07 setembro 2011

Bate-Papo com Filipe Machado: Determinismo, "mistério", livros e pizza





















Por Jorge Fernandes Isah

Este é mais um bate-papo da série que se iniciou com o André Venâncio. Tomei gosto pela coisa, e parece que ela não terá fim, ao menos, enquanto eu estiver vivo. Desta vez, conversei com o brother Filipe Luiz C. Machado, autor do blog “2 Timóteo 3.16”, e juntamente comigo do blog “Cotidiano Cristão” [na verdade, eu com ele, pois a ideia de criá-lo, e quem o administra, é o Filipe]. Ele é um irmão que tenho o prazer de prosear vez ou outra [não muito ultimamente, dado os meus horários livres escassos, e os dele também], e os papos são sempre edificantes e agradáveis. Esta foi uma conversa que girou sobre vários assuntos, especialmente os termos citados no título da postagem. Bem, sem enrolar demais, vamos à conversa. E, antes de me esquecer, quero agradecer ao Filipe por sua amizade e por autorizar a divulgação de nossa “cavaqueira”. Para quem não sabe ainda, cavaqueira quer dizer conversa demorada. E as nossas, quase sempre, demoram mesmo.

BATE-PAPO COM FILIPE C. MACHADO
Eu: Filipe, ocupado?
FilipeDepende... se for pra falar com você, sim... Brincadeira, pode falar.
Eu: Bem, serei rápido... Estou-lhe enviando por email um texto para o "Cotidiano Cristão"... Dê uma olhada e me diga o que acha. É um esboço, ok!... rsrs... Ainda bem que você é sincero.
Filipe: Pode mandar!
Eu: Foi!
Filipe: Recebi seu e-mail. Assunto em tempo oportuníssimo.
Eu: Foi um insight... Tanto que nem coloquei todos os versículos... Tem uns 30 minutos que comecei a escrever... Terminei agora... Dei uma lida superficial para ver se não tem erros ortográficos, mas aí vi que você estava on line e mandei meio as pressas... Quero ver se você deseja acrescentar alguma coisa... Podemos escrever a quatro mãos.
Filipe: Insight´s são os melhores... Os dedos quase que digitam sozinhos!
Eu: É, mais ou menos isso... Fique à vontade para acrescentar ou tirar o que considerar desnecessário... Se achar necessário.
Filipe: Hoje em dia é costumeiro ver o casamento/namoro como "fonte" de evangelização... Ficou bom, gostei. Simples, porém direto.
Eu: Bobagem. Evangeliza-se sem precisar casar e namorar... É, foge um pouco do meu estilo, mas estou tentando adequá-lo ao Cotidiano Cristão... Mas leva tempo.
Filipe: É moda, infelizmente!... Eu também tenho problemas com certos textos.
Eu: Sou prolixo, verborrágico, meio por causa dos sangues árabe, judeu e espanhol, acho.
Filipe: Talvez nesse quesito eu me aproxime dos puritanos que tinham um fôlego "deplorável, suas capacidades de falar por horas eram detestáveis"! Uma das críticas vinda contra os puritanos.
Eu: Li no livro do J.I.Paker, "Entre os Gigantes de Deus", que algumas orações durante o culto chegavam a ter uma, duas horas... Imagina a pregação então! É muito bom o livro, melhor do que o "Santos no Mundo".
Filipe: Sim. Tenho esse livro também, embora não lido, ainda.
Eu: Paulo, no livro de Atos, pregou mais de 12 horas, a ponto de um mancebo cair da sacada e morrer... Para depois ser ressuscitado... É a pregação matando o velho homem e ressuscitando-o em novo... literalmente.
Filipe:: Li o "Santos no Mundo - Leland Ryken". Agora estou lendo o "Paixão pela Pureza - J. R. Beeke e R. J. Pederson" - mais tem 1.000 páginas! Se bem que são somente biografias dos puritanos, e aí a leitura é fácil e bem agradável.
Eu: Puxa!... Gosto de livros grandes... E você está se dispondo aos grandes: Comentário do A.A. Hodge sobre a CFW; Paixão pela Pureza... Isso vai longe!... A Enciclopédia Britânica será fichinha para você em breve [rsrs]
Filipe: kkkk...
Eu: Vou comprar, então. Gosto muito de biografias.
Filipe: Comprei em uma promoção da Erdos por 90 reais, acho.
Eu: R$ 90,00, por 1.000 páginas... Está bom. Mas a sistemática do Hodges-pai sai por menos de R$ 90,00 e tem mais de 2.000 páginas. Custo-benefício melhor.
Filipe: Quero comprar essa; o ruim é que tem muitas citações em latim, que não são traduzidas...
Eu: É, mas o material em português é muito bom, tirando o compatibilismo do Hodges... E ainda pode ser um estímulo para se aprender latim, ora! [rsrs]
Filipe: Não sei qual o compatibilismo de Hodge...
Eu: Mas para quem acabou de ler o "livre-arbítrio" de Agostinho, os compatibilistas desceram um degrau em meu conceito, mas ao menos são calvinistas... Inconsistentes, mas são [rsrs]...Hodge é compatibilista. Crê na soberania de Deus e na liberdade do homem para se ser responsável. Duas verdades que se contradizem "aparentemente" [sic].
Filipe: Eu procuro entender duas coisa: Deus é soberano e o homem responsável, ao mesmo tempo em que o homem faz aquilo que Deus deseja que ele faça. Por isso que sou um determinista.
Eu: Também penso assim, mas eles colocam o elemento "liberdade", que no fim das contas é ser livre de Deus
Filipe: São hereges...  rsrsrs
Eu: rsrs... Não deixemos que eles nos ouçam... Rapaz, muito do que esse pessoal fica repetindo por aí vem de Agostinho. E o próprio Agostinho rejeitou a maioria do que escreveu no "Livre-Arbítrio", mas passados 1.500 anos, os caras não se tocaram disso.
Filipe: Piper cita um outro autor (não me lembro qual é, talvez seja Spurgeon ou Agostinho) que diz que aquelas "poeiras" que vemos se mexendo quando abrimos a janela de nosso quarto e os raios solares penetrando-o, todos eles, sem exceção, são controlados por Deus.
Eu: Uma citação e tanto! Mas o próprio Piper é compatibilista, nem crê no que transcreveu... Quero dizer, ele crê que a mais minúscula partícula da matéria é controlada por Deus, mas não crê que esse controle divino se estenda à vontade do homem.
Filipe: Não conheço muito dele nesse sentido.
Eu: E Agostinho, guardadas as devidas proporções, também era compatibilista. Tenho o livro "O Sofrimento e Soberania de Deus". São vários autores, cujos editores são o Piper e o Justin Taylor. Ele escreveu dois ensaios, se não me engano.
Filipe: Na verdade, depois que descobri os puritanos, abandonei Piper. Eu ia comprar esse, mas havia se esgotado.
Eu: Quase me apaixonei pelo Piper [rsrs]... Mas os livros dele são como aquela história da  vaca que deu 100 litros de leite de uma vezada e depois coiceia o tambor e joga tudo por terra. O que me mata nessa turma é isso: eles desenvolvem toda a questão de uma maneira que a soberania de Deus torna-se inquestionável, mas depois dizem que o homem é livre, e de que existem duas verdades "aparentemente" contraditórias. Eu não aguento! Quase tenho um troço!... Eles acabam desmentindo o que afirmaram, e afirmando o que desmentiram. E depois afirmam e desmentem ao mesmo tempo. É muita loucura para a minha cabeça. E me chamam de racionalista, porque eu não aceito a incoerência e as más-formulações que os compatibilistas criam.
Filipe: Eu não vejo problema em dizer que elas aparentemente são contraditórias, pois para a mente humana não há como se ser responsável por algo que foi determinado. Porém, eles pecam no quesito de [talvez] não explicarem que essa responsabilidade humana não está livre da determinação de Deus. Antes dizerem ser um "mistério" do que causar confusão à mente leiga.
Eu: O próprio termo “contradição aparente” é autocontraditório... [rsrs]. E desnecessário... Você leu os meus dois textos sobre o assunto?
Filipe: Não.
Eu: Sabe, o que eles fazem é um desserviço, pois acabam por depor contra a Bíblia e contra Deus. De certa forma, muitos “crentes” que dizem haver contradições na Escritura se baseiam nessas falsas afirmações para respaldar erros que não passam de ignorância e desconhecimento, e até mesmo má-fé de alguns. O homem acaba por reputar a Deus uma falha que não existe nele, mas no próprio homem. E isso é muito perigoso.
Filipe: Você já leu "Em Defesa da Teologia - Gordon Clark"?
Eu: Sim.
Filipe: Muito bom. Bate nos liberais que afirmam ser "bonito" ter-se contradição na Bíblia.
Eu: Clark é Clark!... Toda essa confusão começou com Van Til e os reformados holandeses, há bem pouco tempo, coisa de cem, cento e poucos anos. Até então, não havia essa falsa ideia entre os reformados de que a Bíblia contém paradoxos e contradições. Eu reputo isso como falsa piedade; parecem piedosos, mas escondem uma grande soberba [de não reconhecerem em si mesmos as falhas que apontam haver na Escritura], e ainda são usados por ímpios para se escarnecer de Deus. Mesmo que muitos deles não percebam isso, enquanto em outros está evidente a má-intenção, ao se divertirem e deleitarem com a confusão... Depois vai lá e lê os textos que escrevi [1].
Filipe: Eu não consigo compreender porque aceitar esse "paradoxo" é bonito, sendo que seria muito mais sensato se dobrarem ao fato de que se a Bíblia nos ensina que somos controlados por Ele, não existe "responsabilidade livre", apenas responsabilidade dentro da determinação divina.
