Jorge F. Isah
Frankenstein, ou o prometeu moderno, é um exemplar romantista, escrito por Mary Shelley e publicado em 1818, quando tinha 19 anos.
Especialmente por suas longas descrições, sejam de ambientes, lugares, pensamentos, pessoas, motivações, etc, que caracterizam o estilo literário "romântico", Frankenstein é um exemplar típico desse movimento. Para os não iniciados, pode parecer enfadonho e desnecessário, mas os detalhes auxiliam na compreensão e no clima de suspense/tensão da narrativa. Não o classificaria como um livro de terror; parece-me muito mais um grande drama, uma tragédia, remetendo à literatura grega clássica, a começar pelo subtítulo.
A história começa com o Dr. Victor Frankenstein (muitos imaginam ser o nome da criatura e não do criador) construir um “monstro” a partir de partes e pedaços de corpos. Após dois anos de intensos estudos, descobre a fórmula de dar vida à sua criatura, causando-lhe aversão e asco, levando-o a abandoná-la. Pararei por aqui, na descrição, para não estragar o ânimo do futuro leitor, e me aterei ao que mais me chamou a atenção no enredo.
Como disse, é um livro com inúmeras descrições, pormenores e detalhes que podem cansar o leitor não acostumado com a literatura romântica, ou romantismo. Parecem se arrastar e se repetir em muitos momentos, mas são necessários para criar um vínculo, ou melhor, uma sintonia do leitor com o relato. É notória a repetição das descrições sobre a “criatura” especialmente por Victor, que não se cansa de chamá-la de “monstro” e “demoníaca”.
Aspectos morais e éticos são abordados pela autora, em especial as consequências das escolhas, mormente as ruins, notadamente o mal a acometer inocentes que em nada colaboraram para as decisões equivocadas. Frankenstein e sua criação travam um embate onde ninguém próximo sairá ileso, nem eles próprios. Algo que Shelley vislumbrou há 200 anos, como um desastre de grandes proporções se continuado, paira sobre a humanidade com os inúmeros experimentos genéticos em curso. Até que ponto, podemos brincar de Deus? Sem que a nossa “criação” se volte contra nós mesmos?
Se no racionalismo a razão é a mãe e explicação para todos os eventos e comportamentos e decisões, no naturalismo sobram sentimentos sem qualquer explicação racional. Por que Victor desejou fazer-se Deus e criar um monstro? Por que abandonou a sua criação? Perdendo o aparente controle sobre ela? E a criatura, desprezada e hostilizada, experimentou o mal que não conhecia?... Leva-me à Queda, quando o homem rejeita o Bem-Supremo para viver no inferno interior, tão vil que se propaga ao seu redor, como uma peste, corrompendo e infectando quase tudo. Se a criatura é o mal, Victor é o impotente homem incapaz de combate-la, antes faz apenas “excitá-la” a produzir ainda mais o caos, desordem, dor e morte.
Se antes a vida de Frankenstein era permeada pela completa ordem familiar, profissional, acadêmica, amorosa, fraternal, após a “liberdade” do monstro tudo vai se desvanecendo rapidamente; resta apenas o remorso e o ardente desejo de vingança a consumi-lo. Vê-lo perder a harmonia, fruto do seu egoísmo, orgulho e fraqueza, permite-lhe apenas uma saída: enfrentar o monstro. Entretanto, como combater e vencer algo maior e mais forte? Por onde passa, o "monstro" leva-o de roldão, um caminho repleto de desgraças.
A analogia com o pecado, e seu poder sedutor e controlador é inevitável, e deve nos colocar em estado de alerta, a fim de não sucumbirmos ao seu poder. Pois, depois de instalado, resta-nos a sujeição, feito escravos; e a aversão, o nojo, culpa e escrúpulos não são suficientes para derrota-lo, pelo contrário, faz com que se ria, e delicie-se, ainda mais de nós e da nossa moral, não muito distante dos "trapos de imundície". É melhor não cogitar ou aventar a hipótese do "monstro", para não se ver aterrorizado, encurralado, ou destruído por sua "força".
No fim das contas, o "monstro" vence, ainda que ele mesmo seja vítima do seu desejo pérfido, e pague, a seu tempo, a conta por seus crimes.
Um livro que vai muito além da mera diversão, para levar-nos do sossego a inquietação, com toda a complexidade da vida.
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Avaliação: (***)
Livro: Frankenstein ou o Prometeu Moderno
Autora: Mary Shelley
No. Páginas: 304
Editora: DarkSide
Sinopse: "No aniversário de duzentos anos de sua criação, FRANKENSTEIN volta a caminhar entre nós, numa edição monstruosa como só a DarkSide® Books poderia lançar. A obra-prima de Mary Shelley merece. Seu livro de estreia é um marco do romance gótico, verdadeiro ícone do terror e influência fundamental para o surgimento da ficção científica. A criatura de Frankenstein é considerada o primeiro mito dos tempos modernos.Para compor sua bem-sucedida experiência literária, Shelley costurou influências diversas, que vão do livro do Gênesis a Paraíso Perdido, da Grécia Antiga ao Iluminismo. O resultado é uma daquelas histórias eternas, maiores do que a vida. Leitura obrigatória em países de língua inglesa, FRANKENSTEIN é muitas décadas anterior à obra de Poe, Bram Stoker ou H.G. Wells, e vem sendo publicado ininterruptamente desde 1818. Pouco menos de dois anos antes, a criatura nascia numa noite de tempestade à beira do lago Genebra.No verão de 1816, Mary e um grupo de escritores ingleses ― seu marido, Percy Shelly, o poeta Lord Byron e John William Polidori ― dividiam uma casa na villa Diodatti, na Suíça. Entusiasmados pela leitura de uma edição francesa de Fantasmagoriana ― coletânea de histórias sobre aparições, espectros, sonhos e fantasmas ―, os quatro aceitaram o desafio de escrever um conto de terror cada. Mary concebeu a origem de FRANKENSTEIN. E curiosamente, Polidori escreveu o que viria a ser O Vampiro, romance que serviria de inspiração para Drácula, de Bram Stoker. A história de Victor Frankenstein seria reinterpretada incontáveis vezes. Ainda no século XIX, era levada com sucesso ao teatro. A primeira aparição no cinema data de 1910, mas foi em 1931 que Boris Karloff deu um rosto definitivo à criatura no imaginário popular. O livro de Shelley, assim como o filme de Karloff, serviria de inspiração para a imaginação de artistas como Tim Burton, Clive Barker, Wes Craven, Mel Brooks, Alice Cooper, Roger Corman. As referências estão em todas as partes: nos monstros da Universal Studios e da Hammer Films, na comédia musical de horror The Rocky Horror Picture Show, em filmes como Reanimator, inspirado no conto de H.P. Lovecraft, em álbuns como Yellow Submarine, no universo das HQs da Marvel e da DC Comics, em games como Castlevania, e em séries e desenhos clássicos como A Família Addams e Scooby-Doo.A lista é interminável. São tantas versões que é quase impossível não estar familiarizado com a história: Victor é um cientista que dedica a juventude e a saúde para descobrir como reanimar tecidos mortos e gerar vida artificialmente. O resultado de sua experiência, um monstro que o próprio Frankenstein considera uma aberração, ganha consciência, vontade, desejo, medo. Criador e criatura se enfrentam: são opostos e, de certa forma, iguais. Humanos! Eis a força descomunal de um grande texto.Mas quando foi a última vez que você teve a chance de entrar em contato com a narrativa original desse que é um dos romances mais influentes dos últimos dois séculos? Que tal agora, na tradução de Márcia Xavier de Brito?"
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