Jorge F. Isah
Enquanto as festividades corriam nas ruas, casas, salões e no Templo,
Pedro era mantido preso. Em seu favor orava a igreja insistentemente a Deus.
Muitos entendem a oração como uma arma poderosa para demover o Senhor da sua
vontade. Existem absurdos dignos dos mais desprezíveis, incautos e delirantes
homens, no sentido de que, ao orar-se com muita fé, a vontade divina pode ser
vergada ou dobrada pelo homem. O cristão atual, em sua maioria, carrega a
oração com um misticismo digno dos pagãos, onde a penitência e o mérito está em
quem ora e não naquele que é poderoso, sábio e justo para realizar ou não o
pedido.
Não raro alguns são acusados de não terem seus pedidos atendidos por lhes
faltar fé ou um pouco de fé, de não alcançarem o nível exigido de fé. Sendo um
dom divino [Ef 2.8], e não algo produzido no próprio homem por si mesmo,
ninguém jamais possuirá, em si, a porção suficiente para satisfazer a Deus. A
fé é uma dádiva; e antes de mover a vontade divina, é ele quem nos move, pela
fé que nos dá, a fim de cumprir os seus perfeitos e santos conselhos.
Entretanto, alguém pode questionar: Se a igreja orava por Pedro,
provavelmente orou por Tiago. Por que então ele não sobreviveu e morreu? Qual o
sentido da oração se não for mover o coração de Deus a atender-nos?
A Escritura nos diz que tudo quanto pedirmos a Deus, em oração, ele o
fará, segundo a sua vontade [1Jo 5.14-15]. Primeiro, o pedido deve estar em
harmonia com a vontade divina. Segundo, não o façamos por deleite, vaidade ou
apetite carnal. Não se deve pedir o que é ilegítimo. E sob a forma de
murmuração ou exigência. A nossa vontade deve estar constantemente cativa à
vontade divina, e não o contrário. E o mais importante: reconhecer o Senhor
como soberano, seja qual for a sua decisão em relação a nossa oração, o seu
cumprimento ou não. Afinal, o resultado será para a sua glória. A igreja orou
por Tiago? Provavelmente, sim. Houve tempo suficiente para que o anúncio da sua
prisão chegasse aos ouvidos da igreja. Certamente, a partir daquele momento,
eles suplicaram por sua vida. Mesmo assim, ele veio a ser martirizado. Faltou
fé à igreja? Não! O propósito divino era outro, contudo. A morte do apóstolo
cumpriria a vontade soberana, justa e santa de Deus. Podemos cogitar os
motivos? Sim. Ainda que o Senhor não nos deva nenhuma explicação quanto à razão
dos seus feitos, bastando-nos aceita-los. De alguma maneira, a igreja estava
sendo trabalhada por Deus, através da oração, mas também do sacrifício de
Tiago, como no de Estevão, e muitos outros que se seguiram.
Havia uma confiança a ser aprimorada, a dependência divina, e a
esperança em sua providência, seja na alegria, seja na dor. A fé, como está
escrito, é a certeza das coisas que não se veem; e o maior exemplo de fé a
certeza de que estarmos sempre sob os cuidados amorosos do Pai, não importando
a situação. Não é o que Paulo nos diz?
“Tendo sido,
pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo;
Pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e
nos gloriamos na esperança da glória de Deus. E não somente isto, mas também
nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, E a
paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz
confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo que nos foi dado.” [Rm 5.1-5].
E ainda, Pedro, que ratifica esta afirmação:
“Em que vós
grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que
estejais por um pouco contristados com várias tentações, Para que a prova da
vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo,
se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo” [1Pe 1.6-7]
E complementa:
“E o Deus de
toda a graça, que em Cristo Jesus nos chamou à sua eterna glória, depois de
havemos padecido um pouco, ele mesmo vos aperfeiçoe, confirme, fortifique e
estabeleça.” [1Pe 5.10]
O fato é que o coração do homem e o seu desejo não
podem mudar ou convencer a Deus de algo. Antes o Senhor é quem nos convence e
nos move segundo a sua vontade. A igreja deve orar como forma de adoração, ao
se colocar humildemente sob a vontade divina, reconhecendo o seu poder, mas
também o seu amor paternal, a nos conduzir, aperfeiçoando-nos para aquele dia
em que seremos tal qual é o nosso Senhor. Aqueles irmãos poderiam pegar em armas
e investirem contra o governo de Herodes a fim de libertarem Pedro, ou Tiago.
Do ponto de vista humano seria uma saída plausível. Estaríamos em harmonia com
a vontade divina? De nos sujeitarmos ao seu senhorio e governo? Não! Coube ao
povo de Deus clamar, insistentemente, continuamente, para que Pedro, ou Tiago,
fossem libertos. No segundo caso, as orações não foram atendidas, e ele foi
entregue à sanha homicida de Herodes e do povo². No primeiro caso, veremos a
seguir o aconteceu.
Voltando a Pedro, o encontramos, enquanto a igreja
está de vigília, dormindo. Seria esta a atitude correta do apóstolo? Por que
não seu uniu aos demais irmãos em oração por sua vida? Mas ele conseguia
dormir, acorrentado a dois soldados, sabendo que naquele dia seria apresentado
e morto diante do povo por Herodes.
Fico a pensar se eu seria capaz de manter-me
tranquilo diante da morte. Pedro, talvez, estivesse certo do seu fim, já que
Tiago, um dos três, juntamente com Pedro e João, era um dos discípulos mais
próximos e chegados de Jesus. Se ele não foi poupado, por que Pedro seria?
Parecia que Pedro trabalhava com essa certeza, como algo inevitável. Porém, é
possível afirmar a confiança do apóstolo no Senhor. Ele sabia que a sua vida
estava guardada em suas mãos poderosas. Ainda que não soubesse de fato o que
sucederia, a morte não era uma aflição, nem motivo de angústia. Provavelmente
ele pediu por sua vida, mas descansou em seu pedido. Era-lhe suficiente ter
pedido, assim como suficiente era esperar na providência divina: de mantê-lo
mais algum tempo neste mundo, ou leva-lo para junto a glória eterna. De alguma
maneira, Pedro já tinha a sua resposta; e não a esperava com ansiedade. Pelo
contrário, dormia.
Haveria contradição entre a atitude de Pedro e a do
restante da igreja? Se de um lado havia um intenso clamor, no outro o descanso
silencioso? Novamente, não! Eram atitudes complementares e necessárias. Se de
um lado o alvo da oração descansava, e estava certo em descansar e esperar no
Senhor, de outro lado, o clamor insistente também revelava a confiança de ser
Deus o único capaz de preservar a vida do apóstolo, pois enquanto os homens,
animais e demônios têm o poder de tirar a vida, Deus é o único capaz de dá-la e
preservá-la. Em ambos os lados havia uma única certeza: Deus pode, e o fará
segundo a sua vontade, para a sua glória. Cabe-nos confiar e depositar a nossa
esperança nele; sabendo que a oração insistente, em favor do próximo, é o nosso
dever, sobretudo para que encontrem a paz e o repouso, possível somente em
Cristo, assim com Pedro encontrou. Da parte de Pedro, aprender que nossas vidas
devem estar em conformidade com a vontade divina, em serviço a ela, seja aqui
ou na eternidade.