Eu: Exato! Ou então dizer: não sei! Mas aí é que falta a humildade de assumir que não se sabe, então se inventa um artifício mal construído, que faz de Deus um deus disposto a nos dar "pegadinhas".
Filipe: Acho que Pedro, em Atos, diz mais ou menos assim: vocês mataram esse homem com a ajuda de homens perversos, mas assim o fizeram por determinação de Deus. Ora, o que custa se dobrar diante dessa verdade e dizer: "Ai de mim, Senhor!"?
Eu: A revelação fala da realidade, não de uma possibilidade. Contradição aparente é um conceito que existe na filosofia, para explicar raciocínios mal-formados que até podem fazer sentido, mas sempre desembocarão em um beco-sem-saída. O trecho ao qual você se refere está em Atos 4.27-28. Ali temos presente a predestinação ou determinação de que Jesus seria morto por judeus, gentios, Pilatos e Caifás. Deus entregou seu Filho à sanha injusta e assassina deles, mas todos eles permaneceram culpados pelo crime que cometeram. É simples. Para quê complicar? Deus ordenou, os homens fizeram, e foram responsabilizados pelo crime cometido. Onde está a liberdade? Não existe. Onde está a contradição? Também não existe.
Filipe: O problema dos compatibilistas não é explicar as passagens que mostram que o homem é "livre", mas sim aquelas que mostram o homem fazendo o que Deus manda fazer e depois punindo-os por isso. É o caso de Davi fazer o senso no povo de Israel. Temos ali três complicações: Deus incita Davi a a realizar o senso; Davi reconhece que errou ao fazer o senso e, por fim, o texto nos diz que foi o diabo que tentou a Davi para fazer o senso. Ora, diante do compatibilismo isso é irrespondível!
Eu: Verdade. Então, eles apelam para o paradoxo ou contradições aparentes: “Valha-me o ‘santo mistério!’" [rsrs].
Filipe: Concordo que o determinismo pode ser visto [e devemos tomar cuidado para não nos tornarmos assim] como algo frio, bruto, sem sentimentos ou algo do tipo, mas antes afirmarmos tal brutalidade do que nos rendermos aos mistérios.
Eu: Certa vez, alguém me disse: mas isso nos faz em marionetes na mão de Deus. E eu respondi: e daí? Qual o problema? O que é melhor, você ser marionete do Deus sábio, santo e perfeito, Criador de todas as coisas, ou ser marionete de uma criatura estúpida, pecadora e imperfeita, como você ou o diabo?
Filipe: Sim, falávamos sobre isso na quinta-feira, em uma reunião que temos. Antes que Ele nos controle [que sabe o que deve fazer] do que nós, vís pecadores nas mãos de um Deus irado.
Eu: Prefiro ser uma marionete nas mãos de Deus, do que um autônomo em minhas próprias mãos sujas, pecaminosas, imperfeitas e injustas.
Filipe: Bah!... Falamos a mesma coisa. Isso traz maldição... rsrss
Eu: Rsrsr... É o Espírito Santo, meu irmão! Voltando ao livro de Agostinho, ele tem tantos furos, mas tantos furos, que o próprio Pelágio, na disputa com Agostinho, se utilizou dos argumentos do livro para se defender da acusação de herege. Depois dê uma chegada no meu blog de livros, acabei de postar um último comentário.
Filipe: Um amigo meu, o Alberto, do blog Eclesia Reformanda - que por sinal está para chegar aqui em casa, me falou que a palavra mistério em grego, sempre tem a conotação de algo que era obscuro e passou a ser revelado, ou seja, se isso de fato estiver correto, não existe mistério no sentido de que não sabemos coisa alguma sobre Deus, mas que já nos foi revelada a sua vontade para nós, não devendo homem algum escusar-se de aceitar a verdade e apelar para o "mistério"... Não li esse livro, não o tenho.... Manda o link, por favor, para eu dar uma olhada.
Eu: O Alberto está certo. Além do fato de que o mistério pode ser algo não revelado também. Mas aí, estou dando a pista da última parte da minha série [rsrs]
Filipe: Claro que não podemos dizer que não há coisa incompreensível na Bíblia - pois seríamos soberanos - mas tem tanta coisa que se apela para o mistério, que me deixa chateado. É um mistério o porquê Deus escolheu alguns e rejeitou outros, contudo, não é mistério o fato de ele fazer isso porque lhe agrada, ponto final.
Eu: Por isso, é melhor dizer: “não sei!” do que ficar inventando sarna para se coçar... Este é um bom exemplo para eu usar na parte final da série sobre “mistério e contradições aparentes”. Obrigado!
Filipe: rsrs... Não esqueça dos créditos.
Eu: Não esquecerei. Colocarei em letras tamanho 2, no fim da página...
Filipe: kkkkk
Eu: Mudando de assunto, você não pensa em escrever um livro?
Filipe: Já pensei e há um ano atrás, mais ou menos,  comecei a rabiscar um assunto, mas parei. Um dia creio que escrevei, sim. E você?
Eu: Já escrevi vários... inéditos! [rsrs]
Filipe: kkkk…
Eu: Alguns amigos acham que eu deveria fazer uma compilação dos meus textos, mas só de pensar no trabalho que vai dar já me sinto cansado; e até dá vontade de parar de escrever... Penso em pegar um tema e desenvolvê-lo a partir dos comentários no meu blog.
Filipe: Sim, é mais fácil.
Eu: Por exemplo, a questão soberania x liberdade do homem... Mas sei lá! Não penso que é o momento. Na verdade, nem sei se haverá um momento. Deixo nas mãos de Deus.
Filipe: Eu gostaria ainda de pregar sobre todo um livro bíblico, compilá-lo e publicá-lo. Mas como sou prolixo, talvez tenha umas 1000 páginas... rsrs.
Eu: É o que eu penso em fazer com as pregações o pr Luiz Carlos Tibúrcio da minha igreja, eu já posto os áudios das suas pregações no blog do T.B.B... Uau! 1.000 página o colocará entre os grandes, definitivamente.
Filipe: Mas devo confessar que sou orgulhoso... Não sei se me faria bem ter um livro.
Eu: Penso em fazer como o Felipe Sabino e montar uma editora, para publicar textos de brasucas. Gente que jamais terá uma editora que os publique... Também sou orgulhoso e vaidoso. Por isso evito até mesmo pensar no assunto. Perguntei porque você escreve bem, e acho que deveria pensar na ideia.
Filipe: Eu gostaria de ter bastante dinheiro para poder publicar boas obras e com um preço muito acessível. Na verdade, se possível, até doar os livros.
Eu: Um dos motivos de eu estar aprendendo inglês é para isso. Há obras que poderiam ser traduzidas para o português e publicadas na web, de domínio público, tipo os Puritanos; e disponibilizá-las gratuitamente para quem quiser ler.
Filipe: Sim, justo.
Eu: Tanto que o meu foco no inglês não é a pronúncia, falar a língua, mas aprender a ler e escrever para poder traduzir textos... Preciso me dedicar mais ao aprendizado.
Filipe: Eu também. Estou me esforçando nesse quesito.
Eu: Quem sabe não seremos sócios nessa empreitada?
Filipe: *Ah, você conhece o fórum puritano [em inglês]?
 eu: Não.
Filipe: http://www.puritanboard.com Pastores, servos e membros de igrejas puritanas [até que ponto, não sei] discutindo sobre questões interessantes.
Eu: Lê-lo ainda é muita areia para o meu caminhão. Mas, quem sabe, muitas viagens não dará para transportar tudo? [rsrs]... Minha esposa e filha chegaram. Vou tomar banho para a gente comer alguma coisa. Depois nos falamos mais, ok!
Filipe:: Tudo bem, Jorge. Grato pela agradável conversa. Estou lendo seu último texto no blog - até onde estou, faço coro com você.
Eu: Quem agradece sou eu! Já que você tocou no assunto, acho que essa conversa vai parar no bate-papo do Kálamos. Foi muito boa!
Filipe: Na verdade, já havia pensado sobre isso que você escreveu.
Eu: Especificamente, sobre o quê você pensou?
Filipe: Sobre essa questão de se afirmar que não existe verdade, sendo que essa negação é uma afirmação em si mesma. A mesma questão se aplica ao relativismo [não o físico, mas o teológico ou filosófico], pois se tudo é relativo, como podem dizer que estou errado?
Eu: Cara, se eu ficar conversando com você, não vou parar nunca! Vai ter assunto bom para discutir assim lá longe!
Filipe:: rsrs.. Não sei de você, mas sou melhor nas palavras via internet. Face a face não sou "bom".
Eu: Penso melhor escrevendo do que falando. Mas sonho melhor do que escrevo...
Filipe: kkkkkkk
Eu: Logo, penso melhor quando sonho... Pena que não me lembro de quase nada quando acordo... Também sou como você, melhor virtualmente do que fisicamente. O prof. Olavo de Carvalho diz que o mundo é virtual, que o factual é apenas uma amostra do virtual, se é que entendi direito.
Filipe: rsrs... Rapaz, o Alberto chegou. Preciso ir! Um abração!
Eu: Manda um abraço para ele! E pergunta se ele gostou do livro que ganhou no Sorteio do Kálamos... Também vou! Na verdade, já devia ter ido! Abração! Fica na paz!
Filipe: Ah, ele falou que gostou muito do livro.
Eu: Beleza! Vai lá, e veja se não come muita pizza, ok!

