Para mim, nem mesmo se amam, pois sem que haja em nós o verdadeiro amor divino, não é possivel qualquer forma de amor.

    Quanto aos réprobos, não creio que Deus os ame, pois não consigo entender Ele amá-los e ainda assim a Sua ira permenecer sobre eles.
    O que entendo é que Deus lança sobre os injustos a Sua graça comum, manifestada por Sua justiça distributiva que faz nascer o sol e cair a chuva sobre justos e injustos. E essa manifestação não vejo como amor, mas como parte do atributo divino de justiça, na qual o ímpio fica inescusável diante dEle.

    Podemos até admitir que essa justiça distributiva seja uma espécie de amor, mas completamente diferente e díspare do amor filial que Ele tem para com os eleitos.

    Espero ter esclarecido melhor os meus pontos, e deixado mais claro a minha posição.

    Obrigado mais uma vez por seu comentário.

    Grande abraço ao irmão.

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  5. Prezado irmão Jorge,
    só para aguçar a mente: Cristo não podia pecar. As tentações de Cristo não foram para avaliar/testar caráter. Foram tentações reais e muito mais significativas do que as nossas, isso sim. Mas para Ele era impossível pecar. "non potuit peccare" é uma expressão latina para a total impecabilidade de Cristo.
    Um abraço

    ResponderExcluir
  6. Pr. Luiz Fernando,

    concordo com o irmão em número, gênero e grau.
    Se, por um acaso, passei a idéia de não crer na divindade de Cristo e na Sua impossibilidade de pecar, desculpo-me publicamente, pois jamais tive essa intenção.

    O que desejei ressaltar, como já disse, é que Cristo também não pecou por obediência e amor; e não posso desprezar Suas atitudes como exemplos para todos nós, cristãos, tanto na obediência ao Pai como no amor a Ele e ao próximo.

    Reafirmo: onde não há o amor divino, sobra o pecado e jactância.

    Grande abraço ao irmão!

    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir
  7. Tudo acaba partindo do que é e do que não é amor, do ponto de vista bíblico.

    O amor verdadeiro é um dom que vem de Deus.

    O amor do mundo é uma imitação barata que vem do coração egoísta do homem.

    Em última análise no final das contas o amor do homem é uma manifestação de egoísmo (amor a si mesmo).

    Um exemplo simples:

    Amamos nossas esposas?
    E quando elas ficarem velhas e murchas, enrugadas etc...
    Deixamos de amar e as trocamos por outra bem mais nova?

    Enfim, quando elas são jovens e lindas, amamos as nossas esposas ou amamos a alegria que a beleza e juventude dela NOS dá?

    Entendeu? O amor neste caso é amor a si mesmo, e quando ela deixa de ser bela, já não amamos mais pois a feiura dela não nos trás mais alegria.

    E a mesma pergunta cabe aos amigos, aos parentes, etc...

    Amamos nossos amigos ou amamos as alegrias que eles nos dão.
    Basta um amigo discordar do nosso ponto de vista, e o suposto amor já vai embora e vira ódio consumado?

    Isto é amor?

    Não falo das nossas "brigas" por e-mail... risos... falo do conceito em si (de amor).

    Grande abraço!

    ResponderExcluir
  8. Natan, grande amigo!

    obrigado por sua ligação no domingo. Foi um grande prazer conversar consigo.

    Quanto ao que é amor ou não, a resposta está naquilo que Paulo definiu como amor em 1Co 13; complementando o que Cristo disse em todas as suas orações: o amor nos levará ao sacrifício, à entrega total por aquele que amamos.
    Para nós é difícil, dada a nossa natureza pecaminosa, egoísta como você diz, a qual reflete apenas um amor próprio, que nem mesmo é amor, ao meu ver. Pois é um amor pelo qual não podemos nos entregar nem nos sacrifícar, antes quremos ou esperamos que os outros o façam por nós.

    O amor como algo etéreo, no nível da abstração, como um mero sentimento, não passa de elucubração, de delírio. O amor tem de se refletir na prática, em ações. Como o Senhor disse: aquele que obedece os Seus mandamentos, nele está o amor de Deus. Portanto, ficar dizendo que ama, mas demonstrar que não ama, é uma contradição.

    E o que mais se tem visto é exatamente isso, palavras lançadas ao vento, enquanto o coração está duro na prática do verdadeiro amor; o qual está caracterizado e definido na obra de Cristo no mundo.

    Forte abraço.
    Cristo o abençoe!

    ResponderExcluir