06 agosto 2024

A volta dos mortos-vivos ou a dolce vita no inferno

 




Jorge F. Isah


Talvez você não saiba, ou sequer imagine, mas os faraós eram enterrados com suas joias e ouro, vestuários, esposas, servos, escravos e mais alguém ou algo que o falecido quisesse ter em seu reino celestial. Com isso, nada faltar-lhe-ia, inclusive aqueles para servi-lo, do outro lado. Muitos sacrifícios foram realizados pelos desejos, temores e cuidados faraônicas. O faraó Djer, por exemplo, filho do faraó Hórus Aha, governou o Egito na I Dinastia, entre 3.100 e 3.043 ac., aproximadamente, quando faleceu. Na sua tumba, em Umm el-Qa'ab, Abidos, foi enterrado com outras 318 pessoas. Não se sabe ao certo como eram realizadas as imolações, provavelmente por venenos ou drogas paralisantes.

Em nossos dias, se fosse dada a escolha de ser enterrado com o seu ídolo, quando morresse, o que você pensaria? “Mas essa é uma ideia estúpida”, diria um. “Não tem coisa mais sem cabimento”, diria outro. “O que você está insinuando com isso?”, outrem se pronunciaria. A verdade, contudo, é que muitos vão para os túmulos dos seus ídolos. Loucura? Asneira?... Não, é a verdade da qual o homem tem de se libertar, não importa quão importante ou quanta afinidade se tenha com ele ou eles.

Quando existe uma defesa intransigente e absoluta para com seus ídolos de estimação, muitas vezes cega e obcecada, seja um político, artista, clérigo, jogador de futebol e, pasmem!, bandido e salafrário, o que diria, por exemplo, um parente ou amigo? Que durante a sua vida não lhes revestiu do mesmo ardor e paixão? O que dirá a sua mãe, esposa/marido ou filhos quando o virem tomar “bênção” a um desconhecido? Ou espalhar pôsteres pelo seu quarto? Ou defendê-lo obstinadamente mesmo em seus caprichos, manias e defeitos?

Alguém pode dizer:

- Bem, mas não estaria apenas substituindo o ídolo desconhecido pelo ídolo conhecido, neste caso a mãe ou a esposa?

Normalmente não agimos levianamente com pessoas do nosso convívio, pelo contrário, estamos mais dispostos a criticá-los do que a nós mesmos. A questão é: você se dedica com a metade do empenho no relacionamento com os mais próximos da mesma maneira que se consagra ao ídolo? Qual a razão de dispender dinheiro, emoções, intelecto, e entregar a própria alma a um estranho que não o possa fazer a alguém realmente do seu trato e convívio?

- Me diga então, sabichão: você apenas admira e se simpatiza com seus correlatos? Ninguém fora do seu círculo merece a sua atenção? – Insistiria o interlocutor.

Não estou a falar de méritos, valor ou concordar com atitudes e seus promotores. Por exemplo, se alguém demonstra um ato de gentileza, prestando seja lá que tipo de ajuda, abonarei a atitude e o agente. Mas se esse indivíduo, em seguida, chuta um cão ou joga lixo na rua, não conceberei desculpas a fim de justificá-lo. Infelizmente, muitos agem assim, e para não serem paradoxais (ao menos não se sentirem como tal), criam os maiores sofismas e se fazem de hipócritas na tentativa de salvaguardarem-se a si mesmos preservando o seu ídolo.

- Mas todos erramos... Ninguém é perfeito...

Mais um motivo para não se ter ídolos e morrer abraçado a eles, não é!

E algo ainda pior: ter a consciência trancafiada a sete palmos, anos ou décadas antes de a “dolce vita” no inferno chamá-lo em definitivo.

Ah, e depois, os antigos egípcios é que são criticados...

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga


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