Jorge F. Isah
David Copperfield é daqueles livros que não dá para esquecer. Um tanto pelo volume, em suas mais de 1.000 páginas, outro tanto pela história monumental escrita por Dickens, cheia de detalhes, nuances, e uma variedade de personagens que desnudam a alma humana, revelando todas as contradições que carregamos em nós mesmos, e que em alguns se acentuam, enquanto em outros é possível descobrir uma alma a caminhar linearmente por entre as trevas (ao exemplo do personagem "Uriah Heep", um dissimulado onde estivesse, com quem estivesse, independente da situação). Há ainda aqueles que emanam luz, a qual brota tão intensamente que não há escuridão que os impeça, pelo contrário, elas a dissipam, como é o caso da personagem Agnes.
Dickens é um poeta a fazer prosa; é como se no decorrer do livro estivéssemos lendo uma partitura sinfônica e pudéssemos extrair o som de suas páginas, ora trágicas, ora românticas, ora aventurescas... mas sempre geniais.
Não entendo o torcer de nariz de alguns críticos e leitores, ao considerar o autor prolixo, assim como muitos fazem com Dostoieviski, Tolstoi e Mann. Os mais extremados chegam as raias de dizer que não eram bons escritores, que serviam à época mas jamais para os dias atuais. Ora, esses "monstros" da literatura, no melhor sentido do termo, foram cronistas de seu tempo, mas com apelo universal e nunca restritos a uma porção temporal. Eles tratavam essencialmente de homens e suas relações; e os homens, via de regra, são sempre os mesmos, seja há dois mil anos, uma década, ou ainda hoje. Desprezá-los ou diminuí-los é não reconhecer a capacidade genial que tiveram em retratar, esmiuçar, apontar e investigar as matizes dos flagelos, alegria, sofrimento, miseria e fortuna, temores, dúvidas e outros tantos atributos aos quais a humanidade compartilha, seja aqui, no Japão, na Nigéria, América, antes e depois de Cristo, pois os tempos apenas revelam mais do que já sabemos de nós. Então, se você desistiu ou torceu o nariz para esses e outros autores clássicos, reexamine-se, e desfrute as novas descobertas.
David Copperfield é um romance completo, e um desafio para quem quiser descortiná-lo, não somente pelas centenas de páginas, próximas do milhar, mas pelas sutilezas, ironia e um humor refinado com que o autor as imprimiu. É um grandíssimo livro, do qual, como disse inicialmente, não se pode esquecer.
Como não gosto de resumos de histórias, e quem se aventura em meu minifundio conhece, não o farei. Aos interessados, leia o livro, o qual, por sinal, é obrigatório. Tenham apenas cuidado com as edições, pois a maioria delas não tem o texto escrito por Dickens, mas são condensações e, em muitos casos, o texto é reescrito em uma linguagem que perde totalmente a magia original. Se o seu exemplar não tiver ao menos 900 páginas (variações quanto ao tipo e tamanho de letras) não se aventure. Procure o texto integral, tal qual concebido pelo autor. Fuja, portanto, de condensações que reduzem a 30 ou 40% e descaracterizam a obra, impedindo de se beneficar, e se deliciar, em seus meandros. Também é indicativo de você estar a ler sobre David Copperfield, como estou a fazê-lo, mas não David Copperfield.
Ainda há tempo... Mãos a obra!
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Avaliação: (*****)
Título: David Copperfield
Autor: Carles Dickens
Páginas: 1.312
Editora: Cosac & Naife
Sinopse: "Publicado originalmente na forma de folhetim entre 1849 e 1850, David Copperfield é o romance mais autobiográfico de Charles Dickens. Mas não só: nas palavras do grande escritor, que inspirou outros gigantes da literatura ocidental como Tolstói, Kafka, Woolf, Nabokov e Cortázar, este é seu "filho predileto".
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