Por Jorge Fernandes Isah
Tem-se falado muito sobre amor ultimamente. Parece haver uma onda de amor, quase um modismo acidental, pode-se dizer. Haja vista ler definições para todos os gostos, especialmente as que vão de encontro ao coração impenitente e irregenerado. Uns acham que o amor de Deus torna-O completamente tolerante para com o pecado. Outros, que Deus não tolera o pecado, mas é permissivo com o iníquo. Há os que para justificar suas transgressões excluem o inferno e a possibilidade de punição divina. E mesmo aqueles que consideram o pecado como ficção, ou uma forma de opressão psíquica e social de domínio dos mais poderosos (seja lá o que isso representa. Fica a pergunta: a opressão do poder é também uma fantasia?). Por tabela, elimina-se o diabo e sua influência perversa, os quais passam a ser algo meramente simbólico, referindo-se a dualidade, àquilo que o homem ainda possui de mal em sua natureza [a contrapor-se ao bondoso], mas que será progressivamente extirpado com o passar de milhões de anos de processo evolutivo, físico e espiritual; o qual ninguém saberá ao certo se ocorrerá; e se ocorrer [apenas como hipótese improvável], em que resultará, face à incontrolabilidade naturalista?
Todas essas tentativas de explicar a natureza humana ou de justificá-la, resumem-se a:
1) O desprezo à soberania e santidade de Deus.
2) O medo da condenação.
3) O reflexo da carnalidade e impiedade inerentes à natureza humana.
4) A rebeldia insana em se fazer senhor de si mesmo, quando se é apenas um escravo aprisionado em suas amargas e imorais ilusões.
5) O desejo inconsciente de autodestruição.
Escrevi alguns textos sobre essas questões e não retornarei a eles. Quero ater-me a algo ainda não abordado especificamente [mesmo que tenha sido implicitado]: aquele que se entrega ao pecado ama? É possível amar e ainda assim pecar contra quem se diz ter afeição?
O amor pressupõe comprometimento, responsabilidade, empenho ao sujeito ou objeto amado. Não há lugar para o desleixo, a obstinação pelo erro, a queda reincidente e sistemática. Quem não ama é diligente, zeloso para com a ofensa, seja a Deus ou ao próximo. No Cristianismo, ele é um violador contumaz da Lei Moral. E se transgride a Lei Moral, é um sedicioso que incita ou participa da revolta contra Deus. Em relação ao próximo, está pouco se lixando à descrição de Paulo: “o amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” [1Co 13.4-7- grifo meu].
Podemos dizer que esse é o padrão do amor cristão da maioria que se diz cristão? Isto nos leva a duas conclusões:
1) Paulo está errado ao definir o amor como o ato de não se buscar os seus interesses e, ainda por cima, sofrer por quem se ama.
2) Paulo está certo; e a maioria dos crentes não sabe o que é amar verdadeiramente.
Fiz um pequeno estudo sobre o amor de Deus, com base em Marcos 10.17-27, intitulado O Jovem Rico.
E quanto ao amor humano?
Novamente, Paulo nos diz: “não sejais sábios em vós mesmos” [Rm 12.16], o que vale dizer que não há sabedoria inerente ao homem, de que ele é um tolo por vocação, e tudo o que ele pode conceber como sábio provém de Deus. Parece estranho no mundo atual, que cultiva a auto-idolatria, esse tipo de afirmação. Bem como a que a precede: “não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes” [Rm 12.16]. É uma verdadeira antítese ao pensamento secular, o qual infelizmente encontra-se disseminado no seio da igreja. Numa época de extremo individualismo, egoísmo, megalomania, consumismo, exibicionismo, e isolamento, como podem os homens ser “fervorosos no espírito, servindo ao Senhor”? [Rm 12.11]. A resposta nos é dada um pouco antes também: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2].
Esquematizando o que foi dito, o amor implicará sempre em:
1) Não ser sábio em si mesmo, por que o homem jamais o será por conta própria, mas sábio em Deus.
2) Não ambicionar as coisas altas, mas acomodar, conformar-se às coisas humildes. Em última análise, humilhar-se diante de Deus e do próximo, não buscando os seus interesses.
3) Servir a Cristo com fervor no espírito; folgando, descansando nEle, a única verdade.
4) Conhecer a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, não se conformando a este mundo. Ou seja, obedecendo-O diligentemente, e não aos apelos da carne.
Fora desse escopo, qualquer sentimento que o homem tenha não será o verdadeiro amor. O exemplo máximo é o de Cristo. Sendo Deus, “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz" [Cl 2.7-8].
