28 setembro 2009

A GRAÇA ANULADA


















Por Jorge Fernandes Isah

Lê-se e ouve-se muito falar de graça (assim como fala-se pelos cotovelos de amor), mas qual a definição de graça? Seria a graça algo que pudesse servir a múltiplos propósitos, ou é a graça direcionada para apenas um objetivo, ao qual o bom Deus estabeleceu?

Nem vou me alongar quanto à questão da interpretação. Se o Espírito Santo não é suficiente para revelar ao crente mais afoito o significado do que está claramente exposto na Escritura, o que posso fazer além de orar por sua alma? Também não falarei da graça comum, a qual Deus derramou sobre justos e injustos [e da qual tenho sérias dúvidas quanto a terminologia correta, pois a considero mais no campo da providência do que da graça, mas essa é outra discussão]. O foco aqui é a graça salvadora, e a sua ação na vida do crente. Tentarei explicar porque muitos que se consideram sob a graça salvadora enganam-se, pois a ira de Deus permanece sobre eles.

Algumas definições:

1) Dicionário Priberam - graça - s. f. 1. Favor. 2. Perdão. 3. Benevolência. 4. Chiste. 5. Gracejo. 6. Dom sobrenatural, como meio de salvação ou satisfação.[1]

2) Dicionário Wyclife - graça – grego “Charis”, significa: 1. Aquilo que causava atração. 2. Consideração favorável sentida em relação a uma pessoa. 3. Um favor. 4. Gratidão. 5. Usada adverbialmente em frases como: “Por amor a alguma coisa”.[2]

3) Dicionário. Internacional de Teologia N.T. [Entre tantas definições da palavra Charis e Charisma, ficarei com a seguinte, a qual é o foco deste texto] – graça – 1. Dom não merecido, da parte de Deus, às suas criaturas.[3]

Graça é o favor imerecido que Deus concede aos eleitos, os quais estão mortos em seus delitos e pecados e são vivificados pelo Espírito; os quais são inimigos de Deus e se tornam seus amigos; os quais estão condenados e são absolvidos; os quais estão destituídos da Sua glória e passam a ser participantes dela; os quais mereciam perecer no fogo do Inferno e são perdoados, e viverão a eternidade no Céu. A graça é algo que recebemos sem merecer, fruto da misericórdia de Deus, a expressão do Seu amor pelos eleitos, que não nos dá o que merecemos: a morte definitiva.

Pelo sangue derramado do Seu Filho Jesus Cristo, os eleitos são resgatados da condenação do pecado, regenerados pelo poder do Espírito Santo, feitos membros do Corpo de Cristo, salvos e restituídos à comunhão com Deus. Quando não havia esperança, Deus providenciou a esperança. Quando não havia saída, Deus providenciou a saída. Quando estávamos cegos, Deus abriu-nos os olhos. Quando surdos, fez-nos ouvir. Quando havia apenas uma disposição no nosso coração, o pecado, Ele nos santificou, tornando-nos mais alvos do que neve. Quando estávamos em guerra, Ele nos deu a paz. Tudo isso realizado por Cristo na cruz do Calvário, quando pelo Seu sangue, fomos lavados e remidos, transformados de criaturas caídas em filhos adotivos de Deus. Co-herdeiros do Reino de Cristo, da herança incorruptível: a vida eterna.

Vale dizer que todos os nossos pecados, passados, presentes e futuros, foram infalivelmente perdoados; e de que nada, absolutamente nada, nem mesmo a minha vontade, poderá retirar-me da condição de salvo, fazer-me perder o que Cristo me deu e pagou com alto preço. O padrão divino de graça é tão alto e eficaz, que a despeito de tudo o que o homem pode fazer em sua rebeldia, o eleito estará segura e eternamente salvo.

Porém, quer dizer que o eleito poderá fazer o que bem quiser, ou seja, cometer quantos pecados quiser, por já estar salvo? Paulo diz: “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde? De modo nenhum. Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” (Rm 6.1-2).

Esse tipo de pensamento é uma afronta a Deus, é uma blasfêmia, a prova de que essa pessoa nunca experimentou a salvação, a regeneração espiritual, não possui a mente de Cristo, e está morto em suas ofensas. Porque “sabemos isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” (Rm 6.6).

O novo homem foi crucificado com Cristo, para que não viva pela carne, nem dê vazão às suas paixões e concupiscências (Gl 5.24). O novo homem está em Cristo, e Cristo nele, para que dê muitos frutos, para sermos o louvor da Sua glória (Jo 15.5, Ef 1.12). O novo homem está firme na liberdade com que Cristo libertou, não estando debaixo do jugo do pecado, sendo agora servo da justiça (Gl 5.1, Rm 6.18). O novo homem foi criado para as boas obras, “as quais Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10). O novo homem não se utiliza do fato de estar debaixo da graça e não da lei para pecar (Rm 6.15). O novo homem aprende e é ensinado pela verdade em Jesus (Ef 4.20-21). O novo homem não se corrompe mais pelas concupiscências do engano (Ef.4.22). O novo homem já está despido do velho homem com os seus efeitos, e já está vestido do novo, “que se renova pelo conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10-11), e segundo Deus, é criado em justiça e santidade (Ef 4.24).

O eleito tem então, pela graça, as seguintes provisões: 1. A justificação (Rm 3.24). 2. A capacitação (Cl 1.29). 3. Uma nova posição (1Pe 2.5,9). 4. Uma herança (Ef 1.3, 14).

Pelo que já foi dito, está mais do que evidente que a salvação é pela graça (Ef. 2.8-9), não há a menor possibilidade de alguém ser salvo por suas próprias obras, pois a salvação, como plano elaborado e executado, tem apenas um arquiteto e construtor, o próprio Deus. O qual operou a salvação nos eleitos de duas formas: 1. Através da expiação de Cristo na cruz. 2. E pela graça irresistível, Deus regenera o pecador, levando-o inevitavelmente a Cristo, a fim de que se arrependa e seja salvo. Como se vê, a graça divina é invencível, e nunca deixará de produzir os efeitos a que foi destinada: a salvação dos eleitos; libertando-os de sua vontade natural iníqua, e moldando-os eficazmente para serem conforme a imagem de Jesus Cristo (Rm 8.29).

Outro benefício produzido pela graça na vida do crente é a santificação. E o que é santidade? Ela é designada no hebraico pela palavra qadosh e qodesh, e no grego por hagios e hagiosyne, que significam cortar, separar; revelando-nos a posição ou relação existente entre Deus e suas criaturas. A idéia da distinção que há entre o comum, o profano e o impuro da criação, com o que é puro e perfeito, a natureza divina. A santidade é o próprio Deus, é o que o caracteriza, e ela inclui todos os seus outros atributos, os quais são coordenados e aplicados por ela, fazendo com que tudo aquilo que O revela seja santo (a graça, o amor, a justiça, a ira, etc). Logo, Deus sendo santo está isento do pecado, e a santidade assume o caráter de nos separar do pecado e nos conformar ao Seu padrão moral.

Assim, a exortação bíblica é para que o eleito seja santo como Deus é santo (Lv 20.26, 1Pe 1.16). Porém, qual o critério de santidade? A santidade de Deus é revelada na lei moral cravada no coração do homem, e pela revelação especial, a Escritura. Especialmente, ela se revela na lei dada a Israel. Como aio, a Lei Moral nos revelou o pecado e a necessidade de arrependimento, para que sejamos novamente reatados à comunhão com Deus, pela fé em Cristo.

São duas ações que levará o eleito à santidade: 1. Na conversão, ele é santificado de maneira posicional em relação a Deus, ou seja, recebemos a santidade de Cristo que nos é imputada, como uma virtude que passamos a ter exclusivamente pela graça salvadora. 2. A obediência aos Seus mandamentos, como a prova do nosso amor pela graça recebida e repousada sobre nós.

O eleito desde sempre é santo por Cristo. Mas o eleito se santifica progressivamente, como fruto da boa obra de Deus iniciada e aperfeiçoada em sua vida (Fp 1.6), no tempo. Nem a santificação posicional, nem a santificação pela obediência podem ser indissociadas. Uma não subsiste sem a outra, e ainda que a segunda necessite da primeira, elas estão entranhadas da mesma forma que irmãos siameses não podem viver separados (como uma idéia geral, não particular). Uma é conseqüência da outra, e ambas são causas de si mesmas. O que não quer dizer que são autoexistentes, mas subsistem pela vontade direta e perfeita de Deus; provém dEle, para que aprovemos as coisas excelentes, para que sejamos sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo (Fp 1.10).

