Jorge F. Isah
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Avaliação: (***)
Título: Mil Tsurus
Autor: Yasunari Kawabata
Páginas: 176
Jorge F. Isah
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Avaliação: (***)
Título: Mil Tsurus
Autor: Yasunari Kawabata
Páginas: 176
Jorge F. Isah
Mais do que a descrição da morte física (uma descrição tão
detalhada e assustadora que senti as dores de Ivan, o personagem principal,
como se minhas fossem), o livro descreve uma destruição progressiva e
inevitável da vida pessoal e familiar de Ivan, onde muros eram construídos e
aumentados à proporção da solidão, distanciamento e autopiedade na qual se
lançava no curso da doença. Uma doença muito mais da alma, do espírito, do que
física, culminando nas incertezas e desesperanças em que se via cada vez mais profundamente
atrelado e mergulhado. E isso refletia diretamente em seus familiares que
sofriam com a sua dor, mas sobretudo com a sua injustiça ao imputar-lhes a
causa do seu mal.
De um problema físico, Tostói aborda, delineia e expõe as feridas
e doenças da alma, em que as relações se tornam em angustiante tristeza e
flagelo; a luta insana por conforto enquanto se trava uma batalha sem
vitoriosos, todos vencidos.
A morte, tão presente, trazia ao homem confiante e seguro de si
mesmo, satisfeito com o seu sucesso, suas realizações e conquistas, como o era
Ivan, sentimentos de autocomiseração, falta de piedade, desamor e sobretudo
medo; um medo tão tangível, que o apreendeu como uma moeda entre os dedos; o
medo desesperançado, de atroz mortificação, implacável em seus infortúnios e
flagelos. Destaco dois trechos a descreverem essa percepção:
"Em alguns momentos, depois de um período prolongado de
sofrimento, desejava, mais do que outra coisa - envergonhava-se de confessá-lo,
alguém que sentisse pena dele como se tem pena de uma criança doente".
"Chorou por sua solidão, seu desamparo, pela crueldade do ser
humano, a crueldade de Deus e ausência de Deus".
Aqui certamente está a
resposta que tão relutantemente Ivan desdenhou quanto ao sofrimento e a
desesperança: o abandono do homem em si mesmo, e a procura tresloucada de
encontrar as respostas e o alívio em outras pessoas, quando em si não as há,
nem mesmo em outras; a despeito de se compartilhar a humanidade, ela não se
explica, nem se entende, muito menos conforta ou consola, traz esperanças ou expectações
benévolas se não tiverem no Criador os seus princípios e fundamentos. Com isso,
não estou a dizer que o homem, tal qual o conhecemos ou fingimos conhecer,
ignorando suas origens e propósitos, é o “espelho” de Deus, ainda que o seja
parcialmente e em algum sentido. Na verdade, se é fruto do acaso e forças
impessoais, não há muito a ser descoberto além daquilo que somos ou podemos
ser, sem ser o que imaginamos pela impossibilidade de sê-lo de fato.
Ivan esperava respostas que os seus interlocutores, ele e parentes
e amigos, eram incapazes de decifrar, quanto mais explicá-las à luz das
próprias consciências, autônomas e independentes. Então, não lhe restava outra
coisa a não ser imputar nos outros, em Deus, ou fatalidades (a vida injusta,
por exemplo) a sua própria incompreensão, ou melhor, a inaptidão para reconhecer
o quão profundas, e até mesmo insondáveis, eram seus inquéritos... Somente Deus
pode dá-las, e elucida-las, e mais do que isso, satisfazê-las, sem o que não
restará nada a se fazer, a não ser sentir-se amargo e cínico, culpar a todos e
tudo pelo que não se foi capaz de alcançar e não alcançará.
"Enquanto ela (a esposa) o beijava, ele (Ivan) odiou-a do
fundo da sua alma e foi com dificuldade que conseguiu conter-se para não
empurrá-la.
- Boa noite. Se Deus quiser, você dormirá bem!".
No final das contas, parece-me que Ivan não queria mesmo se curar (se
não no início, durante a enfermidade agradou-lhe o sofrimento e a angústia e a
indiferença, algo próximo da vitimização, e o medo que causava); e reunindo as
forças que lhe restavam, sofria e fazia sofrer com empenho, a dedicação cega
daqueles que ignoram o bem, não sabem vivê-lo nem deixam outros vivê-lo também.