Nota: [1] Série: Mistério, Paradoxo e Contradições Aparentes - Parte 1 e  2  


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29 agosto 2011

Haraquiri teológico - Parte 2: a ignorância não protege ninguém!

Por Jorge Fernandes Isah

A doutrina do "não-senhorio de Cristo"[1] nada mais é do que a repaginação de outra distorção, uma nova vestimenta para algo velho também chamado de antinomismo [gr. Anti=contra + Nomos=lei, literalmente quer dizer contra a Lei], em que a obediência consciente, objetiva e voluntária à Palavra de Deus é confundida com o legalismo, e assim se tem uma justificativa para se transgredir a Lei, assumir a imoralidade, destruindo os fundamentos essenciais do Cristianismo, de forma que a igreja se torne ineficaz, não ultrapasse o limite que a torne em sal e luz em meio a uma sociedade transgressora e que cada dia mais rejeita qualquer noção, por menos que seja, proveniente da revelação divinamente expressa. É uma nova tentativa de anular o Evangelho e a obra completa de Cristo na vida do eleito; de anular o Evangelho e obra de Cristo na igreja; de anular o Evangelho e a obra de Cristo no mundo. Esses homens pregam o antievangelho, cujo fim é a morte.

O problema está sempre em abandonar aquilo que a Escritura diz e que foi corroborado através dos séculos pela igreja. Uma interpretação que suprima um princípio ou descontextualize a Bíblia implicará na heresia ou no erro [ambos se misturam de tal forma que é difícil separá-los, ainda que se tente fazê-lo tenazmente]. E aqui encontramos dois pilares do Cristianismo que têm sido alvos dos inimigos de Deus, os quais muitos que se dizem cristãos combatem ferozmente: a Escritura como palavra divinamente inspirada, inerrante e infalível, e a igreja. Não é interessante o empenho de quem diz ser a Bíblia a sua regra de fé, mas colocam-na sempre em dúvida? E igualmente interessante que exista uma igreja universal e celestial mas sem a necessidade de que haja um corpo local? Diz-se normalmente que a igreja é formada pelos salvos, de que são os homens e não os templos construídos por mãos que tornam-na igreja. E nisto, eu concordo. Porém, não é estranho que a igreja, para eles, seja um agrupamento etéreo, metafísico, diáfano, apenas formado pelas almas/espíritos dos eleitos? Sempre penso: onde entra o corpo nesse esquema, visto serem os homens formados por corpos/almas? Parece uma igreja de ficção científica, possível de se idealizar, mas impossível de se realizar aqui neste mundo.

