Por Jorge Fernandes Isah
Entendido quem eram os apóstolos, qual a sua missão e o período em que agiram, conforme exposto na aula anterior, retomemos a questão dos dons apostólicos ou dons do Espírito Santo. Mas antes, quero fazer uma ressalva. Os pentecostais e carismáticos, em geral, afirmam que há dois batismos: um para a salvação e outro pelo Espírito Santo, como um "batismo extra" ou superior. É difícil entender que algo tão fundamental na fé cristã como a salvação, e pela qual Cristo encarnou tornando-se o Verbo Divino, não seja catalogado como algo proveniente do Espírito Santo. Ainda que não digam diretamente que a salvação não depende do Espírito, parece que o Consolador realiza uma obra menor ao salvar e uma obra grandiosa ao conceder certos dons a certos salvos. Mas dentro do escopo de toda a Escritura, o que é mais importante? Ou o que ela mais quis evidenciar? De certa forma estabeleceu-se uma espécie de restrição a uma parcela de crentes que, relegados a um plano inferior, não são acalentados com dons especiais. É uma subcategoria de crentes, somenos graduados, que ainda não experimentaram o máximo de Deus.
Contudo,
não é o que Paulo diz: "Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos
membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é
Cristo também. Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando
um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos
temos bebido de um Espírito" [1Co 12:12-13]. Ora, o que o apóstolo está
relatando é que todos nós, como membros do Corpo de Cristo, fomos
batizados e temos bebido de um só Espírito. Isso acontece no momento em
que, reconhecendo a nossa condição pecaminosa e afrontadora a Deus,
considerando-nos seu inimigo e merecedores do castigo eterno, recebemos a
Cristo como Senhor e Salvador de nossas vidas, arrependendo-nos dos
pecados cometidos, reconciliando-nos com ele. É claro que nada disso é
possível sem a ação direta do Espírito Santo, o qual nos convence,
regenera e transforma a fim de sermos feitos filhos adotivos do Pai por
intermédio da obra redentiva e conciliadora do Filho. Logo, se o crente
já tem o Espírito, para que precisa buscá-lo novamente através de uma
"segunda bênção"?
Porém,
Paulo novamente diz que "há um só corpo e um só Espírito, como também
fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma
só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e
por todos e em todos vós" [Ef 4.4-6]. É possível alguma dúvida? Ou
claramente nos é revelado que há um batismo somente, e que o mesmo Deus
age em todos nós na mesma intensidade e proporção? Com isso não estou a
dizer que produziremos todos a mesma obra, da mesma maneira, mas também
não se pode dizer que tal obra ou dom é superior porque Deus está mais
evidente em um crente e não tão evidente em outro, ou está mais presente
em um e nem tanto em outro. Deus não pode, em sua essência, estar menos
ou mais em qualquer lugar, porque ele é uno, indiviso, completo, e ser
mais ou menos presente é simplesmente impossível para ele. Ou ele está
ou não está. Não há meio termo ou como fracioná-lo, pois ele não está
sujeito a variações nem é a soma de partes. E se somos templo do
Espírito Santo, o qual habita em todo o eleito [1Co 6.19], como esperar
que haja um novo batismo pelo mesmo Espírito?
Ainda
que se diga que a falta de um segundo batismo não representa
necessariamente a ausência do Consolador, é muito estranho supor que
seja preciso uma segunda ação divina onde a primeira não foi suficiente
para produzir os dons contingentes à segunda, ou seja, o que todos
deveriam receber em comum, na primeira.
Os
proponentes do segundo batismo apegam-se a uma interpretação equivocada
de Mateus 3.11, no qual João o Batista diz: "E eu, em verdade, vos
batizo com água, para o arrependimento, mas aquele que vem após mim é
mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele vos
batizará com o Espírito Santo, e com fogo". Segundo o que muitos
apreendem, Cristo batizará os seus com o Espírito, mas também com o
fogo. O problema é o que vem a ser esse "fogo"? A confusão começa quando
tentam relacionar esse trecho com Atos 1.5, onde Cristo diz: "Porque,
na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o
Espírito Santo, não muito depois destes dias", associando o fato de, no Pentecostes,
serem "vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais
pousaram sobre cada um deles" [At 2.3]. Uma interpretação simplista pode
levar a esse equívoco, porque eles se esquecem de citar o complemento
da fala de João o Batista: "Em sua mão [de Cristo] tem a pá, e limpará a
sua eira, e recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a palha com
fogo que nunca se apagará" [Mt 3.12]. O que lhes parece? João está a
falar de um segundo batismo ou de juízo? Não estaria João comparando a
obra de Cristo com a de um plantador de trigo?
Uma
análise, mesmo superficial, da fala de João mostra-nos que a inserção
de um "batismo de fogo" é algo completamente estranho ao texto.
Primeiramente, ele está batizando no rio Jordão, onde iam ter com ele
Jerusalém e toda a Judeia; e os batizados confessavam os seus pecados.
Em seguida, ele viu que muitos fariseus e saduceus vinham ao seu
batismo, o que lhe inflamou a dizer: "Raça de víboras, quem vos ensinou a
fugir da ira futura?" [Mt 3.7]. E o que seria a ira futura? Não estaria
falando do inferno, reservado para satanás, seus anjos e os réprobos,
"onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga" [Mc 9..4]? Em
seguida, ele diz que o machado está posto à raiz, e que toda a árvores
que não produz frutos será cortada e lançada no fogo do inferno. A mesma
imagem encontra-se presente na parábola do joio e do trigo, proposta
pelo Senhor, na qual ele tem a missão de separá-los, colhendo o
primeiro, atando-o em molhos e queimando-o [novamente temos o fogo como
símbolo de juízo], para, em seguida, ajuntar o trigo no seu celeiro [Mt
13.24-31].
João
está a dizer aos fariseus e saduceus que ele é aquele cuja missão
destina-se a apontar não para si mesmo, mas para Cristo. Diante da
pergunta dos judeus: "Quem és tu?" [Jo 1.19], ele confessou que não era o
Cristo, mas a voz do que clama no deserto. Inquirido novamente do
porquê batizava então, já que não era o Cristo, nem Elias, nem o
profeta, respondeu: "Eu batizo com água; mas no meio de vós está um a
quem vós não conheceis. Este é aquele que vem após mim, que é antes de
mim, do qual eu não sou digno de desatar a correia da alparca" [Jo
1.26-27].
Com
isso, qualquer inferência de que o "fogo" ao qual João evoca é uma
segunda forma de batismo, se torna estranha a toda a sua declaração. Ele
está, primeiramente, revelando aos fariseus a pessoa de Cristo e seu
ministério, e, em segundo lugar, alertando-os da ira futura que
sobreviria a eles, através do fogo, numa alusão evidente do juízo ao
qual eles estariam sujeitos, quando presumiam-se de si mesmos que eram
filhos de Abraão. O sentido de "filhos de Abraão" é essencialmente
espiritual, como o pai a quem Deus prometeu uma descendência, o próprio
Cristo, através do qual a sua família seria mais numerosa do que as
estrelas do céu e os grãos de areia na praia [Gn 22.17-18].
Cristo
é revelado por João como aquele que separará os bodes das ovelhas, o
joio do trigo, a árvore que dá frutos das que não dão. Qualquer
tentativa de fugir deste ensinamento é forçar o texto a dizer o que não
diz, e que João, divinamente inspirado, não disse.
Notas: 1) Aula realizada na EBD do Tabernáculo Batista Bíblico
2) Baixe o áudio desta aula em Aula 73 - Dons II.MP3