Por Jorge Fernandes
Todos conhecem a história de Balaão. Eu mesmo li-a por três ou quatro vezes, e sempre me encucava o porque do "pobre" profeta ser tão tripudiado por alguns pastores e teólogos. Ao revisar o texto bíblico, parecia-me que além de profeta ele era um homem temente e que obedecia a Deus em tudo. Então, não entendia porque Pedro e Judas, por exemplo, pintavam-no como maldito. Era-me um enigma.
Esta semana, deparei-me novamente com Balaão e Balaque. E mais uma vez, me vi questionando a sua má reputação sem entendê-la, e sem que fizesse sentido tanta aversão ao "adivinho" (a alcunha utilizada em Js 13.22 já é suficiente para justificar a sua má fama). Sabia que havia uma razão para a Bíblia abominá-lo, e de que não poderia existir nenhuma contradição entre as várias passagens que o reputavam como impostor, um falso profeta, em contraste com o texto de Números, no qual via uma aparente obediência. Antes sabia que a minha falta de entendimento era evidente, e o problema estava aí.
Desta vez não interrompi a investigação, orei e procurei o auxílio de um irmão e amigo da igreja*, antes do culto de domingo à noite, e relemos Números 22, 23 e 24. Como disse, sabia que o problema não era com a Escritura mas comigo, e não conseguia perceber onde estava o meu erro. Balaão me parecia espiritual e sincero quando dizia: "Ainda que Balaque me desse a sua casa cheia de prata e de ouro, eu não poderia ir além da ordem do Senhor meu Deus, para fazer coisa pequena ou grande" (Nm 22.18); e obediente quando Deus mandou-o ir com os moabitas, e ele foi (Nm 22.20-21; 35). Queria vê-lo como um profeta divino; e o próprio Senhor parecia querer me confundir, pois falava por meio dele, dirigindo-se pessoalmente (Nm 23.5; 18-24; 24.4-9). Então, o que havia de errado com Balaão? Ou comigo?
Abre parênteses: A interpretação bíblica pode ser influenciada por falsas premissas, ou mesmo pelo descuido ou falha de avaliação de um versículo (a leitura errada, por exemplo, resultará em mal-entendido). É fundamental que se tenha muito cuidado e que, sobretudo, ao analisar determinado trecho o façamos à luz dos demais textos bíblicos correlatos, a fim de se descobrir a incorreção. No meu caso, tinha certeza da infalibilidade e inerrância escriturística, e de que o problema era com a minha interpretação equivocada. Especificamente, um versículo passou-me desapercebido, e o descuido comprometeu todo o sentido do que eu lia, e daquilo que Deus queria me revelar. Fecha parênteses. Vamos à história: Balaque, rei dos moabitas, viu aproximar-se a nação de Israel, e temeu, porque o povo de Deus era numeroso e forte, destruindo todos os inimigos que se punham em seu caminho. Balaque viu a destruição dos amorreus por Israel, e receou que o mesmo ocorresse com Moabe (Nm 22.2-3). Por isso, mandou emissários chamar o profeta Balaão, a fim de que amaldiçoasse Israel, e assim pudesse derrotar os invasores na guerra inevitável. Prometeu recompensá-lo grandemente caso cumprisse a sua ordem. "Então foram-se os anciãos dos moabitas e os anciãos dos midianistas com o preço dos encantamentos nas suas mãos" (Nm 22.7).
Balaão não pareceu seduzido pelo tesouro de Balaque (tática que muitas vezes o pecador usa para apropriar-se do pecado), contudo mandou que os emissários ficassem consigo enquanto consultava o Senhor para dar-lhes a resposta. E Deus respondeu-lhe: "Não irás com eles, nem amaldiçoarás a este povo, porquanto é bendito" (Nm 22.12). Este é o versículo chave, ao qual não dei a devida importância e reflete, em todo o contexto, a natureza de Deus: de que a Sua vontade é imutável (Ml 3.6; Tg 1.17), mesmo com os homens insistindo obstinadamente na desobediência, "a fim de encherem sempre a medida de seus pecados" (1Ts 2.16). Os príncipies retornaram a Balaque com a notícia da recusa de Balaão. "Porém Balaque tornou a enviar mais princípes, mais honrados do que aqueles. Os quais foram a Balaão" (Nm 22.15-16).