Ele nos elegeu em Cristo antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos irrepreensíveis diante dEle (Ef. 1.4); e a santidade do crente repousa nessa posição, e em sua entrega progressiva, minuto a minuto, à vontade divina e à disposição de andar nos Seus santos caminhos. O fato de ainda permanecermos com a natureza caída, não nos exime do dever de obedecer aos princípios morais bíblicos, nem de trilhá-los, muito menos de ignorá-los em favor dos nossos deleites e paixões carnais. Ainda que a perfeição dependa da remoção final da natureza ímpia, o cristão deve seguir em frente, rumo à perfeição, como imitador de Cristo, o qual é perfeito e santo.

Para isso, é fundamental o estudo da Palavra, através da qual conheceremos Deus e Sua santidade, conheceremos a Sua vontade santa, tomaremos contato com Sua Lei santa, aprenderemos a viver em santidade, a desejá-la e buscá-la, para que através de nossas vidas Deus seja glorificado, e pela ação do Espírito Santo, sejamos santificados.

Infelizmente, o que se tem visto é a banalização da graça. Muitos, utilizando-se indevidamente da palavra, têm se entregado a todo o tipo de pecado; têm se regozijado em sua carne; têm rejeitado a verdade, e vivido intensamente a mentira, sem nenhum sinal de arrependimento, sem nenhuma mudança de vida; fazem-se pior do que a porca lavada na imundície da lama (1Pe 2.22). Negam Cristo e sua eficácia, trazendo sobre si mesmos a condenação. Eles propagam a vergonha herética do antinominialismo, de que o cristão não precisa se submeter ao padrão moral previsto na lei mosaica, bastando a fé, pois a graça se encarrega de deixar “livre” o caminho para o pecado sistêmico. E isso tem outro nome, chama-se depravação autônoma e deliberada de se rebelar contra Deus. Ele ouve a palavra, mas a despreza. Acomodando-a e distorcendo-a em seu arcabouço de iniqüidade. “Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era” (Tg 1.23-24). Ou ainda é como “aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda” (Mt 7.26-27).

Ele é o tolo que acha possível enganar Deus. Em seu erro, acredita que Deus se deixará escarnecer, e de que não colherá aquilo que plantou. Na mais profunda ignorância, esforça-se em semear diligentemente na sua carne, na ilusão de não ceifar a corrupção, e ganhar a vida eterna.

O pensamento dele é façamos males, para que venham bens; porque não estamos debaixo da lei, mas da graça, por isso, pequemos. Ao que Paulo respondeu: “A condenação desses é justa” (Rm 3.8).

E assim, pela desobediência, o mal não é restringido neles, não têm os seus pecados revelados, não agradam a Deus, pelo contrário, ofendem-nO, apascentando a si mesmos sem temor (Jd 12); e como meninos levados em roda por toda a sorte de enganos dos homens (Ef 4.14), são incapazes de discernir tanto o bem como o mal (Hb 5.14), negando o Senhor e “trazendo sobre si mesmos repentina perdição” (2Pe 2.1), prometendo liberdade, acabam sendo escravos da corrupção, “porque de quem alguém é vencido, do tal faz-se também servo” (2Pe 2.19), “para os quais a escuridão das trevas eternamente se reserva” (2Pe 2.17).

Com isso, o objetivo deles é o de disseminar na igreja a dissensão e a rejeição à lei de Deus, invadindo a igreja com a fragilidade do pecado, debilitando-a, levando-a ao caminho inverso da santidade: a pecaminosidade. O exemplo máximo do que esse tipo de pensamento pode fazer, e onde chegar, é o estabelecido pela igreja emergente. Eles são sutis em suas mensagens, especialmente por rejeitarem o Evangelho da Cruz, ao qual Paulo disse estar crucificado para o mundo, e o mundo para ele, e do qual ele se gloria (Gl 6.14).

Outras sutilezas são impregnadas paulatinamente nessa doutrina, como a não inspiração e inerrância da Escritura. E assim, pouco a pouco, desviam-se cada vez mais da verdade, uma espécie de desconstrução bíblica, em que a mente pós-moderna e caída se prende a um tipo de tortura mental, em que a dúvida e a incerteza são as plataformas de sua doutrina falida e diabólica, na qual a sua confiança está na carne ao invés de depositada no Senhor (Fp 3.3). Daí, para se afastar definitivamente do padrão bíblico de santidade, e se entregar ao padrão mundano da imoralidade, é um pulo. Começa-se a defender o adultério, o divórcio, a homossexualidade, a masturbação, o aborto, o paganismo ecumênico, e todo tipo de degradação existente, onde o homem ocupa todo o seu coração com a própria desordem, e não há lugar para Cristo. Ao contrário de Paulo, não se quer perder todas as coisas, e considerá-las esterco, para ganhar a Cristo (Fp 3.8).

O que se tem é o evangelho diluído, moderno e cativante, de um estilo elegante e hábil, propositalmente despojado, chegando mesmo a ser fascinante, contudo, ineficaz para a salvação, terrivelmente letal, através do qual é anulada qualquer possibilidade de esperança.

Por que assim como os fariseus esperavam a justificação pela Lei, aqueles que não a usam legitimamente, rejeitando-a, serão julgados pela Lei. Ao não entenderem o que dizem nem o que afirmam dizer, colocaram-se debaixo da Lei. Para eles, não há graça, porque as suas palavras os roerão como gangrena.

“Mas o Senhor conhece os que são seus” (2Tm 2.19).

Nota: [1] Priberam - disponível AQUI
[2] Dicionário Bíblico Wycliffe - Ed. CPAD
[3] Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento - Ed. VIDA NOVA

21 setembro 2009

Jovem Rico: Condenado? [Comentário Marcos 10.17-27]














