Jorge F. Isah
O ateísmo não é algo novo e que surgiu nos últimos séculos. O salmista já o denunciava a seu tempo [Sl 14.1]. Acontece que temos os ateus professos ou dogmáticos, aqueles que declaram e defendem uma fé ateísta, a fé na descrença
Jorge F. Isah [1]
O mundo é mal, dizem alguns, enquanto comem caviar, lagostas e bebem um Domaine Leroy Chambertin Grand Cru, de U$ 4.000,00 a garrafa. Só se for para as ovas do Huso huso, dos crustáceos decápodes ou das pobres vitis viníferas. Na verdade, o mundo não é mal. O problema é ter gente só pensando o mal e buscando o mal, enquanto dizem querer o bem. Como aquela galerinha que vive falando em paz, amor, na opressão das codorninhas antes dos ovos eclodirem, enquanto, no silêncio dos fones Beats e segura em seu quarto, maquina esquartejar e atear fogo na inofensiva velhinha no GTA San Andrés. Não obstante, alguém pode questionar ser mal um ataque puramente virtual onde não existem vítimas reais? Claro que não. Seria um absurdo. Mas uma semente daninha, se cair no terreno certo, virará uma árvore dos capetas.
Certa vez, ouvi
de um amigo a seguinte história: Estávamos eu, minha esposa e meus filhos no
velório da irmã da tia da amiga de minha mulher. Ela morrera muito jovem e
prematuramente. O filho mais velho tinha doze anos. Nos sentimos abalados com a
notícia, a despeito de esperar o fim trágico havia algum tempo, já que a doença
era incurável. Pois bem, eu não conhecia a quase totalidade das pessoas do
lugar, e como minha filha estivesse muito triste, ela se aproximou, encostou-se
em mim, e abracei-a, consolando-a. Nisso, chegaram algumas mulheres e conversaram
com a minha esposa. Eu não sabia quem eram, mas presumi, pela tristeza, serem
parentes. Ficaram lá um tempo; e no ambiente de comoção, talvez por descuido,
não fizemos as apresentações.
Então, uma das
mulheres, a que mais me observava (desde a chegada, fixou-se em mim,
descaradamente), cochichou algo. Minha mulher virou-se, e sorriu encabulada:
- Este é o meu
marido e a minha filha.
- Ah, bom, a
amiga disse, pensei que fosse mais um velho safado enrabichado por uma
garotinha.
Fiquei tão chocado
que não disse nada. Apenas imaginei: que raios levou esta mulher a pensar tal
coisa?... Devia ser um recalque, trauma ou simplesmente estupidez.
No fundo, todos esses elementos têm origem no mal, normalmente da
própria pessoa. Se você não procurar, não encontra. E mesmo se procurar, pode
não encontrar. Mas se insistir na busca, por certo, mesmo que não encontre,
arrumará um jeito de crer que encontrou. Assim é boa parte das pessoas que
pensam maldades, e as veem nas atitudes mais inocentes e castas. Nada é mais
deletério do que os pensamentos delas, muito mais do que a produção necessária
para entupir a latrina.
Outro dia, um
velho, ostensivamente, olhava uma adolescente em vestes sumárias. Ao ponto de a
garota se incomodar, trocar de lugar, e ficar de longe esguelhando- o. Ele não
se importou, e manteve-se fixado nela. Por fim, ela desistiu e saiu porta a
fora. Então, ele se virou para mim e disse:
- Viu aquilo?
- Não. O quê?
- Ora, essas
meninas não sabem mais como se portar em ambiente público. Vestem-se como
prostitutas, e não respeitam ninguém.
Eu
verdadeiramente não queria aquela conversa. Mas não me contive, tal a
dissimulação do velho gagá.
- E o senhor,
sabe?
- Sabe o quê?!! –
ele estava intrigado, quase assustado, e sem me entender.
- Portar-se em
público?
- Ora, como ousa!
Sabe com quem está falando?
- Não, não sei. E
o senhor, sabe?
Esperou um
instante. Os olhos indecisos e a língua claudicante. Por fim, respondeu:
- Não, não sei...
Quem você é?
- Sou o homem que
vejo um hipócrita a metros de distância, mas um canalha posso senti-lo
quilômetros mais.
