24 julho 2024

Prólogo ao livro "A Bula do Placebo"

 



Este é um livro que me trouxe um prazer diferente de escrever. A maioria das histórias foi publicada na Revista Bulunga, onde acabei desenvolvendo um senso, digamos, mais satírico e ácido, provavelmente mais risível também, e expus-me a experimentos pouco utilizados em meus trabalhos anteriores. Um dos aspectos mais estranhos, e que me deixava menos à vontade, é o que alcunhei de “espontaneidade imperativa”, ou seja, a necessidade de entregar no prazo o material para publicação. Revistas, jornais e outros periódicos não esperam os “insights” surgirem; antes, é preciso pôr a mão na massa, sem procrastinar e arrumar desculpas para não produzir o necessário.

Entre biografias, contos, crônicas e artigos variados, pude me dedicar às narrativas curtas e, ao menos para mim, o resultado foi, no geral, recompensador. Debaixo de uma gama de pseudônimos, pude “afastar-me” um pouco do “Isah” detalhista e quase perfeccionista e me tornar mais breve e condensado nas narrativas. Acredito ser possível, ao leitor que me acompanha, notar essas diferenças e compor um quadro mais completo do que os delineamentos desta análise.

Mudar o foco de temas mais intimistas para tratar de assuntos gerais e mundanos foi como um peso retirado dos ombros. Sempre gostei de relatos simples, não necessariamente ordinários ou pueris; e se me acusam, às vezes, de escrever esnobe e pretensiosamente, a verdade é: gosto de falar de pessoas e coisas comuns, sem me tornar frívolo e impessoal. Se a história e os personagens não me afetam, no sentido de carregá-los e eles a mim, ser íntimo e empático, de que valeria dedicar-me a eles?... Mesmo ao desejar matá-los, não raramente sou atormentado por suas lágrimas, angústias, risos e euforia. Sinto-os como aquele amigo indiscreto a contar um segredo embaraçoso, no meio de uma plateia de caçoístas... Apesar de tagarela, ainda continuará sendo amigo, desde que não abuse do atrevimento.





Como disse, a maioria das histórias de “A Bula do Placebo” (este seria o título de uma publicação na Bulunga, mas o amigo e editor, Michel Salomão, me fez reconsiderar a ideia e guardá-lo para um futuro livro) são fragmentos do dia a dia, sejam íntimos e pessoais ou gerais, mas, em boa parte, contraditórios e ridículos em sua naturalidade desfigurada. Estava a cogitar uma espécie de coletânea dos melhores textos, e já havia separado alguns, quando definitivamente resolvi arregaçar as mangas e iniciar o projeto.

Entretanto, três das histórias não foram escritas originalmente para a revista. São elas: “O cadáver que a chuva molha”,“À sombra de Mishima” e “Cão e alfarrábios”, escritas havia alguns anos e que passaram por pequenas e sutis alterações. Juntamente com “Post Scriptum”e “Os olhos de Ciclope”, são as mais longas e buriladas. Com isso, não estou a dizer que são as melhores ou piores, são o que são e o que sempre foram, dentro daquilo a assomar, atormentar, mas também alegrar o escritor: muitas vozes que devem e precisam ser ouvidas. Coube-me apenas e tão-somente registrá-las, já que, por si mesmas, elas falam com ternura, raiva, amor, ódio, se repetem e, raramente, se calam.

Pois o silêncio pode ensurdecer, especialmente a quem é capaz e deve ouvir.

Jorge F. Isah

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