Por Jorge Fernandes Isah
 
Por causa do texto Velhos e Novos Fariseus entrei novamente no debate sobre o amor divino, se ele é extensivo a toda humanidade ou somente aos eleitos. Os argumentos podem ser lidos nos comentários ao post, inclusive a discussão se Deus tem sentimento e emoção, ou não.
O irmão que levantou a questão de Deus amar a todos citou o trecho de Marcos 10.17-31, reivindicando-o como prova de que Deus ama até mesmo os réprobos. No que, não concordei; e expus parcialmente minhas conclusões à luz do texto.
Como ainda não havia lido nada parecido com a minha interpretação (a qual nem mesmo eu tinha pensado anteriormente, ainda que lesse o trecho por várias vezes), decidi fazer um estudo, e aprofundar-me nela. Especialmente na única parte que não está presente em Mateus 19.16-30 e Lucas 18.18-30 (textos correlatos), o qual é:
“E Jesus, olhando para ele, o amou” (Mc 10.21). 
A questão é: Jesus amou o jovem rico e, mesmo amando-o, condenou-o ao inferno? O centro da questão é a expressão “o amou”, aoristo derivado do verbo grego agapao[1], empregado para designar o amor de Deus para com o homem.
O versículo completo é: “E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me” (v.21).
De uma forma geral, e eu mesmo sempre pensei assim, é dado como certa a condenação do jovem, como alguém que não alcançou o Céu. Mas, baseado em quê podemos afirmar tal coisa? Existe alguma passagem que evidencie claramente a não conversão daquele jovem?
Vejamos algumas declarações na passagem:
1- O jovem demonstrou-se humilde e reverente ao correr até Jesus e ajoelhar-se diante dele, chamando-O "Bom Mestre” (v.17).
2- O jovem quer saber como herdar a vida eterna (v.17).
3- Cristo assevera que apenas um é bom, Deus (v.18). E pergunta-lhe se sabe os mandamentos, citando alguns deles (v.19).
4- O jovem respondeu:"Mestre, tudo isso guardei desde a minha mocidade” (v.20).
5- Após o Senhor dizer que lhe faltava vender tudo, dar aos pobres, tomar a sua cruz e segui-lO; ele, “pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades” (v.22).
A partir desse relato, sabemos que o jovem rico partiu, e nada mais sabemos dele. Então, por que a maioria dos comentaristas e pastores decidiu-se pela sua condenação irremediável?
Muitos se apegam ao que o Senhor disse aos seus discípulos: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!... Quão difícil é, para os que confiam nas riquezas, entrar no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus”(v. 23-25).
Recapitulando:
1- Cristo o amou, pediu-lhe para dispor os seus bens, e então, segui-lO.
2- O jovem, pesaroso, afasta-se.
3- O Senhor proclama que é muito difícil um rico entrar no reino de Deus.
Onde está escrito que esse jovem não foi salvo? Onde se encontra a garantia de que ele não foi regenerado? E de que não herdou o reino de Deus? A inferência que a maioria faz é de que, como é difícil ao rico herdar o Reino, e aquele jovem teve a sua chance e não a aproveitou, ele foi condenado. A conclusão vai muito além do texto bíblico; na verdade, ela impõe-se ao texto bíblico. Não seria o caso do texto revelar a impossibilidade de alguém obter a salvação por mérito próprio, de, sem a regeneração e o convencimento dado pelo Espírito Santo, alcançar a salvação?
Seria por demais imperioso sustentar a sua perdição. O que está visível e claro é que o jovem, por si só, por suas forças e méritos, não conseguiria a salvação, evidenciando-se que ninguém, por justiça própria (ainda que seja uma mera alegação como a do jovem), pode requerê-la ou obtê-la de Deus.
Alguns pressupostos escriturísticos:
1- Cristo amou a Igreja (Jo 15.9; Rm 8.37; Ef 2.4, 5.2; 1Jo 4.10; Ap 1.5).
2- Cristo morreu pela Igreja, e expiou-a (At 20.28; Ef. 5.25;1Ts 5.10).
3- Cristo não ama os réprobos, pois sobre eles a Sua ira permanece (Jo 3.36; Rm 1.18, 2.5, 9.22; Ef 2.3, 5.6; Cl 3.6;1Ts 2.16).
4- Cristo ama os eleitos, porque sobre eles não derramará a Sua ira (Rm 5.9, 9.23; 1Ts 1.10, 5.9).
Voltando à pergunta inicial, não parece ilógico que Cristo amou o jovem rico, mas ainda assim o condenou? Se Deus é imutável, como pode amar e odiar ao mesmo tempo? Alguém pode alegar: Mas Cristo tem a natureza humana. Sim, é verdade. Contudo, Ele jamais pecou (Hb 4.15, 7.26, 9.14; 1Pe 1.19) e, como Deus, é imutável, porque “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13.8).
Logo, temos aqui um conflito. Ou Cristo amou aquele jovem, e se o amou, assim como ama apenas e tão somente a Igreja, ele foi salvo. Se Cristo condenou-o, não o amou. Mas o texto diz que Ele o amou, então não há por que duvidar que o jovem fosse alvo da graça divina, que o salvou.
Porém, é possível confirmar isso?
Lê-se: “E eles se admiravam ainda mais, dizendo entre si: Quem poderá, pois, salvar-se?” (v.26).
Diante do que o Senhor disse, os apóstolos, como bons mortais, olharam para si mesmos e não viram a menor chance de salvação. Se aquele jovem dizia seguir os mandamentos, parecia sincero em seu desejo de salvar-se, e havia procurado Cristo com esse objetivo, ao não abrir mão de suas posses, refugou; quais seriam então as suas chances? A pergunta demonstrava o estado de espírito deles: não tinham a menor capacidade de salvarem-se por seus esforços.
Aquele rapaz serviu como o modelo de fracasso humano em se obter êxito próprio diante de Deus. A natureza ímpia em nada ajuda. As boas intenções são infrutíferas. A justiça própria é como trapo imundo. Por maior que seja a vontade, o empenho, a disposição de agradar a Deus, decididamente, restar-nos-á a desgraça. Por que, apenas pela Sua graça, a qual proporcionou a remissão dos pecados pelo sacrifício de Cristo na cruz do Calvário, aos eleitos é possível a salvação. Não há outra maneira. Deus decidiu-se por um único caminho, Jesus Cristo, “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos" (At 4.12). Mas parece que os discípulos ainda não tinham noção do caráter redentor do Senhor entre nós.
Há de se entender também que diante das promessas do AT da abundância de coisas temporais, e da tradição dos mestres judeus em afirmar que os homens ricos eram os escolhidos por Deus, a resposta de Jesus caiu-lhes como uma ducha de água fria. Se o rico não podia entrar, quanto mais os pobres. Porém, ao meu ver, a questão principal não é se ricos ou pobres são mais aceitáveis diante de Deus, mas a completa impossibilidade de tanto ricos como pobres de salvarem-se a si mesmos. Cristo quer que os discípulos concluam que é impossível ao homem, por seus meios exclusivos, escapar da condenação eterna. É o que lhes respondeu:
“Para os homens é impossível, mas não para Deus, porque para Deus todas as coisas são possíveis” (v. 27).
A salvação portanto é um dom de Deus, “para louvor da glória de sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado, em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (Ef 1.6-7); “porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou” (Rm 8.29.30).
Assim sendo, da mesma forma que muitos inferem que o jovem foi condenado, de minha parte deduzo que Cristo respondeu não somente aos seus discípulos, mas a todos nós, declarando que também aquele jovem, ao qual o Senhor amou, podia ser alvo da graça divina, e salvo finalmente.
O amor de Deus está diretamente ligado àqueles que foram comprados pela morte do Seu Filho Amado. Se um reprovado não foi comprado por Cristo, não há amor. Por que todos fomos feitos um em Cristo, todos somos participantes do Corpo de Cristo, todos fomos eleitos em Cristo, todos seremos semelhantes a Cristo, viveremos e reinaremos eternamente por Cristo. O condenado não participará de nenhuma dessas situações, logo, não pode ser o alvo do amor de Deus, por que ele não está em Cristo, nem Cristo nele.
Concluindo, Cristo amou os eleitos, e não levou sobre Si os pecados de todos, mas de muitos (Hb 9.28); não deu a Sua vida e morreu por todos, mas por muitos (Mt 20.28, 26.28; Jo 11.51-52); não amou a todos, mas a muitos (2Ts 2.15-16); e não rogou pelo mundo, nem por todos, “mas por aqueles que me deste, porque são teus” (Jo 17.9), referindo-se às ovelhas que o Pai eternamente depositou em Suas mãos, a fim de serem infalivelmente resgatadas da condenação eterna.
Cristo amou o jovem rico.
Por que duvidar da sua salvação?

Nota: [1] Agape e Agapao se empregam em quase todos os demais casos no NT para falar do relacionamento entre Deus e o homem - e isto não de modo inesperado, tendo em vista o uso no AT. No caso do subs. agape, porém, não há uso negativo correspondente no NT. é sempre no sentido de he agape tou theou, "o amor de Deus", ou no gen. subsjetivo (i.é, o amor dos homens por Deus), ou com referência ao amor divino por outras pessoas, que a presença de Deus evoca. Desta forma, agape fica bem perto de conceitos tais como pistis -> justiça e charis -> graça, todos os quais têm um ponto único de origem, em Deus somente (Dic. Internacional de Teologia do NT, pg 117 - Editora Vida Nova).

15 setembro 2009

TEMPOS TRABALHOSOS
















Por Jorge Fernandes Isah

Na igreja, convivemos com os fariseus (leia aqui). Agora, veremos um outro grupo, daqueles que têm o nítido interesse em corromper a fé cristã, os apóstatas. Há muitos trechos na Escritura que os descrevem, mas, especialmente, analisaremos 2Tm 3.1-7.