Acontece que tem de haver uma fragmentação, dissociação, ruptura, na doutrina bíblica para poder se criar algo tão equivocado como a teologia do não-senhorio de Cristo. Seria o mesmo que se querer um cristianismo sem Cristo, onde ele apenas nos salvaria sem jamais ser o nosso Senhor. Seria negar toda a Escritura em seu princípio mais evidente: Cristo como Senhor e Salvador. Na maioria das vezes em que Cristo é apresentado na Escritura é-o  como Senhor e como Salvador. A profusão de vezes em que a Bíblia se refere a Deus como Senhor é esmagadoramente maior do que quando ela se refere isoladamente a ele como Salvador. Em quase todas, quando se utiliza a designação Salvador para Deus, ela vem associada à palavra Senhor. É uma prova incontestável de que Deus não pode apenas salvar a quem não está debaixo do seu senhorio. Assim é-nos revelado que para sermos salvos é necessário que sejamos também escravos de Cristo. Separá-lo nada mais é do que se criar um outro cristo, um cristo não bíblico, parte de um cristianismo não-bíblico, não revelado; e que nem mesmo pode ter um "reino" visto não haver súditos para formá-lo. Penso que o autonomismo e a ignorância, tão vivamente difundidos nos últimos séculos, têm levado o homem a uma ruína cada vez maior, pois o tem lançado em um labirinto onde não há saída ou, quando muito, as "saídas" tem-no tornado ao mesmo lugar. Permanece-se o círculo vicioso em que o indivíduo necessita desesperadamente de ajuda mas não a quer, porque sequer imagina-se capaz de precisar dela; em sua autosuficiência ele definha-se enquanto se imagina enrobustecer.

Imaginemos um rato enjaulado. Ao se abrir a portinhola da gaiola, o que ele fará? Ainda que tenha nascido na gaiola e não conheça nada além dela, mesmo que se gaste algum tempo, ele se aventurará pela porta que o levará à liberdade. No caso do homem, ele não reconhece a porta, não a vê, e prefere manter-se preso entre as grades. Ele não admite que pode fazê-lo, e por isso não faz; então bate a cabeça nas grades, lança-se ao chão, escala as paredes e se joga lá do alto, corre desarvoradamente no cubículo, mas não pode ver a abertura que o tirará dali. A sua própria incapacidade de perceber o que é bom, legítimo e verdadeiro, coloca-o na única opção possível: perceber apenas o falso e enganoso, explorando-o à exaustão. Com isto não quero dizer que os ratos são melhores ou mais capacitados do que o homem, porque os ratos não vivem a realidade humana, nem estão afeitos às mesmas consequências que o homem. O rato não é um ser moral, não toma decisões morais, nem pode sofrer por tê-las ou não, já que não as têm. O rato não tem uma consciência que vá além das suas necessidades básicas: a sobrevivência. Ainda que seja um animal social, ao viver em bando, questões como o bem e o mal não lhe afetam, nem o move a decisão, mas apenas e tão somente a subsistência do bando. De certa forma, o bando é o "indivíduo" pelo qual o rato vive e existe. A sua realidade é outra; a sua liberdade é outra; o que o leva a sair não é o mesmo que leva o homem a ficar, ou o moveria a escapar; pois o homem, ao contrário do rato, é um ser moral, mesmo que ele a rejeite ou viva imoralmente. O fato de se ser imoral pressupõe a existência de uma moral, de forma que a imoralidade nada mais é do que a rebelião. E essa revolta é contra o próprio Deus, visto ser ele quem estabeleceu quais são os princípios  morais e a ordem do homem ser dirigido por eles. Não há escolha! Portanto, quer se queira quer não se queira, o homem é e sempre será um ser moral; e toda a sua vida será guiada pelo desejo de se manter obediente a ela ou não. Apelar para a imoralidade representará apenas a não-obediência, como uma decisão que está anos-luz da ideia de neutralidade ou melhor, da ideia de nulidade ou de aniquilação da moral. A moral subsiste no homem, independente dele reconhecê-la ou não. Por isso a questão do homem que não pode ver a porta que o levará à liberdade é ainda mais grave: ele não a alcança exatamente porque sua consciência moral foi de tal forma afetada pelo pecado que o tornou escravo do pecado; mesmo que estivesse livre para fugir, não conseguiria.


Mas qual seria essa liberdade que o homem despreza?  Cristo, ora! pois, "o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" [2Co 3.17]. Sem o agir do Espírito, o homem não verá a abertura, ainda que esteja tão próximo que, dado um passo, o levaria à liberdade; mas esse passo ele não pode dar por si mesmo. Foi o que o Senhor disse: "Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" [Jo 8.31-32]. E Paulo complementou, referindo-se exatamente ao senhorio de Cristo: "Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos" [At 17.28]A vida de muitos é simplesmente mentirosa, falsa, de maneira que estão aprisionados em uma realidade atroz, sem chance de saírem pelos seus esforços. Eles permanecerão inúteis, e gastar-se-ão até à morte. Por isso, quando as pessoas dizem: "vou comprar uma Bíblia que tenha uma linguagem mais atual", eu entendo que isso signifique algo que seja diluído à exaustão até não haver mais mensagem alguma ali, de maneira que a ignorância seja alimentada e privilegiada... E para se ser ignorante, não é preciso muito esforço.

Quando as pessoas recusam-se a ler e estudar, se informarem além das ondas do JN ou da sopa de letrinhas dos tablóides diários, não querem nada além do manterem-se protegidos na ignorância.

Quando sites, blogs, livros, programas e workshops ditos cristãos refletem apenas a escuridão que há no homem, rejeitando completamente o Espírito revelacional, se tornam em farsantes como muitos insistem em não se assumir; tudo como parte de uma espiritualidade doentia e maligna.

A questão é que a ignorância não protege ninguém, antes lança-os no covil dos lobos, e ali, sem nenhuma proteção, além de serem assaltados serão devorados rapidamente. Vivemos tempos de privilegiar a desinformação, de privilegiar as sensações, de privilegiar tudo aquilo que pode tirar o homem da sua realidade, de forma que ele não a veja, e seja transposto para um local ainda mais escuro, tão escuro que ele é capaz de tropeçar nas próprias pernas. A Bíblia chama esse lugar de trevas, privação completa de luz. E a luz é Cristo, também chamado de a Palavra, na Escritura.

O que muitos distorcidamente alegam é que Cristo, como sendo a Palavra, não é necessariamente a palavra revelada expressamente; como se pudéssemos dissociá-lo da sua revelação, a mesma revelação que o revelou a nós. O próprio significado de "Palavra" para essa turma pode ser qualquer coisa: o espasmo de um cão hidrófobo, o suspiro de um gato preguiçoso, ou a letra "inspirada" da última sensação musical, ou qualquer lixo produzido sob inspiração diabólica. Deus pode falar ao homem de várias formas não autorizadas, e isso não é ignorância mas um alto nível de espiritualidade, ao ver deles; mas afirmar que ele se revelou integral e exclusivamente através da sua palavra inspirada é o atestado de estupidez, ainda ao ver deles. Paulo, inspirado divinamente, disse: "Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus" [1Co 1.18]. O que me leva a pensar: o que eles têm verdadeiramente? Além de si mesmos? Nada. E o que podem contribuir com o que têm? Nada. E ainda assim fazem péssimo uso do que têm; porque "àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado" [Mt 13.12].

