15 fevereiro 2024

Irmão Marx: três que valem por cinco

 



                 Os Irmãos Marx juntos com Charles Chaplin e Buster Keaton formam, provavelmente, o triunvirato do humor cinematográfico, os verdadeiros reis da comédia. Se Keaton era um ator excepcional e fazia rir sem mudar o menor traço em suas feições (o oposto dele seria Jerry Lewis, outro grande comediante), Chaplin era um mímico formidável, e The Brothers Marx  eram o verdadeiro caos, a babel instalada nos palcos e na tela, porém com uma precisão incrível. Todos vieram de famílias que trabalhavam no mundo do entretenimento, mais especificamente o gênero vaudeville (no Brasil, algo do tipo mambembe), cujos limites não estavam restritos à simples interpretação mas também afeito ao estilo circense, sendo, portanto, bastante popular na Europa e América, e incluía músicas, danças, animais treinados, acrobacias, mágicas, e tudo o que pudesse fazer a diversão dos espectadores, inclusive a comédia, certamente o ponto alto dos shows.

                Nesse ambiente os Irmãos Marx foram introduzidos, ou melhor, estavam inseridos, portanto nada mais natural foi seguir os passos da mãe e do tio (Abraham Elieser Adolf Schönberg que adotou o nome artístico Al Shean), e desenvolver habilidades para os palcos. Aprenderam música, tornaram-se instrumentistas, interpretes, eram palhaços, acrobatas, quase tudo apreendido de maneira intuitiva, assistindo a repetição exaustiva dos mais velhos, entregando-se ao exercício de imitar e reproduzir-lhes as performances, e assim aprimorar esses estilos.

                Nascidos em Nova York, filhos de imigrantes judeus (a mãe era alemã, de Dornum, Frísia Oriental, e chamava-se Minnie Schoenberg, e o pai, Samuel Marx, francês, de Mertzwiller, uma aldeiazinha na Alsácia), fizeram boa parte das apresentações do início de carreira na cidade, principalmente na região onde moravam, Upper East Side, bairro formado por imigrantes irlandeses, alemães e italianos.  Diz a lenda, que o pai, “Sam”, era melhor cozinheiro do que alfaiate, profissão que abraçou a fim de sustentar a família de forma regular, pois o teatro, cheio de altos e baixos, nem sempre era suficiente para custear as despesas.

                                

                                          Minnie Marx com os netos Maxine e Arthur                                   “Sam” Marx e os filhos Zeppo, Chico, Groucho e Harpo

                                                                                                                             
                                      Sam e Minnie tiveram seis filhos e uma filha adotiva. O primogênito, Manfred (Manny), morreu aos sete meses de enterocolite com astenia, em 1886. Os demais, em ordem cronológica, e a origem provável dos seus cognomes, foram:

                Chico nasceu Leonard Marx, em 22.03.1887, e existem duas hipóteses para o apelido. A primeira, por perseguir as “galinhas” ou garotas fáceis em seus tempos de adolescente. Então, nada mais simples do que chamá-lo de Chico (pronuncia-se Chick-o), derivado de “Chicken” em inglês. A segunda, se deve ao seu significado em italiano, garoto ou rapazinho. Muitos relatos dão conta de ser ele o preferido da matriarca, Minnie (na certa por vir após a morte de Manny), e geralmente causava ciúme em Groucho.

 


               Harpo nasceu Adolph Arthur Marx, em 23.11.1888. A origem do apelido é bem mais simples, pois vem do seu virtuosismo em tocar Harpa, que aprendeu sozinho, pois a família não dispunha de recursos para pagar um professor.



 Groucho nasceu Julius Henry Marx, 02.10.1890. Ele usava sempre uma bolsa dependurada ao pescoço, chamada de “grouch bag”, onde levava moedas e outras quinquilharias. Daí a origem do apelido.



 Gummo nasceu Milton Marx, em 23.10.1892. Seu apelido é mais simples e advém dele sempre estar mascando chicletes ou goma, “gum” em inglês. Alguns sugerem também ser pelo fato dele usar galochas de borracha.



 

                Zeppo nasceu Herbert Marx, em 25.02.1901. Consta que o apelido se deve à primeira viagem do dirigível Zeppelin à América coincidir com o seu nascimento.



                 Polly, a irmã mais velha, era uma prima que o casal Marx adotou desde a mais tenra idade, nascida em janeiro de 1885.

                 


                                                                                                  A família Marx nos primórdios em N.Y.