Paulo inicia falando dos tempos trabalhosos que sobreviriam nos últimos dias (v.1). Essa é uma nítida evidência de que estamos diante de uma profecia. Muitos alegarão que ele está a predizer um futuro distante, o que é verdade. Mas, especificamente, ele escreveu a Timóteo, o seu “verdadeiro filho na fé” (1Tm 2), ou simplesmente “meu amado filho” (2Tm 1.2); com o objetivo de instruí-lo e exortá-lo a permanecer na “fé não fingida que em ti há” (2Tm 1.5). Portanto, Timóteo estava sendo alertado quanto aos filhos de satanás que se infiltrariam na Igreja a fim de perverter o Evangelho, causando estragos à fé. Como dupla profecia, ela serviu de alerta para Timóteo e os irmãos da Igreja Primitiva, quanto para todos os crentes em todos os tempos. Logo, é um aviso para nós também, o qual não pode ser negligenciado nem desprezado.

Os tempos difíceis referem-se não ao ataque externo, daqueles que odeiam a fé cristã, e estão dispostos a persegui-la, destruí-la se possível; mas ao ataque sutil, malévolo, engenhoso, daqueles que se dizem crentes, têm um comportamento parecido com o de um crente, muitos se comprometem com a Igreja, até mesmo professam algumas verdades, mas, em seu íntimo, têm a mesma aversão e ódio que os de fora, e o intuito é o de igualmente destruir a fé cristã.

São traidores, ardilosos; lançam discórdias, plantam dúvidas, suspeitam de quase tudo, espalham uma crença vacilante com o propósito de implantar na Igreja a perplexidade, a ambigüidade; fazer a fé cristã parecer menos a revelação divina e mais um amontoado de pontos indistintos; claramente dispostos a engendrar a confusão, o ceticismo, a rejeição à Palavra. Ao dar ouvidos a espíritos enganadores e a doutrina de demônios, têm a consciência cauterizada, e se entregam a proclamar a mentira (1Tm 4.1).

Eles trabalham como se fossem “missionários” satânicos, a espalhar o antievangelho, convocando nas fileiras de bancos das igrejas uma nova tropa de apóstatas que se unirão a eles e batalharão pela guerra perdida do seu general, contudo, sem deixar de fazer sérios e grandes estragos.

É interessante como esse processo se dá:

1- A pessoa ouve a mensagem do Evangelho.

2- Ela entende e compreende a mensagem. Do ponto de vista intelectual ela é capaz de estabelecer os vários pontos da doutrina cristã de forma correta.

3- Ela professa aceitá-la. Muitos dão testemunhos da sua fé, são batizados, participam da Ceia, e têm cargos de liderança na igreja. Ganham a confiança e o respeito quando, na verdade, são desrespeitosos e desconfiam de tudo e de todos.

4- Por fim, depois de algum tempo, rejeitam o Evangelho.

O estado final deles é o qual Pedro relatou em sua segunda epístola. Prometem liberdade quando são servos da corrupção. E após terem escapado da depravação do mundo, pelo conhecimento do Senhor Jesus, envolvem-se novamente nela, “e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado; deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: o cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama” (2Pe 2.20-22) [1].

Eles fingem-se cristãos para solapar o cristianismo; o que os torna ainda mais reprováveis, deploráveis, repugnantes, pois dizem amar o que odeiam, e estão dispostos a tudo para sabotar a verdade, subvertendo-a; utilizando-se da própria terminologia bíblica para adaptá-la à mentira, e assim, inventar outro evangelho, redefinindo as doutrinas cristãs segundo os seus padrões de malignidade, corroborado pelo silêncio tolerante da igreja em nome do falso amor.

No fundo, são o que Judas sintetizou: “Se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo” (v. 4).

Mas, por que não são notados? E se são, por que a igreja permite-se ser envenenada?

1- Porque a maioria não conhece ou não se interessa em conhecer o Evangelho. Como antibereanos, deixam-se levar por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (Ef 4.14).

2- Porque a igreja amou mais dar satisfação ao mundo do que a Palavra e a si mesma. Amou mais as trevas do que a luz (Jo 3.19).

3- Porque a igreja não está disposta à autocorreção. Estão tão inchados em sua vaidade, ou são tão covardes em reconhecê-la, que não se dispõem a disciplina bíblica. Com isso os rebeldes estarão livres para lançar as sementes da dissolução, adubá-las, regá-las, e colher os frutos para satanás. Antes, já é tempo do julgamento começar pela casa de Deus (1Pe 4.17).

4- Porque a igreja desistiu de batalhar pela fé que uma vez dada aos santos (Jd 3); e decidiu não resistir mais, ao banquetear-se com o inimigo, recebendo o galardão da injustiça (2Pe 2.13), e apascentando-se a si mesma sem temor (Jd 12).

Dizem “paz, paz, quando não há paz” (Jr 8.11).

Desfraldamos a bandeira branca ao inimigo, convidamo-lo para celebrar o armistício; chegamos mesmo a deixar que governe a nossa casa; entregamos nossas armas; deixamos que desfrute dos nossos tesouros para, como bem-treinado terrorista e espião, atacar sutilmente e deteriorar a verdade, introduzindo fraudulentamente os desvios, os subornos que induzirão ao motim dentro da igreja.

“Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela... que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade”(2Tm 3.5, 7).

Eles simulam piedade quando, na verdade, negam-na completamente na vida prática, pois não têm o menor desejo ou intenção de se afastarem dos seus pecados. Por mais que seja revelada a verdade, por mais que a vejam, ouçam, ela lhes será inexpugnável, seus ouvidos continuarão surdos, seus olhos cegos, suas mentes obliteradas, seus corações duros como pedras. “Como está escrito: Deus lhes deu espírito de profundo sono, olhos para não verem, e ouvidos para não ouvirem... a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração. E se convertam. E eu os cure” (Rm 11.8; Jo 12.40).

Hoje, para escândalo do Evangelho, muitos ditos “irmãos” sequer se preocupam em manter as aparências. Eles não agem sutilmente, nem dissimuladamente. São explícitos e diretos em sua pecaminosidade. Fazem questão de mostrá-la em alto e bom som para que todos vejam o quanto a sua alma é degradada; e batem no peito, garantindo que não mudarão, que terão de ser “engolidos” assim como são. Demonstram claramente a que vieram, e porque estão ali: a arrogância e o desprezo a Deus. São verdadeiros “caras-de-pau”, mas ao menos conhecemo-los o suficiente, pois não deixam nenhuma dúvida quanto aos seus caracteres ímpios. “Destes afastas-te” (2Tm 3.5). Mas, e quanto aos educados, tolerantes, encantadores, agradáveis, e revestidos de uma áurea inocente, com suas frases cheias de citações bíblicas, aparentando-se espirituais? Não são os mais difíceis de serem detectados? Aparentemente, sim. Contudo, Paulo os descreve precisamente: “estes resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé” (2Tm 3.8).

Quanto mais nos afastarmos da Bíblia, como a revelação divinamente inspirada de Deus; quanto mais nos envolvermos com os conceitos anticristãos; quanto mais dermos ouvidos às sandices do mundo, tendo a necessidade de nos justificar perante ele e de mantermos uma “aliança” perigosamente mortal; enquanto considerarmos que o homem do presente século é muito diferente do homem de dois mil anos atrás; enquanto nos enganarmos com as promessas de que os tempos são outros, e de que a verdade pode ser relativizada e contextualizada ao ponto de não se crer na infalível palavra de Deus; enquanto não resistirmos a todas as tendências imorais, antiéticas e voltadas unicamente para os deleites do homem, como o objetivo premente, à revelia dos princípios bíblicos; enquanto a fé for subjetiva em detrimento da objetividade do Evangelho; enquanto estivermos mais preocupados com as aparências do que com os fundamentos; enquanto estivermos adormecidos, e os agentes do mal labutando; enquanto... Seremos facilmente enganados até ao ponto em que não reconheceremos mais a verdade, e seduzidos pelo engano, teremos a mentira por fé.

Portanto, a Escritura, e somente ela, é a única capaz de revelar o inimigo, suas táticas, e a maneira segura de pô-lo em retirada.

Somente assim não seremos confundido, “porque tudo o que dantes foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação da Escrituras tenhamos esperança” (Rm 15.4).

Não se deve desprezar o inimigo, mas deve-se saber que, por Cristo, ele já foi e está vencido (Cl 2.15).

Os tempos são difíceis, porém, gloriosos.

Os tempos são trabalhosos, então, mãos-à-obra; porque "grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros são poucos" (Lc 10.2).