Apenas quando já não podia mais lutar, encontrou o sentimento de piedade pelos
da sua casa, o que, de alguma maneira, trouxe-lhe paz e libertação, ainda que
parcial, da morte iminente. Talvez esteja aí uma resposta ou fragmento de uma
resposta, com a qual teve de lutar até se ver vencido. Da mesma forma que o
antigo ditado diz, onde não há pão ninguém tem razão, pode-se dizer que onde
não há amor há dor em profusão. E o que pode ser o amor se não um dom divino,
no qual Cristo resumiu tudo: amar a Deus e ao próximo como a ti mesmo?
Ainda que tarde, Ivan talvez tenha experimentado uma centelha do
amor, onde o corpo aflito poderia guardar uma alma confortada, ainda que
enferma e à porta da morte.
Mais do que uma tragédia anunciada, Tolstói quis revelar a redenção, aquela pela qual somos finalmente tornados à semelhança de Deus... e apenas ele pode ordená-la.
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Avaliação: (****)
Autor: Leon Tolstói
Páginas: 112
Editora: LP&M Pocket
Sinopse: "Esta obra mostra a história de um burocrata medíocre, Ivan Ilitch, um juiz respeitado que depois de conseguir uma oferta para ser juiz em uma outra cidade, compra um apartamento lá, para ele, sua mulher, sua filha e seu filho morarem. Ao ir para o apartamento, antes de todos, para decorá-lo, ele cai e se machuca na região do rim, dando início à uma doença"
Jorge F. Isah
Jorge F. Isah
A primeira vez que li “O Idiota” foi antes de completar meus dezoito
anos; um exemplar emprestado à Biblioteca Pública de Minas Gerais, quando os
livros eram realmente caros (ainda o são, mas não tanto como antes) e a
possibilidade de tê-los, mesmo por um par de semanas, era através dos poucos e
imprescindíveis acervos públicos, aos quais incluo o Sesc, Sesi, etc. Porém, em
BH, nenhum deles tinha o conjunto de obras tão vasto e diverso quanto a
B.P.E.M.G. Foi lá que tomei conhecimento de autores nunca citados, sequer
ouvidos, como André Gide, Sinclair Lewis, Salinger, Dos Passos, Maupassant,
Prost e Camus, entre outros. Boa parte da minha adolescência gastei-a em tardes
vasculhando as estantes e a folhear quase todos os livros ao alcance dos olhos
e das mãos. Podia-se levar apenas dois exemplares para casa, o que significava
a ida duas ou mais vezes por semana a fim de devolver e pegar outros volumes.
Com o tempo, e a experiência, comecei a tomar livros cada vez mais grossos, no
intuito de ir não mais de uma vez por semana. Há de se entender que as
condições de se arcar com o custo das passagens de ônibus, de casa ao centro,
era algo oneroso para um ginasiano morador da periferia. Minha mãe se esforçava
em custeá-las, mas não era justo expô-la a um sacrifício desnecessário. Por
mais de vinte anos fui habitué daquela casa, ao lado do antigo Palácio do
governo, na Praça da Liberdade. Posto isso, não o escrevo para me vitimar ou
coisa que o valha, mas fazer o leitor entender a importância da literatura em minha
vida; não fui o melhor leitor, com certeza, e nem sei se sou um bom leitor
hoje, entretanto era-me, assim como é, algo indispensável.
Acalentava, havia algum tempo, o desejo de reler “O Idiota”, e
apagar algumas das impressões absorvidas e que me fizeram, de certa forma,
odiar o protagonista, príncipe Liév Míchkin. Vou explicar: naquele tempo,
talvez a imaturidade ou arrogância, sei lá, o herói tinha de ser alguém capaz o
suficiente de ser dono do próprio nariz, não quanto à sabedoria ou capacidade
de escolhas lógicas e virtuosas, mas à rebeldia, a quebra dos padrões morais e
institucionais (sim, a mentalidade revolucionária estava presente e atuante), e
nem mesmo o amor poderia ser sacrificial, auto negador e cordial. Talvez a
leitura de o “Apanhador no campo de centeio”, poucos dias antes, influenciou na
aversão ao príncipe; pois, para mim, era impossível existir uma alma tão pura,
benigna, tolerante e pacificadora como a dele... Haveria alguém assim no mundo?