Alguém pode dizer: mas ele é Deus, e Deus não pode pecar. Para Cristo foi fácil, só que não somos deuses.
É verdade, em parte. Cristo é Deus, mas também homem. A Bíblia é farta em asseverar a dupla natureza do Senhor. Então, não creio que as coisas tenham sido facilitadas para Ele cumprir a Sua missão. O fato é que Cristo foi tentado e não pecou, nem se achou algum pecado nEle; “porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” [Hb 4.15].
Não entrarei na doutrina da dupla natureza do Senhor. Mas posso afirmar categoricamente que as tentações pelas quais Ele passou não foram de brincadeirinha, nem se armou um teatro com o fim de nos ludibriar; senão, como Cristo poderia se compadecer das nossas fraquezas, derramando Sua graça e misericórdia, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno? [Hb 4.16].
O certo é que Jesus não pecou por ser Deus, mas também por que nos amou, sendo Ele a fonte do amor perfeito, santo e pleno.
Apenas sintetizando o conceito de amor divino: Deus ama os eleitos, os escolhidos, os quais predestinou para serem o Seu povo, e serem conformados à imagem do Seu Filho Amado. Quando digo que Cristo amou, amou exclusivamente os Seus, os que lhe foram dados pelo Pai, os quais nada nem ninguém arrebatará das Suas mãos [Jo 10.28-29].
Algumas considerações sobre Jesus como o Messias:
1) Sendo Deus, tomou a forma de servo, fazendo-se como os homens.
2) Como homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente a Deus Pai até a morte.
3) Sua morte foi para satisfazer a justiça de Deus, mas também por amor aos Seus escolhidos.
4) Cristo conhecia [e conhece] a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, conformando-se a ela.
5) A sua obediência reflete o Seu amor ao Pai como aos eleitos.
Logo, o amor do Senhor Jesus pelo Pai e pela Igreja também O impediu de pecar. A tentação que lhe sobreveio não foi suficiente para gerar o pecado; pelo contrário, ele foi bloqueado pelo amor e impedido de se consumar, pois a tentação dissolveu-se antes que a concupiscência pudesse conceber-se, e ela não nascendo, não gerou o pecado nem a morte, a separação de Deus [Tg 1.13-15]. Cristo jamais foi atraído e enganado pela concupiscência, por isso, não pecou, porque é a plenitude do amor. O apetite ou desejo desordenado somente aflorará se naquele solo não houver amor, o antídoto ao veneno em todas as suas formas nocivas de impiedade. Do contrário, se o solo for estéril, sem amor, estará pronto para produzir o pecado, e a dissolução tornar-se-á apenas um vício renitente, insalubre e incurável. Onde há o amor de Deus não há chance para o pecado, sua semente maligna não germinará; antes, permanecendo no Seu amor, daremos frutos para a Sua glória [Jo 15.8-9].
Assim, aquele que ama não peca, nem se compraz na transgressão, nem quer justificá-la com um pretenso amor alheio à natureza de Deus, e que simplesmente é a corrupção da mente humana, desejosa em acomodar-se ao pecado. Desta forma, o crente tem de apresentar o seu corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, mortificando o pecado.
O que nos leva de volta à pergunta inicial: o homem pode amar?
Amor verdadeiro, aquele que procede de Deus, somente o crente tem. O homem natural desconhece-o, e está impedido de tê-lo. Mas isso não quer dizer que o crente amará o tempo todo. Experimentaremos o amor verdadeiro e duradouro na eternidade, onde o pecado não existirá, e não haverá espaço para a afeição desordenada. Lá, seremos semelhantes a Cristo, desfrutando da mesma natureza santa. Enquanto estamos neste mundo, vivenciaremos momentos de amor em menor escala, e de não-amor em maior escala. Mas sempre que amarmos, venceremos o pecado, porque o amor é a negação do pecado; é resisti-lo, não permitindo que domine sobre nós.
Por isso, é impossível o amor verdadeiro aos que não se arrependeram de suas iniqüidades e que vivem a fundamentá-las no anti-amor, o sentimento pernicioso e confuso, o "amor" deletério, o qual apenas servirá para afastar a hipótese de regeneração, ao manter o iníquo desligado de qualquer possibilidade de comunhão com Deus.
Ao tentar esconder-se, na verdade se expõe em sua tola rebeldia.
Como o Senhor nos disse: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor... Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” [Jo 15.10,14].
Onde há desobediência, abunda o engano e o pecado.
Onde há desobediência, não há amor.
E se não há amor, não se conhece a Deus, nem dEle é conhecido [1Co 8.3].