Nota: [1] Sem entrar na questão da Perseverança dos Santos, Pedro não está dizendo que o crente, aquele que foi regenerado pelo Espírito Santo e salvo eternamente por Cristo, possa apostatar da fé. O texto analisa aqueles que ouviram a mensagem do Evangelho, professaram a fé cristã, mas, em algum momento, consideraram haver alguma injustiça no caminho da justiça e alguma mentira no caminho da verdade. Desta forma, estão a provocar Deus, e se voltam como cães adestrados pelo diabo a lamber o próprio vômito, ou seja, a volta à vida pecaminosa e da qual, por algum tempo, se afastaram. Assim, estarão aptos a receber o galardão da injustiça ao deleitarem-se em seus enganos.
Os eleitos, pelos quais Cristo morreu na cruz do Calvário, jamais apostatarão. Podem até envolverem-se em alguns erros doutrinários (erros periféricos, diria), mas a fé dada uma vez aos santos permanecerá firmada em seus corações como dádiva de Deus, e da qual nunca nos separará.

07 setembro 2009

VELHOS E NOVOS FARISEUS [Comentário a Mateus 23.1-12]












Por Jorge Fernandes Isah

A Bíblia esteve nas mãos dos judeus e, ainda que a estudassem diligentemente, não compreendiam os reais propósitos divinos; escutavam muitas vozes, muitas sugestões, muitas interpretações, mas a voz do Espírito Santo era-lhes por silêncio. De forma diabólica, os escribas e sacerdotes ouviam apenas a si mesmos e aos seus pares, corrompendo e acrescentando à palavra de Deus seus próprios conceitos, insuflando o povo a segui-los como se fosse o conselho divino. É o que está escrito: “Na cadeira de Moises estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem. Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu dedo querem move-los” (Mt 23.1-4).
Ao sentarem-se na cadeira de Moisés, os líderes do templo liam as Escrituras, tanto a Lei como os Profetas, explicavam-nas e ensinavam-nas, de forma que cumpriam o trabalho honrado de preservar e propagar a palavra escrita. Contudo, a despeito da autoridade investida (eram também juízes no tribunal onde a Lei Mosaica era a lei civil), suas atitudes não eram compatíveis com aquilo que proferiam. Eles eram “atores”, interpretavam o papel de alguém que não é, não pode ser, ou não quer ser. O hipócrita encontra-se no mais miserável de todos os estados, o de guiar os outros quando está completamente perdido; e de ser incapaz de ver a própria ruína e inutilidade. Por isso, Cristo exortou o povo a ouvi-los, mas não a segui-los (1).
Por diversas vezes, Ele os chamou de hipócritas, insensatos, cegos, assassinos, raças de víboras. Há os que vêem nas palavras do Senhor uma admoestação branda, um apelo amoroso para que os fariseus e escribas se convertessem da sua disposição ao pecado e a oposição a Deus. Porém, em Mateus 23, Jesus os censura duramente através de uma série de “ais” e em descrições pormenorizadas das suas atitudes pecaminosas. Não vejo, na contundência de Suas afirmações, nenhuma demonstração de amor para com o alvo do Seu ataque. Antes, em Suas palavras, é visível a sentença condenatória.
A forma como os “ais” são proferidos, mostram a nítida ira do Senhor para com aqueles homens; e não há porque ser diferente, visto que a Bíblia revela a soberana autoridade de Cristo para salvar e também para condenar. E é esse o caso. Cristo está a julgar os principais. Aqui Ele não se refere a eles como amigos, mas como a inimigos. Parece que, de certa forma, para alguns, se Ele está julgando-os, está agindo injustamente. Mas, lembremo-nos de três coisas:
1-Cristo é Deus. A segunda pessoa da Trindade Santa; o Filho eterno; nosso Senhor e Salvador, cuja morte na cruz propiciou a libertação e vida a muitos; Aquele pelo qual todas as coisas foram feitas; e pelo qual o mundo será julgado. Portanto, se há alguém com autoridade, justiça, santidade e retidão para julgar qualquer pessoa ou evento no universo, esse alguém é o Verbo encarnado: Jesus Cristo.
2-A ira divina é santa. Ela é o reflexo da Sua justiça. Portanto, dizer que Cristo, ao mesmo tempo em que se ira e condena, o faz em amor ao objeto da Sua ira e condenação é, no mínimo, uma contradição. O problema é que se espalhou pelo mundo que Deus ama a todos, quando, na verdade, Deus ama aquele que o obedece, aquele que cumpre os Seus mandamentos, aquele que foi regenerado e lavado no sangue do Seu Filho amado, os eleitos, pelo qual morreu e se entregou para que fossem salvos. Quem se atreverá a rogar por aquele que Deus condena? Ao fazê-lo, não estará questionando a Sua justiça e a santidade? E se fazendo como ele? O “ai” de Cristo é uma acertiva inexorável, do qual não se pode escapar.
3-Deus é justo, e não pode ser questionado por ninguém. Foi o que Ele disse a Jó: “Porventura também tornarás tu vão o meu juízo, ou tu me condenarás, para te justificares?” (40.8).
O que não quer dizer que Cristo não tenha outro objetivo em mente. O alvo do Seu amor está implícito na maneira com que os condena, e desta forma, todos os eleitos lerão e ouvirão aqueles exemplos como alerta para não repeti-los, para afastarem-se deles, para condená-los igualmente, e assim, buscarem fazer exatamente o oposto do que os líderes de Israel faziam. Em outras palavras, Cristo revela-nos toda a sordidez e vilania dos fariseus e escribas, condenando-as e a eles, para que nós visualizemos o erro, saibamos do desagravo de Deus a quem os comete, e nos afastemos de suas práticas. O alvo da Sua ira é a liderança judaica e seus seguidores, o alvo do Seu amor, os eleitos (podendo ser mesmo alguns desses líderes e seguidores).
E, hoje, as coisas são diferentes? Não há milhares de estudiosos mundo afora, Bíblias em mãos, examinando-a, assim como os fariseus e escribas faziam? E, igualmente, não são guiados por suas mentes pervertidas a rebelar-se contra aquilo que dizem acreditar?
Vejamos alguns pontos:
1-Os fariseus e escribas tinham o conhecimento das Escrituras, e sabiam da chegada do Messias.
2-Cristo veio ao mundo, e os fariseus e escribas odiavam-no exatamente porque Ele se opunha a tudo o que faziam e era contrário as Escrituras.
3-Os fariseus e escribas eram “obreiros fraudulentos” (2Co 11.13) e, por isso, combatiam declaradamente o Evangelho de Cristo.
4-Eles se diziam servos de Deus, mas na verdade eram idólatras, pois faziam “todas as obras a fim de serem vistos pelos homens” (v. 5). Faziam ídolos de si mesmos.
5-Não eram humildes; usurparam e usavam o título que não lhes pertencia (Rabi), considerando-se mestres, quando “um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos” (v. 8).
O quadro dos “principais” descrito pelo Senhor, em nada lhes é favorável, ao contrário, é totalmente adverso, desventurado. E muitos discípulos dos fariseus e escribas estão a andar por aí, cheios de vaidade, exibindo-se como pavões na cópula, a fim de serem vistos e engrandecidos como se fossem deuses. A ferida na qual Cristo colocou o dedo é a vergonha exposta por muitos crentes. Não apenas pastores, presbíteros e diáconos, mas muitos de nós estão inchados por todo o tipo de cobiça, de vanglória, de louvor, de adoração, ostentando títulos e honrarias usurpadas de Deus. Como aqueles à época de Jesus queriam ocupar o lugar que somente o Filho de Deus pode ocupar, muitos se iludem com as falsas promessas de que podem ser rabis modernos, mestres de uma legião de tolos e incautos.
Quem lhe deu olhos para ler? A mente para entender? O espírito para discernir? E a vontade para obedecer? Quem lhe revelou o pecado? E a salvação? Quem lhe deu a vida? Ou será que foi você que se entregou na cruz por seus pecados? Ou, onde estava quando Deus fundou a terra? (Jó 38.4).
Se atentarmos, veremos que nada do que temos é fruto do nosso esforço, ou pode ser determinado por nossa vontade, ou aconteceu por mérito. Provavelmente, haverá no mundo pessoas muito melhores do que eu, muito mais inteligentes, sábias, talentosas e dispostas, mas de uma forma inexplicável, Deus escolheu-me para Si e não eles. Por isso, ninguém será justificado por obra de justiça que houver feito (Tt 3.5-6), "para que nenhuma carne se glorie perante ele" (1Co 1.29), e "aquele que se gloria glorie-se no Senhor” (1Co 1.31). Paulo está nos dizendo que tudo é pela graça e misericórdia de Deus, que nada do que somos ou temos é fruto nosso, mas gerado em nós por Cristo. Então, por melhor que eu seja, por mais bem situado social e financeiramente, por mais poder e prestígio que tenha, nada disso foi-me dado por mérito, mas por graça; o que me torna duplamente responsável pela forma como decido usar o que me foi entregue por Deus. Fazendo-o sabiamente, guiado pelo Espírito, serei instrumento de justiça, do contrário, de injustiça. E toda injustiça será castigada, condenada, parafraseando Nelson Rodrigues.
Vem à mente a advertência:
“Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mt 7.20-23).
Sem entrar na análise profunda deste trecho, o que fica evidenciado é que, mesmo muitos sendo usados para a obra de Deus, não são de Deus. Fazem-na, estão nela, cumprem uma obrigação específica determinada por Deus, como todos no mundo, crentes ou não fazem, mas não estão entre os escolhidos. O que revela, mais uma vez, o poder divino de fazer o que quer, como bem quer, com quem quer, porque Ele é o padrão máximo de soberania, justiça e santidade, e para que em tudo o Seu nome seja glorificado. Ninguém pode enganá-lo, ou rir-se dEle, antes é Ele quem ri do tolo, porque “o tolo não tem prazer na sabedoria, mas só em que se manifeste aquilo que agrada o seu coração” (Pv 18.2).
No fundo, os antigos e os novos fariseus orgulham-se tanto das suas obras, como uma espécie de manifestação das suas bondades pessoais, como o fruto da aplicação e esmero de uma vida voltada para o serviço religioso e, com isso, esperando serem justificados perante Deus, corrompem todo o bom ensinamento doutrinário que porventura venham a realizar. Ele está tão seguro de si mesmo, tão cheio de si, que mesmo desejando glorificar a Deus o que consegue é glorificar-se, revelando todo o caráter vaidoso e soberbo que possui (dissimuladamente), e o desprezo para com tudo o que não seja ele mesmo (Lc 18.11-12). Ele é um fraudador da fé cristã, um embuste, uma vergonha para a igreja, pois diz o que está em conformidade com as Escrituras, mas age diametralmente oposta a elas (2). Está tão orgulhoso de suas obras (apontar os erros alheios), ensimesmado com seus dotes e atributos, com o destaque e proeminência alcançados, que é incapaz de acusar em si mesmo os pecados que acusa nos outros. Em suma, é o desobediente crônico; finge que é, mas não é; faz o que não deve quando devia fazer o que diz fazer; é odioso ao criticar o pecado de outrem, talvez por se ver nele e no seu pecado. Ele é um obstinado; perseverante na teimosia.
Paulo o descreve assim: “Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?” (Rm 2.21-23). Esse é o pior inimigo da verdade, porque ainda que a proclame e muitas vezes aceite-a intelectualmente, é incapaz de praticá-la, prefere viver a mentira deslavada, e terminar por blasfemar, com suas atitudes, o nome de Deus entre os incrédulos (Rm 2.24).
Como diz o pregador: “vaidade de vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1.2).
Mas ao que “a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23.12). Porque quando tivermos a mente e o sentimento que houve também em Cristo, o qual se humilhou a si mesmo, e esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, achado na forma de homem, e foi obediente até a morte na cruz (Fl 2.5-8), então seremos “irrepreensíveis e sinceros filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo” (Fl 2.15).
Retendo a palavra da verdade (o fariseu não consegue fazê-lo), humilhar-se significa considerar os outros superiores a si mesmo, não atentar para o que é propriamente seu, mas também para o que é dos outros (Fl 2.3-4). Para que isso aconteça, é necessário que Cristo cresça em nós, enquanto diminuímos e finalmente morremos para nós mesmos (Jo 3.30; Gl 2.20); pois o nosso velho homem foi crucificado com Ele, para desfazer o corpo do pecado, a fim de que não sirvamos mais ao pecado (Rm 6.6).
Cristo nos deu o exemplo: o maior se fez menor para ser exaltado soberanamente.
Notas: (1) Ainda que não diretamente, aqui encontramos o princípio da autoridade. Os líderes, mesmo afundados em suas corrupções, foram instituídos por Deus, e, portanto, não haveria por que os judeus desprezá-los naquilo em que falavam. O Senhor não mandou que o povo se rebelesse contra eles, que os destituíssem dos seus cargos, e colocassem outros mais honrados para exercê-los. Logo, o crente não é chamado à revolução. Não há componentes revolucionários no Evangelho, no sentido de algo afrontoso, insubordinado, desrespeitoso e injusto. O fato dEle ordenar que não praticassem os mesmos atos dos líderes, demonstrava a necessidade de se ter sabedoria, discernimento, santidade, a fim de não se contaminar com o pecado. Em nada nos autoriza ao desrespeito à lei, às normas que somente existem porque cumprem o propósito soberano de Deus; a menos que se oponham à expressa vontade divina. Como Pedro disse, "mais importa obedecer a Deus do que os homens" (At 5.29).
(2) Note-se que estou a falar de um fariseu moderno em um ambiente doutrinariamente ortodoxo, onde os princípios bíblicos estão preservados; já que qualquer tentativa de revelar esse erro em um ambiente corrompido doutrinariamente não surtiria nenhum efeito.