Dostoievski não estaria a construir um indivíduo utópico, insólito e
extravagante? Quem se disporia a ser assim? Se angustiar e punir por não ser
ainda melhor?... Em nada se parecia com o mimado e rebelde Holden, de Salinger.
E isso pode ter pesado muito no meu desagravo.
Toda essa ligação religiosa com o cristianismo tem a finalidade de
combater o niilismo, sendo aquele o antídoto para este. Em vários momentos, o
príncipe discorre sobre o assunto postulando ao cristianismo a superioridade em
relação a outros sistemas, em especial a única maneira de combater e erradicar
o niilismo das terras russas. Talvez, por isso, em um mundo onde as correntes
apontavam para uma existência sem sentido, onde tudo era infundado e reduzido
ao materialismo imediato, ele defendia valores incompreendidos e impossíveis
numa sociedade viciada pelas aparências e a confusão dos sentidos. Para ele,
nada podia ser meramente aparente; nada poderia ser desconectado da essência
humana que, em não poucos sentidos se ligava a Deus. Atacado por todos os
lados, tentou resistir, mas até mesmo alguém desprendido e generoso se perde em
suas dúvidas; não que elas se relacionassem à corrupção ou imperfeição do bem,
mas se ele era capaz de consegui-la pelos seus próprios meios e esforços, se
não havia nada mais que pudesse fazer a fim de colaborar para a manifestação
das mais sublimes virtudes. Ele desejava ser bom não porque isso traria
benefícios a si mesmo, mas os direcionava ao próximo, e era o fundamento da
natureza humana.
A cena final do livro, em que ele afaga piedosamente a cabeleira
de Rogójin, após este cometer desatino movido por vingança e orgulho, demonstra
o quanto o príncipe se compadecia, e até certo ponto entendia, o sofrimento e
as consequências de vidas tresloucadas, firmadas no individualismo, no egoísmo,
na crença de nada ser importante, de não haver fundamentos, se não se pode
alcançar... E se o alcança, qual a razão para se tê-lo? Resta, no fim, a
loucura, os pecados, a transformar semelhantes em explícitos inimigos. E
Míchkin enlouquece, não por si mesmo, mas pela incompreensão que, via de regra,
leva-o a não entender a si; e os seus “sacrifícios” são mistérios, quando não
ignorados são tratados com preconceito e violência.
Reler, portanto, O Idiota, fez-me encontrar elementos e pontos não
identificáveis ou esquecidos nos longínquos anos da primeira leitura. Não é um
livro fácil. Suas mais de 700 páginas não devem, contudo, tornar-se empecilho
ou entrave para o leitor se privar de um livro magistralmente escrito, onde não
se encontra o homem ideal, aos moldes ideológicos e comportamentais planejado neste
tempo, como um quebra-cabeças planificado, montado com apenas um modelo de
peças, sem se encaixar em nenhuma outra e produzir a imagem geral da
humanidade. Dostoievski não produz mentes seriais, clones de um mesmo doador,
mas destrincha, investiga, extrai o de mais verdadeiro, e também falso, a
habitar este ser dual: indivíduos e suas gentes. Por isso, e o deleite de
ver-se, de alguma forma e em alguma proporção, nas personagens do velho e bom Fiodor somente pode trazer o
conhecimento, a intimidade, da qual as gerações posteriores a ele se
especializaram em negar, a privar-se; e, assim, como muitos se especializaram,
criar um arquétipo de si mesmo, confundir-se e ignorar quem seja e o que seja.
Leitura imprescindível.
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Avaliação: (*****)
Título: O Idiota
Autor: Fiodor Dostoievski
Tradutor: José Geraldo Vieira
No. Páginas: 712
Sinopse: "O idiota é uma das obras mais comoventes de Fiódor Dostoiévski. Abstrusa para os contemporâneos do escritor, mas atual e compreensível para quem a conhecer em nossos dias, ela conta a história de um jovem aristocrata russo que se atreve a defender o sublime ideal humanista numa sociedade regida pelas leis do livre comércio. Ovelha negra da alta-roda de São Petersburgo, o príncipe Míchkin é tachado de idiota em virtude das suas qualidades morais e acaba perdendo de fato o juízo."
Jorge F. Isah
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Foi
com muita alegria, logo após concluir “Debaixo de um carvalho em Ofra”, saber da
disposição do poeta e irmão, Luiz Libório, em ler e prefaceá-lo.
