17 maio 2008

FUNERAL











Por Jorge Fernandes


Hoje chorei a morte dela,
Chorei por seus filhos,
Chorei a sua juventude carcomida pelo mal,
Chorei a vontade que ela tinha de viver,
Hoje seus lamentos e súplicas calaram-se,
Chorei a maligna doença a definhá-la,
Chorei a esperança posta na santa,
Chorei a TV ligada ao pé da cama.


O céu azul difuso,
A grama pálida,
O vermelho da terra surde do chão,
Há risadas,
Há lágrimas,
A sapiência dos silenciosos,
A tolice vulgar e infame dos tagarelas,
O desacato no olhar indiferente,
O alívio amparado nas colunas e paredes.


Quis o abraço fraterno,
Quis que me sentissem em dor,
Quis vê-los, e visto,
Quis o melhor que não dei,
Quis o afeto, o afago simples,
Quis, sem poder.


Achei que precisavam de mim,
De algo que não conjeturava,
Sem persuadir-me do meu papel,
O seu Nome exaltado,
Ainda que sem O proclamar.



Ali estava o desamparo,
A indulgência,
O amor desertor,
Qual cego numa ilha deserta,
A espera da noite chegar,
Para não se defrontar com a luz.


Em meio ao murmurio orei,
E seguiu um hino,
Errei dois ou três versos,
Esqueci mais alguns,
Encontrei-me no refrão:
“Entregarei tudo a Ti”, diz.
Era o certo, e único a fazer.


Quando a cova se abre,
O esquife desce,
Entoa-se um cântico à Maria,
A dor é insuportável,
Em vê-Lo desprezado.
E não sei se amá-Lo é suficiente,
Ou o amor é que não o é,
Não sei se os amo na dor,
Nem na alegria ou hora qualquer.
Numa prova, passaria?
Qual sacrifício disporia?
O corpo, a alma...
Algumas lágrimas a sobrevir.


Não para Ele,
Nem para eles.
No que sou, é que me guardo,
Para o dia em que revelado O veja,
Aos Seus pés me arrependa,
E chore por não pregar as Boas Novas;
E nos túmulos,
Muitos ficaram sem tê-las.


Onde está o sal?
E a luz?
Não passo de trevas,
E insosso.


A resposta,
Debaixo da cama,
Jaz oculta,
Porquanto Cristo,
Não passa de digressão,
E contento em me ver,
Como sepulcro caiado.


E chorei,
Também por mim.

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