29 agosto 2009

o evangelho caquético do deus defeituoso






















Por Jorge Fernandes Isah

Por que as pessoas querem excluir da natureza divina a ira e a justiça? Por que os textos bíblicos onde esses atributos são manifestados encontram-se reclusos, como se não fizessem parte do Evangelho e fosse proibido exibi-los? Por que limitar Deus àquilo que mais agrada o coração do homem, de forma que lhe traga um falso consolo? Por que Cristo é muitas vezes estigmatizado como se fosse um molenga, não-viril, um “maria-vai-com-as-outras” que aceita tudo de todos? Por que querem que Ele negue-se a Si mesmo em favor do homem? Por quê? Por quê?... Compartimentá-lO, desagregá-lO de Si mesmo é uma tática maligna de desprezar e rejeitar aquilo que Ele é. Infelizmente, entre os cristãos, não parece haver uma unidade quanto ao verdadeiro Deus, quanto ao entendimento da sua natureza, quanto ao que nos foi revelado na Escritura; e a maioria se sente constrangida quando tem de dar explicação a uma passagem em que Deus pune, disciplina, condena.

É como se tivéssemos arrancado páginas e mais páginas da Bíblia a fim de não sermos incomodados com situações violentas, mas que revelam o poder soberano e justo dEle. Não é essa atitude uma violação à natureza divina? O arrogante desprezo de não reconhecer a superioridade da Sua revelação em detrimento da nossa reles concepção? Acontece que cristãos fracos têm pregado doutrinas fracas em que um deus fraco é incapaz de atitudes soberanas; ao contrário, esses cristãos raquíticos proclamam um evangelho caquético de um deus defeituoso e imperfeito que não ultrapassa a extensão da mente obliterada pelas trevas.

Como Marcião e tantos outros heréticos, os pseudocristãos estão mais preocupados em não se envolverem em dificuldades, em facilitarem o seu trabalho, em adequarem a mensagem do evangelho ao estado servil, ao utilitarismo em que muitos ministérios reduziram a Escritura, como o meio de se atingir os seus objetivos iníquos e fraudulentos. No fundo, é um evangelho covarde e bajulador, seguido por uma turba de tolos e impenitentes que, não ingenuamente, estão preocupados em atender os seus próprios interesses, crendo que a pregação espúria de um falso cristianismo será a sua “taboa de salvação” financeira, emocional e espiritual. São cegos guiando cegos até o precipício mais tenebroso da ignorância, da desfaçatez, da estupidez, e da malícia diabólica. Não há inocentes, são todos culpados dos piores pecados contra Deus, enquanto mantêm bilhões manietados por uma discursividade cativa ao impudor satânico.

