15 julho 2013

Voltando de onde me desviei



De Jorge Fernandes Isah

Estou a descobrir um novo estágio no qual alguns cristãos estão se estabelecendo, e muitos já se fizeram mestres: o da auto-vitimização. Quer dizer que se criticar pode, mas ser criticado não pode?... Engraçado, se não fosse trágico. É o caso de se usar dois pesos e duas medidas; do pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Porém há algo por trás disso tudo, a necessidade de se ser aceito, e a crítica ou exortação significar em rejeição. Para eu agir com amor, ao ver deles, tenho de contemporizar e fazer vistas-grossas ao erro. Mas ao que me consta, a Bíblia nos chama à responsabilidade de exortar uns aos outros, como adultos e maduros na fé, como responsáveis uns pelos outros, e como prova de amor fraternal, que no fim das contas é o amor que Cristo tem por sua igreja. Acontece que o papel de vítima, agir como um bebê mimado e choroso, é mais fácil e esconde da própria pessoa as camadas de erros que ela não quer ver, nem quer que os outros vejam. E o problema se agrava, pois vai trazendo um endurecimento, uma espécie de recalcitração, em que tudo me é permitido, convindo ou não, e ao outro nada, além da indiferença e do desprezo. No fim das contas, vai-se criando uma teia de desculpas, em que os fatos são grosseiramente distorcidos, jogados para debaixo dos tapetes, levando a pessoa a dar vasão à sua completa incapacidade de lidar com os problemas, em que a vitimização acaba por impedi-la de reconhecê-los e de enfrentá-los.

Outro ponto, é que falta maturidade para se tratar com essas e outras questões, e digo maturidade em todos os sentidos, moral, intelectual e espiritual. Todo mundo anda melindrado demais, meio paranoico, vendo cavalo com chifres onde não se tem. Anda-se muito em voga fazer "tempestade em copo d'água", como se as coisas nos afetassem além da conta, ganhando dimensões catastróficas, o que é tratá-las com uma super-importância e o super-poder de nos atingir que elas não têm. Quando hiperbolizamos sentimentos e situações, nossas reações também se tornam exageradas, ao extremo, e fugimos da realidade, criando para nós um outro tipo de "realidade", o que acaba por nos afastar de Deus, do próximo e de nós mesmos, ainda que nós e muitos dos "próximos" acreditemos que todo esse extremo é real.

Novamente, a imagem que me vem é a de crianças mimadas e despreparadas. E boa parte da culpa está nas pessoas ao redor que não vêm o que está acontecendo ou não querem ver; se vêm, fingem-se de cegas. Isso é amor? Isso trará crescimento? Até quando daremos tapinhas nas costas dos outros, vendo-os se destruírem? Ou caminharem para o inferno? Não sei, mas penso que a nossa geração tem sido omissa, individualista e covarde em vários aspectos. Cria-se uma redoma, e colocamos nelas pessoas como se fossem animais em exibição: vemos, mas não as tocamos, porque não queremos ou porque tememos; mantendo-as em um mundo entrópico

De certa forma, alguns nichos no meio cristão andam agonizando e, para piorar a situação, pensam que são os salvadores da pátria, que a solução está exatamente na agonia. Na verdade, a vida cristã é bem simples, mas requer algo difícil demais para os homens: a submissão, em nome do amor, o que na maioria das vezes significa humilhar-se. Por isso somos tão rudes, mal-educados, presunçosos, egoístas e soberbos, sempre dispostos a virar a mesa, a botar para quebrar; queremos autonomia, mas uma autonomia que não se aceita no outro, pois o que se quer é tê-lo como um satélite a orbitar ao nosso entorno. E aí está o grande problema: ser coerente com um discurso que somente é possível enquanto se fala, mas jamais quando se ouve.

Temo por parte da igreja, com toda a sua panaceia, a ministrar placebo aos seus membros, seja acreditando na sua eficiência, seja ministrando-a dolosamente. O resultado será sempre crentes fracos, sofrimento, dor e... tapinhas nas costas. Com isso não digo que temos de ter respostas para tudo, nem responder a tudo, mas jamais dizer aquilo que nós mesmos não queremos ouvir. Se não é bom para nós, por que tem de ser bom para o outro? Se não aceito, por que o outro deve aceitar? Por isso, cada vez mais, temos cristãos com discursos inflamados, soluções debaixo da manga, críticas a torto e a direito, onde a piedade existe apenas como prova de amor próprio, mas quanto ao outro, soterrou-na o orgulho.

E as experiências com muitos crentes acabam por torná-las tão ou mais difíceis do que com incrédulos, que muitas vezes revelam um caráter mais humilde, tão necessário à conversão quanto a uma vida cristã verdadeira. E fico a me perguntar: por que eu e você somos tão orgulhosos? Por que chegamos a esse ponto? 

Não será porque acreditamos que já chegamos lá [ainda que não assumamos publicamente a nossa perfeição], enquanto desprezamos os sinais no meio do caminho e embrenhamo-nos perdidos no mato?

De minha parte, voltarei léguas e léguas, se necessário, para retomar o caminho do ponto onde Cristo me disse: "Vem!". E eu fui.


Nota: Começou como um texto cujo alvo eram os outros, e acabou acertando em mim, ou seja, a carapuça serviu.

4 comentários:

  1. Graça e paz Jorge.
    Creio que necessitamos com urgência é de maturidade emocional e espiritual;alguns mais outros menos, mas necessitamos crescer. E uma das formas de reconhecermos que estamos amadurecendo tanto emocional quanto espiritualmente é quando nos vemos como somos e como estamos e o quanto necessitamos mudar ou pelo menos nos esforçar para mudar. Perfeito nunca seremos, mas que pelo menos tenhamos um alvo em nossas vidas que é procurar ser e refletir a imagem de Cristo.
    Quanto as críticas essas muitas vezes incomodam, mas são elas que nos ajudam a entender como o outro, ou os outros, nos enxergam muitas vezes. Aí é que entra a maturidade para saber lidar com isso de forma sábia tanto espiritual quanto emocionalmente.
    Que o Senhor nos ajude a atingirmos essa maturidade. O importante, como você mesmo disse, se nos perdermos retornar e reencontrar o caminho certo e não ter vergonha de admitir que estava errado. Isso é maturidade.
    Fique na Paz!
    Pr. Silas Figueira

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  2. Pr. Silas,

    obrigado por sua visita e comentário, realmente, o que o irmão disse é o que eu acredito também.

    Reconhecer os erros e não nos considerar infalíveis é o melhor meio de se alcançar a maturidade e adentrar definitivamente na vida cristã como forma de obedecer e agradar a Deus. Afinal, foi assim que o Senhor, sendo Deus, se fez servo para que pudêssemos também servi-lo e ao próximo.

    Um grande e forte abraço, meu irmão e amigo!

    Cristo o abençoe!

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  3. Olá irmão Jorge,

    Infelizmente o que mais observamos hoje são cristãos arrogantes, donos da verdade e críticos impiedosos uns dos outros.
    Muitas vezes me pergunto que cristianismo é esse que produz soberba ao invés de humildade.
    Precisamos sim dobrar os joelhos diáriamente e fazer uma auto-avaliação do nosso estado espiritual!

    um grande abraço irmão muito querido!

    Nazira

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  4. Oi, Nazira!

    Tudo bem? Anda sumida... Ou será que sou eu?

    Assino embaixo de cada palavra sua, minha irmã!

    Cristo a abençoe também, juntamente com os seus queridos!

    Um grande e forte abraço!

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