O único meio de se chegar ao conhecimento de Cristo é através da Escritura, que por ele foi-nos revelada, sendo ela a sua palavra. Mas as pessoas consideram possível tê-lo sem ser necessário tê-la; só é preciso que expliquem a si mesmas como se é possível conhecê-lo sem que ele seja revelado pela única fonte capaz de mostrá-lo. São as sutilezas do mal, como se houvesse delicadeza nas presas mortíferas de uma serpente.

Por isso, esse ideal maligno e rebelde de se ser salvo sem se ter um Senhor não pode continuar dragando vidas impunemente. Tem de ser revelado como aquilo que é em toda a sua desonestidade, imoralidade, como uma calamidade, uma desgraça que levará ao declínio, à degeneração, à impossibilidade real de consciência daquilo que se é e do que se precisa para deixar de ser, e se tornar no que se deve ser: igual, semelhante a Cristo. Ao se manter o homem numa espécie de satisfação doentia, um torpor psicótico com o pecado, está-se impossibilitado de viver a vida como Paulo nos disse que deveríamos viver, assim como ele vivia: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim" [Gl 2.20].


O que todos os alvoroçados com a falsa representação mental de que se pode ser algo sem ser necessário sê-lo ainda não descobriram é que, como naquela velha história do cobertor curto, se cobre-se a cabeça, descobre-se os pés e vice-versa. Deus somente realizará a sua obra segundo os seus princípios, as suas normas e, por mais atraentes que possam vir a ser qualquer plano arquitetado pelo homem, devemos reconhecer que ele não é o plano divino. Sendo imperfeitos, pecadores e desobedientes, manejaremos aquilo que favorecerá a nossa imperfeição, pecado e rebelião. Ou seja, aperfeiçoaremos o imperfeito de forma que ele se tornará cada vez mais imperfeito. Seria como alguém diante de um doente, sem saber efetivamente o mal que lhe acomete, manejando uma prateleira de substâncias diferentes também sem conhecê-las, sem ao menos poder identificá-las, pois não apresentam rótulos. Certamente ele administrará um remédio que não curará o doente, piorando o seu estado. Sem saber quem somos e porque somos, qualquer solução será perigosa quando não mortal. Apenas Deus nos conhece, e tem o remédio na proporção correta e eficaz, capaz de curar. Desprezá-lo, e entregar-se aos seus próprios devaneios e loucuras, é o mesmo que considerar um privilégio estripar-se a si mesmo. E o haraquiri[2] nunca absolveu alguém, antes o que ele deixa evidente é a condenação.

Nota: [1] Leia a primeira parte deste texto AQUI
[2] Haraquiri - Técnica de suicídio praticada por membros da classe guerreira japonesa. A pessoa que comete haraquiri faz uma incisão em seu abdome, de determinada maneira prefixada, e estripa-se a si mesma. O termo japonês para designar esse ritual é Seppuku.
[3] Este texto é uma ampliação ao que foi publicado no blog "Cotidiano Cristão", cujo título é "Como ser 'salvo' e ainda ir para o inferno!"
[4] Indico, como complemento, a leitura do texto "O que não é, pode não ser mesmo, se não for. Mas, e se for?", bem como o livro do pr. John MacArthur Jr. "O Evangelho Segundo os Apóstolos", publicado pela Editora Fiel.
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18 agosto 2011

Haraquiri teológico - Parte 1: um reino sem súditos!











Por Jorge Fernandes Isah


Existe um movimento em progressão na igreja, que é a própria negação da igreja, e se resumiria na inadequação e acomodação dos conceitos mundanos a uma suposta vida cristã, não revelada como o sábio e perfeito conselho de Deus, pelo contrário, repudiada e condenada pela Escritura. Infelizmente a maior parte dos ataques que a igreja cristã sofre atualmente provém de suas próprias fileiras; o joio, misturado ao trigo, tem-se levantado para desarraigar o que Deus plantou, e assim fazer da igreja uma extensão do mundo, uma espécie de sanitário aparentemente higienizado e perfumado, mas que se resumiria a um local onde as pessoas defecam pelo chão e se esfregam nas paredes para limparem-se. Seria um local onde alguns poderiam amenizar suas dores, mas que se resume a um paliativo, um anestésico que aplicado sistêmica e subliminarmente, afasta-os do Evangelho, impedindo-os de reconher a verdade, acomodondo-os à má-consciência, à mentira deslavada e vergonhosa, como é toda mentira. O problema é a impossibilidade de se limpar um cômodo enchendo-o de lixo e entulho; da mesma forma a alma humana somente pode ser despoluída pelo puro Evangelho, que trará ao homem doente a cura através do arrependimento pelo qual vem o perdão: "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos de refrigério pela presença do Senhor" [At 3.19] [1].

Os agentes infiltrados têm por objetivo levar a cabo o plano de tornar irrelevante o conselho do próprio Deus para os homens; e é dessa forma que os idealizadores do movimento agem [ainda que muitos adeptos não se aperceberam disso, cegados e iludidos pelos apelos do próprio coração]. Como Paulo nos alertou: "Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho, e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si." [At 20.29-30].

Mas do que estou falando? De uma corrente que se diz evangélica e que trabalha laboriosamente contra o Evangelho chamada “movimento do não-senhorio de Cristo”.

Em linhas gerais, para quem ainda não sabe, este grupo afirma que alguém pode ser salvo sem a necessidade de se apresentar um fruto sequer. A salvação, pela graça, em si mesma não está atrelada à santificação ou ao testemunho que o salvo deveria dar, nem aos frutos que deveria produzir. De tal forma que, contrariamente ao que a Bíblia afirma, o cristão pode ser salvo mesmo sem arrependimento, sem fé, sem testemunho, sem saber que foi salvo, sem mesmo querer sê-lo, bastando-lhe apenas e tão somente a graça de Deus; uma graça que pode passar completamente desapercebida, e pela qual não se terá nenhum sentimento de gratidão. É como se eu usasse uma mesma camisa todos os dias, sem tirá-la do corpo, sem a concepção de que ela exista. Ou comesse atum todos os dias, em todas as refeições, e jamais me apercebesse do que estava comendo, e mesmo da existência do próprio atum. É claro que são fíguras de linguagem precárias, especialmente quando se refere à salvação, mas a ideia de um crente completamente alheio à sua salvação é algo muito mais absurdo ainda.

O que torna essa falsa doutrina algo realmente perigoso é o fato dela conter parte da verdade, de ter em seus princípios algo verdadeiro, mas que somente está ali para facilitar o estratagema enganoso de capturar os incautos para um sistema completamente falacioso, perverso e maligno. Uma mentira, ainda que tenha elementos verdadeiros, continua e permanece uma mentira. Basta uma lida na passagem em que o Senhor Jesus é tentado no deserto pelo diabo [Mt 4.1-11] para se perceber como a astúcia, a habilidade para o mal e para o engano, pode-se confundir com a verdade, camuflando os seus reais intentos. Como alguém já disse alhures: meia-verdade é mentira inteira!