Levantei-me, e
saí da poltrona onde estava. Do seu lugar, ele me encarou. Até que foi chamado.
A secretária do proctologista ao vê-lo, disse sardônica:
- Por aqui de
novo, seu Mário?... – E lhe deu um tampinha nas costas - Desse jeito, vou ter de arrumar um cantinho
para o senhor.
- Ora, ora,
menina, não carece.
Entrou
sorridente, talvez sem entender, talvez entendendo, talvez sem aceitar, talvez
aceitando as formulações da enfermeira. De minha parte, estava aliviado de não
receber tratamento tão íntimo, mesmo da equipe oftalmológica.
É o que sempre
digo, a despeito do pecado original, da natureza caída do homem, ainda resta
muito do “imago dei”[2] em
cada um de nós, e, por isso, existe bondade nas pessoas, talvez não o
suficiente, talvez em módicas porções, mas capaz de nos fazer lembrar do que
somos, do que não somos, do que deveríamos ser e não podemos ser, mas é sempre
Deus a nos mostrar como seremos, se para o bem ou para o mal, é ele quem nos
mostra, nos guia e nos orienta e sustém no caminho para o bem. É uma discussão
longa, que o exíguo espaço desta revista não permite, mas o fato consiste em:
se procurar o mal, o encontrará até mesmo nas coisas boas e saudáveis da vida.
Se procurar o bem, é possível que do próprio mal Deus faça o bem, e você se
surpreenda.
Surpreso ou não,
existem os incapazes de ver além dos próprios olhos, de enxergar além de si
mesmo e, por isso, ninguém ou nada jamais prestará. Os niilistas foram tão
eficientes em espalhar seus dogmas, seu pessimismo além do próprio ceticismo e
derrota, que mesmo que a vitória caia-lhe nos colos, a tratarão como inimiga,
venenosa, absurda e sem sentido. Se um deles, não segundo a realidade ou as
exigências da vida, mas segundo a descrença utópica ou melhor, a relutância
absoluta, estivesse se afogando e lhe dessem uma boia salva-vidas, ele a
recusaria, ciente de não haver nada em seus princípios a consentir com tamanha
nulidade. E, ainda por cima, acusariam o bombeiro, a tentar resgatá-lo, de
astênico e covarde.
Certa vez, um
jovem foi vendido como escravo por seus irmãos. O seu nome era José. Acabou
levado para a casa de um importante figurão em um país distante. Lá, em uma
série de encadeamentos providenciais, acabou por ganhar a confiança do rei. Ao
se antecipar e prever tempos difíceis, de fome e escassez, e tomar atitudes e
medidas para o reino não sofrer as agruras da penúria, se tornou
primeiro-ministro. Durante a miséria da região, sem saber, seus irmãos migraram
para esse país, em busca de alimento, já que era o único preparado para atender
as necessidades não somente do reino mas dos países ao seu redor. Quando
perceberam que o segundo homem mais importante era o seu irmão, entregue como
escravo na adolescência, imaginaram que seria o momento de vingança e que
estariam literalmente ferrados. Não esperavam por misericórdia, mas justiça.
Não esperavam perdão, mas sentença. Muito menos afeição. Nada além do castigo.
Então, o
primeiro-ministro ao vê-los, chorou, abraçou-os, mandou alimentá-los,
trocar-lhes as roupas, e fazer uma festa. Estarrecidos com aquela situação
inesperada, mas ainda temerosos, ouviram de José: “Vós bem intentastes mal
contra mim; porém Deus o intentou para bem, para fazer como se
vê neste dia, para conservar muita gente com vida.”[3]
Você pode se lamentar
e dizer: ninguém presta!... Este mundo não vale nada!... Mas, na verdade, você
é apenas medroso, um poltrão a lançar por todos os lados, e sobre todos, os
seus receios e pavores, resumidos nestas palavras: amar e fazer o bem.
Por incapacidade,
escolha ou fingimento, atear fogo ou esquartejar inocentes no GTA certamente é o
seu jeito de dizer: dane-se!
[1] Texto
publicado originalmente na Revista Bulunga, No. 19. Disponível em bulunga.com
[2]
Imago dei, do latim, imagem divina ou imagem de Deus. Conforme Gênesis 1:26-27
e 5:1
[3]
Gênesis 50:20