O objetivo é um só: glorificar o homem, e usar o nome do Senhor como uma espécie de muleta na qual os seus infames propósitos de poder, glória e riquezas realizar-se-ão. Não há nada de espiritual neles, apenas a carne gritando como louca, seduzindo a si mesma, na manifestação mais doentiamente possível da corrupção, rebeldia e irregeneração mental do homem caído.

Mesmo servos fiéis, mentes brilhantes, teólogos, pastores, missionários e outros trabalhadores dedicados à seara de Cristo, são apanhados na teia maligna de distinguir os atributos divinos em dois grupos: os facilmente detectáveis, e com os quais se tornará menos difícil manter um discurso agradável aos ouvidos impuros (questões como o amor, a bondade e benignidade divinas são reciclados de maneira tão antagônicas à revelação escriturística que se tornam em distorções da Sua natureza), e aqueles com os quais se deve manter distância, quando muito citá-los rapidamente a fim de não serem notados pelo ouvinte, e nem seja necessário dar explicações que denunciarão a inclinação viciosa da pregação. Poder-se-ia chamar de negligência, omissão, se não fosse um estratagema maroto e cínico de se ocultar a verdade.

É por isso que se está a criar uma geração de crentes fracos, incapazes de responder ao mundo a razão da fé cristã. Assim, se limitam a ecoar os ditames seculares da tolerância, da contemporização, quando a sociedade é completamente intolerante e intransigente quanto a Cristo e Sua palavra.

Por isso, eles não aceitam Cristo como a única verdade, como o único caminho, como a única vida. Por isso, não aceitam o Cristo irado, vingador, que julgará e condenará os pecadores impenitentes. Por isso, não aceitam Cristo como único Rei, Senhor e Salvador, porque, desta forma, teriam de se sujeitar ao Seu reinado e senhorio. Por isso, se criou uma imagem de um Cristo subserviente, adocicado, meigo até ao nível da mais pavorosa demência. Por isso, não querem ser confrontados pela Palavra, mas criarem a sua própria interpretação falaciosa, conduzindo-a até aquele cantinho onde o homem jaz morto; onde a última pá de terra é jogada sobre o seu cadáver.

Alguns gnósticos retrataram Cristo assim, como um ser espiritual neutro, inofensivo, abestalhado. Católicos e espíritas descrevem-no quase como se fosse uma donzela indefesa; outros, como um lunático. Há os que O pintam como um homem comum, sujeito às fraquezas e passível de erros. Há os que ainda O vêem como um perigoso potencial, um revolucionário temível. Há os que simplesmente O ignoram, e ainda aqueles que O desdenham. Contudo, Paulo alerta: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6.7); mas os tolos não ouvem avisos nem os consideram. São rebeldes obstinados, aos quais está destinada a condenação eterna, e, ainda assim, mesmo no inferno, considerar-se-ão certos em sua inútil revolta.

A verdade é que Cristo é o Senhor de todas as coisas, o Deus Vivo em que “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9); o Senhor dos Exércitos (Sl 84.3), o Guerreiro (Ap 19.13-16) , o Justo (Tg 5.6), o Unigênito Filho Amado de Deus (Jo 1.18), o Criador de todas as coisas sem o qual nada existiria (Jo 1.3), o Salvador (Tt 3.6) e Juiz (At 10.42). Será que estas qualidades anulam o Seu amor, bondade, benignidade, santidade e retidão? NÃO! Todas elas são atributos divinos, e não podem ser repartidas como se possível fosse setorizá-lO. Qualquer tentativa de separar a unidade divina, puxando-a para um lado ou outro, é desqualificá-lO, reduzi-lO a um arremedo daquilo que Ele mesmo revelou-nos. É o pecado supremo de não glorificá-lO; de esquecer, não temer, nem servi-lO como Deus zeloso, cuja ira se acende contra todo o rebelde. Nenhum profeta ou apóstolo teve a audácia e insolência de minimizá-lO, antes foram guiados pelo Espírito Santo na coragem e obediência em descrevê-lO assim como Ele é, assim como se deixou mostrar e quis se revelar.

Como sempre digo, a verdade não precisa ser defendida, mas proclamada (porque anunciar a verdade é a forma de melhor defendê-la do embuste, ao revelar-lhe a artimanha e o seu artificioso ardil). Deus não precisa que o defendamos de supostos ataques humanistas e das investidas diabólicas, mas Ele precisa ser proclamado como a Bíblia O revela: Deus Todo-Poderoso, soberano e Senhor de tudo e todos, não uma bijuteria sobre a mesa da qual nos lembramos apenas quando se vai tirar o pó. De outra forma, como os eleitos serão regenerados e abandonarão as falsas doutrinas? E como os santos serão feitos à imagem perfeita de Cristo?

Ocultar ou rejeitar partes da revelação divina em nada afeta a Sua natureza e glória, mas nos coloca em “maus-lençóis”, ao tornar-nos odiosos diante dEle, que não tem por inocente aquele que tomar o seu nome em vão (Ex 20.7).

Que se pregue o Evangelho da verdade, em sua totalidade, não aquilo que pode ser conveniente e falsamente interpretado como a completude da revelação, quando não passa de um fragmento descontextualizado em que uma mínima parte verdadeira é reunida a uma maioria mentirosa e, assim, utilizada para construir e validar um complexo falacioso.

Deus é Todo-Poderoso, e não há nada nEle que O envergonhe, porque é santo, justo e o único Senhor. Da mesma forma, não pode haver nada que nos escandalize na Escritura (refiro-me a Deus, Sua natureza, propósitos e ações, pois, o diabo, seus anjos e os homens são completamente reprováveis e escândalosos), antes rendamos honra e glória ao Deus que está diante de nós, e pelo qual somos chamados a confiar no Evangelho como a Sua fiel revelação.

E livremo-nos definitivamente do evangelho capenga do deus falseado, para se viver a verdade santa e objetiva da Palavra do Deus Vivo.

23 agosto 2009

AMOR & VERDADE
















Por Jorge Fernandes Isah

Primeiro, vamos definir alguns termos segundo o dicionário Priberan:

Amor(1) - 1.Sentimento que induz a obter ou a conservar a pessoa ou a coisa pela qual se sente afeição ou !atração.
2. Paixão atrativa entre duas pessoas.
3. Afeição forte por outra pessoa.
4. O próprio ser que se ama. (Usado também no plural)
Verdade(2) - 1. Conformidade da ideia com o objeto, do dito com o feito, do discurso com a realidade.
2. Qualidade do que é verdadeiro; realidade; !exatidão; coisa certa e verdadeira.
3. Por ext. Sinceridade, boa-fé.
4. Princípio certo; axioma.

Agora, pense um pouco: é possível haver amor sem verdade?... A maioria, certamente, dirá que não. É impossível conciliar o amor em meio à mentira, a hipocrisia, ao engano. Intelectualmente a resposta é bem mais fácil de obter. Mas, e na prática? Será que vivemos a verdade quando dizemos andar em amor?

Hoje em dia, é muito comum se ouvir dizer: irmão, deixa de ser crítico, o importante é o amor. Ou, devemos amar os nossos irmãos ainda que estejam no erro. Ou, Deus amou o mundo, por que não podemos amá-lo também? Ou, julgar é pecado!... E segue-se uma lista de expressões tão fúteis quanto incoerentes quanto mentirosas, no sentido de que se é possível caminhar em amor com alguém que transita no erro sem apontar-lhe o erro, ou pior, fazendo “vistas grossas” ao engano, como se ele não existisse, ou fosse irrelevante.

O amor, por si só, é inclusivo. Posso amar uma pessoa ainda que ela não me ame, e posso ser amado por alguém sem que eu o ame. Porém, a verdade é exclusiva, ela não se juntará ao erro ou engano, mas o revelará, a expor-lhe o falso caminho. Por isso satanás se empenhou em destruir a verdade no coração do homem. Desde o Éden, o seu trabalho incessante é com o objetivo de desqualificar, relativizar e descontextualizar a verdade, ao ponto em que ela seja desfigurada, descaracterizada e, por fim, inexista como um princípio racional e moral; sendo removida e substituída pela irracionalidade e pela má-fé ardilosamente tramada. Por isso o mundo não quer saber de absoluto, nem de verdade, pois, onde ela estiver a fraude ficará evidenciada, e será desmascarada; e a mentira se torna a opção mais servil, favorável e multifacetária aos intentos do seu autor.

