31 março 2014

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aulas 68, 69 e 70 - Dons apostólicos: Variedade e interpretação de línguas



Jorge Fernandes Isah


Áudio 1 [A partir do minuto 17:41]:


Áudio 2: 



Áudio 3:



Como são interligados, ainda mais do que os demais dons relacionados por Paulo em 1Co 12, decidi fazer um apanhado geral dos dois últimos dons em um mesmo tópico. Por que? Ora, não há o dom de línguas se não houver a interpretação. Qualquer afirmação de que o dom de línguas prescinde a interpretação extrapola o contexto bíblico, não há referências na palavra, e é uma invenção humana, como o apóstolos alerta: "E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete" [1Co 14.27]. Logo, o dom de variedade de línguas, sem a sua tradução, simplesmente não existe, e não pode reivindicar qualquer biblicidade. E este foi um cuidado que Deus teve em estabelecer os limites para exercê-lo; por que, de que adiantaria uma pessoa se levantar na assembleia, emitir um pronunciamento em língua estranha, e mais ninguém [provavelmente ele também] entenderia o que foi dito? De que este dom serviria para atingir o objetivo de ser útil para a igreja [1Co 12.7]? Certamente, nenhum. Por isso, Paulo vai mais além, e diz que "se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus" [1Co 14.28]. A ordem é límpida como água cristalina; se não houver intérprete que aquele irmão que tem o dom de variedades de línguas cale-se. Novamente, é o apóstolo quem diz: "se eu for ter convosco falando em línguas, que vos aproveitaria, se não vos falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina?" [14.6]. E é isso o que vemos na maioria das igrejas? Ou o que Paulo predisse, séculos atrás, tornou-se regra à revelia da sua ordenação? Ele instruiu as igrejas para o perigoso de uma disseminação deste dom, de ser, inclusive, entrave para o Evangelho: "Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos? Mas, se todos profetizarem, e algum indou ou infiel entrar, de todos é convencido, de todos é julgado" [14.23-24]. Note-se que profecia tem o sentido explícito de proclamar a palavra de Deus, como estudamos nas aulas anteriores, e não adivinhação ou previsão do futuro. Com isso, Paulo está dizendo que o falar em línguas estranhas sem que se defina claramente o sentido do que foi dito é inútil, não edifica, e torna-se muito mais um objeto de vaidade humana e, chego a dizer, de desobediência a Deus. O dom de variedade de línguas sem interpretação é o que ele classifica de "falando com o ar": "assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? porque estareis como que falando ao ar" [14.9]. Portanto, não há, em nenhuma hipótese,  por aqueles que creem na contemporaneidade deste dom [os continuístas] , o falar em variedade de línguas sem interpretação e acreditar-se bíblico.

O que acaba por se agravar quando percebemos que Paulo dá um sentido muito estrito ao dom, chamando-o de variedade de línguas e não da maneira simples e comumente tratada nas igrejas, hoje, como dom de línguas. Ora, o dom não é de uma língua, ainda mais uma língua  de anjos, mas de "variedade" de línguas, pressupondo que se fale mais de uma delas e até mesmo várias. O apóstolo, por exemplo, diz falar "mais línguas do que vós todos" [14.18], referindo-se à igreja. Por isso, quando reduzimos o dom a uma única língua estamos também extrapolando a Escritura e inserindo algo que não lhe diz respeito. Novamente, é um conceito para justificar o erro.

Fica evidente que o dom de variedade de línguas é um dom revelacional, que tem por objetivo entregar uma doutrina ou ensinamento à igreja, ainda que possa  ser uma maneira de dar graças a Deus, como Paulo o diz, mas, nesse caso, deve-se fazê-lo interiormente, em silêncio, sem se manifestar à igreja, pois em nada ela será edificada [14.17].

A riqueza dos detalhes e da argumentação de Paulo é impressionante, e torna-se ainda mais, quando percebemos que praticamente todo o seu ensino é desprezado e negligenciado pela maioria das igrejas, o que deveria ser objeto de dúvidas quanto à contemporaneidade deste dom, já que a ideia corrente é oposta à ordenação apostólica.

Outro ponto importante é que o dom de línguas, assim como os demais dons, são sinais, não para os crentes, mas para os incrédulos [14.22]. Como já foi dito nas aulas passadas, os dons apostólicos ou espirituais cumpriram uma missão especial na história, num período em que a revelação ainda não estava completa, e era necessário testificar a procedência da palavra anunciada publicamente como proveniente de Deus. Por isso, os dons estavam atrelados à doutrina, ao ensinamento, à edificação da igreja até que o cânon estivesse escrito. Veja bem, já li algumas refutações a essa idéia dizendo que o cânon não foi concluído antes do século IV, o que é verdade, e se deu por volta de 367 d.c. Acontece, porém, que nem uma só linha foi escrita depois do fim do século I D.C., ou seja, a confirmação da canonicidade ocorreu três séculos depois, mas a Bíblia, como a revelação especial de Deus, já estava concluída, acabada, antes mesmo do final do século I, nada mais foi escrito, nada mais foi divinamente revelado, nada mais pode ser acrescentado ou retirado. Estava tudo pronto, bastando o Espírito Santo reuni-lo, nos séculos seguintes, como a única palavra de Deus, a Bíblia Sagrada.