Sabemos que a salvação é dádiva e favor completamente divinos, onde o homem não pode participar de maneira alguma, sendo apenas o alvo de toda a obra redentiva planejada e executada por Deus. Não se pode colaborar em nada com ela[Ef 2.8-9]. Mas ela pressupõe um processo, ainda que tenha sido decretada eternamente. E esse processo também é decretado, de tal forma que o salvo terá fé, arrepender-se-á, será regenerado, santificado, e dará frutos para a glória de Deus [não nesta seqüência, necessariamente]. Portanto, um salvo não precisará das obras para a salvação, mas as obras confirmarão a sua salvação. Portanto, nós, os salvos, somos feitos do alto, "criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas" [Ef 2.10]. Em outras palavras, os frutos não precedem a salvação, mas a sucedem, de tal maneira que por eles é possível se saber a sua procedência. Como o Senhor nos diz: “Por seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis” [Mt 7.16-20].

Alguém poderá dizer: “mas, nessa passagem, Cristo está a falar dos falsos profetas e mestres”. É verdade, mas ela serve perfeitamente para os cristãos também, porque se é possível distinguir o engano e a mentira através dos maus frutos, é-se possível distinguir a verdade através dos bons. O cristão dará bons frutos que revelem a sua semelhança com Cristo e a sua filiação ao Pai.

O que o movimento do “não-senhorio de Cristo” proclama é que Deus salvará o homem ainda que ele não saiba, não queira, e não seja capacitado a testemunhar a sua eleição. Poderá mesmo continuar tão ímpio que não haja diferença em sua natureza. Mas tudo isso é avesso e alheio à verdade, ao que a Bíblia nos revela, porque o homem, para ver o reino de Deus, terá de nascer de novo. Foi o que Cristo disse a Nicodemus: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” [Jo 3.3]. Da mesma forma, o Senhor também disse que seriamos reconhecidos como seus discípulos se amássemos uns aos outros [Jo 13.35]; ou seja, os frutos são uma espécie de atestado daquilo que somos, do que nos tornamos pelo poder Deus. Se o homem mantém a sua velha natureza e não reconhece a necessidade do arrependimento, do perdão divino, e de se sujeitar ao senhorio de Cristo, esse homem permanece morto em seus delitos e pecados [Ef 2.5], e carece de ser vivificado por Deus.

É estranho que haja entre aqueles que se dizem discípulos de Cristo quem defenda o não discipulado a um salvo. O argumento é autocontraditório, pois se é-se discípulo de Cristo, recebe-se o ensino de Cristo, e com ele aprender-se-á. E se dizem que o discipulado é desnecessário, em si mesma essa afirmativa já é um ensino, um ponto ou princípio definido por um sistema de crenças, que foi ensinado e aprendido. Na verdade, essa é a condição para se proteger de maneira eficaz todo o sistema distorcido e inválido do "não-senhorio de Cristo", de forma que os tolos aprendam necessariamente um único aspecto normativo: o discipulado é supérfluo, pois nada se precisa aprender além dessa falsa premissa ensinada.

Interessante que a doutrina do “não-senhorio” reconhece a parte mais fácil para o homem [a salvação, pela graça de Deus], mas sem as suas implicações diretas [a servidão, a sujeição ao Senhor; que resultará na morte do velho homem e no surgimento do novo homem]. Paulo diz que estamos mortos para o pecado, então como é possível ainda vivermos nele? [Rm 6.3]. "Assim também vós considerai-vos certamente mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor" [Rm 6.11]. Há um claro conflito de interesses entre o que dizem os proponentes do "movimento do não-senhorio" e o que a Bíblia nos revela. Ao ponto deles considerarem irrelevante o ato de se pecar ou não, pois já estão debaixo da graça, logo, quer pequem, quer não pequem, isso em nada afetará as suas condições de salvos. Para eles, qualquer alusão à Lei e à santidade não passa de legalismo, de hipocrisia, visto que ninguém consegue se ver livre totalmente do pecado. Ora, uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. O fato do homem regenerado ainda pecar, não é o mesmo que pecar deliberadamente. Por deliberado quero dizer, convicto, decidido, disposto a levar às últimas consequências o ato pecaminoso. O homem regenerado, ainda que conviva com os seus pecados, sente-os como um peso, um fardo duro de carregar; ele titubeia e oscila entre o fazer e o não fazer antes de fazer; feito, arrepende-se e é perdoado por Deus. Mas mesmo depois disso, ele ainda é capaz de experimentar uma certa angústia, de se aborrecer, se entristecer, pois tem a nítida noção de que seu ato ofendeu a Deus. Como está escrito: "Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte" [2Co 7.10]. Por isso, alguém que se considera salvo e nunca tenha se arrependido diante de Deus, somente receberá o salário do pecado: a morte! [Rm 6.23]. Porque é impossível ser salvo sem ser servo, ou de receber a redenção sem se sujeitar ao Redentor. O que eles querem é um reino sem súditos, e súditos sem reino.


- Continua -

Leia também "Haraquiri Teológico - Parte 2: a ignorância não protege ninguém

NOTAS: [1] Esta é uma perspectiva do ponto de vista temporal e humana, pois é certo que o perdão de Deus é eterno e imutável, assim como o próprio Deus é etrno e imutável; logo, muito antes de virmos a nos arrepender no tempo, ele já nos perdoou eternamente, pois a obra de Cristo na cruz foi decretada também na eternidade. Leia o texto "Santidade: Temporal ou Eterna?", onde desenvolve melhor este ponto.
[2] Haraquiri - Técnica de suicídio praticada por membros da classe guerreira japonesa. A pessoa que comete haraquiri faz uma incisão em seu abdome, de determinada maneira prefixada, e estripa-se a si mesma. O termo japonês para designar esse ritual é Seppuku.
[3] Este texto é uma ampliação ao que foi publicado no blog "Cotidiano Cristão", cujo título é "Como ser 'salvo' e ainda ir para o Inferno!"
[4] Indico, como complemento, a leitura do texto "O que não é, pode não ser mesmo, se não for. Mas, e se for?", bem como a leitura do livro do pr. John MacArthur Jr. "O Evangelho Segundo dos Apóstolos", publicado pela Editora Fiel.
[5] Se tiver problemas na visualização e leitura do texto, vá até ao "Klone" do Kálamos e leia lá!


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10 agosto 2011

Dupla Predestinação, o Barro "decaído" e a Arbitrariedade de Deus











Por Jorge Fernandes Isah

A partir do livro Eleitos de Deus, de R. C. Sproul, farei algumas considerações sobre a sua abordagem relacionada à dupla predestinação, o barro "decaído" e a arbitrariedade de Deus. Boa parte desses argumentos podem ser lidos nos meus comentários ao livro, disponíveis aqui

Ressalto ainda que o meu intento não é o de polemizar pelo simples gosto da polêmica, mas revelar os meus pensamentos e fazer com que tanto eu como o leitor pensemos a partir do próprio texto bíblico. Não estou a sugerir nenhuma "saida" das Escrituras, nem uma tentativa estúpida de explicar algo inexplicável. Ao meu ver, o que tem feito os crentes permanecerem vulneráveis ao mundo e a si mesmos [em suas pressuposições] é exatamente o medo de ver na Bíblia aquilo que ali está revelado. Sem fazer-me dono da verdade ou especulador, nem exaustivo no que me proponho: uma reflexão a partir de considerações escriturísticas; o que pode levar muitos ao estudo sério de algumas questões que nem mesmo cogitamos pensar. O que acabará por nos tornar em replicantes de um esquema intruso à Bíblia, reverberando o deleite que o homem tem de ouvir sua própria voz. Então, sem mais delongas, mãos-à-obra!