Biblicamente o que é o amor? Segundo Paulo, “O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros” (Rm 12.9-10)... "O amor... não folga com a injustiça, mas folga com a verdade” (1Co 13.6).

Segundo Cristo, “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim... Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama” (Jo 14.6, 21).

Segundo João, O amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este é o mandamento, como já desde o princípio ouvistes, que andeis nele" (2Jo 1.6).

Antes de definir o amor como os dicionários fazem a Bíblia revela-o na manifestação dos atos divinos. Mais do que explicar, ela demonstra-o. Mais do que classificá-lo, ela exprimi-o não somente por palavras, mas por gestos. Ao invés de ser um simples postulado, ela o comprova factualmente; e a prova maior é que Deus entregou o Seu Filho Amado por amor dos eleitos. Da mesma forma, a vida cristã não se resume a um emaranhado de teorias desconectadas da realidade, a vida cristã está voltada para a prática muito mais do que para as especulações. Não que a teoria ou doutrina seja irrelevante. Não é isso. Sem uma base doutrinária sólida e biblicamente fundamentada, a vida cristã se revestirá de múltiplos subjetivismos, e qualquer um fará o que lhe der “na telha”, segundo aquilo que julgar melhor. Mas esse julgamento em nada terá a ver com a verdade, logo, não é objetivo, nem santo, nem justo, pois não procede de Deus. A verdade não admite metades, nem tons cinza, nem possibilidades, nem pode ser amoldada ou ter a sua ordem transigida. Como disse várias vezes, não há muros onde subir e no qual se encontre a verdade. Ela é única, monopolizadora, polarizadora, opondo-se e suprimindo toda a mentira.

Cristo é a verdade, “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32) de todo engano, do pecado, que é a mentira impossível de que se pode opor a Deus impunemente; de que a desobediência não será castigada; de que pouco importa a maneira como irei servi-lO, desde que o faça piedosamente, ainda que essa piedade não passe de um erro em si mesma, quando ela se disfarça de devoção, mas uma devoção cujos fins, ainda que aparentemente bíblicos, não são justificados nem se enquadram nos padrões determinados por Deus. Há uma expressão, “pia fraude”, que indica exatamente uma mentira ou engano para um fim piedoso. Portanto, o padrão de obediência a Deus não está na piedade, mas na verdade que levará à piedade. Qualquer forma de amor será vazia se não estiver firmada na verdade. Posso dizer que amo uma pessoa e vê-la caminhar seguramente para o inferno sem admoestá-la quanto ao caminho que a levará à perdição. Posso dizer que a amo e ainda assim não me sentir incomodado por seus pecados. Isso, invariavelmente, indicará que não estou na verdade, ou ela em mim, pois, se estivesse, não me conformaria com a hipótese de alguém infringir deliberadamente a santidade divina pela dissolução. Se não me importo com o pecado alheio, não me importo com os que pecam, nem com Deus que abomina o pecado e o pecador. Então, o pseudo-amor não passará de um artifício para justificar a omissão e o conluio com o pecado do próximo (o que significa pecar conjuntamente com o outro pecador); e o crente condescendente não passará de um traidor, um escândalo para tudo o que é um cristão bíblico. O amor implicará no desejo de que as pessoas andem na verdade, amem-na, arrependam-se dos seus pecados, odiando-os com o que há de mais santo em seu íntimo, assim como Cristo (Hb 1.9).

Tentar justificar qualquer atitude ou postura com base naquilo que não é bíblico, é uma tentativa de sustentá-lo através do engano. A mente humana é prodigiosa em se autovalidar, e o que muitos de nós têm feito é exatamente isso, dar chancela a algo que não procede da vontade de Deus, mas unicamente tem por significado nos justificar diante de nós mesmos e, de certa forma, diante da Igreja e de Deus. Usar o argumento de que tal procedimento não está proibido expressamente na Escritura, não quer dizer que ele seja autorizado. Nós ainda não nos acostumamos completamente com a subserviência, o sujeitar-se ao nosso Senhor, e queremos propagar uma liberdade que não temos. Onde está escrito que o escravo tem alguma liberdade? Cristo nos comprou com o Seu sangue para nos libertar do pecado e da maldição do inferno, para habitarmos o seu Reino de glória, e para que tivéssemos uma íntima comunhão com Deus. Mas, em momento algum, ouve-se dizer que temos liberdade para fazer isso ou aquilo à revelia da Escritura. A menos que não a consideremos nossa regra de fé. A menos que a desprezemos, não a julgando como a fidedigna palavra de Deus. A menos que falemos da boca pra fora, porque não recebemos o amor da verdade para a salvação (2Ts 2.10). A menos que o nosso coração esteja tão arraigado às coisas do mundo, que a melhor das atitudes é a negligência e a desobediência. Seria isso uma prova de amor ou de desamor? Não seria o mesmo que buscar justiça na injustiça? Cristo em Belial? Fidelidade na infidelidade? Deus entre os ídolos? (2Co 6.14-16). Ou, para ser mais claro ainda, verdade na mentira? Contudo, fomos gerados pela palavra da verdade, para não errarmos, porque toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação (Tg 1.16-18).

Mas julgamos que Deus é mutável, e se é, não se importará em que alteremos um pouquinho aqui e acolá o que nos revelou expressamente, ou mesmo com aquilo que está implícito, mas que pode ser entendido como a Sua manifesta vontade. Algo definitivamente reprovável é quando se quer adaptar a Escritura, o padrão máximo e perfeito da vontade divina, ao padrão mínimo e sedicioso da vontade humana. Em nome das possíveis brechas que acreditam haver na Bíblia (outra corrupção de suas mentes), querem preencher as supostas lacunas com o que de mais desonesto e mesquinho podem gerar.

E gritam a plenos pulmões: “Amor! Amor! Amor!”, enquanto o verdadeiro amor será manifestado na obediência a quem se ama, na forma como se sujeitará e honra-lO-á. Palavras como edificar, crescer, santificar e glorificar só significarão alguma coisa se estiverem em acordo com a obediência. Sem obediência serão apenas expressões “ao léu” que, de fato, nada representam, nem têm sentido.

Sem o menor pudor, de uma forma maligna, tem-se abandonado qualquer disposição de obediência à Palavra, revelando o nosso desprezo; envolvendo-nos em uma falácia espiritual em que se camufla amorosa, piedosa, e não mentirosamente a verdade, quando se tem especializado no mais sórdido padrão de desobediência, e a verdade se tornou em um mero detalhe, onde, dizem, o que vale é o amor. Mas não é essa uma forma dos homens deterem a verdade em injustiça? (Rm 1.18).

O salmista escreveu: "A tua palavra é a verdade desde o princípio, e cada um dos teus juízos dura para sempre... A tua palavra é muito pura, portanto, o teu servo a ama" (Sl 119.160, 140).
O amor, como Paulo diz, é o maior de todos os dons. Usá-lo como escudo para a desobediência além de desamor é pecado. O amor verdadeiro não é inimigo da verdade, nem a verdade inimiga do amor. Eles se complementam, são indissociáveis, não andam separados. Quem espera ou acredita na desagregação entre o amor e a verdade é o crédulo no impossível: crer na mentira do Evangelho.

Mas aquele que está na verdade não teme nem precisa temer o amor, porque o amor perfeito lança fora todo o temor (1Jo 4.18); "de sorte que o cumprimento da lei é o amor" (Rm 13.10).

Nota: (1) O principal verbo hebraico para amor é “aheb”, enquanto para o grego há várias palavras: “agapao”, “phileo”, “eros”, “philadelphia”, etc. Resumindo, do ponto de vista bíblico, a palavra amor significa “a comunhão entre as pessoas baseadas em atos de auto-sacrifício. Tal amor é a bondade voluntária e deliberada, estendo-se até mesmo aos inimigos por quem não se tem qualquer afeto pessoal” (Dic. Bíblico Wycliffe).
(2) Do heb. "emuna", e do grego "aletheia".