O profeta recebeu-os novamente, ouviu a promessa do rei de que o honraria grandemente, e faria tudo o que dissesse, desde que amaldiçoasse o povo de Israel (Nm 22.17). Então, ele rogou para que os príncipes permanecessem até que consultasse a Deus, outra vez (Nm 22.19). Por que Balaão buscou um novo parecer de Deus? Não lhe bastava a palavra proferida anteriormente? Deus não lhe respondera incontestavelmente? A Sua ordem não era indubitável? Porém Balaão estava seduzido pela oferta, pela promessa de riqueza e poder. É o que Judas nos diz: "e foram levados pelo engano do prêmio de Balaão" (Jd 11). Ele não queria obedecer a Deus, pelo contrário, achava que poderia demovê-lO da idéia de abençoar Israel, e assim Deus o autorizaria a amaldiçoá-los, e se encheria com os tesouros de Balaque.
Consultado novamente, Deus mandou-o ir com eles (Nm 22.20); e "Balaão levantou-se pela manhã, e albardou a sua jumenta, e foi com os príncipes de Moabe" (Nm 22.21), "e a ira de Deus acendeu-se, porque ele se ia" (Nm 22.22). À primeira vista, não parece injusta a ira de Deus? Balaão não fez exatamente aquilo que o Senhor mandou? Não é assim que muitos de nós, querendo o pecado, buscando o pecado, alimentando-o sequiosamente, esperamos que Deus consinta com ele? E endosse a desobediência?... A afronta à santidade de Deus, aquilo que lhe é contrário, provoca a Sua ira, "porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça" (Rm 1.18); e "ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência" (Ef 5.6). Ora, Balaão, como muitos de nós, foi seduzido pelo pecado, pela revolta, ainda que o próprio Deus tenha-o alertado a não proceder assim; como se houvesse alguma possibilidade de se mudar a vontade divina, ainda mais motivado pela corrupção do coração humano. O que se viu, foi o desagravo de Deus à rebeldia do profeta e à obstinação cada vez maior de Balaão em desobedecê-lO.
Até mesmo uma jumenta reconheceu o que Balaão não foi capaz: o perigo da teimosia, de se perseverar no pecado: "O anjo do Senhor pôs-se-lhe no caminho por adversário; e ele ia caminhando... viu, pois, a jumenta o anjo do Senhor, que estava no caminho, com a sua espada desembainhada na mão; pelo que desviou-se a jumenta do caminho... então Balaão espancou a jumenta para fazê-la TORNAR AO CAMINHO" (Nm 22.23; grifo meu). Balaão estava cegado pelo desejo pecaminoso, a ponto de não ver os "sinais" da sua insubordinação, persistindo no engano; e a cada desvio da jumenta, ele respondia negativamente irando-se contra o animal, espancando-o, e retomando ao caminho erradio (Nm 22.25); até que o anjo do Senhor "pôs-se num lugar estreito, onde não havia caminho para se desviar nem para a direita nem para a esquerda. E vendo a jumenta o anjo do Senhor, deitou-se debaixo de Balaão" (Nm 22. 26-27).
É assim que muitas vezes agimos, lutando contra Deus, desrespeitando a Sua palavra, ainda que o Senhor nos exorte a abandonar o caminho de morte, nos revelando o caminho da vida, o qual teimosamente rejeitamos. E como o falso profeta, muitos julgam-se avalizados por Deus ao verem o seu desejo pecaminoso realizar-se, sem saber que "Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm" (Rm 1.28), enchendo ainda mais as próprias medidas de iniquidade.
