Por Jorge Fernandes Isah
Sábado, fui assaltado.
Não, não foi por extorsão de alguma operadora de celulares. Nem pelo plano de saúde. Muito menos pelo "Leão". Não houve aumento das tarifas públicas na cidade, nem me venderam 100 pelo preço de 200. O gás continua com mesmo valor do mês passado, e a tv a cabo não me cobrou o ponto adicional, porque não tenho tv a cabo.
Foi assalto mesmo. À mão armada.
Estava em meu trabalho quando, por volta das 7:45, fui atender a porta. Eram dois adolescentes, e um terceiro que não pude ver, pois estava atrás do portão. Apontaram-me um revólver, renderam-me, levaram o meu celular e aproximadamente R$ 400 da empresa. Tinham a idade do meu filho, mas não se recusaram a mirar a arma para a minha cabeça.
Nunca vivi uma situação assim. Já passei por possibilidades de assalto, mas graças a Deus não se concretizaram. Naquele momento, não pude pensar em muita coisa; para ser sincero, não deu tempo nem de uma pequena súplica. Foi tudo muito rápido[1]. Apontaram o revólver, gritaram “assalto”, pegaram o celular sobre a mesa, revistaram as gavetas onde antes eu guardava a verba do pequeno caixa do escritório [e que ontem havia mudado de lugar]. Foi algo encomendado, pois sabiam direitinho onde eu guardava o dinheiro. Como não estava lá [a providência divina impediu que o prejuízo fosse maior], aproximaram a arma e exigiram a grana rapidamente. Fique apreensivo com a possibilidade de alguém chegar [um outro funcionário, um familiar, um amigo; o que sempre acontece aos sábados], de não dar a grana, e eles retaliarem; mas graças a Deus nada de mais grave aconteceu. Pedi-lhes calma, fui até onde havia guardado o pacotinho de notas, e entreguei-lhes. Juntaram alguns papeis na gaveta [documentos do caixa, os quais até agora não sei que serventia lhes teria], e saíram. Não sem antes ameaçar-me novamente de morte caso os seguisse ou chamasse a polícia. Não segui, mas liguei para o 190.
Interessante que não fiquei apavorado. Apreensivo, mas sem pânico. Eles pareciam muito mais nervosos e afoitos. Após saírem, agradeci a Deus por minha vida, e por ninguém mais estar ali comigo.
Como disse, não dá tempo de pensar em quase nada. Passam muitas coisas pela cabeça, sem que nenhuma delas se fixe ou ganhe corpo. Nem se tem as dimensões do perigo real. Horas depois é que as imagens voltam, e você começa a analisar o que poderia ter feito, ou o que poderia ter acontecido. O filme é reprisado, e é possível ver vários finais. Então, se chega ao que ninguém quer, ao desfecho mortal. Foi quando pensei, e daí? A morte pode ser algo dolorosa, como numa doença terminal ou na tortura. Pode ser rápida como num tiro certeiro. Ou serena, na velhice, durante o sono. Ela pode vir de muitas maneiras, mas invariavelmente acontecerá a cada um de nós, a menos que o Senhor decida-se por seu retorno em glória, o que parece ainda estar distante [ao menos, não há sinais de que ainda seja a hora; até porque, a hora ninguém sabe, somente Ele]. Pensei: o que seria de mim? E, ao reviver toda a cena, e chegar ao desenlace final [e ficcional], pude tranqüilizar-me pela segurança que Cristo dá à nossa salvação, a garantia da vida eterna. Veio-me à memória a Sua oração: “Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós. Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse” [Jo 17.11-12].
Enquanto meditava, não pude deixar de me emocionar diante do amor que o Pastor tem por Seu rebanho; e senti-me, no instante, reconfortado e aquecido pelas promessas e proteção de Deus, de que estou seguro em Suas mãos, e ninguém pode arrebatar-me delas.
Houve a alegria que a indignação não pode impedir. Houve o conforto que a insegurança não pode reter. Houve a esperança que a desconfiança não bloqueou. Houve a paz que a aflição não estancou. Houve mesmo o regozijo de que o Deus vivo é soberano sobre tudo e todos, mesmo sobre o meu assalto. Como diria o pr. John Piper, numa analogia provável, não desperdice o seu assalto.
Quando as viaturas da PM chegaram, os vizinhos, familiares [trabalho próximo de casa] e curiosos espantaram-se com a minha calma. Provavelmente, em outros tempos, quando ainda não era convertido, reagiria aos marginais. Talvez os dominasse, talvez fosse dominado. Mas naquele instante, ainda que a situação fosse violenta e coercitiva, desfrutei de uma calma que não julgava existir. A mesma calma que tenho quando, hoje, penso na hipótese concreta da morte. Para alguém que desde a mais tenra idade se viu numa luta ferrenha contra a maior de nossas inimigas, ter a certeza de que ela foi derrotada na cruz por Cristo, dissipa toda e qualquer angústia.
Um dia morrerei. Um dia você morrerá. Um dia, todos estaremos diante do Juiz supremo. Contudo, o salvo, aquele que ouve e crê no Senhor, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas já passou da morte para a vida [Jo 5.24]. Mas ao ímpio,"como escapareis da condenação do inferno?" [Mt 23.33].
Porque “a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz” [Jo 3.19].
