Por Jorge Fernandes
Como adepto do existencialismo, vivi três meses de completa rejeição à idéia de Deus. Lá pelos meus dezenove anos, após “desviar-me” da igreja batista à qual era membro desde os dezesseis, vi-me seduzido pelo mundo, pela liberdade do mundo (livre para a devassidão), pela imoralidade, e o prazer carnal que ela trazia. A idéia de Deus que eu ouvira nas pregações, leituras bíblicas, e do testemunho de crentes fiéis não podia conviver com o meu novo estilo de vida, portanto, a primeira coisa a fazer era “matar” Deus, para não ter a consciência afligida, nem ninguém a cobrá-la.
E o que no princípio tornou-se uma festança, esbaldando-me em cada esquina, leviana e dissolutamente, foi dando lugar à dor, ao vazio e a desesperança. A mente, ao insurgir-se contra Deus, somente é capaz de ferir-se... desiludida, confusa, colide-se com o natural, e não é capaz de encontrar alívio em mais nada, apenas na própria dor. A mente flagela-se, dilacera-se, esmaga-se, não se aceita; incapaz de curvar-se, engendra saltos ainda mais profundos, e o que lhe resta é a própria autodestruição. O suicídio torna-se o alívio derradeiro: a suprema escolha ilógica do indivíduo, porque viver é por demais desalentador, é um esforço sobre-humano.
Como não há verdade objetiva nem absoluta, o existencialista sofre, angustia-se, revolve-se na existência frouxa da paixão, que, maquinalmente, o mergulha no poço da incerteza, ou na fuga à nulidade, à completa ignorância de si mesmo, do seu semelhante e do mundo.
Via-me como os personagens dos desenhos Looney Tunes que, invariavelmente, precipitavam-se no abismo ao serem perseguidos ou ao perseguirem alguém. Sequer percebiam o chão fugir-lhes sob os pés, e quando davam por si, estavam em queda-livre, de encontro à realidade, dura como o chão era para o Coiote, e quebravam a cara. A perseguição do Coiote ao ingênuo mas rápido Bip-Bip era irreal. Porém, o existencialismo despreza os outros, ridicularizá-os, ri-se deles enquanto chora convulsivamente diante do espelho... sem esperança... é patético.
Mesmo envolto em trevas, não me foi possível suportar o ateísmo [também os demônios crêem que há um só Deus, e estremecem (Tg 2.19)]. Porém, eu não queria abrir mão da imoralidade, da pretensa liberdade que me levava, única e exclusivamente, ao pecado, e a sugestionar e induzir outros incautos ao pecado [alguns nem tão incautos... outros, apenas a esperar um empurrãozinho]. Então, adeqüei-me ao deísmo, a idéia de que Deus não estava nem aí para a sua criação; como afirmei tolamente inúmeras vezes: “Deus fica no céu, e eu aqui! Ele não me incomoda, eu não mexo com Ele!”. Era o cúmulo da arrogância, da blasfêmia, da rebeldia contra Deus. Era a minha natureza caída opondo-se desavergonhadamente a Ele... Menos de um ano após a minha saída da igreja, eu acreditava em um deus impessoal, não cria no diabo, nem no inferno, e sentia-me confortado em saber que, no fim das contas, esse deus salvaria a todos, não condenaria ninguém, e que haveria um paraíso, mesmo eu sendo o que era, fazendo o que fazia. Mas esse aparente conforto não trouxe paz, porque a verdadeira paz, a paz interior, somente Cristo é capaz de propiciá-la [Jo 14.27]. Pelo contrário, quanto mais eu tentava fugir da idéia da morte, mais era atacado por ela, e as noites só eram possíveis após doses cavalares de álcool. De certa forma, mantinha-me anestesiado à noite, e anestesiava-me durante o dia, na espera da tarde chegar, e poder enfim embriagar-me novamente.
O que ficou claro nesses vinte anos, é que a aparente trégua entre mim e Deus não me trouxe tranqüilidade. Ao manter a distância, afastando-me mais e mais d’Ele, sobreveio-me uma dor crônica, infligindo-me tormentos, abrindo feridas que não foram curadas, mesmo com todos os paliativos filosóficos, estéticos e sentimentais administrados. Coube-me buscá-los, aplicá-los, desfrutar de momentâneo alento, e rejeitá-los por sua ineficiência... são quando as frustrações tornam o viver um flagelo, algo insuportável. O tempo passa, os métodos também, e ao olhar-se para si mesmo, vê-se apenas o fracasso. Então, a morte que fustigava, revela-se como a amiga mais próxima, aquela que nos revelará exatamente o que somos, da maneira mais temível, dura e impiedosa: “és pó e em pó te tornarás” [Gn 3.19]. Segue-se a loucura as vezes, a apatia as vezes, a irresponsabilidade, ou a negação outras vezes... como se possível fosse abandonar a vida, apagá-la completamente, como se jamais tivesse existido.
Então, quando tudo parecia perdido, Deus, do qual mantínhamos uma grande distância, encurta-a, aproximando-nos d’Ele. Não há como explicar... Imediatamente, somos içados do fundo do abismo. Instantaneamente, toda a treva se faz luz; toda tormenta se torna em bonança; toda aflição se torna em alegria... uma alegria inconcebível e surpreendente, tão magnífica que nos lança ao chão, e de joelhos, choramos o arrependimento pela rebeldia, pela afronta à santidade de Deus, clamando pelo Seu perdão. Cristo, o justo que morreu pelos injustos, para levar-nos a Deus [1Pe 3.18], é a fonte de toda essa transformação. Num átimo, sabemos o que somos; sabemos quem é Deus, e o que Ele começa a promover em nós pelo poder regenerador do Espírito Santo: antes mortos, agora vivos! Antes, andando segundo o curso deste mundo, em ofensas e pecados, éramos filhos da desobediência [Ef 2.2]; agora, pela misericórdia de Deus, pelo Seu muito amor com que nos amou, deu-nos vida em Cristo nosso Senhor [Ef 2.4-5]. Antes, fazendo a vontade da carne, na imoralidade (porque todo ato que não glorifica a Deus é pecado), éramos filhos da ira; agora, ao recebermos a Cristo, crendo no Seu santo nome, pelo Seu poder, somos feitos filhos de Deus, “os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” [Jo 1.12-13]. É indizível... e resta-nos somente quedar admirados, e render-nos gratos diante da intervenção pródiga que nos libertou dos laços da morte, fruto da graça e misericórdia do nosso Senhor, pois éramos arredios e andávamos dispersos, e Cristo nos reuniu em um só corpo, como filhos de Deus [Jo 11.52].
Então, a nossa mente rebelde, que em toda altivez se levantava contra o conhecimento de Deus, pelo Seu poder, foi levada cativa à obediência de Cristo [2Co 10.5], o qual levou cativo o cativeiro, para que Deus habitasse entre nós [Sl 68.18]. Porque somos novas criaturas, “as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” [2Co 5.17]... Sonho? Delírio?... Não! Mas fé! Não uma fé humana, claudicante, flutuante, como “nuvens levadas pela força do vento, para os quais a escuridão das trevas eternamente se reserva” [2Pe 2.17]. Não. É uma fé viva, sobrenatural, que provém de Deus, sendo Sua doação a nós [Ef 2.8]; pois, “a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e amor que há em Jesus Cristo. Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” [1Tm 1.14-45].
A morte já não exerce mais o seu domínio, pois passamos da morte para vida, pela vida que Cristo nos deu na Sua morte.