                         No início, estabeleceram-se como músicos, algo que os pais estimularam desde cedo. Minnie nutria o desejo de vê-los progredir e prosperar no teatro, e, quem sabe, alcançarem a fama e realização que lhe faltou como artista. Tratou logo de empresariá-los, promovendo-os em pequenos palcos e viagens pela América. Chico tocava piano como ninguém jamais tocara. Sua mãe lhe dava 5 cents semanais para o pagamento das aulas, mas ele os gastava em apostas, e acabariam por levá-lo à miséria, se não fosse a ajuda sistemática de Harpo e Groucho.  Harpo era exímio harpista, talentoso até mesmo para os moldes eruditos da época, e chegou a tocar bem mais outros cinco instrumentos. Groucho violonista e cantor. Em 1907, Groucho e Gummo apresentavam-se como cantores, ao lado de Mabel O’Donnel; formavam o “The Three Nightingales”. Um ano depois, Harpo se uniu ao grupo, sendo o quarto “rouxinol”. Em seguida, o grupo foi rebatizado para “The Six Mascots”, com a adesão da mãe Minnie e da tia Hannah, mas não durou muito. Entretanto, em 1912, quando se apresentavam em uma cidadezinha do Texas, foram interrompidos pelos gritos histéricos a respeito de uma mula. O público saiu para ver o que estava acontecendo. Groucho então, furibundo, quando a plateia retornou, fez comentários sarcásticos: “Aqui está cheio de baratas” e “o burro é a fina flor do Tex-burro”. Todos caíram em gargalhadas. A família percebeu a veia cômica e aumentou os quadros humorísticos, com o tempo, em suas exibições musicais. Estava aí a grande virada, e sacada, na carreira dos Marx.

                                                  Os “Seis Mascotes”                                                                                             O’Donnel e Groucho

Poster publicitário em que Harpo já se encontra integrado aos Nightingales

                   Por essa época, quando a comédia ganhou cada vez mais destaque nas apresentações musicais dos Marx, os seus personagens foram se aprimorando e ganhando as características a torná-los em grande sucesso, primeiro, nos teatros e cabarés e, por fim, na Broadway, depois as telas dos cinemas. Groucho começou a usar o bigode pintado toscamente e o andar curvado. Chico, sempre envolvido com garotas, brigões e jogos, desenvolveu seu personagem para um trambiqueiro incorrigível e detentor de um falso sotaque italiano. Harpo, optou pelo mutismo, adotou as buzinas e a mímica incomparável como forma de se expressar. Curioso notar o fato de Harpo decidir não falar mais porque suas falas não faziam sucesso nos palcos.  E o caminho, não tão óbvio mas sábio, foi o mutismo. Zeppo era o galã, o mocinho a encantar as donzelas, servindo de “escada” para os demais irmãos. Ele substituiu Gummo na trupe quando eclodiu a I Grande Guerra, e Gummo foi chamado a servir no exército. Na verdade, detestava atuar e considerava qualquer coisa, até ir para o front, melhor.  Pode se ver, portanto, que muitas das características dos personagens se assentavam em suas personalidades e traços peculiares.

                                 Em 1920 eles haviam se tornado célebres no teatro americano, por conta do humor ácido, perspicaz e singular, ao mesmo tempo esquisito e original. Sob a batuta de Chico e Groucho, que gerenciavam toda a parte artística dos espetáculos, enquanto Minnie cuidava de agenciá-los e promovê-los, rapidamente se tornaram estrelas na Broadway. Minnie, para não ser associada à mãe da trupe, alterou o nome para “Minnie Palmer” e assim enganar quem os pudesse contratar. Daí para o cinema, foi um passo. O primeiro contrato veio com os estúdios Paramount, onde ficaram de 1929 a 1933, realizando cinco filmes. O primeiro deles foi “Cocoanuts” (Hotel da Fuzarca), e o último “Diabo a Quatro” (Duck Soup), sendo considerado o melhor dessa fase. Zeppo deixaria o grupo disposto e não mais atuar, assim como o irmão Gummo, e ambos criaram uma das maiores agências de talentos da época, em Hollywood.

 

            Pelas mãos do produtor Irving Thalberg, com quem Chico jogava cartas todas as noites, se transferiram para a MGM, e acrescentaram ao seu humor anárquico, a pedido de Thalberg, uma forte estrutura narrativa, a torná-los mais simpáticos. Em meio à comédia, mesclaram tramas românticas, números musicais sérios, e o embate com vilões óbvios, tornando-os mais acessíveis ao público acostumado à dicotomia em outros artistas da época.