Novamente, àqueles que defendem a continuidade dos dons espirituais, pergunto: qual a sua eficácia? Qual a sua necessidade? Sendo que o corpo doutrinário está fechado, pronto e acabado? Nada podendo ser acrescido a ele, e nada podendo ser retirado dele? Se tinham a missão de atestar, de comprovar, que o profeta era o emissário direto de Deus a quem foi-lhe revelada a sua palavra, e hoje isso é impossível, qual o seu propósito? Se o próprio Paulo disse que o dom de variedades de língua não é para a igreja, mas para os incrédulos, e de que ele serve mais, quando não interpretado, para a edificação pessoal, e nesse caso, não pode ser proclamado publicamente mas deve ficar restrito a quem tem o dom e Deus, por que se insiste na balbúrdia e algazarra em que muitas igrejas se entregaram? Chego a crer em desordem, e Paulo apela para a ordem no culto, mas também à rebeldia e, porque não, a um apelo carnal. 

Notas:  1 - Aulas realizadas no Tabernáculo Batista Bíblico
 2 - Baixe estas aulas em  Aula 85 - dons xii.mp3
em   Aula 86 - Dons XIII.MP3
em   Aula 87 - dons xiv.mp3

4 comentários:

  1. Caro amigo

    Estou absolutamente sem tempo para como fazíamos no passado, conversar via réplica, tréplica e assim ao infinito... risos...

    Todavia quando dizes

    "Logo, o dom de variedade de línguas, sem a sua tradução, simplesmente não existe, e não pode reivindicar qualquer biblicidade."

    é bom que medites um pouco na questão (paráfrase minha): Se não houver intérprete, que fique calado na igreja, e fale consigo mesmo e com Deus.

    Peço que pense na parte que diz "fale consigo mesmo e com Deus".
    Ou seja, acho que dá para defender (não tenho tempo agora) que existe sim a possibilidade de se falar em línguas quando isto é feito na intimidade do cristão.

    No culto concordamos, mas na intimidade e na oração é possível dizer discordando de você que existe sim dom de línguas mesmo sem intérprete (e a resposta é: fale consigo mesmo e com Deus).

    É isto!
    Grande abraço!
    Saudades!

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  2. Natan, meu dileto e fraterno amigo!

    Também sinto saudades de nossos (quase) intermináveis debates.

    Quanto à questão dos dons, digo que não estou totalmente fechado a qualquer "prova" de sua prevalência para hoje. Contudo, ainda não ouvi ou li um argumento que o torne verdadeiro. Entendo que a série de advertências de Paulo não eram atoa, e mesmo a afirmação de que, caso não houvesse interprete, aquele que tem o dom se calasse e falasse com Deus, não me parece razoável para a prevalência do dom. Se falo com Deus, interiormente, por que as línguas? Ainda mais se, como o próprio apóstolo diz, o dom de variedade de línguas não era para o crente, para a igreja, mas para os incrédulos, como testemunho de que o evangelho proclamado era de Deus.

    Creio que a exortação de Paulo, para quem tem o dom fale com Deus, prescinde a língua estranha [porque quem não tem o dom de interpretação não sabe o que diz; já que há quem tem o dom de variedade de línguas mas não o de interpretá-la. Se ele pudesse interpretar o que diz, poderia falar publicamente, e não haveria a necessidade de que se calasse, concorda?], o que tornaria sem sentido o falar sem entendimento de quem fala. Paulo exorta a falar consigo mesmo e com Deus de forma inteligível, na própria língua; por isso, um pouco antes, ele diz que prefere falar cinco palavras na sua própria inteligência e com entendimento, para que possa instruir os outros, do que dez mil palavras em línguas desconhecidas.

    Certo é que, tanto em público como em privado, não consigo vislumbrar a contemporaneidade dos dons apostólicos, dada a sua desnecessariedade e despropósito. Por tudo que disse nos estudos, eles apelam para uma superioridade espiritual que a grande maioria das igrejas e seus membros não refletem na vida cristã.

    De qualquer forma, é uma assunto polêmico; e sem querer convencer ninguém, também chamo o irmão à meditação quanto a sua impossibilidade para os nossos dias.

    Um grande e forte abraço a você e a todos os seus queridos!

    Cristo os abençoe imensamente!

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  3. Caro Amigo

    Entendo teus argumentos, todavia ESTÁ ESCRITO que seja possível falar consigo mesmo, mesmo que isto não faça sentido lógico para ti nem para mim.

    Mas parece que há um mistério místico nas línguas faladas na intimidade e que edificam a pessoa que fala.

    Sim, concordamos com o Apóstolo que em público somente com intérprete, 3 no máximo e um de cada vez, todavia se na intimidade não era possível também falar, porque Paulo alega que falava em línguas mais que todos os demais?