Tomei
conhecimento desse nobre e talentoso escritor pelos meios mais triviais
possíveis, em nosso tempo: as redes sociais. Por um daqueles “milagres”, raras
vezes disponibilizados pelo Facebook, tive acesso às suas poesias, diga-se de
passagem, são lavras da melhor estirpe (aconselho, a quem ainda não leu,
fazê-lo sem perda de tempo); então, primeiramente conheci a obra, e depois o
seu autor.
Para não deixar esta introdução longa, resumirei a minha sensação e reação ao receber o prefácio, disponibilizado abaixo: senti-me honrado, feliz e, sobretudo, penhorado, pela generosidade, beleza e sensibilidade com a qual analisou o livro. Como costumo dizer aos amigos mais íntimos, tenho certeza de, muitas vezes, a melhor parte dos meus livros serem de “terceiros”, sem nenhuma falsa modéstia. E este é o sentimento ao ler o preâmbulo de Libório. Portanto, sem mais delongas, dou-lhe as suas palavras , antes me dadas, mas que agora são também de você, doadas pela sublimidade de alguém que ama a arte, e tira dela algo não apenas melhor, mas esplêndido.
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O
tempo e seu contrário, a poesia
O
que em nós está fora do tempo? Não sei o que um dicionário diria, se algo ele
pudesse dizer, mas lendo “Debaixo de um Carvalho de Ofra”, livro do caro irmão
Jorge F. Isah, e lendo-o à luz do livro universal de toda a criação
incalculável, o que em nós está fora do tempo é a poesia (isto é: a
eternidade).
Digo
isso porque os poemas que neste livro são temporais apresentam-se tanto ao
relatar algumas personagens sem nome (como a garota de "Suplício de uma
saudade") como outras personagens nomeadas (Rita Hayworth em "tempo
das amoras silvestres", por exemplo). Assim, haver nome, não haver, são
referências que cabem apenas ao lapso de cada momento: à poesia importa que
todos que passam se chamem eternidade.
E,
como se também fosse um nome de personagem, “Debaixo de um Carvalho de Ofra”
relata-nos a ambiguidade de estar no tempo e falar do que está fora. O
carvalho, como sabemos, é uma árvore longeva (pode atingir um milênio de vida)
e sentar-se sob sua sombra para guardar-se do sol forte ao meio-dia é sentar-se
à sombra da eternidade para não ser queimado pelo sol dos dias que passam.
O
posfácio, como integrante da obra, revela-nos outro movimento coerente com a
temporalidade que marca a pele destes poemas: Jorge esteve internado por 36
dias logo antes de terminar este livro, 36 dias esteve separado dos seus amigos
e familiares por conta da proibição de visitas durante a pandemia de Covid-19.
Estar, durante tanto tempo, longe das referências amorosas da vida pode
enlouquecer o tino espiritual de uma pessoa. A não ser que esteja sob a sombra
de um carvalho em Ofra, isto é, sentado à sombra da eternidade.
“Aquele
que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará.
Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele
confiarei. Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste
perniciosa. Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te
confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel. Não terás medo do terror
de noite nem da seta que voa de dia, nem da peste que anda na escuridão, nem da
mortandade que assola ao meio-dia.”
(Salmos 91:1-6)
Desta
forma, o tempo de angústia trouxe à luz este livro que evidencia, mais do que a
tristeza passada, o cuidado de Deus no momento triste; como se uma saciedade
infinita só pudesse vir de uma necessidade maior, porque conhecemos o valor
daquele que cuida no momento que precisamos desse cuidado.
Se
nunca ficássemos com sede, por exemplo, não conheceríamos o prazer de beber
água depois de horas caminhando. Do mesmo modo, se não tivéssemos problemas,
não conheceríamos o prazer da solução deles e nem a saciedade que há em
agradecer a Deus por isso.
Assim,
esta obra atesta o valor de reconhecermos a grande importância do alimento no
tempo da fome – ou, como dito no poema "O Liame do Regalo", “que é a comida, senão o prato vazio?”
Há
tempos de alegria, há tempos de tristeza; mas a vida, em Cristo, é eterna.
“Na
verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que
me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte
para a vida.” (João 5:24)
Luiz
Guilherme Libório Alves da Silva*