Por Jorge Fernandes Isah
De certa forma, o mesmo sectarismo que Paulo apontou entre os coríntios, vemo-lo hoje. A Igreja está tão dividida, inclusive pelos que pregam unidade, pelos sem "placas" nem "nomes", pelos que se julgam filhos "exclusivos" de Deus, pelos que se consideram "libertos" mas estão presos ao pior farisaísmo existente ou ao liberalismo impossível, pela incredulidade, pelo abandono da fé, pela irracionalidade, pelo orgulho, pelo mundanismo, que já não se lembram mais do objetivo principal em meio a tantas outras finalidades secundárias e extrabíblicas: pregar o Evangelho de Cristo crucificado [1Co 2.2].
Perdemos tempo com "outros" evangelhos, e negligenciamos o que realmente importa. Com isso, não quero jogar para "debaixo do tapete" os problemas da igreja, muito menos pregar o ecumenismo. Longe de mim cometer estes pecados. Mas se ao invés de gastar o precioso tempo de que dispomos tentando "corrigir" os erros de outras igrejas e denominações, preocupássemos conosco e o corpo local, certamente estaríamos "salvando" a nós mesmos e aos nossos queridos... Um minuto! Não confunda uma frase hiperbólica com salvação de verdade, a qual apenas o nosso Senhor Jesus Cristo é capaz de realizar. Estou a dizer é que nos preocupamos em "salvar" os outros [pelo menos nos enganamos com essa idéia] quando, na verdade, o nosso objetivo é "revelar" o quanto estão errados e desviados do caminho; e assim nós mesmos acabamos nos desviando do caminho, substituindo o amor à proclamação do Reino pela acusação, pela denúncia improdutiva, mas que garante a autoexaltação e uma publicidade extra.
Em muitos casos, buscamos apropriar-nos da glória que não é nossa, mas de Cristo. E, por favor, não confundam essa declaração com a condenação à disciplina bíblica, pois a disciplina é atributo da igreja, do corpo local, e não de irmãos isolados que falam por si só, como se fossem a própria voz de Deus [estes, se forem eleitos, são alvos da disciplina divina].
Deus levantará, segundo a Sua santa vontade, irmãos que farão o trabalho apologético, defendendo a fé bíblica apontando o erro daqueles que são antievangelho, e mesmo dos cristãos que "deslizaram" em um princípio ou outro. Mas, infelizmente, o que acontece é que, de uma hora para a outra, a maioria se arrogou e arvorou apologista, e saiu "atirando" para todos os lados, como uma metralhadora descontrolada. No fundo, parece até que sentem um prazer mórbido quando se deparam com os desvios e heresias, quando deveriam chorar por ver o estado em que distos cristãos se encontram afastados e dissociados da verdade. Há porém um tom zombeteiro, cínico, perverso e doentio no ar, em que a mentira alcançou status superior à verdade, numa clara inversão de valores, mesmo por aqueles que se dizem guardiões da verdade. É que ela quase ou nunca aparece, como se apenas o revelar os erros fosse suficiente para corrigi-los.
Enquanto isso, sorrateiramente, o diabo planta dentro do corpo local suas heresias, mas como nossos olhos estão voltados para os erros alheios [de outras denominações e outros irmãos denominacionais, cuja disciplina não está ao nosso alcance, nem nos cabe exercê-la], permitimos que a nossa omissão e desleixo corrompa-nos também.
O pior é que muitos nem sequer participam do corpo local, acreditando num cristianismo solitário e individualista, numa clara rebeldia aos princípios bíblicos que dizem defender. No fundo se consideram superiores e melhores do que Cristo e a Igreja; e sentam-se confortavelmente em suas torres de vigilância, desprezando-os, ridicularizando-os, pois sequer passa-lhes pela cabeça submeter-se à autoridade do Senhor, mas agarrar-se a uma graça barata onde o único compromisso é consigo mesmo.
São "livres" para bater à vontade, contudo, esquecem-se de que, caso sejam eleitos, a mão disciplinadora de Deus está sobre eles. Se não forem, não há disciplina, mas a condenação eterna os aguarda.
A melhor forma de se pregar o Evangelho de Cristo é pregando o Evangelho de Cristo, e não combatendo o antievangelho. Qualquer um pode combater [pois nem mesmo argumentos precisa-se ter, apenas vontade, disposição], mas poucos são capacitados a viver o Evangelho, pois para isso é preciso ser convertido, regenerado e lavado no sangue de Cristo; ter o conhecimento, e sujeitar-se a Deus; andar na verdade, e não à cata desenfreada da mentira.
É mais fácil cuidar do mato do que do trigo.
A melhor forma de se lutar contra a fraude e a heresia é expondo a verdade: a sagrada Escritura. De nada adianta refutar a heresia se não se obedece aos mandamentos do Senhor, e assim fazendo, demonstrar não amá-lo [Jo 14.15] e,"em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens" [Mc 7.7].
A melhor forma de se lutar contra a fraude e a heresia é não tentar reformar o irreformável, a espécie mais visível de um "cristianismo" acristão, onde o Senhor não está presente; sua palavra não é desfraldada mas fraudada; onde os interesses carnais são revestidos de uma espiritualidade falsa e oca. Temos de entender que a maior parte das igrejas não participa do Reino de Deus, mas são terrenos dominados pelo inimigo; e muitos que se arvoram a defensores da verdade querem distrair incautos e levá-los ao afastamento de Deus, com a proposta de se buscar desenfreadamente a mentira, expondo-se a mentira como a verdade automaticamente revelada, sem se aperceber de que outra mentira tomou o lugar da primeira, num círculo vicioso onde a verdade não tem lugar.
Portanto, é urgente que antes de se entrar numa "caça às bruxas", que se viva o Evangelho, testemunhando a Cristo nosso Senhor. E corrigindo individualmente, e no corpo local, tudo aquilo que não vai de encontro à Palavra, pela Palavra, ao invés da não-palavra.
Ou será possível conhecer algo pelo que ele não é? Como procurar destino num beco sem saída?
Antes, conhece-se a verdade pela verdade, e não pela não-verdade.
Cada um examine-se primeiro a si mesmo, para depois examinar o outro.
Nota: Este trecho é um excerto do artigo "Sustento Pastoral & O Corpo Local" publicado em 24.04.09, o qual reli, revisei, e considerei apropriado reproduzi-lo.