    Porque não falar em línguas em público sem intérprete? Ele mesmo explica, pois não edifica a igreja e é melhor falar o que as pessoas entendam do que ficar falando em línguas em público sem que ninguém entenda nada.

    Agora se a lógica de que não edifica também valeria para a intimidade, então porque Paulo se orgulha de falar mais que todos?

    Eu não falo em línguas, mas respeito o texto bíblico (que também não entendo na sua totalidade) que me faz entender que na intimidade eu possa falar em línguas (sem entende-las e serei edificado por isto).

    Experiências místicas são aceitas e cridas e não entendidas com a razão.

    O seus argumentos seguem a linha racional do cessacionismo dogmático, eu já sigo o cessacionismo histórico sem fechar totalmente as portas para as manifestações sobrenaturais do Espírito Santo para os dias de hoje.

    Um testemunho apenas como testemunho e não como prova:

    - Minha avó falava em línguas;

    - Falava sempre uma “ladainha” repetidas vezes;

    - Ela nunca soube interpretar o que falava;

    - Mas quando era tomada pelo ES, se emocionava e falava em línguas;

    - Seus filhos decoraram a fala;

    - Um deles depois de muitos anos foi estudar hebraico;

    - Lá pelas tantas, desconfiou de uma coisa;

    - Em privado perguntou para a professora o que significa a expressão x e repetiu a “ladainha” da minha avó;

    - A professora prontamente respondeu que significava “saúde” em hebraico;

    - Meu tio ficou calado e pensativo;

    - Minha avó naqueles anos todos quando repetia em hebraico sem saber saúde-saúde-saúde-saúde-saúde-saúde-saúde.... parecia que estava a pedir longevidade sem saber;

    - Minha avó morreu com 100 anos e 5 meses;

    - Saúde de ferro, mas demente. E mesmo demente ainda em alguns momentos quando orava sua ladainha em línguas era a mesma quando era tomada pela emoção;

    Bem... É isto!

    Grande abraço!

    Fiquemos com as Escrituras.

    Não sejamos nós os que irão proibir o falar em línguas.
    Deves conhecer este texto sobre o não proibir.

    Devemos sim proibir quando a escritura proíbe, que é o falar em público sem intérprete etc...

    Todavia o falar na intimidade, meu caro....

    Sejamos prudentes e calemos quando a Escritura cala.

    Grande abraço!

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  4. Caro Natan!

    Desculpe-me a demora, mas a falta de tempo não tem me permitido vir aqui respondê-lo prontamente, o que somente faço agora, com bastante atraso.

    Penso que os sinais tiveram um propósito na história, de confirmar a obra de Cristo e dos apóstolos e a inspiração divina das Escrituras. Posto isto, não há porque eles existirem em nossos dias. O próprio "intervalo" de séculos em que não se falou em línguas nas igrejas, parece-me uma "prova" da sua não contemporaneidade. E o mal uso deste dom e sua aplicação completamente não-bíblica nas igrejas, hoje e nos últimos 110 anos, leva-me a crer seriamente em um fenômeno nada cristão. Afinal, a desobediência aos princípios como usá-lo, da maioria das pessoas que dizem possuí-lo, revela-me sua antibiblicidade. O fato é que Deus pode usar tudo para a sua glória, tanto pessoas como atos, sejam de crentes ou não, bíblicos ou não.

    E como não há mais algo a se acrescentar na doutrina, a qual está completa e fechada, e se entendermos que este é um dom revelacional, no sentido de revelar à igreja, que ainda não tinha o Cânon, os princípios divinos de como ela deveria guiar-se neste mundo até a volta de Cristo, não há razão para a contemporaneidade do dom.

    Basicamente, o que temos hoje é muito mais [e quase completamente] a revelação de coisas pessoais que acontecerão no âmbito individual do cristão [e que nenhuma importância traz para a igreja], e não algo para toda ela, que a edifique. Pelo contrário, muitas heresias surgiram a partir da ideia de que dons como o de profecia, por exemplo, ainda existem. O próprio "Movimento da Fé" que está atrelado ao dom de cura, como ela sendo a sua força motriz , se especializa dia-a-dia na propagação de falsas heresias, e de práticas nitidamente antibíblicas.

    O saldo, no fim das contas, é potencialmente negativo, tanto para a igreja, como para os incrédulos que se aproximam dela.

    Pode ser que a sua interpretação sobre o falar em línguas consigo mesmo esteja certa, mas não vejo em quê possa edificar-me, se não entendo nada do que digo. Como Paulo disse, ele prefere falar dez palavras de maneira inteligível do que dez mil incompreensíveis. Logo, não vejo esta possibilidade como condição, algo positivo esporadicamente, mas como algo negativo e mesmo um alerta do apóstolo para evitá-la.

    Outra coisa que talvez você não tenha notado é que a Bíblia chama o dom de falar e interpretar línguas, ou seja, onde não há interpretação não há o falar, também. Se não há uma parte do dom, a outra não subsiste em si mesma; é preciso de ambas.

    Mas, vamos ruminando...

    Grande e forte abraço a você e seus queridos!

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