Balaão teve os olhos abertos, e viu o anjo do Senhor e a sua espada desembainhada na mão; "pelo que inclinou a cabeça, e prostrou-se sobre a sua face" (Nm 22.31). Apesar da aparente reverência a Deus (aqui o anjo do Senhor é Cristo, a segunda pessoa da Trindade Santa) temos de entender que o Senhor se agradará de nós apenas naquilo em que formos obedientes*. O profeta curvou-se fisicamente, mas o seu espírito encontrava-se empedernido pelo pecado. O que nos leva a refletir sobre se na verdade as nossas atitudes estão em conformidade com aquilo que está posto em nosso coração. Como o Senhor disse: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" (Mc 7.6).É assim que muitas vezes agimos, lutando contra Deus, desrespeitando a Sua palavra, ainda que o Senhor nos exorte a abandonar o caminho de morte, nos revelando o caminho da vida, o qual teimosamente rejeitamos. E como o falso profeta, muitos julgam-se avalizados por Deus ao verem o seu desejo pecaminoso realizar-se, sem saber que "Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm" (Rm 1.28), enchendo ainda mais as próprias medidas de iniquidade.
Balaão prostrou-se numa atitude semelhante a adoração, porém o seu comportamento subsequente demonstrou a intenção e disposição em resistir à vontade de Deus, em levar a cabo o seu plano injusto.
Quando a Palavra é repelida, não há lugar para Deus em nosso coração, mesmo que se tente compensá-la com toda a sorte de manifestações procedentes da mente caída do homem (como a religiosidade, tradição e subterfúgios criados unicamente para a satisfação pessoal), restará apenas a ira de Deus, e somente o arrependimento sincero pelo sangue de Cristo derramado na cruz do Cálvário poderá aplacá-la.
Esse não foi o caso de Balaão. Após curvar-se diante do anjo do Senhor, e ouvi-lO dizer que saiu como seu adversário pois seu caminho era perverso diante de Deus (Nm 22.32), Balaão assumiu ter pecado (o assumir é uma constatação, uma demonstração exterior, não representando necessariamente arrependimento), contudo, sem disposição de abandoná-lo, mas anelando-o como a um bem precioso, na incapacidade de abortar o seu intento. Ele insistiu em seu plano, mesmo reconhecendo que desobedecera a Deus e, num descaramento inominável, disse: "e agora, se parece mal aos teus olhos, voltarei" (Nm 22.34).
Balaão é o protótipo do "cara-de-pau", sempre com a mesma atitude relutante, inflexível, dissimulada, de fazer cumprir aquilo que lhe é mais estimado, de menosprezar os alerta, as advertências com que o Senhor anunciou a sua transgressão, assumindo o risco de morte, a separação eterna de Deus, pois "na verdade o rebelde não busca senão o mal; afinal, um mensageiro cruel será enviado contra ele" (Pv 17.11). Esse não foi o caso de Balaão. Após curvar-se diante do anjo do Senhor, e ouvi-lO dizer que saiu como seu adversário pois seu caminho era perverso diante de Deus (Nm 22.32), Balaão assumiu ter pecado (o assumir é uma constatação, uma demonstração exterior, não representando necessariamente arrependimento), contudo, sem disposição de abandoná-lo, mas anelando-o como a um bem precioso, na incapacidade de abortar o seu intento. Ele insistiu em seu plano, mesmo reconhecendo que desobedecera a Deus e, num descaramento inominável, disse: "e agora, se parece mal aos teus olhos, voltarei" (Nm 22.34).
E Deus, o que fez? Entregou Balaão à sua sanha injusta, à sua própria corrupção e destruição: "Vai-te com estes homens"; e ele foi a Balaque (Nm 22.35).