                                                                         Foto dos Irmãos Marx ainda como quarteto


 Dessa época são: Uma noite na Ópera (A Night At The Opera, de 1935) e Um Dia nas Corridas (A Day at the Races, de 1937), películas onde a produção conseguiu explorar as muitas habilidades dos três irmãos, arrancando risadas incontroláveis das plateias mundo afora. Foi durante as filmagens do último que uma tragédia se abateu sobre os Marx: Thalberg morreu de pneumonia, em 1936, e a parceria foi subitamente interrompida. Groucho foi categórico ao dizer que os dois melhores filmes realizados por eles foram sob a batuta de Thalberg. Em 1937, saíram da MGM e foram para RKO.

 

                                                                                                     Thalberg com The Brothers Marx

 A curta passagem pelo novo estúdio resultou em um único filme, “Room Service”, de 1938, quando retornaram à MGM para mais três filmes:  At the Circus (1939), Go West (1940) e The Big Store (1941). Neste último, Chico e Harpo sentaram-se ao piano e interpretaram “Mamãe eu Quero”, sucesso brasileiro de 1937, composta por Vicente Paiva e Jararaca, tornada mundialmente conhecida pelas mãos (e voz) de Carmen Miranda.

 

                                                                                Cena de “Room Service”, da RKO

 Antes do lançamento do último filme, os irmãos anunciaram que o grupo se dissolveria e estavam abandonando as telas. Entretanto, em 1945, devido aos constantes e sérios problemas financeiros de Chico, proveniente de dívidas de jogo, os dois remanescentes foram convencidos a filmar novamente. Assinaram com a United Artists: Uma Noite em Casablanca (1946) e Loucos de Amor (1949), quando definitivamente aposentaram a trupe.

Nos anos seguintes, fizeram aparições individualmente e em duplas, nos teatros, cassinos, rádio e eventualmente na TV. Groucho firmou-se como apresentador do programa You Bet your Life, até o início dos anos 1960.

Eles não atingiram a fama de Chaplin, Stan e Laurel ou dos Três Patetas, mas certamente influenciaram e inovaram as comédias, com um jeito despojado, fora dos padrões da época, as vezes ingênuo mas nunca inocente. Fizeram rir multidões, e ainda fazem. Influenciaram gerações e gerações de comediantes que não se cansavam de citá-los como referência, de Woody Allen a Mel Brooks, de John Cleese aos Monty Python, passando por Alan Alda e Elliot Gould, David Zucker e Jim Abrahans.

Não vale a pena deixar as datas de suas mortes pois Os Irmãos Marx, em sua singularidade, são eternos. E as provas estão aí: pode-se assistir as suas comédias na Tv, ou comprar boxes de seus filmes digitalizados, até mesmo em Blu-Ray.

Aprecie, sem moderação!


 Da esquerda para a direita: Harpo, Zeppo, Chico, Groucho e Gummo. Foto sem data. Provavelmente em fins dos anos 1950.

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Frases de Groucho Marx


“Não entro para clubes que me aceitam como sócio.“

“Eu nunca esqueço uma cara, mas no teu caso ficarei satisfeito em abrir uma excepção.“

“A sinceridade e a honestidade são as chaves do sucesso. Se puderes falsificá-las, estás garantido.“

“Acho a televisão muito educativa. Toda as vezes que alguém liga o aparelho, vou para outra sala e leio um livro.“

“A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em todos os lados, diagnosticá-los incorretamente e aplicar as piores soluções.“

“Eu pretendo viver para sempre, ou morrer tentando.“

“Se acredito na vida após a morte? Não sei nem se acredito na vida antes da morte! Acho que acredito na morte durante a vida“

“Eu tenho princípios. Se você não gosta desses, eu tenho outros.“

“A filosofia é a ciência que nos ensina a ser infelizes da maneira mais inteligente.“

“Há muitas coisas na vida mais importantes que o dinheiro, mas custam tanto…“

“Eu não posso dizer que não discordo de você.“

“As noivas modernas preferem conservar os buquês e jogar fora seus maridos.“

“O humor é a razão a enlouquecer.“

“Nenhum homem desaparece antes do seu tempo - a não ser que o seu chefe saia primeiro.“

“Você prefere acreditar em mim ou em seus próprios olhos?”

“Eu não sou vegetariano, mas como animais que são.”

“Entre uma mulher e um charuto, escolherei sempre o charuto.”

“Foi um juiz que me casou. Eu deveria ter pedido um júri.”

“Ele pode parecer um idiota e até agir como um idiota, mas não se deixe enganar: é mesmo um idiota!”

“Eu quero ser cremado. Um décimo das minhas cinzas devem ser dadas ao meu agente, assim como está escrito em nosso contrato.”

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

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