Na questão da dupla predestinação, ainda que Sproul tente amenizar a eleição dos réprobos, ao dizer simplesmente que Deus escolheu os eleitos e deixou de lado ou à própria sorte os réprobos, não neutraliza a idéia do favor divino, da sua escolha dos eleitos para a salvação; e o desfavor, mas ainda assim uma escolha, dos ímpios para a perdição.

Da mesma forma, dizer que Deus não endurece efetivamente o coração ímpio, mas retira a restrição do pecado sobre eles, deixando-os livres para pecar, é muito simplória e faz o malabarista derrubar todos os pratos no chão e estatelar-se sobre eles, além de não haver respaldo bíblico para essa conjectura.

Usar termos como "endurecimento passivo", "entregá-los ao pecado", "decreto positivo e negativo", "destinação não simultânea", etc, são eufemismos, com o objetivo de suavizar aquilo que Deus empregou objetivamente como sua revelação. Ainda assim, por mais que se tente enfraquecê-los, eles não excluem de Deus o desejo de que seus corações sejam endurecidos, os pecadores se voltem mais e mais ao pecado, e de que destinando alguns para a salvação, estará destinando os demais para a condenação. É fato que Deus não os quis salvar; é fato que ele quis condená-los. Então, por que a necessidade de se tentar "aliviar" Deus quando Ele claramente diz o que fez e por quê fez? Não seria uma forma de subestimá-lo, e de até mesmo considerá-lo imperfeito, um "pobre-coitado" que necessita de nossos artifícios toscos e e imprecisos para defendê-lo do que não quer e nem precisa se defender? Necessitando que o adequemos aos nossos defeitos para assegurar-lhe a perfeição? Isso cheira mal, algo muito próximo da rebeldia ou, na melhor das hipóteses, ignorância disfarçada de piedade. Em muitos casos é não querer aceitá-lo como é; em outros é a incapacidade de vê-lo como se revelou-se a nós.

Sproul chegou ao ponto de utilizar a passagem de Ex 7.2-5 [quando Deus afirmou a Moíses que endureceria o coração do Faraó] como um exemplo de endurecimento passivo, onde Deus não interviu diretamente no coração do Faraó, mas ao remover a sua restrição sobre ele, deixou que "as inclinações malignas de Faraó fizessem o restante"[1]. Ao que pergunto: se isso não é o mais escancarado malabarismo argumentativo a fim de tirar de Deus o poder de mover a vontade do Faraó a fim de que se cumprissem exatamente os seus desígnios eternos, o que mais pode ser? De certa forma, não passa de uma tentativa ilusória para transformar o irreal em verdade através de hábeis jogos semânticos.

Passiva ou ativamente, o Faraó não cumpriu o decreto divino? Tal qual ele foi estabelecido na eternidade? E, ainda que passivamente [especulativo], estaria-se a dizer que Deus obteve o resultado desejado sem querer produzi-lo? E se Ele não quis produzi-lo, quem o produziu? Nós? Há uma nítida inversão de papeis e de valores; sempre como uma justificativa para eximi-lo de uma suposta culpa, o que redundará em uma tentativa, mesmo inconsciente, de desprezá-lo e a sua santidade, sabedoria e perfeição. Antes, deveríamos agir como Jó, que mesmo reconhecendo que Deus pode tomar aquilo que deu, não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma, mas bendizeu o nome do Senhor [Jó 1.21-22]. É a pergunta-resposta que ele profere à sua esposa, que o incitava a blasfemar contra Deus: "Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?" [Jó 2.10]. Esta deve ser a atitude de um servo diante do seu Senhor, ao invés de se buscar formas sofisticadas de murmuração e distorção da verdade.

Da mesma forma, ao referir-se a Rm 9, Sproul diz: "Soa como se Deus estivesse ativamenbte fazendo pessoas ser pecadoras. Mas isso não é requerido pelo texto... veremos que o barro com o qual o oleiro trabalha é barro 'decaído'. Um pouco de barro recebe misericórdia para tornar-se vaso de honra. Essa misericórdia pressupõe um vaso que já está culpado. Da mesma maneira, Deus precisa 'tolerar' os vasos de ira, próprios para a destruição, pois eles são vasos de ira, culpados"[2].

Não sei quanto a você, mas me parece outro contorcionismo desnecessário para não concluir o que o texto bíblico evidentemente afirma: Deus é quem faz os vasos de honra e os vasos de ira, lançando "as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou" [v.23]; assim como a "sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição"[v.22].

Quem preparou? Quem destinou? Quem é o oleiro? Ou seja, quem fez os vasos destinando-os a ser o que são? Se não foi Deus, quem foi? Outro deus? Satanás? O homem? Mas se mesmo o mal, e apenas o mal e o pecado, não foi criado e ordenado à existência pelo Senhor, Ele não é soberano, e estamos de alguma forma enganados ou sendo enganados. Se como a Bíblia assegura que não há outro deus além do Senhor, e de que Ele é o criador de todas as coisas, por que ainda resistimos? Por que não nos sujeitamos às evidências internas das Escrituras? Certamente porque os nossos conceitos e argumentos não se encontram em unidade e harmonia com essas manifestações certeiras; os quais penetram sorrateiramente pela porta dos fundos, como se fizessem parte da revelação proposicional quando não passam de parasitas a provocar a verdade, no exercício de induzir o crente a uma aventura desastrosa, a culminar numa imagem distorcida de Deus.

O barro não existia previamente antes de Deus fazê-lo existir. O barro "decaído" não decaiu alheio à vontade de Deus, à sua revelia, por vontade própria. O barro "decaído" não foi autocriado, ou criado por outra "força". O barro "decaído" surgiu pelo poder e vontade de Deus, e apenas por Ele poderia existir. O mesmo poder que destinou alguns para a glória e outros para a perdição. Ou seria possível ao homem escolher a forma como Deus o faria? E de como sería? Por exemplo, a cor dos olhos, cabelos ou pele? E o que dizer de coisas como o estado pecaminoso e o redentivo? Afinal, qual poder temos sobre nós mesmos? E a história? E a eternidade?

Fico com a impressão de que o autor quer ao mesmo tempo dizer e não dizer o que diz. E suas atenuações acabam por enfraquecer e confundir o conceito de soberania, predestinação e eleição divinas.

Isso é manipulação teológica, com todo o respeito e admiração que o Dr. Sproul merece. Bastaria ater-se ao texto bíblico, que é claro e límpido como água [especialmente os dois textos citados], sem a preocupação de imputar a Deus qualquer injustiça, pois, o menor pensamento de que isso seja possível somente poderá vir de uma mente doentia e caída; de uma mente não regenerada e carente da misericórdia divina. Nesses casos, vale a mesma resposta dada por Paulo: "Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?"[Rm 9.20].