Em resumo: Deus usou Balaão para abençoar Israel, o que fez irromper a ira de Balaque sobre o profeta; e a cada nova recusa do Senhor em amaldiçoar o Seu povo, Balaão utilizava-se da "técnica" de erigir um altar, sacrificar em adoração (são erguidos dezenas de altares, e mortos outras dezenas de novilhos e carneiros, em vão), a fim de que Deus cedesse ao pedido do rei de Moabe. Como está escrito: "Certo é que Deus não ouvirá a vaidade, nem atentará para ela o Todo-Poderoso" (Jó 35.13).Se há um tolo, esse foi Balaão. Como pode o mortal influenciar o Eterno? Pode a criatura dizer ao Criador "por que me fizeste assim?" (Rm 9.20). Deus está condicionado à vontade do homem, ou é sempre o homem que estará subjugado à vontade de Deus? Resta-nos a convicção de Jó: "mas agora te vêem os meus olhos. Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza" (Jó 42.5-6).
Por fim, Balaão não pôde amaldiçoar Israel; mas conforme o seu coração ímpio, usando de outro estratagema, de uma prática sutil, desferiu um novo golpe (provavelmente para obter os favores de Balaque): levou os israelitas a pecarem contra Deus, comendo dos sacrifícios da idolatria, e fornicando com as moabitas. Interessante que o Senhor chama essa maneira de proceder de "doutrina de Balaão, o qual ENSINAVA Balaque a lançar tropeços diante dos filhos de Israel" (Ap 2.14; grifo meu).
Muitos são instruídos em princípios antibíblicos, a aplicar doutrinas alheias à Palavra, assim como o povo de Israel foi seduzido ao pecado, e pelo pecado. Contudo, o fim do perverso é cair em seus caminhos (Pv 28.18), enlaçar-se nas obras de suas mãos (Sl 9.16), ser preso pelas suas iniqüidades, e detido com as cordas do seu pecado (Pv 5.22), sendo-lhes por prêmio a morte.
Balaão foi abatido à espada (como Balaque e seus príncipes), morto pelos filhos de Israel, como o Senhor ordenara, assim como acometará a todos aqueles que persistem na desobediência. Eis aqui o relato de um falso profeta, de um homem perverso, cujo coração não havia espaço para a sincera adoração e serviço a Deus, o que, contudo, não impediu o Senhor de utilizá-lo como instrumento para que se cumprisse a Sua vontade, usando-o como mensageiro para que a justiça alcançasse Moabe e Midiã. Oremos para que em nosso coração não haja engano, nem deixemo-nos ludibriar por pessoas, práticas e doutrinas antibíblicas, ainda que envoltas em pretensa piedade, sabedoria e sujeição a Deus, mas que são antíteses ao Evangelho de Cristo, nas quais não há salvação, apenas morte.
* O irmão e amigo pediu-me para não citá-lo, mantendo-o anônimo, mas agradeço a Deus o muito que ele auxiliou-me no entendimento da passagem.
* A obediência por si só não nos aproxima de Deus, mas ela é o reflexo da graça divina operada em nós através do sacrifício de Cristo. Há muitos cristãos que desprezam a obediência e os mandamentos do Senhor (antinominianismo), mas esquecem-se de que a graça que opera a salvação no pecador também opera o novo-nascimento e a transformação de nossa mente carnal na mente de Cristo, e os frutos são obras para a glória de Deus. Portanto, o desejo de cumprir os princípios bíblicos afastar-nos-á do pecado, aproximando-nos de Deus.
* O irmão e amigo pediu-me para não citá-lo, mantendo-o anônimo, mas agradeço a Deus o muito que ele auxiliou-me no entendimento da passagem.
* A obediência por si só não nos aproxima de Deus, mas ela é o reflexo da graça divina operada em nós através do sacrifício de Cristo. Há muitos cristãos que desprezam a obediência e os mandamentos do Senhor (antinominianismo), mas esquecem-se de que a graça que opera a salvação no pecador também opera o novo-nascimento e a transformação de nossa mente carnal na mente de Cristo, e os frutos são obras para a glória de Deus. Portanto, o desejo de cumprir os princípios bíblicos afastar-nos-á do pecado, aproximando-nos de Deus.