02 março 2019

O Demônio na Cidade Branca





Jorge F. Isah


   Foi o primeiro livro de Erik Larson que li. A impressão, no geral, foi boa, pois ele descreve em detalhes os eventos históricos da "Grande Feira Mundial de Chicago", em 1893, concomitantemente com os ataques do primeiro serial killer americano, H.H. Homes, na mesma Chicago, e na mesma época.
  
  Primeiramente, ressalto a profusão de citações, a extensa bibliografia apontada, e fotografias que me pareceram oriundas de um trabalho historiógrafo dispendioso, acurado e detalhista. 

  Em segundo lugar, a narrativa se assemelha muito com os romances-históricos, em voga nas últimas décadas. A diferença é que a obra se mostra claramente histórica, mas escrita em uma linguagem cativante, simples, íntima, onde as várias fases da feira (e da vida de seus realizadores), e de Holmes, se intercalam, favorecendo a leitura, tornando-a leve, didática, e mantendo um certo clima de suspense “noir”. Podemos encontrar as lutas, desejos, frustrações, rivalidades, cooperação, traições, e tudo o mais que se pode ler em qualquer drama. Com isto, não estou dizendo que Larson desejou escrever um romance, não o é, ainda que se assemelhe em muitos pontos. Entretanto, ele se utilizou da linguagem "romancesca" para trazer leveza e criar empatia com o leitor. Ponto para ele. 

   Ao traçar um paralelo entre a Feira, Holmes e seus crimes, faz com que coisas diametralmente díspares, como a criação de um evento suntuoso e monumental, de caráter e apelo global, com a destruição provocada pelo “gênio” diabólico de Holmes. Alguém pode dizer que, em algum aspecto, o Serial Killer também era um criador, ao planejar e pôr em prática seus projetos criminosos. Bem, não entendo assim, e reputo Holmes como um homem com algumas habilidades e magnetismo pessoal, mas apenas usando-os para a destruição, inclusive pessoal; e se para destruir é necessário "criar" algo, essa criação não passa de meios para a destruição, e não pode ser incluída no rol daqueles que constroem a beleza do nada, como é o caso dos grandes arquitetos David Burnham e F. L. Olmsted, entre outros, os gênios por trás da Feira de Chicago.

   Se imaginarmos que a Feira abriu espaço para as maiores inovações tecnológicas, muitas das quais se tornariam imprescindíveis na sociedade moderna, como a eletricidade; tubos de vácuo elétricos iluminados por correntes sem fio; o telautógrafo (uma espécie de fax-simile primitivo); esteiras rolantes; o rádio e transmissões por ondas elétricas; equipamentos sonoros elétricos; a roda-gigante (criada para rivalizar com a Torre Eiffel, a principal atração da Feira de Paris, em 1889); cientistas ilustres como Tesla, Edison, Bell, Gray; mais de 2 km quadrados de área iluminada, com réplica monumental de pirâmide, transatlântico, colunas grego-romanas, tudo abarcado com o que de mais inovador e futurista a eletricidade poderia embarcar e proporcionar à época, temos um evento monumental e fascinante. 

   Os visitantes das mais de 200 instalações se deslumbraram com a gigantesca, inusitada e profética demonstração do que viria a acontecer nas próximas décadas, em termos tecnológicos, e a beleza incomum que os idealizadores da Feira ergueram e revelaram ao mundo. Chicago foi, durante a Feira Mundial, a antevisão do futuro naquele presente. 

  Portanto, não dá para dizer o mesmo de Holmes, um psicopata, frio, dissimulado e covarde (inspirador de outros tantos malignos homens). Holmes era a antítese de Burnham e seus colegas; e, certamente por isso, Larson colocou-os lado a lado na narrativa; como uma amostra ou lembrança, ou melhor, um alerta, de que se existe criatividade construtiva, existe o labor para o mal e a deficiência. Neste sentido, Holmes foi um "criador" incompleto, negativo, cruel, fraco. Sem forças e talento para produzir o bem, contentou-se em destruir; e, durante o seu julgamento, tentou se passar por vítima, utilizando-se do delírio intelectual (presente em muitos acadêmicos e cientistas modernos), a fim de suprimir a realidade, distorcendo-a, na vã tentativa de enganar, se possível, alguns quanto à sua verdadeira imagem: um homem maldito, desgraçado!

   Larson poderia ter reduzido em algumas dezenas de páginas a sua história, talvez não se entregando tanto a detalhes técnicos mais pormenorizados. Entendo, contudo, que lhe pareceu necessário, a fim de se poder aquilatar, um século depois, a grandiosidade e dispêndio criativo, econômico e de esforço, a fim de construir a Feira das feiras, a World’s Columbian Exposition, revelando a genialidade e o empreendedorismo humano.

   Quanto a Holmes, aproveitando-se da ingenuidade e boa-fé das pessoas, utilizando-se do seu carisma para torturar e assassinar gente comum, colocou-o no rol dos maiores infames da humanidade e da história. De forma que, em meio ao brilho inventivo da arquitetura, física, engenharia, e tantos obstáculos ultrapassados pela engenhosidade humana, temos a figura nefasta e torpe do primeiro serial killer e sua odiosa, e não menos feia e aterradora, "criação", fazendo jus ao título do livro. 

Recomendado.


                                       ******

ESPECIFICAÇÕES: 

Título: O Demônio na Cidade Branca
Autor: Erik Larson
Editora Intrínseca
448 Páginas
Avaliação: ***


SINOPSE DA EDITORA: 

"No final do século XIX os Estados Unidos eram uma nação jovem e orgulhosa, ávida por afirmar seu lugar entre as maiores potências mundiais. Nesse contexto, a Feira de Chicago de 1893 teve papel fundamental: com o objetivo de apresentar a maior e mais impressionante exposição de inovações científicas e tecnológicas já idealizada, coube ao arquiteto Daniel Burnham, famoso por projetar alguns dos edifícios mais conhecidos do mundo, a difícil tarefa de transformar uma área desolada em um lugar de magnífica beleza: a Cidade Branca. Reunindo as mais importantes mentes da época, Burnham enfrentou o mau clima, tragédias e o tempo escasso para construir a enorme estrutura da feira. 

A poucas quadras dali, outro homem igualmente determinado, H. H. Holmes, estava às voltas com mais uma obra grandiosa, um prédio estranho e complexo. Nomeado Hotel da Feira Mundial, o lugar era na verdade um palácio de tortura, para o qual Holmes atraiu dezenas, talvez centenas de pessoas. Autor de crimes inimagináveis, ele ficou conhecido como possivelmente o primeiro serial killer da história americana.

Separados, os feitos de Burnham e Holmes são fascinantes por si só. Examinadas juntas, porém, suas histórias se tornam ainda mais impressionantes e oferecem uma poderosa metáfora das forças opostas que fizeram do século XX ao mesmo tempo um período de avanços monumentais e de crueldades imensuráveis.

Combinando uma pesquisa meticulosa com a narrativa envolvente que lhe é característica, Erik Larson escreveu um suspense arrebatador, que se torna ainda mais assustador por retratar acontecimentos reais.

Premiado com um Edgar Award e finalista do National Book Award, O demônio na Cidade Branca foi publicado pela primeira vez no Brasil em 2005 e agora é relançado pela Intrínseca.

Os direitos cinematográficos do livro foram adquiridos por Leonardo DiCaprio, que divulgou planos de interpretar ele próprio o assassino H. H. Holmes."

“Uma história real mais bizarra do que qualquer obra de ficção.” The New York Times


















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