Outra questão é a definição de arbitrário. Ele afirmou que Deus não é arbitrário, porque "por si só, ser arbritário é fazer alguma coisa por nenhuma razão"[3]. Bem, acho que esse conceito do autor, demonstra o seu nível de excentricidade, ou seria arbitrariedade?

A palavra arbitrário designa alguém que decide como árbitro, que não é regulado por leis, mas só depende da sua vontade. Nesse sentido, Deus é completamente arbitrário. Há algo igual ou superior a Ele, ao qual esteja condicionado? Deus faz exatamente tudo aquilo que quer, como quer e da maneira que quer, segundo a sua perfeição, santidade e justiça. E quem somos nós para questioná-lo? Ou para moldá-lo a um padrão humano?

Não nascemos por nossa vontade, nem escolhemos o país, os pais, sexo ou nível de inteligência que gostaríamos de ter. Nascemos pecadores sem desejar sê-lo; somos eleitos sem querer sê-lo; e muitos irão para o inferno sem querer ir. Essas coisas todas aconteceram  e acontecerão à nossa revelia, pela arbitrária vontade divina. Então, considero Deus arbitrário  no sentido de que tudo no universo acontecerá segundo o seu arbítrio, sem nenhuma consulta prévia, sem nem mesmo Ele se preocupar se suas decisões agradarão ou não à sua criação. E, por que? Porque ele é santo, justo, perfeito, sábio, Todo-Poderoso. E porque somos pecadores, injustos, imperfeitos e tolos, criaturas metidas a besta, julgando ter algum poder quando não temos nada, e o pouco que temos [o que é muito para a nossa condição] provém dele, e é por ele, para a sua glória.

Descrever a vontade divina como não-imperativa, não-absoluta, em que o governo de Deus não depende exclusivamente de si, nem é independente do universo governado, é professar a maior heresia que o homem é capaz de produzir. Numa tentativa tola de diminuí-lo aos nossos olhos. Portanto, concluo que Deus é arbitrário, e não há como não ser. Em qualquer situação que se vá explicar a soberania divina, não há como não ligá-la à arbitrariedade.  Senão não estaríamos falando de Deus, mas de deus, algo diminutivo, depreciativo, frágil como nós.

Nos aspectos citados, a despeito de muita coisa valorosa e pautada biblicamente que o Dr. Sproul diz e escreve, não posso concordar com suas afirmações. Elas me parecem como o marido desesperado que, ao encontrar a esposa em adultério no sofá da casa, joga fora o sofá.

Notas: 1 - Eleitos de Deus - R. C. Sproul - Editora Cultura Cristã - página 109;
2 - Idem - página 114;
3 -  Ibidem - página 116;
* Texto publicado originalmente em 05.02.2010, aqui mesmo, ao qual fiz pequenos ajustes.


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03 agosto 2011

Pode o cristão se casar com uma incrédula?














Por Jorge Fernandes Isah

Alguém pode pensar que este é um assunto morto. Tanto quanto o defunto mais velho enterrado no cemitério da sua cidade. Porém, isso me parece muito mais uma atitude para se afastar do assunto, rejeitá-lo ou negligenciá-lo, do que propriamente conhecê-lo à luz da Escritura.

Há muitos que consideram normal o casamento misto. Afinal, o marido crente abençoa a mulher não-crente, e vice-versa. Mas esquecem-se de que o contexto para esta afirmação não se encontra antes do casamento, quando um(a) crente poderia casar com uma(um) incrédula(o) e assim obter de mais tempo e empenho para convertê-la(o). Paulo nos diz que isso acontece quando dois incrédulos se casam, e no decorrer do casamento, um deles se converte a Cristo. Como o casamento é indissolúvel, não há porque o recém-convertido se separar da outra parte, a menos que esta não queira viver com ele.

Não há garantias de que um crente, casando-se com uma incrédulo, poderá levá-la a Cristo. Ora, como Paulo disse: "Porque, de onde sabes, ó mulher, se salvarás teu marido? ou, de onde sabes, ó marido, se salvarás tua mulher?" [1Co 7.16]. A salvação é divina, e somente Deus poderá salvar ou não; mas o crente é chamado à obediência; e a Escritura é clara em fazer separação entre o fiel e o infiel. Portanto, considero essa posição [e há pastores, líderes e muitos de nós que a defendem] como um conselho temerário, senão, vejamos:

1) Como crentes, desaprovamos a desobediência a Deus;
2) Segundo os defensores do casamento misto, a desobediência tem um elemento que justifica a rebeldia, ou seja, o altruísmo de se levar o futuro cônjuge a Cristo, valendo-se da piedade por sua alma. Mas isso nada mais é que enganar-se, achando que o erro pode se converter em acerto pelo simples desejo do nosso coração de que assim ele seja.
3) Levando-nos à conclusão de que o crente, mesmo em rebeldia, deve buscar por uma bênção por seus próprios meios e esforços, à parte do preceito divino de que lhe devemos, sobretudo, obediência.

A coisa toda fica pior quando se utiliza do exemplo de Salomão, o qual se entregou aos casamentos mistos, para ratificar esse pecado. É evidente que a Bíblia nos revela os erros de Salomão não para serem seguidos, mas exatamente como um preventivo para que não incorramos neles; ao nos mostrar os efeitos danosos que sobrevieram ao povo de Israel [a idolatria, p. ex.], mas para o próprio Salomão, que também se tornou idólatra, e queimou incenso para outros "deuses", e teve o seu reino dividido, ainda que Deus o poupasse desse desgosto, por amor ao seu pai Davi; mas assegurando-lhe de que sob o reinado do seu filho Roboão, Israel se esfacelaria.

O argumento do casamento misto, nada mais é do que o desejo do desobediente de convencer-se a si mesmo de que existem motivos nobres e piedosos para se aventurar a uma empreitada que significará rebelião e pecado. É isso mesmo! Quem age deliberadamente assim não comente nada além do que pecado! E o pecado é o desprezo ao próprio Deus.

Muitos também alegam que Deus pode abençoar o crente na desobediência. É possível? Sim, claro! O que, contudo, não absolve o crente em sua desobediência, ao rejeitar o princípio tão claramente exposto na Escritura, a separação que Deus estabeleceu para o seu povo. Fato é que o desobediente será disciplinado por isso, caso seja realmente um filho de Deus. Do contrário, a ira do Senhor estará sobre ele, para todo o sempre.

Então, pode-se perguntar: o que o(a) crente deve fazer caso tenha se casado com uma(um) incrédula(o), e reconhece que pecou? Meu conselho é: arrependa-se! E dê o melhor testemunho cristão para que o(a) cônjuge também se arrependa de seus pecados, reconheça Cristo como Senhor e Salvador pessoal, e assim, formem um lar santo, em que a obediência aos preceitos divinos traga frutos de glória para o bom Deus.

Nota: Texto originalmente publicado no "Cotidiano Cristão", blog que tenho o prazer e a honra de dividir com o irmão Filipe Machado
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