Portanto, não desperdice o seu assalto, ou qualquer mal que lhe sobrevenha. Saiba que nada acontece alheio à vontade soberana de Deus, e de que, se for o roubo, a doença, o acidente, a catástrofe, a dor, ou qualquer outro desastre, cumpra-se a ordem de Paulo:"Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Jesus Cristo para convosco" [1Ts 5.18]. Por que, na fraqueza, Deus nos faz fortes. E, assim como o ouro é provado pelo fogo, o crente é purificado nas provações, nas quais, ainda que um pouco contristados, devemos grandemente nos alegrar, para que a nossa fé se ache em louvor, e honra, e glória na revelação do Senhor [1Pe 1.6-7]. Sem as provações, como serão manifestos em nós os frutos do Espírito? Como ter mansidão, fé, longanimidade e temperança se estivermos em “céu de brigadeiro”?
Em um dos finais possíveis, me vi sobre um dos assaltantes esmurrando-o até desfigurá-lo. Não vou dizer que a idéia não me trouxe certo ânimo, e um desejo de vingança. Felizmente, não durou muito. Pensei também que poderia ter uma arma. De certa forma, a idéia não me agradou também. Isso não quer dizer que seja um pacifista, no sentido marxista da palavra. Sei que eles pregam paz quando querem guerra. E o objetivo é de que os outros sejam desarmados para que possam usar da sua beligerância sem qualquer resistência[2]. Não é isso. O crente combate muitas guerras. Porém nossa luta não é contra a carne e o sangue, mas contra as hostes espirituais da maldade, para que possamos "resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes" [Ef 6.12-13].
Ainda que tendo direito, creio que o usaria apenas em circunstâncias extremas; provavelmente se um familiar, amigo ou indefeso precisasse de tal atitude diante de um ofensor. Seria eu um covarde? Talvez. A resposta mais certa seria sim. Mas há algo que o Senhor Jesus disse, e que por analogia serve para o Seu povo: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” [Jo 18.36]. Ainda que Cristo governe todo o universo, o Seu reino não é daqui. No reino de Cristo não haverá o mal nem o pecado. Então, por dedução, ainda que vivendo no mundo, não pelejaríamos contra ele, porque também não somos daqui. Deus não nos quer fora do mundo, mas livres do mal. E o mal pode ser exatamente não aceitar a perda. Pode ser o celular roubado, ou a saúde tirada, ou a demissão, ou a injúria sofrida, ou mesmo a morte. O prejuízo é algo inconcebível ao homem natural. Ninguém quer perder, antes todos querem ganhar. Mas o Cristianismo é diferente. Cristo deu-nos o exemplo de que, ao perder a Sua vida para depois tomá-la, ganhou para Si um povo eleito e santo, o qual foi remido pelo Seu sangue derramado na cruz, como o sangue de um cordeiro imaculado.
Infelizmente, não sabemos perder o que nos é caro [algumas coisas, desnecessárias], quanto menos administrar essas situações. Ao invés de nos sujeitar à vontade divina, nos iramos, desejamos vingança, revoltamo-nos nas vicissitudes, as quais nos levam diretamente às murmurações contra Deus. Em última instância, tudo é regido pelo Senhor, e se não nos acomodarmos à Sua vontade, rejeitando-a, rejeitamo-lO também.
Ainda que inconscientemente, se a glória de Deus é o fim de tudo, não o louvamos.
Jó, ao rebater as insanas palavras de sua mulher, disse: “Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?” [Jó 2.10]. Em tudo isto ele não pecou contra Deus. Mas e nós? O que diríamos se alguém nos dissesse: “Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre”? [Jó 2.9]. É nessas horas que se vê a diferença entre o servo e o não-servo; entre o que crê e o que não crê; entre o santo e o impuro; entre a verdade e a mentira. Não somente nas situações limites, mas no dia-a-dia quando somos confrontados pelas mínimas e insignificantes decisões, que nos levam a cometer o que muitos chamam de “pequenos delitos ou pecadinhos”.
Aquele revólver apontado para mim podia ser de brinquedo. Podia nem mesmo ter balas. Podia ser tão velho que jamais dispararia. Mas ainda que fosse mortal, pudesse me matar, e efetivamente me matasse, queria poder dizer do fundo do meu coração, com toda a minha alma: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor” [Jo 1.21].
Certamente, Deus me concederia mais essa graça, e eu diria.
Nota: [1] O meu pastor disse que deveria tê-los chamado para orar, no que ele está certo, e arrependo-me de não ter pensado isso; mas, ainda não sou espiritual a este ponto, infelizmente. E, de certa forma, vi o quão distante estou do homem espiritual, perfeito e santo, em que me transformarei na eternidade, pelo poder do meu Senhor. Isto não é desculpa para a minha carnalidade, apenas a constatação de que estou anos-luz de distância de poder dizer, como Paulo disse: Não sou eu quem vivo, mas Cristo vive em mim... Na verdade, ainda nem orei pelas almas dos meliantes, o que farei de imediato; pedindo que Deus coloque em suas vidas um homem verdadeiramente espiritual, que lhes revele o amor e a graça de nosso Senhor, proclamando o Seu santo Evangelho.
[2] A intenção não foi discutir o assunto do ponto de vista sócio-político, ainda que tenha tocado ligeiramente na questão, mas uma abordagem essencialmente espiritual.
[3] Hoje, faz cinco anos da minha regeneração. Agradeço a Deus por ter se apiedado de mim, derramado sobre a minha alma sua graça e misericórdia, e escolhido-me antes da fundação do mundo para ser conforme a imagem do Seu Filho Amado Jesus Cristo. Há muito o que caminhar, e muito em que ser conformado à santidade e perfeição do Senhor, mas sei que a boa obra iniciada em minha vida se aperfeiçoará, e será concluída até o Dia de Cristo. Bendito seja o Seu santo nome! Amém!